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Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE
http://www.cescage.edu.br/aporia
ISSN: 2358-5056 / Vol. I nº2 / Jul – Dez / 2014
A FUNÇÃO SOCIAL IMPLÍCITA NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE
INSTRUMENTOS COLETIVOS DE TRABALHO
A SOCIAL FUNCTION IMPLIED IN THE PROCESS OF PREPARATION OF
COLLECTIVE WORK TOOLS
Ricardo machado1
Luis Fernando de Souza Doniak2
Resumo: o presente estudo se balizou numa breve reflexão acerca da história do trabalho e do
surgimento do direito do trabalho, buscando-se abordar o momento do surgimento do
sindicato profissional e, com isso, estabelecer qual a função social que se assume por
intermédio dessa instituição. Estabeleceu-se por meio de qual instrumento essa função se
revela com mais intensidade e, fazendo-se uma análise crítica de um determinado instrumento
coletivo de trabalho, com o intuito de demonstrar o não cumprimento dessa função social,
apresentou-se possíveis motivos que contribuem à inobservância dessa esperada função
social.
Palavras-chave: Trabalho. Sindicato. Função Social. Instrumentos Coletivos.
Abstract: The present study was oriented in a brief reflection on the history of labor and the
emergence of labor law, seeking to address the timing of the emergence of the trade union and
thereby establish which social function that is assumed through this institution. It was
established by means of which instrument this function is revealed with more intensity,
making a critical analysis of a particular collective work tool, aiming to demonstrate noncompliance with this social function, presented possible reasons that contribute failure to
observe this expected social function.
Keywords: Work. Labor Union. Social Function. Collective Instruments.
Sumário: 1 – Introdução; 2 - Sobre a História do Trabalho e o Direito do Trabalho; 3 - Sobre
O Surgimento dos Sindicatos; 4 - A Função Social dos Sindicatos Profissionais; 5 –
Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Quando nos volvemos à atividade sindical, por corolário lógico ligamos à ideia de
luta de classes e, por sua vez, já no vem à mente Karl Marx com o seu alerta a respeito do
domínio do capitalismo sobre os trabalhadores e que estes deveriam se unir - é o “Manifesto
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Mestre em Ciências Sociais Aplicadas na Área de Sociedade, Direito e Cidadania (UEPG). Professor no Centro
de Ensino Superior dos Campos Geras – CESCAGE. Advogado.
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Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho (PUC-PR). Professor no Centro de Ensino Superior dos
Campos Geras – CESCAGE. Advogado.
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do Partido Comunista”. A luta de classes sempre existirá, uma vez que o capitalismo sempre
tentará sobrepor o trabalho humano.
O sindicato surgiu por necessária união dos trabalhadores como forma de se
manter um equilíbrio de forças em relação ao empregador. Com a evolução social surgiram-se
instrumentos contratuais, autorizados por lei, como forma de estabelecer normas diferenciadas
para determinadas classes profissionais onde a legislação não conseguiu alcançar.
E é exatamente nesses instrumentos contratuais, firmados por entidades sindicais
obreiras, que está inserida uma das mais nobres missões que é a conquista de normas mais
benéficas, do que as legais, para serem aplicadas diretamente nos contratos de trabalho.
Denominamos neste trabalho essa missão como sendo a função social implícita no processo
de elaboração de instrumentos coletivos de trabalho.
Portanto, neste trabalho desenvolvemos uma análise crítica buscando esclarecer o
desvirtuamento da função social, por conta dos sindicatos profissionais, nas elaborações de
instrumentos coletivos de trabalho.
2 SOBRE A HISTÓRIA DO TRABALHO E O DIREITO DO TRABALHO:
Para que se possa desenvolver um estudo, mesmo que introdutório, a respeito da
história do trabalho e do direito do trabalho, necessário se faz partir de um marco inicial e,
portanto, estabelecemos este marco como sendo a definição do vocábulo trabalho, que é o
núcleo do objeto de estudo.
