o direito fundamental ao trabalho digno e a

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V ENCONTRO INTERNACIONAL DO
CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI
EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E
EMPRESARIAIS
DANIELA MENENGOTI RIBEIRO
PABLO AUGUSTO GUERRA ARAGONE
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E27
Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais [Recurso eletrônico on-line]
organização CONPEDI/UdelaR/Unisinos/URI/UFSM /Univali/UPF/FURG;
Coordenadores: Daniela Menengoti Ribeiro, Pablo Augusto Guerra Aragone – Florianópolis: CONPEDI, 2016.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-259-0
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Instituciones y desarrollo en la hora actual de América Latina.
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Interncionais. 2. Direitos fundamentais. 3. Relações
de trabalho. 4. Relações sociais. I. Encontro Internacional do CONPEDI (5. : 2016 : Montevidéu, URU).
CDU: 34
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Universidad de la República
Montevideo – Uruguay
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V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU
– URUGUAI
EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DO
TRABALHO, SOCIAIS E EMPRESARIAIS
Apresentação
O V Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
(CONPEDI) realizado em Montevidéu em conjunto com a Faculdade de Direito da
Universidade da República do Uruguai, entre os dias 08 e 10 de setembro de 2016, teve como
tema central o “Instituciones y desarrollo en la hora actual de América Latina" e além de
manter a seriedade e qualidade da produtividade característica dos eventos anteriores,
também oportunizou uma excelente integração com pesquisadores da América Latina.
Os professores Dr. Pablo Augusto Guerra Aragone, da Universidad de la República Uruguay
e Drª. Daniela Menengoti Ribeiro, da Unicesumar, foram honrados com a coordenação das
atividades do Grupo de Trabalho intitulado “Eficácia de Direitos Fundamentais nas Relações
do Trabalho, Sociais e Empresariais” e com a coordenação desta obra.
Os trabalhos deste Grupo de Trabalho se deram na tarde do dia 09 de setembro de 2016,
ocasião em que os autores expuseram suas pesquisas e debateram temas que estão no centro
das especulações de um conjunto significativo dos estudiosos do direito.
Com o objetivo de dinamizar as apresentações, os artigos foram organizados, aproximandose as temáticas, ficando assim dispostos:
1. A VISUALIZAÇÃO TRANSEXUAL NO MERCADO DE TRABALHO: O DIREITO
AO USO DO NOME SOCIAL COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA
2. A IGUALDADE, A CIDADANIA E O TRABALHO DAS MULHERES DE CARREIRA
JURÍDICA EM MATO GROSSO DO SUL
3. A EFICÁCIA DO DIREITO AO TRABALHO DO JOVEM NO BRASIL
4. DIREITO AO TRABALHO ARTÍSTICO INFANTIL: OS HOLOFOTES NO PEQUENO
ARTISTA
5. A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS PELAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS: O
DILEMA ENTRE A GLOBALIZAÇÃO E A MUNDIALIZAÇÃO
6. ESCRAVIDÃO E CIDADANIA NA AMÉRICA PORTUGUESA: INFLUÊNCIAS NA
FORMAÇÃO DE UMA REPRESENTAÇÃO LABORAL COLETIVA.
7. DIREITOS HUMANOS TRABALHISTAS: DA EXISTÊNCIA À TUTELA
JURISDICIONAL NO CONTEXTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS
HUMANOS
8. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA: A EFICÁCIA
HORIZONTAL NA RELAÇÃO VERTICAL E O NECESSÁRIO APRIMORAMENTO DA
TEORIA NO DIREITO DO TRABALHO
9. O DIÁLOGO DAS FONTES COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DA
VALORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO FISCAL
TRABALHISTA
10. O DIREITO AO TRABALHO DIGNO E A PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA
COLETIVA DE TRABALHADORES NA AMÉRICA LATINA
11. O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E A REGULAMENTAÇÃO
DO CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL E NO URUGUAI
12. O LAZER DO TRABALHADOR E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA.
13. TELETRABALHO TRANSNACIONAL: COLISÃO DE PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS NA COMPOSIÇÃO DOS CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS
NO ESPAÇO
14. TRABALHO DEGRADANTE ENVOLVENDO PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: A
PRÁTICA DA “NEOESCRAVIDÃO” URBANA.
Desse modo, os organizadores dessa obra agradecem os autores Ailene De Oliveira
Figueiredo, Ana Flávia Costa Eccard, Ariolino Neres Sousa Junior, Augusto Eduardo
Miranda Pinto, Cleber Lúcio de Almeida, Daniela Menengoti Ribeiro, Fabiano Carvalho,
Fernando Batistuzo Gurgel Martins, Guilherme Prestes De Sordi, João Carlos Medrado
Sampaio, Joao Irineu De Resende Miranda, Juliane Caravieri Martins Gamba, Leonardo
Gama Alvitos, Leyde Aparecida Rodrigues dos Santos, Manoela Bitencourt, Nelma Karla
Waideman Fukuoka, Rodrigo Simionato, Sirio Ezaaquiel Isi dos Santos, Tatiana Nunes
Coscarelli, Thiago Moreira Da Silva, Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, Zeima da Costa
Satim Mori.
Além de revelar-se uma rica experiência acadêmica, com debates produtivos e bemsucedidas trocas de conhecimentos, o Grupo de Trabalho “Eficácia de Direitos Fundamentais
nas Relações do Trabalho, Sociais e Empresariais” também proporcionou um entoado
passeio pelos sotaques brasileiros e uruguaio, experiência que já se tornou característica do
CONPEDI pela participação abrangente de pesquisadores de diversas regiões em seus
eventos.
Por fim, reiteramos nosso imenso prazer em participar da apresentação desta obra e do
CONPEDI e desejamos a todos uma excelente leitura.
Prof. Dr. Pablo Augusto Guerra Aragone - UDELAR – Uruguai
Profa. Dra. Daniela Menengoti Ribeiro - UNICESUMAR – Brasil
O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E A REGULAMENTAÇÃO
DO CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL E NO URUGUAI
EL DERECHO FUNDAMENTAL AL TRABAJO DECENTE Y LA
REGULAMENTACIÓN DEL CONTRATO DE TRABAJO EN BRASIL Y URUGUAY
Juliane Caravieri Martins Gamba 1
Resumo
O trabalho é um bem jurídico necessário para a existência digna do trabalhador, devendo ser
protegido pelo direito, não como mercadoria ou insumo de produção, mas na qualidade de
obrigação social imposta aos Estados, à comunidade e aos particulares. Nesse contexto, foi
realizado o estudo no Brasil e no Uruguai das normas trabalhistas que regulamentam o
contrato de trabalho no intuito de verificar se o direito fundamental ao trabalho digno
previsto nas Constituições desses países pode ser concretizado ao se firmar um pacto laboral.
