Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 A FUNÇÃO SOCIAL IMPLÍCITA NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE INSTRUMENTOS COLETIVOS DE TRABALHO A SOCIAL FUNCTION IMPLIED IN THE PROCESS OF PREPARATION OF COLLECTIVE WORK TOOLS Ricardo machado1 Luis Fernando de Souza Doniak2 Resumo: o presente estudo se balizou numa breve reflexão acerca da história do trabalho e do surgimento do direito do trabalho, buscando-se abordar o momento do surgimento do sindicato profissional e, com isso, estabelecer qual a função social que se assume por intermédio dessa instituição. Estabeleceu-se por meio de qual instrumento essa função se revela com mais intensidade e, fazendo-se uma análise crítica de um determinado instrumento coletivo de trabalho, com o intuito de demonstrar o não cumprimento dessa função social, apresentou-se possíveis motivos que contribuem à inobservância dessa esperada função social. Palavras-chave: Trabalho. Sindicato. Função Social. Instrumentos Coletivos. Abstract: The present study was oriented in a brief reflection on the history of labor and the emergence of labor law, seeking to address the timing of the emergence of the trade union and thereby establish which social function that is assumed through this institution. It was established by means of which instrument this function is revealed with more intensity, making a critical analysis of a particular collective work tool, aiming to demonstrate noncompliance with this social function, presented possible reasons that contribute failure to observe this expected social function. Keywords: Work. Labor Union. Social Function. Collective Instruments. Sumário: 1 – Introdução; 2 - Sobre a História do Trabalho e o Direito do Trabalho; 3 - Sobre O Surgimento dos Sindicatos; 4 - A Função Social dos Sindicatos Profissionais; 5 – Conclusão; Referências. 1 INTRODUÇÃO Quando nos volvemos à atividade sindical, por corolário lógico ligamos à ideia de luta de classes e, por sua vez, já no vem à mente Karl Marx com o seu alerta a respeito do domínio do capitalismo sobre os trabalhadores e que estes deveriam se unir - é o “Manifesto 1 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas na Área de Sociedade, Direito e Cidadania (UEPG). Professor no Centro de Ensino Superior dos Campos Geras – CESCAGE. Advogado. 2 Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho (PUC-PR). Professor no Centro de Ensino Superior dos Campos Geras – CESCAGE. Advogado. 1 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 do Partido Comunista”. A luta de classes sempre existirá, uma vez que o capitalismo sempre tentará sobrepor o trabalho humano. O sindicato surgiu por necessária união dos trabalhadores como forma de se manter um equilíbrio de forças em relação ao empregador. Com a evolução social surgiram-se instrumentos contratuais, autorizados por lei, como forma de estabelecer normas diferenciadas para determinadas classes profissionais onde a legislação não conseguiu alcançar. E é exatamente nesses instrumentos contratuais, firmados por entidades sindicais obreiras, que está inserida uma das mais nobres missões que é a conquista de normas mais benéficas, do que as legais, para serem aplicadas diretamente nos contratos de trabalho. Denominamos neste trabalho essa missão como sendo a função social implícita no processo de elaboração de instrumentos coletivos de trabalho. Portanto, neste trabalho desenvolvemos uma análise crítica buscando esclarecer o desvirtuamento da função social, por conta dos sindicatos profissionais, nas elaborações de instrumentos coletivos de trabalho. 2 SOBRE A HISTÓRIA DO TRABALHO E O DIREITO DO TRABALHO: Para que se possa desenvolver um estudo, mesmo que introdutório, a respeito da história do trabalho e do direito do trabalho, necessário se faz partir de um marco inicial e, portanto, estabelecemos este marco como sendo a definição do vocábulo trabalho, que é o núcleo do objeto de estudo. Defendemos, de uma forma objetiva, que trabalho vem a ser toda e qualquer ação humana, física ou intelectual, voltada para a produção de um bem ou serviço, seja com o intuito de lucro ou não. Partindo-se dessa afirmação, focamos a história do trabalho, inicialmente, fazendo um recorte da realidade e