Defendemos, de uma forma objetiva, que trabalho vem a ser toda e qualquer ação
humana, física ou intelectual, voltada para a produção de um bem ou serviço, seja com o
intuito de lucro ou não. Partindo-se dessa afirmação, focamos a história do trabalho,
inicialmente, fazendo um recorte da realidade e jogando luzes a partir da escravidão.
Não se trata de novidade que a escravidão foi uma instituição utilizada por toda a
humanidade, isto desde a idade antiga, sendo que à época do século I a.C. as cidades de Roma
e Atenas tinham algo em torno de um terço da sua população formada por escravos
(FERRARI, 2011, p. 28). Cabe-nos ressalvar que esta classe de trabalhadores, em qualquer
época, como forma de contraprestação pelo serviço prestado, tinha apenas a mais precária
alimentação e a mais inóspita forma de acomodação, ou seja, era apenas o mínimo necessário
para manter a subsistência, o que permitia aos seus patrões explorar sua mão de obra barata
aumentando seu lucro por intermédio da utilização da terra.
Volvendo-se rapidamente para a época contemporânea, aproximando-se a forma
de contraprestação da mão de obra escrava, utilizando-se os institutos trabalhistas vigentes em
legislação brasileira, arriscamos afirmar que a remuneração da classe escravocrata era baseada
unicamente na forma de salário in natura.
Retomando a discussão anterior, podemos afirmar que “a passagem da escravidão
para a servidão foi lenta e racional”, esclarecendo ainda que “a relação de domínio debilita-se
para que o servo deixe de ser coisa e passe a ser visto como pessoa e, portanto, com
capacidade de ser sujeito de relações jurídicas”, transição esta influenciada pelo Cristianismo
(FERRARI, 2011, p.29).
Na sequência a essa fase da história do trabalho, ainda sob os ensinamentos de
Irany Ferrari (2011), surge o trabalho servil, o qual decorre do trabalho escravo, porém este
trabalhador passa ser o servo da gleba, ou seja, muito embora não sendo considerado escravo
assemelhava-se demasiadamente. Posteriormente, surge o ambulante, uma espécie de
trabalhador próximo ao autônomo, com a função de prestador de serviços de forma
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intermediária, figura esta que permitiu o desenvolvimento da economia urbana e na formação
das cidades. A partir do século XII, surgem os primeiros trabalhadores assalariados,
decorrentes da alta demanda dos artesãos que se viram compelidos a contratá-los. Neste
período criaram-se também as corporações de ofício, que na verdade era o agrupamento de
artesãos para atender a demanda social, as quais, mais tarde, não dando conta desta demanda,
e com o desenvolvimento da economia, permitem o surgimento dos primeiros sinais da
supremacia do capital (FERRARI, 2011, p. 37-41).
Chega-se, por consequência, a Revolução Industrial, no século XVIII e, segundo
Sergio Pinto Martins (2009) o momento que transforma o trabalho em emprego e os
trabalhadores em geral passam a prestar seus serviços por salários. Neste período surge o
Estado Social no decorrer dos séculos XIX e XX, uma vez que necessária a sua adequação aos
anseios da classe trabalhadora.
Já no Brasil, sintetizando as fases mais importantes, volvemo-nos para os
apontamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 37), o qual assevera que o Direito
do Trabalho pode ser classificado em três fases distintas: a primeira, sendo considerada a
abolição da escravatura (o negro deixa de ser considerado “coisa”); a segunda, a Proclamação
da República (Estado voltado para o interesse comum); e a terceira, a Revolução da década de
1930 (surgimento do direito material do trabalho).
Contudo, cabe-nos apenas fazer uma observação relativa à terceira fase, pois foi
nesta época em que surgiram as manifestações mais acirradas da classe trabalhadora,
impelindo o Estado a tomar uma iniciativa voltada à edição de normas visando a proteção da
classe operária. Nesta esteira, Vanderlei Schneider de Lima (2003, p. 55-56) lembra que o
Direito do Trabalho neste momento se efetivou oriundo de “[...] lutas operárias travadas na
República Velha e que tiveram continuidade nos anos imediatamente após a Revolução de
30”.