Palavras-chave: Trabalho digno, Contrato de trabalho, Brasil, Uruguai
Abstract/Resumen/Résumé
El trabajo es un bien jurídico necesario para la existencia digna del trabajador y debe ser
protegido por la ley, no como una mercancía o lo factor de producción, sino en la calidad de
la obligación social de los Estados, de la comunidad y de los individuos. En este contexto, el
estudio se llevó a cabo en Brasil y Uruguay de las normas laborales que regulan el contrato
de trabajo con el fin de verificar si el derecho fundamental a un trabajo digno previsto en las
constituciones de estos países se puede lograr cuando se suscribe un pacto laboral.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Trabajo decente, Contrato de trabajo, Brasil, Uruguay
1
Professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutora em Integração da América Latina pela Universidade de São
Paulo
197
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho - estruturado na atualidade com caráter
eminentemente social - remonta suas origens a fins do século XIX no âmbito da Revolução
Industrial, pois foi com a consolidação do capitalismo industrial que o trabalho assumiu a
categoria de trabalho assalariado subordinado exercido por conta alheia. O trabalho exercido
nestas condições não pode ser considerado plenamente livre, pois está inserto num processo
de produção capitalista onde os empresários detêm os meios de produção e compram a força
de trabalho das pessoas mediante um contrato de trabalho que não garante a plena autonomia
de vontade para os empregados contratantes, além de sujeitá-los jurídica e economicamente às
ordens e diretrizes estabelecidas pelos empregadores.
A Declaração de Filadélfia da Organização Internacional do Trabalho, de
10 de maio de 1944, é enfática no artigo I ao estabelecer que: o trabalho não é uma
mercadoria; a penúria constitui um perigo para a prosperidade geral e a luta contra a carência,
em qualquer Estado, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço
internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos
empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de
caráter democrático, visando ao bem comum. Tanto o Brasil quanto o Uruguai são Estados
membros da OIT e se comprometeram, assim, com suas declarações, recomendações e
convenções internacionais.
Nesse contexto, realizou-se o estudo das normas trabalhistas no Brasil e no
Uruguai regulamentadoras do contrato de trabalho no intuito de apreender se o direito
fundamental ao trabalho digno resguardado nas Constituições desses países pode ser
efetivamente concretizado ao se firmar um pacto laboral sob as diretrizes legais existentes.
Assim, o presente estudo dividiu-se em três partes. Primeiramente, buscouse compreender a concepção de direito fundamental ao trabalho digno e os direitos sociais
trabalhistas disciplinados nas Constituições do Brasil e do Uruguai. Posteriormente, de modo
sucinto, foram tecidas observações sobre o contrato de trabalho no Brasil, regulamentado na
Consolidação das Leis do Trabalho, e no Uruguai, regulamentado em legislação esparsa. Por
fim, foram tecidas as considerações finais.
Como metodologia científica, a pesquisa utilizou os métodos dialético
(contraposição entre tese e antítese) e histórico-sociológico (investigação de fatos, processos
e instituições ao longo do tempo). Quanto à técnica de pesquisa, utilizou-se a bibliográfica.
198
Enfim, o presente artigo almejou contribuir para o enriquecimento das
discussões doutrinárias sobre o direito fundamental ao trabalho digno previsto na Ordem
Constitucional do Brasil e do Uruguai e a possibilidade de sua concretização mediante os
contornos jurídicos atuais que regulamentam o contrato de trabalho nesses países.
1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO
O trabalho humano deve ser tutelado pelo direito, não na condição de
mercadoria como o capitalismo procurou difundir, mas como obrigação social e jurídica
imposta aos Estados, à comunidade e aos indivíduos.
Nessa perspectiva, evidencia-se que o trabalho não está dissociado dos
trabalhadores que continuam a ser seus sujeitos, mas ele deve estar relacionado diretamente à
dignidade humana do trabalhador. Esta dignidade deve ser entendida como um preceito
superior (Grundnorm) a orientar a interpretação e a aplicação do direito, inclusive juslaboral,
conforme aponta Bartolomei (1987, p. 11 e p. 23):
[...] il concetto di “dignità umana” non é già, esclusivamente, una
pretesa contro lo Stato, né è un diritto che possa essere esercitato
contro altri, ma è un concetto giuridico costituzionale a livello
istituzionale con la c.d. pluralità di effetti: a) nessuna “norma”
costituzionale puo porsi in contrasto con tale concetto, né il concetto
è suscettibile di modificazione mediante revisione costituzionale; b)
ogni norma, sia di grado constituzionale, sia di grado subordinato
che si ponga in contrasto con detto concetto, va dichiarata
inconstituzionale; c) tutta la serie degli atti amministrativi, nonché
giurisdizionali non confaceti con il medesimo concetto debbono
ritenersi illegittimi. [...] Tale ordine di valori vede come Grundnorm
la dignità umana il cui concetto viene a concretare uno di quei
principi costituzionale superiori che vale per tutti i campi del diritto:
contiene e/o esprime proposizioni precettive regolative di tutte i
campi del diritto: da quella d’indirizzo politico a quella legislativa,
dalla funzione giurisdizionale a quella ammnistrativa, e cosi via.
Portanto, a dignidade do trabalhador é inerente à própria condição de pessoa
humana e não deve ser mitigada, pois, nesse caso, o ser humano - embora ser único e
insubstituível - passará a ser tratado como mercadoria sujeita às trocas no mercado capitalista.
Então, deve-se garantir ao ser humano não apenas o direito ao trabalho, mas o trabalho
digno, enquanto direito fundamental o qual respeita a pessoa humana em sua integralidade
físico-psíquica, como ser único e insubstituível, sendo necessário para a subsistência digna do
trabalhador e de sua família.
199
A OIT em seus relatórios, estudos e em instrumentos internacionais está
difundindo a concepção de trabalho decente como “condição fundamental para a superação da
pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável”, conceituando
trabalho decente como “um trabalho
adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança,
capaz de garantir uma vida digna” (OIT, 2016).
Acerca do trabalho decente, Brito Filho (2004, p. 61-62) dispõe:
Não há trabalho decente sem condições adequadas à preservação da
vida e da saúde do trabalhador. Não há trabalho decente sem justas
condições para o trabalho, principalmente no que toca às horas de
trabalho e aos períodos de repouso. Não há trabalho decente sem justa
remuneração pelo esforço despendido. Não há trabalho decente se o
Estado não toma todas as medidas necessárias para a criação e para a
manutenção dos postos de trabalho. Não há, por fim, trabalho decente
se o trabalhador não está protegido dos riscos sociais, parte deles
originada do próprio trabalho humano. Trabalho decente, então, é um
conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à
existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no
trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a
remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição
do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os
riscos sociais. Negar o trabalho nessas condições, dessa feita, é negar
os Direitos Humanos do Trabalhador, e portanto, atuar em oposição
aos princípios básicos que os regem, principalmente o maior deles, a
dignidade da pessoa humana. (grifo nosso)
Apesar da OIT e de vários doutrinadores utilizarem como sinônimos os
termos “trabalho decente” e “trabalho digno”, entende-se que não o são, pois este último seria
mais amplo e estaria umbilicalmente relacionado à dignidade humana do trabalhador, sendo
compreendido sob dois aspectos os quais integram sua condição humana: a) o intrínseco
(subjetivo): como atributo pessoal e psíquico inerente ao ser humano, incluindo, por
exemplo, a satisfação pessoal do trabalhador em realizar determinada atividade; a sensação de
ser útil para a comunidade em que vive; ser merecedor de respeito e consideração por parte do
Estado e dos particulares; ser livre para escolher seu trabalho etc. e b) o extrínseco
(objetivo): representando as condições materiais previstas na lei lato sensu em que o ato de
trabalhar estaria regulado, tais como: remuneração adequada e justa, sem discriminação de
qualquer natureza; limite máximo e mínimo de duração da jornada de trabalho (diária e
semanal); normas de higiene e segurança relacionadas ao meio ambiente do trabalho;
concessão de férias, repouso semanal e feriados remunerados; licenças médicas em geral etc.