jogando luzes a partir da escravidão. Não se trata de novidade que a escravidão foi uma instituição utilizada por toda a humanidade, isto desde a idade antiga, sendo que à época do século I a.C. as cidades de Roma e Atenas tinham algo em torno de um terço da sua população formada por escravos (FERRARI, 2011, p. 28). Cabe-nos ressalvar que esta classe de trabalhadores, em qualquer época, como forma de contraprestação pelo serviço prestado, tinha apenas a mais precária alimentação e a mais inóspita forma de acomodação, ou seja, era apenas o mínimo necessário para manter a subsistência, o que permitia aos seus patrões explorar sua mão de obra barata aumentando seu lucro por intermédio da utilização da terra. Volvendo-se rapidamente para a época contemporânea, aproximando-se a forma de contraprestação da mão de obra escrava, utilizando-se os institutos trabalhistas vigentes em legislação brasileira, arriscamos afirmar que a remuneração da classe escravocrata era baseada unicamente na forma de salário in natura. Retomando a discussão anterior, podemos afirmar que “a passagem da escravidão para a servidão foi lenta e racional”, esclarecendo ainda que “a relação de domínio debilita-se para que o servo deixe de ser coisa e passe a ser visto como pessoa e, portanto, com capacidade de ser sujeito de relações jurídicas”, transição esta influenciada pelo Cristianismo (FERRARI, 2011, p.29). Na sequência a essa fase da história do trabalho, ainda sob os ensinamentos de Irany Ferrari (2011), surge o trabalho servil, o qual decorre do trabalho escravo, porém este trabalhador passa ser o servo da gleba, ou seja, muito embora não sendo considerado escravo assemelhava-se demasiadamente. Posteriormente, surge o ambulante, uma espécie de trabalhador próximo ao autônomo, com a função de prestador de serviços de forma 2 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 intermediária, figura esta que permitiu o desenvolvimento da economia urbana e na formação das cidades. A partir do século XII, surgem os primeiros trabalhadores assalariados, decorrentes da alta demanda dos artesãos que se viram compelidos a contratá-los. Neste período criaram-se também as corporações de ofício, que na verdade era o agrupamento de artesãos para atender a demanda social, as quais, mais tarde, não dando conta desta demanda, e com o desenvolvimento da economia, permitem o surgimento dos primeiros sinais da supremacia do capital (FERRARI, 2011, p. 37-41). Chega-se, por consequência, a Revolução Industrial, no século XVIII e, segundo Sergio Pinto Martins (2009) o momento que transforma o trabalho em emprego e os trabalhadores em geral passam a prestar seus serviços por salários. Neste período surge o Estado Social no decorrer dos séculos XIX e XX, uma vez que necessária a sua adequação aos anseios da classe trabalhadora. Já no Brasil, sintetizando as fases mais importantes, volvemo-nos para os apontamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 37), o qual assevera que o Direito do Trabalho pode ser classificado em três fases distintas: a primeira, sendo considerada a abolição da escravatura (o negro deixa de ser considerado “coisa”); a segunda, a Proclamação da República (Estado voltado para o interesse comum); e a terceira, a Revolução da década de 1930 (surgimento do direito material do trabalho). Contudo, cabe-nos apenas fazer uma observação relativa à terceira fase, pois foi nesta época em que surgiram as manifestações mais acirradas da classe trabalhadora, impelindo o Estado a tomar uma iniciativa voltada à edição de normas visando a proteção da classe operária. Nesta esteira, Vanderlei Schneider de Lima (2003, p. 55-56) lembra que o Direito do Trabalho neste momento se efetivou oriundo de “[...] lutas operárias travadas na República Velha e que tiveram continuidade nos anos imediatamente após a Revolução de 30”. Observa-se que transcorreu um longo período para que as formas de trabalho evoluíssem, bem como também para que o próprio direito do trabalho no Brasil pudesse efetivamente existir, ressalvando, porém, que este surgiu impulsionado pelas justas reivindicações das classes trabalhadoras, o que demonstra de forma clara a importância da união dos trabalhadores. 