Observa-se que transcorreu um longo período para que as formas de trabalho
evoluíssem, bem como também para que o próprio direito do trabalho no Brasil pudesse
efetivamente existir, ressalvando, porém, que este surgiu impulsionado pelas justas
reivindicações das classes trabalhadoras, o que demonstra de forma clara a importância da
união dos trabalhadores.
3 SOBRE O SURGIMENTO DOS SINDICATOS:
Após superada a abordagem sobre a história do trabalho e do Direito do Trabalho,
torna-se relevante discutir o surgimento dos sindicatos para uma adequada compreensão do
tema em questão. Assim, é necessário observar num primeiro momento a dificuldade de se
estabelecer em qual época surgiu o sindicato. Talvez se possa deduzir por intermédio da
análise das transformações na história do trabalho, que a partir do século XII, com o
surgimento das corporações de ofício, tenhamos os primeiros sinais do nascimento da
instituição sindical.
Partindo-se desta premissa, com o intuito de dar continuidade ao tema, faz-se
necessário conceituar sindicato e, para tanto, apropriamo-nos do conceito de Mauricio
Godinho Delgado (2009, 1216) o qual assim leciona:
Sindicatos são entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores
vinculados por laços profissionais e laborativos comuns, visando tratar de problemas
coletivos das respectivas bases representadas, defendendo seus interesses
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trabalhistas e conexos, com o objetivo de lhes alcançar melhores condições de labor
e de vida.
Brevemente se tem a ideia de que o sindicato apresenta por objetivo, único e
exclusivamente, lutar pelos interesses relacionados à atividade laboral, de forma que esta luta
seja para alcançar melhores condições. Extrai-se do conceito ora posto ser inadmissível
admitir a entidade de classe usando de suas prerrogativas de forma inversa.
Com efeito, fazendo uma conexão ao que fora abordado no primeiro parágrafo
supra, justifica-se a afirmação de que as corporações foram os primeiros sinais do surgimento
desta instituição, pois visavam atender a demanda social, o que não deixava de ser um
problema coletivo da sua categoria.
Retomando o foco a respeito da origem do sindicato, convém lembrar a afirmação
de Irany Ferrari (2011), o qual esclarece que muito embora as corporações de ofício tenham
sido extintas no ano de 1824, este fato não foi motivo para desestimular os trabalhadores a se
manter unidos na luta por seus interesses de classe (FERRARI, 2011, p. 22). Na sequência,
portanto, surge o sindicato, considerado o meio de se obter melhores conquistas à classe
trabalhadora.
No que tange ao Brasil, o marco inicial está pautado no ano de 1903, com a
regulamentação dos sindicatos rurais. Posteriormente, em 1907, surge a legislação que
regulou os sindicatos urbanos. Por fim, após a Revolução de 1930, com a incorporação dos
sindicatos no Estado, considerados como colaboradores do poder público, instituiu-se o
direito sindical, lembra Irany Ferrari (2011, p. 69). Nesta ordem, o direito sindical que surgiu
na década de 1930, mantém suas características até os dias atuais.
Alinhando as análises efetuadas, seja em relação ao primeiro tema abordado, a
respeito da evolução histórica do trabalho e do direito do trabalho, seja em relação ao segundo
tema, relativo ao surgimento do sindicato como representante da classe trabalhadora, cabe o
registro final de que a luta associativa dos trabalhadores por melhores condições permitiu o
surgimento do sindicato e o efetivo reconhecimento estatal por intermédio da lei, destacando
principalmente as prerrogativas constitucionais introduzidas, as quais vigem até os dias atuais
e que complementam, sem dúvida, a garantia constitucional do Estado Democrático (CF, art.
1º).
4 A FUNÇÃO SOCIAL DOS SINDICATOS PROFISSIONAIS:
Nas Ciências Jurídicas, observando inicialmente que essa se encontra inserida no
âmbito da subárea das Ciências Sociais Aplicadas, sabe-se que nenhum conceito pode ser
considerado absoluto e irretocável, isto porque as ciências estão constantemente em
transformação, o que permite, por óbvio, novas contribuições dos cientistas sociais.