200
O trabalho digno é, pois, aquele adequadamente remunerado, exercido em
condições de liberdade, igualdade, segurança, satisfação pessoal e capaz de garantir uma vida
digna ao trabalhador e à sua família. Logo, o trabalho digno está relacionado a uma concepção
mais ética do trabalho e ancorado na ideia de dignidade humana do trabalhador, estando
desdobrado em diversas espécies de direitos sociais fundamentais individuais e coletivos
garantidos aos trabalhadores nas Constituições do Brasil e do Uruguai.
A Constituição brasileira de 1988 é bastante detalhista e apresenta os
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais no “Capítulo II - Dos Direitos Sociais”, nos
artigos 7º a 11 (direitos individuais e coletivos), destacando-se: salário mínimo fixado em lei
e nacionalmente unificado; seguro desemprego; fundo de garantia do tempo de serviço;
irredutibilidade do salário; décimo terceiro salário; remuneração do trabalho noturno superior
à do diurno; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou
convenção coletiva de trabalho; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo,
em cinquenta por cento à do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um
terço a mais do que o salário normal; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança; liberdade de associação profissional ou sindical; direito
de greve etc., além de outros que visem à melhoria de sua condição social (BRASIL, 2016).
Por sua vez, a Constituição uruguaia de 1967 – com reformas aprovadas em
plebiscitos em 26 de novembro de 1989, em 26 de novembro de 1994 e em 08 de dezembro
de 1996 – trata dos direitos fundamentais trabalhistas no Capítulo II da Seção II - Direitos,
Deveres e Garantias, especificamente nos artigos 53 a 58, sendo bastante sucinta a seu
respeito comparativamente com a Constituição brasileira, destacando-se os seguintes direitos
e deveres: todo habitante da República, sem prejuízo de sua liberdade, tem o dever de aplicar
suas energias intelectuais ou corporais em beneficio da coletividade, procurando ganhar seu
sustento mediante o desenvolvimento de uma atividade econômica (art. 53); o trabalho está
sob a proteção especial da lei (art. 53); a lei reconhecerá a quem possui uma relação de
trabalho ou serviço como trabalhador ou empregado, a independência de sua consciência
moral e cívica; a justa remuneração; a limitação da jornada; o descanso semanal e a higiene
física e moral; o trabalho das mulheres e dos menores de dezoito anos será especialmente
regulamentado e limitado, deixando ao alvedrio da lei disciplinar tais direitos (art. 54); a lei
regulamentará a distribuição imparcial e equitativa do trabalho (art. 55); a lei promoverá a
organização de sindicatos, ditando normas para reconhecer
sua personalidade jurídica;
promoverá, também, a criação de tribunais de conciliação e arbitragem; declara-se que a greve
201
é um direito coletivo, sendo regulamentada seu exercício e efetividade (art. 57) etc.
(URUGUAI, 2016a).
A Constituição do Uruguai elenca suscintamente os direitos trabalhistas,
concedendo à lei, em regra ordinária, a regulamentação mais minuciosa de tais direitos
diferentemente do que acontece com o texto constitucional brasileiro que se atém aos detalhes
no elenco dos direitos trabalhistas, delimitando, inclusive, o percentual dos adicionais de
horas extras, a jornada de trabalho, o terço constitucional das férias etc.
Portanto, apesar das Constituições dos Estados brasileiro e uruguaio
apresentarem certas diferenças na positivação dos direitos sociais trabalhistas em seus textos,
não resta dúvida que eles se inserem na categoria jurídica de direitos fundamentais, estando
diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade,
igualdade e segurança, consoante critério proposto por Garcia (2002, p. 122-123). Logo, os
direitos sociais trabalhistas (individuais e coletivos) estão relacionados à garantia da
dignidade da pessoa humana trabalhadora erigida constitucionalmente como fundamento dos
Estados democráticos.
Assim, o trabalho digno – enquanto direito humano e fundamental - é
indissociável do respeito à dignidade humana, sendo traduzido em princípio, fundamento,
valor e direito social fundamental nas Constituições do Brasil e do Uruguai e, sob esse
prisma, deveria ser aplicado na implementação de políticas públicas de fomento ao trabalho e
de proteção ao desemprego em face do capitalismo global.
2 BRASIL: A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O CONTRATO DE
TRABALHO
Em solenidade pública ocorrida em 1º de maio de 1943 no Estádio de São
Januário, no Rio de Janeiro – capital da República naquela época -, a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) foi aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452 e assinada por Getúlio Vargas
(mitificado como o ‘pai dos pobres’), sendo aplicada apenas aos trabalhadores urbanos.
A institucionalização do Direito do Trabalho no Brasil teve início em 1930
com a ascensão de Vargas ao poder, no contexto de um regime político de exceção que se
estendeu até 1945, quando ele foi desposto por seus ministros militares, assumindo a
Presidência da República o Marechal Eurico Gaspar Dutra.
De 1930 a 1945, os direitos sociais, incluindo os trabalhistas, seguem na
“dianteira”, como aponta Carvalho (2002), havendo a expedição de diversos decretos e
202
medidas por Getúlio Vargas para a instituição e ampliação dos direitos sociais e laborais
como, por exemplo, a ampliação das Caixas de Aposentadoria e Pensão, excluindo os
trabalhadores autônomos e domésticos, e a criação da Justiça do Trabalho: o Decreto nº
22.132, de 25 de novembro de 1932, criou as Juntas de Conciliação e Julgamento para
conciliar os dissídios individuais entre trabalhadores e empregadores e o Decreto nº 21.364,
de 04 de maio de 1932, criou as Comissões Mistas de Conciliação que foram instituídas para
dirimir os conflitos coletivos de trabalho. Apenas o Decreto-lei nº 9.777, de 09 de setembro
de 1946 organizou a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário e a Constituição de
1946 elevou-a ao patamar constitucional, pertencente ao Poder Judiciário da União.
Neste momento histórico, havia, de um lado, a repressão do governo
getulista aos movimentos sindicais e, de outro lado, a concessão de diversos benefícios e
direitos individuais aos trabalhadores. Entretanto, mesmo assim, a CLT foi aprovada por
Vargas, não havendo:
[...] dúvida de que, apesar de denominada de consolidação, ‘como
artifício para reverenciar a intensa obra legiferante trabalhista
produzida entre 1930 e 1943’, a CLT corresponde, na verdade, do
ponto de vista técnico-jurídico, a um verdadeiro código do trabalho
[...] a CLT não cristalizou com a passagem do tempo [...] amparada no
vigor da interpretação constitucional, mantém força e compromisso
social, assumindo novos traçados, ângulos e projetos de renovação e
de proteção ao trabalho regulado, em respeito aos padrões sociais
historicamente maturados no período de redemocratização brasileiro
(DELGADO, 2013, p. 274 e p. 292).