3 SOBRE O SURGIMENTO DOS SINDICATOS: Após superada a abordagem sobre a história do trabalho e do Direito do Trabalho, torna-se relevante discutir o surgimento dos sindicatos para uma adequada compreensão do tema em questão. Assim, é necessário observar num primeiro momento a dificuldade de se estabelecer em qual época surgiu o sindicato. Talvez se possa deduzir por intermédio da análise das transformações na história do trabalho, que a partir do século XII, com o surgimento das corporações de ofício, tenhamos os primeiros sinais do nascimento da instituição sindical. Partindo-se desta premissa, com o intuito de dar continuidade ao tema, faz-se necessário conceituar sindicato e, para tanto, apropriamo-nos do conceito de Mauricio Godinho Delgado (2009, 1216) o qual assim leciona: Sindicatos são entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores vinculados por laços profissionais e laborativos comuns, visando tratar de problemas coletivos das respectivas bases representadas, defendendo seus interesses 3 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 trabalhistas e conexos, com o objetivo de lhes alcançar melhores condições de labor e de vida. Brevemente se tem a ideia de que o sindicato apresenta por objetivo, único e exclusivamente, lutar pelos interesses relacionados à atividade laboral, de forma que esta luta seja para alcançar melhores condições. Extrai-se do conceito ora posto ser inadmissível admitir a entidade de classe usando de suas prerrogativas de forma inversa. Com efeito, fazendo uma conexão ao que fora abordado no primeiro parágrafo supra, justifica-se a afirmação de que as corporações foram os primeiros sinais do surgimento desta instituição, pois visavam atender a demanda social, o que não deixava de ser um problema coletivo da sua categoria. Retomando o foco a respeito da origem do sindicato, convém lembrar a afirmação de Irany Ferrari (2011), o qual esclarece que muito embora as corporações de ofício tenham sido extintas no ano de 1824, este fato não foi motivo para desestimular os trabalhadores a se manter unidos na luta por seus interesses de classe (FERRARI, 2011, p. 22). Na sequência, portanto, surge o sindicato, considerado o meio de se obter melhores conquistas à classe trabalhadora. No que tange ao Brasil, o marco inicial está pautado no ano de 1903, com a regulamentação dos sindicatos rurais. Posteriormente, em 1907, surge a legislação que regulou os sindicatos urbanos. Por fim, após a Revolução de 1930, com a incorporação dos sindicatos no Estado, considerados como colaboradores do poder público, instituiu-se o direito sindical, lembra Irany Ferrari (2011, p. 69). Nesta ordem, o direito sindical que surgiu na década de 1930, mantém suas características até os dias atuais. Alinhando as análises efetuadas, seja em relação ao primeiro tema abordado, a respeito da evolução histórica do trabalho e do direito do trabalho, seja em relação ao segundo tema, relativo ao surgimento do sindicato como representante da classe trabalhadora, cabe o registro final de que a luta associativa dos trabalhadores por melhores condições permitiu o surgimento do sindicato e o efetivo reconhecimento estatal por intermédio da lei, destacando principalmente as prerrogativas constitucionais introduzidas, as quais vigem até os dias atuais e que complementam, sem dúvida, a garantia constitucional do Estado Democrático (CF, art. 1º). 4 A FUNÇÃO SOCIAL DOS SINDICATOS PROFISSIONAIS: Nas Ciências Jurídicas, observando inicialmente que essa se encontra inserida no âmbito da subárea das Ciências Sociais Aplicadas, sabe-se que nenhum conceito pode ser considerado absoluto e irretocável, isto porque as ciências estão constantemente em transformação, o que permite, por óbvio, novas contribuições dos cientistas sociais. Sendo assim, o objetivo de se conceituar “função social”, cuja apresentação se dará na sequência, é no sentido de contribuir para uma melhor compreensão do que se trata a verdadeira missão das entidades de classes operárias no contexto social laboral. Portanto, para que se chegue ao conceito de função social, necessário fazer a análise dos vocábulos “função” e “social”, separadamente. Destarte, nesta linha de raciocínio, adota-se, portanto, a contribuição de Paulo Roberto Froes