Sendo assim, o objetivo de se conceituar “função social”, cuja apresentação se
dará na sequência, é no sentido de contribuir para uma melhor compreensão do que se trata a
verdadeira missão das entidades de classes operárias no contexto social laboral. Portanto, para
que se chegue ao conceito de função social, necessário fazer a análise dos vocábulos “função”
e “social”, separadamente.
Destarte, nesta linha de raciocínio, adota-se, portanto, a contribuição de Paulo
Roberto Froes Toniazzo (2008, p. 61) para definir função, o qual esclarece que há no referido
vocábulo dois requisitos indispensáveis à sua compreensão, os quais se interligam. Quais
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sejam: o dever de agir e a finalidade, o que se chega ao entendimento de que função vem a ser
“o dever de agir voltado a uma determinada finalidade”.
Em relação ao vocábulo social, a sociologia nos orienta, sendo valiosa a
contribuição de Allan G. Johnson (1997, p. 211), o qual nos esclarece que “o termo social
pode ser aplicado a tudo que se relaciona com sistemas sociais, suas características e a
participação das pessoas neles”, o que se deduz, que quando fazemos menção de social de
alguma coisa estar-se-á relacionando com a sociedade evidentemente.
Assim sendo, com amparo no que foi abordado acima, chega-se à conclusão de
que função social, de qualquer coisa ou bem, corresponde à garantia de que aquilo que foi
juridicamente criado visa o interesse exclusivo de uma coletividade, jamais o interesse de
alguns apenas, ou melhor, busca-se o efetivo bem estar geral.
Considerando a breve reflexão anterior sobre o que podemos entender por função
social, passa-se ao objetivo de se compreender a função social dos sindicatos, sendo que no
presente caso se volve, exclusivamente, para as entidades de classes operárias, a classe que
pode ser entendida como hipossuficiente3 na relação jurídica com a classe patronal.
No estudo realizado na primeira parte deste trabalho, abordou-se que ao longo da
transformação do trabalho e do direito do trabalho a luta de trabalhadores foi de fundamental
importância às suas conquistas, o que permitiu o surgimento dos sindicatos, bem como
também o reconhecimento legal de referidas entidades. Diante desta situação, cabe-nos a
missão de buscar a identificação da função social dos sindicatos da classe operária.
Uma vez que conseguimos identificar, ainda que sumariamente, que função social
vem a ser o dever de agir voltado para uma finalidade que atenda a uma coletividade, isto
revela a possibilidade de entender que a efetiva função social dos sindicatos operários está
instalada sobre o pilar mestre de obter e garantir a esta classe melhores condições de trabalho
e uma vida mais digna por conta do seu labor, sendo que esta missão de observar a dignidade
tem íntima e inafastável ligação com o “princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana””4.
Feito isto, verificou-se que a função social dos sindicatos, em linhas gerais, é
garantir melhores condições de trabalho e dignidade aos trabalhadores. Melhores condições
podem ser obtidas por meio de várias formas, todavia, a abordagem que melhor exterioriza
essa possibilidade, a nosso ver, é a negociação coletiva.
Neste diapasão, Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 31) esclarece que:
O Direito Coletivo do Trabalho cumpre função social e política de grande
importância. Ele é um dos mais relevantes instrumentos de democratização de
poder, no âmbito social, existente nas modernas sociedades democráticas – desde
que estruturado de modo também democrático, é claro.
Observa-se que o direito coletivo não só cumpre a sua função social ao contribuir
com melhores condições de trabalho aos seus destinatários como também é um instrumento
de exteriorização explícita de um verdadeiro estado democrático de direito. Urge assinalar que
3
Entenda-se por hipossuficiente aquela pessoa desprovida de recursos econômicos.
Art. 1º da Constituição Federal : A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III – a dignidade da pessoa humana.
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por intermédio da negociação coletiva, outorgada pela categoria profissional, é entregue à
entidade de classe operária uma alta carga de responsabilidade social.