Na atualidade, a CLT ainda se consubstancia no principal corpo normativo
do Direito do Trabalho brasileiro, embora existam diversas leis esparsas em vigor regulando
outros direitos laborais, tais como: Lei n° 605/49 (descanso semanal remunerado e feriados);
Lei nº 5.859/72 (empregado doméstico); Lei n° 5.889/73 (trabalhador rural); Lei nº 6.019/74
(trabalhador temporário); a Lei nº 7.064/82 (trabalhadores contratados para prestar serviços no
exterior); Lei nº 7.783/89 (exercício do direito de greve no setor privado); Lei n° 8.036/90
(Fundo de Garantia do Tempo de Serviço); Lei nº 9.962/00 (regime do emprego público na
administração pública federal); Lei n° 12.506/11 (aviso prévio proporcional) etc.
Apesar da variedade de leis extravagantes editadas ao longo das últimas
décadas, a CLT ainda se mantém como o principal instrumento normativo do Direito do
Trabalho no Brasil, regulando o trabalho assalariado subordinado exercido por conta alheia
fundamentado num contrato de trabalho entre empregado e empregador.
203
O artigo 442, caput da CLT dispõe que o “contrato individual de trabalho é
o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. A norma celetista não
definiu adequadamente o contrato que não corresponde à relação de emprego, mas sim gera a
relação jurídica de emprego porque esta não tem “vida” sem o contrato.
O contrato de trabalho é espécie de negócio jurídico bilateral firmado entre
empregado e empregador entendido como a declaração de vontade da pessoa para adquirir,
modificar, alterar ou extinguir uma relação jurídica. A partir do contrato de trabalho, surge a
relação jurídica de emprego firmada entre empregado e empregador cujas condições
pactuadas encontram limites nos parâmetros legais estabelecidos pelo Estado nas normas
celetistas, consoante dispõe o artigo 444 da CLT: “as relações contratuais de trabalho podem
ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às
disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às
decisões das autoridades competentes”.
Tem-se, assim, um dirigismo contratual no âmbito da regulação do trabalho
assalariado subordinado em razão da intervenção do Estado na tutela dos trabalhadores
hipossuficientes frente ao poder econômico do empregador no intuito de manter o equilíbrio
jurídico e econômico entre as partes contratantes através de princípios e normas de ordem
pública e de caráter cogente, prevalecendo o império da lei e o interesse público sobre a
autonomia da vontade individual.
É preciso elucidar que a relação de trabalho é gênero estando relacionada a
qualquer tipo de trabalho humano, tais como: o trabalhador autônomo, o trabalhador eventual,
o trabalhador avulso, o trabalhador temporário, o trabalhador cooperado etc., sendo o trabalho
subordinado com vínculo empregatício (emprego) uma de suas espécies, logo, toda relação de
emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de
emprego.
As características fundamentais da relação de emprego se encontram
cristalizadas nos artigos 2ºe 3º da CLT1: a subordinação do empregado ao poder de direção do
1
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º - Equiparam-se ao empregador, para os
efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações
recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem
sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra
atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa
principal e cada uma das subordinadas. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. [...]
204
empregador2; a não eventualidade ou habitualidade na prestação dos serviços; a onerosidade
ou remuneração e a pessoalidade (pessoa física) do trabalhador na prestação dos serviços.
Essas características devem estar presentes na relação de emprego para a caracterização do
contrato de trabalho subordinado regido pelas normas previstas na Consolidação das Leis do
Trabalho.
Portanto, o vínculo jurídico estabelecido entre o empregado e o empregador
possui natureza contratual (teoria contratualista), pois o pacto laboral é um contrato típico,
nominado, com regras próprias, distinto do contrato de locação de serviços regido pelo Direito
Civil. O contrato de trabalho se constitui mediante um vínculo informal, pois não há
necessidade de documento solene para sua validade, podendo ser ajustado de modo expresso
escrito ou verbal ou, ainda, de modo tácito não exigindo palavras escritas ou verbais e
decorrendo do comportamento das partes contratantes (artigo 443, caput e artigo 447 da
CLT3).
Em relação ao prazo de vigência, a regra geral estabelece que todo contrato
de trabalho firmado entre empregador e empregado não tem duração definida (prazo
indeterminado), assim, poderá ser rescindido a qualquer tempo mediante a concessão de aviso
prévio à parte contrária. Esta regra advém do princípio juslaboral da continuidade na
prestação dos serviços.
Porém, há contratos de trabalho que possuem prazo determinado, segundo a
CLT em seu artigo 443, §1º, “considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho
cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda
da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada”.
Os contratos por prazo determinado ou com termo prefixado (artigo 443, §1º
da CLT) são aqueles que possuem datas de início e término antecipadamente combinadas
entre o empregado e o empregador. Porém, para a validade desse negócio jurídico por prazo
determinado, a CLT restringe as situações em que tal modalidade de contrato pode ser
firmada (artigo 443, §2º da CLT), a saber:
a)
Serviço
cuja
natureza
ou
transitoriedade
justifique
a
predeterminação do prazo: contratação de empregado para atender a breve aumento de
2
O poder de direção do empregador decorre da lei (CLT) e do contrato de trabalho, compreendendo o poder de
organizar as atividades, controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com as finalidades do empreendimento.
3 Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por
escrito e por prazo determinado ou indeterminado. [...] Art. 447 - Na falta de acordo ou prova sobre condição
essencial ao contrato verbal, esta se presume existente, como se a tivessem estatuído os interessados na
conformidade dos preceitos jurídicos adequados à sua legitimidade.
205
produção num determinado ano, neste caso é o serviço que é transitório e não a atividade
empresarial como, por exemplo, no caso de contratação de técnico para treinamento de
operadores para implantação de equipamento sofisticado, de atividades sazonais (vendas de
fogos de artifícios em junho, produção de ovos de páscoa, aumento das vendas no Natal etc.);
b) Atividades empresariais de caráter transitório: são aquelas que se
limitam no tempo, a atividade transitória pode coincidir com aquela que a empresa
permanentemente venha a desenvolver, não precisando ser diversa daquela a que a empresa se
dedica, sendo exemplos atividades empresariais em feiras industriais, comerciais e
agropecuárias, atividades circenses etc.;
c) Contrato de experiência: é pacto de avaliação mútua para o empregado
e o empregador no intuito de verificar a adaptação às condições laborativas.
Segundo previsão do artigo 445 da CLT, a contratação por prazo
determinado não poderá ser estipulada por mais de dois, podendo ser prorrogado uma única
vez dentro deste período, com exceção do contrato de experiência que não poderá exceder
noventa dias. Em caso de dilação destes prazos além do estipulado na lei, o contrato de
trabalho por prazo determinado se converterá em contrato por prazo indeterminado (artigo
451 da CLT), garantindo ao empregado o direito ao tempo do serviço anterior para todos os
efeitos legais, inclusive para o recebimento das verbas rescisórias.
Finalmente, o artigo 452 da CLT não permite a celebração de um novo
contrato por prazo determinado com o mesmo empregado senão após seis meses da conclusão
do contrato anterior, salvo se a expiração do contrato dependeu de serviços especializados ou
da realização de certos acontecimentos.
Todos os contratos de trabalho por prazo determinado ou indeterminado
devem ser anotados na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)4 do empregado para
fins de contagem de tempo de serviço para aposentadoria.