Toniazzo (2008, p. 61) para definir função, o qual esclarece que há no referido vocábulo dois requisitos indispensáveis à sua compreensão, os quais se interligam. Quais 4 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 sejam: o dever de agir e a finalidade, o que se chega ao entendimento de que função vem a ser “o dever de agir voltado a uma determinada finalidade”. Em relação ao vocábulo social, a sociologia nos orienta, sendo valiosa a contribuição de Allan G. Johnson (1997, p. 211), o qual nos esclarece que “o termo social pode ser aplicado a tudo que se relaciona com sistemas sociais, suas características e a participação das pessoas neles”, o que se deduz, que quando fazemos menção de social de alguma coisa estar-se-á relacionando com a sociedade evidentemente. Assim sendo, com amparo no que foi abordado acima, chega-se à conclusão de que função social, de qualquer coisa ou bem, corresponde à garantia de que aquilo que foi juridicamente criado visa o interesse exclusivo de uma coletividade, jamais o interesse de alguns apenas, ou melhor, busca-se o efetivo bem estar geral. Considerando a breve reflexão anterior sobre o que podemos entender por função social, passa-se ao objetivo de se compreender a função social dos sindicatos, sendo que no presente caso se volve, exclusivamente, para as entidades de classes operárias, a classe que pode ser entendida como hipossuficiente3 na relação jurídica com a classe patronal. No estudo realizado na primeira parte deste trabalho, abordou-se que ao longo da transformação do trabalho e do direito do trabalho a luta de trabalhadores foi de fundamental importância às suas conquistas, o que permitiu o surgimento dos sindicatos, bem como também o reconhecimento legal de referidas entidades. Diante desta situação, cabe-nos a missão de buscar a identificação da função social dos sindicatos da classe operária. Uma vez que conseguimos identificar, ainda que sumariamente, que função social vem a ser o dever de agir voltado para uma finalidade que atenda a uma coletividade, isto revela a possibilidade de entender que a efetiva função social dos sindicatos operários está instalada sobre o pilar mestre de obter e garantir a esta classe melhores condições de trabalho e uma vida mais digna por conta do seu labor, sendo que esta missão de observar a dignidade tem íntima e inafastável ligação com o “princípio constitucional da dignidade da pessoa humana””4. Feito isto, verificou-se que a função social dos sindicatos, em linhas gerais, é garantir melhores condições de trabalho e dignidade aos trabalhadores. Melhores condições podem ser obtidas por meio de várias formas, todavia, a abordagem que melhor exterioriza essa possibilidade, a nosso ver, é a negociação coletiva. Neste diapasão, Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 31) esclarece que: O Direito Coletivo do Trabalho cumpre função social e política de grande importância. Ele é um dos mais relevantes instrumentos de democratização de poder, no âmbito social, existente nas modernas sociedades democráticas – desde que estruturado de modo também democrático, é claro. Observa-se que o direito coletivo não só cumpre a sua função social ao contribuir com melhores condições de trabalho aos seus destinatários como também é um instrumento de exteriorização explícita de um verdadeiro estado democrático de direito. Urge assinalar que 3 Entenda-se por hipossuficiente aquela pessoa desprovida de recursos econômicos. Art. 1º da Constituição Federal : A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana. 4 5 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 por intermédio da negociação coletiva, outorgada pela categoria profissional, é entregue à entidade de classe operária uma alta carga de responsabilidade social. Com efeito, sob hipótese alguma pode ser admitido à entidade de classe profissional não cumprir com essa finalidade, sob pena de incorrer em autoritarismo. Ainda observando as considerações de Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 31): [...] a estruturação eficaz, dinâmica, forte, participativa do Direito Coletivo do Trabalho tende a influir na própria caracterização democrática do conjunto societário. Ao reverso, a estruturação corporativista e