Com efeito, sob hipótese alguma pode ser admitido à entidade de classe
profissional não cumprir com essa finalidade, sob pena de incorrer em autoritarismo. Ainda
observando as considerações de Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 31):
[...] a estruturação eficaz, dinâmica, forte, participativa do Direito Coletivo do
Trabalho tende a influir na própria caracterização democrática do conjunto
societário. Ao reverso, a estruturação corporativista e autoritária do segmento
juscoletivo tende a coincidir com os regimes autoritários em todo o âmbito
sociopolítico (nazismo, fascismo, autoritarismos espanhóis, portugueses e brasileiros
do século XX, etc.).
Diante das considerações acima, cremos que é por intermédio da negociação
coletiva que se tem possibilidades de se obter melhores conquistas nas condições de trabalho
dos trabalhadores, única via admitida, pois no sentido contrário, conforme foi taxativo o autor
em comento, com o que concordamos plenamente, a entidade de classe representativa da
classe operária se revelará pertencente a um regime autoritário, contrário ao democrático, o
qual não se pode admitir em época atual.
Portanto, a negociação coletiva se materializa por intermédio das convenções e
dos acordos coletivos de trabalho, instrumentos pelos quais os sindicatos profissionais podem
efetivamente cumprir com a verdadeira e legítima função social.
Sobre os instrumentos coletivos de trabalho necessário trazer à baila o art. 611,
caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabelece a:
Convenção Coletiva de Trabalho[como] acordo de caráter normativo, pelo qual dois
ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais
estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas
representações, às relações individuais do trabalho.
Tem-se que a CCT cria verdadeiras regras jurídicas que integram os contratos
individuais de trabalho da categoria profissional em toda a base territorial dos sindicatos
signatários do referido pacto.
Por outro lado, o § 1º do artigo 611 da CLT estabelece a faculdade às entidades de
classe obreiras: “[...] celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da
correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no
âmbito da empresa ou empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”. Tem-se que o
ACT tem a característica de que as regras jurídicas estabelecidas integram os contratos
individuais de trabalho, porém têm aplicabilidade somente no âmbito da empresa, ou
empresas, signatárias.
Vislumbra-se que a diferença básica entre os instrumentos ora abordados reside na
participação obrigatória dos sindicatos representantes das categorias, profissional e
econômica, nos pólos da relação da primeira situação; e, na segunda, a participação
obrigatória é somente da entidade de classe obreira, ressalvando ainda neste último caso a
área de abrangência ser mais limitada.
Para efetivarmos os procedimentos mencionados, necessário se pautar em
princípios. Neste aspecto, o ordenamento jurídico brasileiro assim como qualquer outro, está
edificado sobre princípios, os quais têm por escopo das diretrizes a todo e qualquer
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procedimento nesta seara. Neste passo, o direito coletivo do trabalho não podia ser diferente e
também está pautado sobre vários princípios que o rege. Porém, para o momento e com o
intuito de atingir o objetivo que inicialmente traçamos, trazemos à mesa o princípio que
entendemos ser o mais importante para nortear a relação jurídica estabelecida na negociação
coletiva de trabalho, qual seja, o da lealdade e transparência na negociação coletiva.
Para tanto, valemo-nos da contribuição de Maurício Godinho Delgado (2011, p.
61), o qual assim esclarece a respeito:
Há duas faces no princípio: lealdade e transparência. Ambas são premissas
essenciais ao desenvolvimento democrático e eficaz do próprio processo negocial.
Afinal, o Direito Coletivo objetiva formular normas jurídicas – e não apenas
cláusulas contratuais -, razão por que a lealdade e o acesso a informações inscrevemse no núcleo de sua dinâmica de evolução.
A lisura na conduta negocial atinge qualquer das duas partes coletivas envolvidas.
Por si só, a sua denominação aponta para a verdadeira diretriz a ser aplicada no
processo de negociação coletiva. Entretanto, Mauricio Godinho Delgado (2011) oferece a sua
observação, a qual pode ser aplicada para toda e qualquer condução de procedimento que
visualize a coletividade, a de que a lisura, ou seja, a boa fé e a honradez devem chancelar toda
e qualquer conduta, mas, como é cediço, nem sempre o referido princípio é observado nas
relações coletivas de trabalho.