4
Art. 29 da CLT - A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente apresentada, contra recibo,
pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para nela anotar,
especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a
adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do
Trabalho. § 1º As anotações concernentes à remuneração devem especificar o salário, qualquer que seja sua
forma de pagamento, seja ele em dinheiro ou em utilidades, bem como a estimativa da gorjeta. § 2º As anotações
na Carteira de Trabalho e Previdência Social serão feitas: a) na data-base; b) a qualquer tempo, por solicitação do
trabalhador; c) no caso de rescisão contratual; d) necessidade de comprovação perante a Previdência Social. § 3º
A falta de cumprimento pelo empregador do disposto neste artigo acarretará a lavratura do auto de infração, pelo
Fiscal do Trabalho, que deverá, de ofício, comunicar a falta de anotação ao órgão competente, para o fim de
instaurar o processo de anotação. § 4º É vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do
empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. § 5º O descumprimento do disposto no § 4º deste
artigo submeterá o empregador ao pagamento de multa prevista no art. 52 deste Capítulo.
206
Além dos contratos de trabalho por prazo determinado previstos no artigo
443, §1º da CLT, há outros regulamentados em legislação esparsa, tais como: a) contrato por
obra certa (Lei n° 2.959/56); b) contrato de trabalho de técnico estrangeiro (Decreto-lei n°
691-69); c) contrato de safra (Lei n° 5.889/73); d) contrato de trabalho temporário (Lei nº
6.019/74); e contrato de atleta profissional (Lei n° 6.354/76); f) contrato de artistas (Lei n °
6.533/78); g) contrato a prazo determinado de empregado admitido acima do quadro fixo da
empresa (Lei nº 9.601/98) etc. Todos representam situações que excepcionam a regra geral da
indeterminação no prazo dos contratos de trabalho, mitigando o princípio da proteção do
trabalhador em razão dos interesses econômicos que prevalecem no mercado de trabalho.
Apesar da tentativa de esgarçamento das relações de trabalho subordinado, a
Consolidação das Leis do Trabalho se mantém no Brasil como o principal arcabouço jurídico
de proteção aos direitos sociais trabalhistas, não estando superada, sobretudo após o advento
da Constituição brasileira de 1988 que impôs a necessária leitura de suas normas e do Direito
do Trabalho como um todo sob as “lentes constitucionais” no contexto do chamado novo
Constitucionalismo ou Constitucionalismo do século XXI. A seguir, passa-se ao estudo do
sistema jurídico laboral do Uruguai e da regulação do contrato de trabalho.
3 URUGUAI: A LEGISLAÇÃO LABORAL ESPARSA E O CONTRATO DE
TRABALHO
A legislação laboral no Uruguai não se encontra codificada num
instrumento normativo cogente e imperativo como é o caso da Consolidação das Leis do
Trabalho no Brasil e nem possui uma lei específica para a regulação dos contratos laborais.
O Direito do Trabalho uruguaio está distribuído em várias leis esparsas, tais
como: a Lei n° 7.318/88 que dispõe sobre os descansos semanais remunerados; a Lei n°
18.065/06 que regulamenta o trabalho doméstico; as Leis n° 10.489/44, n° 10.542/44 e n°
12.597/58 que tratam da rescisão contratual no regime comum, havendo regras especiais para
os empregados domésticos, os trabalhadores rurais e na pesca, os trabalhadores em domicílio,
os corretores, viajantes e vendedores de praça etc.; a Lei nº 12.840/60 que prevê o pagamento
da gratificação natalina; o Decreto-lei n° 14.159/74 que estabelece os prazos para o
pagamento do salário; a Lei n° 15.996/88 e o Decreto nº 550/89 que estabelecem os casos
para a concessão de horas extras; Lei n° 16.873/97 que disciplina os contratos de
aprendizagem e bolsas de trabalho para jovens, dentre outras normas (URUGUAI, 2016b).
207
O Direito Laboral uruguaio está estruturado para a proteção dos
trabalhadores que são a parte hipossuficiente da relação trabalhista, havendo a tutela do
Estado através de normas heterônomas, ou seja, normas impostas por agente externo (o
Estado) à relação laborativa na figura do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder
Executivo, este último mediante os órgãos relacionados à administração e fiscalização do
trabalho5. Porém, tais normas apresentam várias lacunas que são preenchidas através do
entendimento da doutrina e da Jurisprudência, caracterizando o Direito do Trabalho no
Uruguai como fragmentário e assistemático consoante preceitua Arigón (2014, p. 01):
En Uruguay, la legislación del trabajo comenzó a desarrollarse a
partir de 1915 y evolucionó con un sentido protector, plasmado en las
normas del Derecho positivo y, muy especialmente, en la doctrina.
Las normas laborales no están sistematizadas en un código,
consolidación o estatuto general, sino que se caracterizan por su
dispersión y su desarrollo aluvional. Por esta razón, la doctrina ha
tenido un papel muy importante, pues sus elaboraciones han venido a
colmar los amplios espacios dejados por las normas, dándole sentido
y alcance a la mayor parte de las nociones fundamentales que hacen a
la disciplina.
De este modo, el Derecho del trabajo uruguayo se fue construyendo
como un sistema complejo, que no sólo se ha nutrido de aportes
normativos de diverso origen (estatal o autonomía colectiva), sino
también, y muy especialmente, de las elaboraciones realizadas por la
doctrina y, luego, por la jurisprudencia.
Uriarte (2006, p. 02) também elenca características que diferenciam o ramo
juslaboral uruguaio do brasileiro:
En primer lugar es necesario subrayar que la legislación laboral
uruguaya ha sido asistemática, fragmentaria y puntual. Son leyes
sueltas; no hay, no hubo nunca en el Uruguay un Código del trabajo,
ni siquiera una ley general del trabajo.
Como consecuencia de esto, surge la segunda característica del
Derecho laboral uruguayo: esa legislación asistemática, incompleta y
fragmentaria, aunque protectora, deja un amplio margen a la
creación doctrinal y jurisprudencial. Al ser poco lo que está expresa
y detalladamente previsto en la ley, es mucho lo que tienen que
resolver los jueces, son muchas las lagunas a llenar por los
tribunales, y es importante, también, el papel que puede desarrollar la
doctrina para darle “materia prima” y “know how” a esos jueces.
Una prueba evidente al respecto la proporciona la difusión que ha
tenido esa obra mayor de Américo Plá Rodríguez, “Los principios del
Derecho del trabajo”: si se revisan los Anuarios de jurisprudencia
5
Segundo Uriarte (2006, p. 01), “la protección heterónoma, a cargo del Estado, es brindada a través o a partir
de los tres poderes: el Poder Legislativo dictando una legislación laboral especializada y tuitiva; el Poder
Ejecutivo a través de la Administración del trabajo, especialmente de la Inspección del trabajo, que debe
controlar la aplicación de dichas normas; y el Poder Judicial, que debe ofrecer una Justicia especializada y un
procedimiento autónomo para la solución de los conflictos que surgen del incumplimiento de esa normativa”.
208
laboral, se puede apreciar que al menos en ciertos períodos, esta obra
es más citada como fundamento de los fallos que cualquier ley o
decreto.
Otra demostración: la ley de despido se limita a disponer que el
trabajador despedido tendrá derecho a percibir una determinada
indemnización, salvo que hubiere incurrido en notoria mala conducta.