autoritária do segmento juscoletivo tende a coincidir com os regimes autoritários em todo o âmbito sociopolítico (nazismo, fascismo, autoritarismos espanhóis, portugueses e brasileiros do século XX, etc.). Diante das considerações acima, cremos que é por intermédio da negociação coletiva que se tem possibilidades de se obter melhores conquistas nas condições de trabalho dos trabalhadores, única via admitida, pois no sentido contrário, conforme foi taxativo o autor em comento, com o que concordamos plenamente, a entidade de classe representativa da classe operária se revelará pertencente a um regime autoritário, contrário ao democrático, o qual não se pode admitir em época atual. Portanto, a negociação coletiva se materializa por intermédio das convenções e dos acordos coletivos de trabalho, instrumentos pelos quais os sindicatos profissionais podem efetivamente cumprir com a verdadeira e legítima função social. Sobre os instrumentos coletivos de trabalho necessário trazer à baila o art. 611, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece a: Convenção Coletiva de Trabalho[como] acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho. Tem-se que a CCT cria verdadeiras regras jurídicas que integram os contratos individuais de trabalho da categoria profissional em toda a base territorial dos sindicatos signatários do referido pacto. Por outro lado, o § 1º do artigo 611 da CLT estabelece a faculdade às entidades de classe obreiras: “[...] celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”. Tem-se que o ACT tem a característica de que as regras jurídicas estabelecidas integram os contratos individuais de trabalho, porém têm aplicabilidade somente no âmbito da empresa, ou empresas, signatárias. Vislumbra-se que a diferença básica entre os instrumentos ora abordados reside na participação obrigatória dos sindicatos representantes das categorias, profissional e econômica, nos pólos da relação da primeira situação; e, na segunda, a participação obrigatória é somente da entidade de classe obreira, ressalvando ainda neste último caso a área de abrangência ser mais limitada. Para efetivarmos os procedimentos mencionados, necessário se pautar em princípios. Neste aspecto, o ordenamento jurídico brasileiro assim como qualquer outro, está edificado sobre princípios, os quais têm por escopo das diretrizes a todo e qualquer 6 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 procedimento nesta seara. Neste passo, o direito coletivo do trabalho não podia ser diferente e também está pautado sobre vários princípios que o rege. Porém, para o momento e com o intuito de atingir o objetivo que inicialmente traçamos, trazemos à mesa o princípio que entendemos ser o mais importante para nortear a relação jurídica estabelecida na negociação coletiva de trabalho, qual seja, o da lealdade e transparência na negociação coletiva. Para tanto, valemo-nos da contribuição de Maurício Godinho Delgado (2011, p. 61), o qual assim esclarece a respeito: Há duas faces no princípio: lealdade e transparência. Ambas são premissas essenciais ao desenvolvimento democrático e eficaz do próprio processo negocial. Afinal, o Direito Coletivo objetiva formular normas jurídicas – e não apenas cláusulas contratuais -, razão por que a lealdade e o acesso a informações inscrevemse no núcleo de sua dinâmica de evolução. A lisura na conduta negocial atinge qualquer das duas partes coletivas envolvidas. Por si só, a sua denominação aponta para a verdadeira diretriz a ser aplicada no processo de negociação coletiva. Entretanto, Mauricio Godinho Delgado (2011) oferece a sua observação, a qual pode ser aplicada para toda e qualquer condução de procedimento que visualize a coletividade, a de que a lisura, ou seja, a boa fé e a honradez devem chancelar toda e qualquer conduta, mas, como é cediço, nem sempre o referido princípio é observado nas relações coletivas de trabalho. Decorrente desta afirmação torna-se relevante uma breve reflexão sobre algumas cláusulas de instrumento coletivo firmado pelo Sindicato do Transporte Coletivo de Ponta Grossa, para demonstrar a inobservância da função social do Direito Coletivo do Trabalho. Vejamos o parágrafo 2º da Clausula 18ª do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), com validade para o biênio 2012-2014, firmado com a empresa que explora a concessão do transporte público urbano, o qual assim estabelece: “o descanso intrajornada poderá ser ampliado (art. 71, CLT) para até cinco (5) horas, admitidos expressamente, pelo presente instrumento normativo, os períodos intervalares discriminados na Escala Individual [...]”