Decorrente desta afirmação torna-se relevante uma breve reflexão sobre algumas
cláusulas de instrumento coletivo firmado pelo Sindicato do Transporte Coletivo de Ponta
Grossa, para demonstrar a inobservância da função social do Direito Coletivo do Trabalho.
Vejamos o parágrafo 2º da Clausula 18ª do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT),
com validade para o biênio 2012-2014, firmado com a empresa que explora a concessão do
transporte público urbano, o qual assim estabelece: “o descanso intrajornada poderá ser
ampliado (art. 71, CLT) para até cinco (5) horas, admitidos expressamente, pelo presente
instrumento normativo, os períodos intervalares discriminados na Escala Individual [...]”.
Como contraponto, o art. 71, caput, da CLT estabelece:
Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória
a concessão de intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1
(uma) hora e [..] não poderá exceder de 2 (duas) horas”.
§ 1º. “Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, no entanto, obrigatório um
intervalo de 15 (quinze) minutos [...].
Observa-se que a empresa tem uma redução de custos com funcionários. Por outro
lado, tem-se a redução de aproveitamento do tempo pelo funcionário para as suas atividades
sociais. E ainda no mesmo ACT:
As partes acordantes declaram e reconhecem que faz parte da função de motorista,
dentre outras, o controle e/ou a cobrança das passagens de usuários, quando não
tiver sido escalado funcionário especificamente para esta atividade, pactuando,
como o controle e/ou cobrança das passagens pelos motoristas, ocorre dentro da
jornada de trabalho, que não caracteriza duplicidade de função, não gerando direito à
remuneração diferenciada.
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A legislação não estabelece nada neste sentido, mas o estresse natural decorrente
do trânsito e agregar mais uma atividade aumenta a possibilidade de enganos na realização de
troco. No mínimo, o sindicato deveria ter sido diligente e negociado um adicional. Em
contrapartida a empresa economiza na contratação de outro funcionário.
Nesta breve reflexão a respeito das duas cláusulas convencionais expostas, com
amparo nas contribuições de Norbert Elias (1998) a respeito de suas posições epistemológicas
– envolvimento e alienação -, possível identificar, a priori, que o dirigente sindical no
processo de elaboração do referido instrumento convencional esteve relativamente envolvido
à proposta da empresa signatária, deixando de se alienar o suficiente para melhor observar a
situação colocada ao seu crivo, isto é, deixou de analisar o alcance da mesma (via
assessoramento jurídico) aliada à contribuição da categoria (principal interessado) via
assembleia.
5 CONCLUSÃO
À guisa de finalização das reflexões deduz-se da abordagem supra que a luta de
classes no decorrer da história foi um longo e penoso caminho até a chegada do
reconhecimento dos sindicatos pelo Estado. A classe trabalhadora ao longo da história foi
explorada de maneira intensa.
Karl Marx, no século XIX, já alertava os trabalhadores do mundo para se unir,
pois observava que somente assim o trabalhador seria forte. O sindicato surgiu como forma de
equalizar essa distorção. Porém, em pleno século XXI visualizamos alguns dirigentes
sindicais se colocando na condição de legítimos eliminadores de direitos, jogando à margem
conquistas adquiridas ao longo de muitos séculos e caminhando totalmente contrários aos
princípios do Estado Democrático de Direito, impondo condições de trabalho precárias,
contrárias ao que reza a lei, sem ouvir quem realmente lhe outorga os poderes para negociar.
Com efeito, por intermédio dos sindicatos se busca um relativo equilíbrio das
partes nem sempre alcançado. Esses desequilíbrios ocorrem pelos seguintes motivos:
interferência direta do capitalismo; por conta da existência equivocada do Princípio da
Unicidade Sindical (CF, art. 8º, II); a Contribuição Sindical Obrigatória (CF, art. 8º, IV, in
fine); o autoritarismo nas atitudes dos dirigentes sindicais no processo de elaboração dos
instrumentos coletivos de trabalho; a inobservância do princípio da lealdade e transparência
na negociação coletiva; a ausência de valores morais e éticos na defesa dos interesses
coletivos; e ainda a inércia dos trabalhadores.
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