Pero la ley no dice qué es un despido ni en qué consiste la notoria
mala conducta que exime al empleador de la obligación de
indemnizar. Todo eso (¿qué es el despido?, ¿cuándo hay notoria mala
conducta?) ha tenido que ser elaborado por la doctrina y la
jurisprudencia.
Otro ejemplo del mismo tipo: la noción de salario, esencial a la
relación laboral, no está definida en la ley. Han sido la doctrina y la
jurisprudencia las que han ido definiendo qué cosa es salario, qué
cosa no lo es, cuáles son las notas del salario, etc., de modo que eso
permita a un juez resolver que tal partida que ha cobrado el
trabajador sí es salario y tal otra no lo es.
Pero todo esto se refiere a las relaciones individuales de trabajo,
aquellas situaciones en que un trabajador individual está enfrentando
individualmente a su empleador, involucrando institutos tales como la
jornada de trabajo, el descanso semanal, las vacaciones anuales o el
despido, entre otros. Y la Justicia del trabajo tiene competencia
solamente en asuntos individuales de trabajo, en “asuntos originados
en conflictos individuales de trabajo”, no en conflictos colectivos,
porque esta legislación asistemática pero protectora y esta Justicia
especializada, se refieren exclusivamente a los conflictos individuales
de trabajo, a las relaciones individuales de trabajo, al Derecho
individual del trabajo y no intervienen (ni la ley, ni la Justicia) en los
conflictos colectivos que enfrentan directamente al sindicato, a la
organización representativa de los trabajadores, con la empresa o la
cámara empresarial u organización representativa de los
empleadores.
En el Derecho colectivo del trabajo hay una aparente no-legislación o como ha dicho Mario Garmendia, una “arregulación” - de las
relaciones colectivas de trabajo. En Uruguay, aparentemente, la ley
no entra a regular al sindicato (ni cómo se organiza, ni cuáles son sus
facultades) y regula mínimamente algunos aspectos puntuales de la
negociación colectiva y del derecho de huelga. En cierto modo, este
relativo o aparente abstencionismo legislativo en materia de
relaciones colectivas de trabajo se acomoda bastante bien con la
concepción teórica del “pluralismo conflictivo”, conforme a la cual,
los grandes actores sociales (sindicatos y empresarios) interactúan
entre si, entran en conflicto entre si, y arreglan sus problemas directa
y autónomamente, con poca intervención estatal.
Portanto, em razão dessas peculiaridades do Direito do Trabalho uruguaio,
sua aplicabilidade depende da interpretação dos operadores do direito, em especial dos juízes
e doutrinadores, para a resolução dos conflitos individuais de trabalho, sendo os princípios
peculiares trabalhistas - da proteção, da continuidade da relação de emprego, da primazia da
realidade, da irrenunciabilidade de direitos, da razoabilidade, da boa-fé e da não
discriminação – de suma importância neste processo.
209
Em relação ao contrato de trabalho, não há no Direito Laboral do Uruguai
uma norma geral que o regulamente, existindo apenas regras oriundas do direito comum (civil
ou empresarial) que se aplicam aos contratos em termos amplos, visto que se trata de um
acordo de vontades.
Entretanto, em matérias específicas da contratação laboral, tais como:
salário, jornada de trabalho, licença maternidade, acidentes de trabalho, descansos
remunerados etc. existem regras próprias, conforme já referido, reguladas por disposições de
ordem pública e caráter cogente oriundas de leis, decretos, atos do Poder Executivo etc. e
outras emanadas das convenções coletivas de trabalho com a participação direta dos
sindicatos e regulamentada na Ley de Fuero Sindical (Lei nº 17.904, de 02 de janeiro de
2006). Nesse sentido, Rivera e Mullin (2012, p. 93) dispõem:
[...] particularidade que possui o contrato de trabalho é que no nosso
sistema positivo há um forte dirigismo estatal, limitando desse modo a
vontade das partes no que se refere ao conteúdo obrigacional do
mesmo, de modo que os direitos e obrigações que emergem de um
contrato de trabalho estão, basicamente, determinados e regulados por
um conjunto de normas inorganicamente existentes no Direito
uruguaio.
No Uruguai, o contrato laboral normalmente é verbal e se aperfeiçoa
concretamente pelo simples acordo de vontade entre as partes pactuantes (empregador e
trabalhador) sem a necessidade de subscrição por escrito, pois é suficiente o registro do
trabalhador na Planilha de Controle de Trabalho. Porém, na atualidade, muitas empresas estão
optando por celebrar um contrato de trabalho escrito a fim de obter maior transparência e
segurança na contratação, permitindo facilitar a produção das provas dos direitos trabalhistas.
A principal diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação
ou arrendamento de serviços reside na existência da subordinação do trabalhador ao poder de
direção do empregador, ou seja, o trabalhador presta serviços por conta alheia ao empregador
que está investido legalmente de poderes para dirigir sua atividade laborativa. Logo, “o
trabalhador está ‘subordinado’ às diretivas que podem lhe ser dadas pelo seu empregador,
que, por sua vez, tem o ‘poder de direção’ sobre o referido trabalhador, ou seja,
‘subordinação’ e ‘poder de direção’ são as duas faces de uma mesma moeda” (RIVERA E
MULLIN, 2012, p. 93).
Na seara juslaboral uruguaia, dentre as modalidades de contrato de trabalho,
a regra geral também é a indeterminação do prazo no intuito de manter o vínculo
empregatício, garantindo maior segurança para as relações trabalhistas e manutenção dos
210
postos de trabalho. Entretanto, há modalidades mais precárias de contratação de trabalhadores
por períodos mais curtos (prazo determinado), sendo destacados na doutrina os seguintes
(RIVERA e MULLIN, 2012, p. 94-98):
a) Contrato de trabalho a termo: celebrado por um prazo ou período
de tempo determinado, ou seja, que tem vida limitada. Estes contratos
fogem do regime geral, já que os contratos de trabalho, a menos que
seja acordado expressamente o contrário, são, em princípio e por
regra, por tempo indeterminado. Além disso, se diz que o contrato de
trabalho a termo pode ser sem causa ou com causa. Será sem causa
quando as partes, sem motivo aparente e atuando dentro da autonomia
da vontade, acordam celebrar um contrato de trabalho por
determinado prazo. Pelo contrário, estaremos frente a um contrato de
trabalho a termo causado quando diferentes circunstâncias levem a
celebrar um contrato sob tais características. À título de exemplo, no
âmbito da indústria da construção, geralmente contrata-se o pessoal
para a realização da obra edilícia, ou para realizar determinado setor
da obra. A causa do vencimento do contrato é justamente a conclusão
da obra. [...] Por sua vez, o trabalhador contratado por tempo
determinado goza dos mesmos direitos que um trabalhador por tempo
indeterminado, salvo no que se refere à indenização por demissão. Em
efeito, quando o contrato de trabalho por tempo determinado é
encerrado pelo vencimento do seu prazo, não é gerado a favor do
trabalhador o direito de receber indenização de tipo algum, já que tal
extinção não ocorre por demissão ou rescisão unilateral do contrato,
mas por vencimento do prazo. Não obstante o mesmo, a existência de
um contrato de trabalho por prazo determinado outorga ao trabalhador
o direito a que o referido prazo seja respeitado pelo empregador. A
rescisão do contrato (demissão) antes da chegada da data de
vencimento pode aparelhar para o empregador a obrigação de reparar
os danos e prejuízos ocasionados pela rescisão antes tempus do
contrato de trabalho. É importante também esclarecer que a sucessão
ininterrupta de contratos de trabalho por tempo determinado pode
tornar a relação de trabalho em uma relação por tempo indeterminado,
com todas as consequências que o mesmo implica. [....] (RIVERA E
MULLIN, 2012, p. 94-95);
b) contrato de trabalho por prova ou com período de prova: [...]