. Como contraponto, o art. 71, caput, da CLT estabelece: Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e [..] não poderá exceder de 2 (duas) horas”. § 1º. “Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, no entanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos [...]. Observa-se que a empresa tem uma redução de custos com funcionários. Por outro lado, tem-se a redução de aproveitamento do tempo pelo funcionário para as suas atividades sociais. E ainda no mesmo ACT: As partes acordantes declaram e reconhecem que faz parte da função de motorista, dentre outras, o controle e/ou a cobrança das passagens de usuários, quando não tiver sido escalado funcionário especificamente para esta atividade, pactuando, como o controle e/ou cobrança das passagens pelos motoristas, ocorre dentro da jornada de trabalho, que não caracteriza duplicidade de função, não gerando direito à remuneração diferenciada. 7 Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE http://www.cescage.edu.br/aporia ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014 A legislação não estabelece nada neste sentido, mas o estresse natural decorrente do trânsito e agregar mais uma atividade aumenta a possibilidade de enganos na realização de troco. No mínimo, o sindicato deveria ter sido diligente e negociado um adicional. Em contrapartida a empresa economiza na contratação de outro funcionário. Nesta breve reflexão a respeito das duas cláusulas convencionais expostas, com amparo nas contribuições de Norbert Elias (1998) a respeito de suas posições epistemológicas – envolvimento e alienação -, possível identificar, a priori, que o dirigente sindical no processo de elaboração do referido instrumento convencional esteve relativamente envolvido à proposta da empresa signatária, deixando de se alienar o suficiente para melhor observar a situação colocada ao seu crivo, isto é, deixou de analisar o alcance da mesma (via assessoramento jurídico) aliada à contribuição da categoria (principal interessado) via assembleia. 5 CONCLUSÃO À guisa de finalização das reflexões deduz-se da abordagem supra que a luta de classes no decorrer da história foi um longo e penoso caminho até a chegada do reconhecimento dos sindicatos pelo Estado. A classe trabalhadora ao longo da história foi explorada de maneira intensa. Karl Marx, no século XIX, já alertava os trabalhadores do mundo para se unir, pois observava que somente assim o trabalhador seria forte. O sindicato surgiu como forma de equalizar essa distorção. Porém, em pleno século XXI visualizamos alguns dirigentes sindicais se colocando na condição de legítimos eliminadores de direitos, jogando à margem conquistas adquiridas ao longo de muitos séculos e caminhando totalmente contrários aos princípios do Estado Democrático de Direito, impondo condições de trabalho precárias, contrárias ao que reza a lei, sem ouvir quem realmente lhe outorga os poderes para negociar. Com efeito, por intermédio dos sindicatos se busca um relativo equilíbrio das partes nem sempre alcançado. Esses desequilíbrios ocorrem pelos seguintes motivos: interferência direta do capitalismo; por conta da existência equivocada do Princípio da Unicidade Sindical (CF, art. 8º, II); a Contribuição Sindical Obrigatória (CF, art. 8º, IV, in fine); o autoritarismo nas atitudes dos dirigentes sindicais no processo de elaboração dos instrumentos coletivos de trabalho; a inobservância do princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva; a ausência de valores morais e éticos na defesa dos interesses coletivos; e ainda a inércia dos trabalhadores. REFERÊNCIAS DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. ELIAS, Norbert. Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. FERRARI, Irany. História do trabalho. In: FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. 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