celebrado por prazo determinado (geralmente de 90 dias), durante o
qual as partes são avaliadas mutuamente. Por um lado, a empresa
avaliará o desempenho do trabalhador e, por outro lado, o trabalhador
avaliará se o trabalho desempenhado é do seu agrado ou não. Pode
também ser estabelecido certo período de prova em contratos por
prazo indeterminado ou por obra determinada semelhante ao contrato
de experiência previsto na CLT brasileira. [...] durante o contrato de
trabalho por prova ou durante período de prova acordado no contrato,
qualquer das partes pode rescindir o contrato sem nenhuma espécie de
responsabilidade e sem ter que dar explicação alguma. [no direito
trabalhista uruguaio] não existe uma norma que estabeleça um período
máximo ou mínimo de prova; o mesmo ficará à escolha das partes,
manejando-se na doutrina e na jurisprudência em geral, para os
contratos por período indeterminado, um prazo de 60 ou 90 dias. [...]
se estamos frente a um contrato de trabalho por prova, vencido o
211
prazo do mesmo sem que nada tenha sido dito, a relação do
trabalhador com a empresa torna-se automaticamente um contrato de
trabalho por prazo indeterminado. E, se estamos frente a um contrato
de trabalho com uma cláusula de período de prova, vencido o referido
período, o contrato continuará nos termos gerais do mesmo e a
empresa não poderá rescindir antecipadamente o contrato sem
responsabilidade (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 97);
c) contrato de trabalho por safra ou temporada: [...] é dado pela
existência de ciclos da natureza ou sazonais, tais como temporada
turística, safra de colheita ou plantio na atividade agropecuária, em
que em cada ciclo a empresa empregadora vê incrementado o seu
volume de trabalho e precisa contratar pessoal dependente para esse
ciclo. [está-se] [...] frente a um contrato por tempo determinado, no
entendimento de que o contrato de trabalho é por certo período, ou
seja, pelo período da safra ou temporada. Há uma corrente doutrinal
que exige que a empresa empregadora contrate em cada safra ou
estação o mesmo pessoal de safra ou sazonal contratado
anteriormente, posição esta que não tem muito apoio na nossa
jurisprudência, já que se entende que cada contrato da safra ou por
temporada é independente (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 97-98);
d) contrato de suplência: [...] é aquele no qual é contratado um
trabalhador para efeitos de preencher temporariamente uma vaga do
titular do posto de trabalho, quer seja porque este vai tirar as suas
férias ordinárias, ou por uma licença extraordinária, ou por estar
ausente por alguma doença. Portanto, uma vez reintegrado o titular do
posto de trabalho, o contrato de suplência é extinto, já que o objeto
para o qual foi contratado foi cumprido, mediante a reintegração do
titular. Não obstante o mesmo, no caso em que reintegrado o
trabalhador titular, o trabalhador suplente continue realizando tarefas
para a empresa, entender-se-á que a relação de trabalho que este tinha
(contrato de suplência) tornou-se um contrato de trabalho por tempo
indeterminado, passando o trabalhador a gozar de todos os direitos
outorgados pelas leis trabalhistas (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 98).
Além dessas modalidades contratuais, a legislação laboral uruguaia
disciplina os contratos de aprendizagem e as bolsas de trabalho concedidas a jovens previstos
na Lei n° 16.873/97. Porém, para que as empresas possam incorporar jovens em tais
modalidades contratuais, necessitam cumprir os seguintes requisitos (artigo 1º da Lei n°
16.873/97): a) estarem em situação regular com os pagamentos das contribuições da
seguridade social; b) não haver efetuado no prazo de sessenta dias anteriores a contratação
despedimentos ou envios ao seguro desemprego de pessoal permanente que realize tarefas
iguais ou similares àquelas que o jovem contratado realizará no estabelecimento; c) ter pelo
menos um ano de atividade no país, salvo casos especiais e d) a porcentagem de contratados
sob qualquer das modalidades previstas na lei não pode exceder de vinte por cinto do total dos
trabalhadores da empresa. No caso de firmas individuais ou empregadores que ocupem até
212
cinco trabalhadores não poderão incorporar mais de um contratado nas condições previstas
nesta lei (URUGUAI, 2016b).
A Lei n° 16.873/97 disciplina nos artigos 4° a 9° o contrato de trabalho
para egressos ou formados que podem ser firmados entre empregadores e jovens de até vinte
e nove anos de idade com formação prévia em busca de seu primeiro emprego e o contrato
de bolsas de trabalho nos artigos 10 a 13 da Lei n° 16.873/97 que possibilita que jovens de
quinze a vinte e quatro anos de setores sociais de baixa renda se vinculem a um meio de
trabalho para realizar a primeira experiência laboral.
O contrato de aprendizagem também está regulado nos artigos 14 a 20 da
Lei n° 16.873/97, sendo modalidade de formação profissional na qual o empregador contrata
uma pessoa com até vinte e nove anos e ensina-o, de acordo com um programa estabelecido
pela instituição de formação técnico-profissional, um ofício qualificado ou profissão, durante
um período previamente fixado (artigo 14). Os artigos 21 a 25 da Lei n° 16.873/97
regulamentam os contratos de aprendizagem simples que poderão ser convencionados entre
empregadores e jovens de até vinte e cinco anos, possuindo as mesmas finalidades do contrato
de aprendizagem regulado nos artigos 14 a 20 com requisitos mais específicos.
Portanto, vislumbra-se que o Direito do Trabalho no Uruguai carece de uma
estrutura normativa mais sólida que seria possível através do estabelecimento de um corpus
normativo codificado, pois a legislação uruguaia se apresenta dispersa, assistemática,
incompleta e fragmentária, dificultando a efetiva tutela dos direitos sociais dos trabalhadores
e da concretização do direito fundamental ao trabalho digno, sobretudo, na atualidade em que
se consolida um capitalismo global de cunho neoliberal concomitantemente com a
precarização e flexibilização das condições de trabalho. Nesse sentido, aponta Uriarte (2006,
p. 08):
[…] La doctrina laboral habla de la “fuga” o “huída” del Derecho
del trabajo, para referirse a la tendencia, tolerada por la
jurisprudencia y a veces por la propia legislación, de hacer aparecer
a los trabajadores como si no lo fueran ( como si fueran empresarios
independientes o trabajadores autónomos ), para que no se les
apliquen las normas laborales de protección. Contratos de
arrendamiento de servicios en lugar de contratos de trabajo, la
supuesta contratación de trabajadores constituidos en “empresas
unipersonales” y diversas formas de subcontratación y tercerización,
han llevado a un verdadero trasvestismo impuesto al trabajador o, al
decir de Gamarra, a su “expulsión” del ámbito protector del Derecho
laboral. Se hace necesario establecer reglas de mínima seriedad y
transparencia, en línea con las previsiones de la recomendación 196
de la OIT.
213
É necessário se avançar mais na tutela dos direitos da pessoa humana
trabalhadora, principalmente quando se busca a aplicação do princípio da proteção no intuito
de se concretizar o direito fundamental ao trabalho digno.
CONCLUSÃO
O trabalho é um bem jurídico necessário para a existência digna do
trabalhador, devendo ser protegido pelo direito, não na condição de mercadoria ou insumo de
produção, mas como obrigação social imposta aos Estados, à comunidade e aos particulares.
Deve-se garantir ao ser humano não apenas o direito ao trabalho, mas o trabalho digno,
enquanto direito humano e fundamental o qual respeita a pessoa humana em sua integralidade
físico-psíquica, como ser único e insubstituível.
A Constituição brasileira é bastante detalhista e apresenta os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais no “Capítulo II - Dos Direitos Sociais”, nos artigos 7º a 11
(direitos individuais e coletivos). A Constituição uruguaia elenca sucintamente os direitos
trabalhistas no Capítulo II da Seção II - Direitos, Deveres e Garantias, especificamente nos
artigos 53 a 58, concedendo à lei, via de regra ordinária, a regulamentação mais minuciosa de
tais direitos diferentemente do que acontece com o texto constitucional brasileiro que se atém
aos detalhes no elenco dos direitos trabalhistas, delimitando, inclusive, o percentual dos
adicionais de horas extras, a jornada de trabalho, o terço constitucional das férias etc.
Entretanto, apesar das Constituições dos Estados brasileiro e uruguaio
apresentarem certas diferenças na positivação dos direitos sociais trabalhistas em seus textos,
não resta dúvida que eles se inserem na categoria jurídica de direitos fundamentais, estando
diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade,
igualdade e segurança. Logo, o trabalho digno – enquanto direito humano e fundamental - é
indissociável do respeito à dignidade humana, sendo traduzido em princípio, fundamento,
valor e direito social fundamental nas Constituições do Brasil e do Uruguai e, sob esse
prisma, deveria ser implementado via políticas públicas para o fomento ao trabalho e proteção
ao desemprego através dos contratos de trabalho que são firmados.
Apesar da multiplicidade de leis esparsas e extravagantes editadas ao longo
das últimas décadas no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho ainda se mantém como o
principal instrumento normativo do Direito do Trabalho brasileiro, regulando o trabalho
assalariado subordinado exercido por conta alheia a partir do contrato de trabalho pactuado
entre o empregado e o empregador cuja previsão se encontra, principalmente, no artigo 442 e
214
seguintes da CLT. Embora vigore como regra geral que todo contrato de trabalho firmado
entre empregador e empregado não tem duração definida, ou seja, é vigente por prazo
indeterminado, já existem na CLT situações que autorizam a pactuação por prazo determinado
(artigo 443, §2º da CLT), bem como há legislação esparsa criando também outras
circunstâncias que excepcionam a regra geral, mitigando o princípio da proteção do
trabalhador, flexibilizando as condições de trabalho e inviabilizando a concretização do
direito fundamental ao trabalho digno.
No âmbito do Uruguai, a situação também não é distinta. O direito laboral
uruguaio está estruturado para a proteção dos trabalhadores enquanto parte hipossuficiente da
relação trabalhista, havendo a tutela do Estado através de normas heterônomas à relação
laborativa na figura do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Executivo, este
último mediante os órgãos relacionados à administração e fiscalização do trabalho. Porém,
tais normas apresentam várias lacunas que são preenchidas através do entendimento da
doutrina e da Jurisprudência, caracterizando o Direito do Trabalho no Uruguai como
fragmentário e assistemático. Em razão dessas peculiaridades, a aplicabilidade do Direito do
Trabalho uruguaio depende da interpretação dos operadores do direito, em especial dos juízes
e doutrinadores, para a resolução dos conflitos individuais de trabalho, sendo os princípios
trabalhistas, principalmente o da proteção, de suma importância neste processo.
Não há no direito laboral uruguaio norma específica sobre o contrato de
trabalho que se origina da vontade das partes contratantes, estando regulado por disposições
de ordem pública emanadas de normas estatais (leis, decretos do Poder Executivo etc.) e
normas não estatais emanadas dos Conselhos de Salários e das convenções coletivas de
trabalho firmadas pelas entidades sindicais das respectivas categorias profissional e
econômica. A principal diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação ou
arrendamento de serviços reside na existência da subordinação do trabalhador ao poder de
direção do empregador.
Na seara juslaboral uruguaia, a regra geral também é a indeterminação do
prazo nos contratos de trabalho no intuito de manter o vínculo empregatício, porém, há outras
modalidades mais precárias de contratação de trabalhadores por períodos mais curtos, tais
como: o contrato de trabalho a termo, o contrato de trabalho por prova, o contrato de trabalho
por safra ou temporada e o contrato de suplência. Há, ainda, os contratos de trabalho
concedidos aos jovens por prazo determinado com previsão na Lei n° 16.873/97, sendo na
modalidade de egressos ou formados (duração de três meses e a doze meses - artigos 4° a 9°);
215
de bolsas de trabalho (a duração não poderá exceder de nove meses - artigos 10 a 13) e de
aprendizagem (a duração não poderá exceder a vinte e quatro meses - artigos 14 a 20).
Portanto, verifica-se que o contrato de trabalho no direito laboral brasileiro e
uruguaio é utilizado, muitas vezes, para validar juridicamente a flexibilização das relações de
trabalho, inviabilizando a concretização do direito fundamental ao trabalho digno resguardado
nos textos constitucionais desses Estados democráticos.
Na interpretação e nos julgamentos dos casos concretos, seria primordial a
adoção do princípio tutelar da proteção e, consequentemente, da interpretação da norma
mais favorável ao trabalhador o qual está presente no Direito do Trabalho desde sua
sistematização como ramo jurídico autônomo para afastar situações que impõe a sistemática
mitigação da dignidade do trabalhador. Tal princípio também se consolidou no Direito
Internacional dos Direitos Humanos como o da interpretação mais favorável à pessoa humana
(in dubio pro omine ou in dubio pro personae). Desse modo, esses princípios indicam que, em
caso de dúvida, o intérprete deve optar pela interpretação que mais favoreça a concretização
dos direitos humanos, inclusive, do direito fundamental ao trabalho digno.
Por conseguinte, todo o ser humano, em especial o trabalhador, deve ser
sempre visto como um fim em si mesmo, possuidor de um valor (a sua dignidade) e não como
mera mercadoria descartável, sendo-lhe garantidas políticas públicas de trabalho que
promovam sua reintegração social na comunidade e sua recolocação profissional no mercado
de trabalho, abolindo a adoção de contratos de trabalho mais flexíveis na seara jurídica
brasileira e uruguaia. Essa interpretação compatibiliza, no âmbito do Constitucionalismo do
século XXI, os fundamentos da Ordem Constitucional vigente no Brasil e no Uruguai - a
cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho - com os princípios
basilares do Direito do Trabalho no intuito de se construir uma comunidade mais livre, justa e
solidária, sendo reduzidas as desigualdades sociais e regionais e a pobreza.
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