V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E EMPRESARIAIS DANIELA MENENGOTI RIBEIRO PABLO AUGUSTO GUERRA ARAGONE Copyright © 2016 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados sem prévia autorização dos editores. Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP Conselho Fiscal: Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente) Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMG Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC E27 Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UdelaR/Unisinos/URI/UFSM /Univali/UPF/FURG; Coordenadores: Daniela Menengoti Ribeiro, Pablo Augusto Guerra Aragone – Florianópolis: CONPEDI, 2016. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-259-0 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: Instituciones y desarrollo en la hora actual de América Latina. 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Interncionais. 2. Direitos fundamentais. 3. Relações de trabalho. 4. Relações sociais. I. Encontro Internacional do CONPEDI (5. : 2016 : Montevidéu, URU). CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________ Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Florianópolis – Santa Catarina – Brasil www.conpedi.org.br Universidad de la República Montevideo – Uruguay www.fder.edu.uy V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E EMPRESARIAIS Apresentação O V Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) realizado em Montevidéu em conjunto com a Faculdade de Direito da Universidade da República do Uruguai, entre os dias 08 e 10 de setembro de 2016, teve como tema central o “Instituciones y desarrollo en la hora actual de América Latina" e além de manter a seriedade e qualidade da produtividade característica dos eventos anteriores, também oportunizou uma excelente integração com pesquisadores da América Latina. Os professores Dr. Pablo Augusto Guerra Aragone, da Universidad de la República Uruguay e Drª. Daniela Menengoti Ribeiro, da Unicesumar, foram honrados com a coordenação das atividades do Grupo de Trabalho intitulado “Eficácia de Direitos Fundamentais nas Relações do Trabalho, Sociais e Empresariais” e com a coordenação desta obra. Os trabalhos deste Grupo de Trabalho se deram na tarde do dia 09 de setembro de 2016, ocasião em que os autores expuseram suas pesquisas e debateram temas que estão no centro das especulações de um conjunto significativo dos estudiosos do direito. Com o objetivo de dinamizar as apresentações, os artigos foram organizados, aproximandose as temáticas, ficando assim dispostos: 1. A VISUALIZAÇÃO TRANSEXUAL NO MERCADO DE TRABALHO: O DIREITO AO USO DO NOME SOCIAL COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA 2. A IGUALDADE, A CIDADANIA E O TRABALHO DAS MULHERES DE CARREIRA JURÍDICA EM MATO GROSSO DO SUL 3. A EFICÁCIA DO DIREITO AO TRABALHO DO JOVEM NO BRASIL 4. DIREITO AO TRABALHO ARTÍSTICO INFANTIL: OS HOLOFOTES NO PEQUENO ARTISTA 5. A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS PELAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS: O DILEMA ENTRE A GLOBALIZAÇÃO E A MUNDIALIZAÇÃO 6. ESCRAVIDÃO E CIDADANIA NA AMÉRICA PORTUGUESA: INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE UMA REPRESENTAÇÃO LABORAL COLETIVA. 7. DIREITOS HUMANOS TRABALHISTAS: DA EXISTÊNCIA À TUTELA JURISDICIONAL NO CONTEXTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS 8. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA: A EFICÁCIA HORIZONTAL NA RELAÇÃO VERTICAL E O NECESSÁRIO APRIMORAMENTO DA TEORIA NO DIREITO DO TRABALHO 9. O DIÁLOGO DAS FONTES COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DA VALORAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO FISCAL TRABALHISTA 10. O DIREITO AO TRABALHO DIGNO E A PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA COLETIVA DE TRABALHADORES NA AMÉRICA LATINA 11. O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E A REGULAMENTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL E NO URUGUAI 12. O LAZER DO TRABALHADOR E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA. 13. TELETRABALHO TRANSNACIONAL: COLISÃO DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NA COMPOSIÇÃO DOS CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO 14. TRABALHO DEGRADANTE ENVOLVENDO PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: A PRÁTICA DA “NEOESCRAVIDÃO” URBANA. Desse modo, os organizadores dessa obra agradecem os autores Ailene De Oliveira Figueiredo, Ana Flávia Costa Eccard, Ariolino Neres Sousa Junior, Augusto Eduardo Miranda Pinto, Cleber Lúcio de Almeida, Daniela Menengoti Ribeiro, Fabiano Carvalho, Fernando Batistuzo Gurgel Martins, Guilherme Prestes De Sordi, João Carlos Medrado Sampaio, Joao Irineu De Resende Miranda, Juliane Caravieri Martins Gamba, Leonardo Gama Alvitos, Leyde Aparecida Rodrigues dos Santos, Manoela Bitencourt, Nelma Karla Waideman Fukuoka, Rodrigo Simionato, Sirio Ezaaquiel Isi dos Santos, Tatiana Nunes Coscarelli, Thiago Moreira Da Silva, Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida, Zeima da Costa Satim Mori. Além de revelar-se uma rica experiência acadêmica, com debates produtivos e bemsucedidas trocas de conhecimentos, o Grupo de Trabalho “Eficácia de Direitos Fundamentais nas Relações do Trabalho, Sociais e Empresariais” também proporcionou um entoado passeio pelos sotaques brasileiros e uruguaio, experiência que já se tornou característica do CONPEDI pela participação abrangente de pesquisadores de diversas regiões em seus eventos. Por fim, reiteramos nosso imenso prazer em participar da apresentação desta obra e do CONPEDI e desejamos a todos uma excelente leitura. Prof. Dr. Pablo Augusto Guerra Aragone - UDELAR – Uruguai Profa. Dra. Daniela Menengoti Ribeiro - UNICESUMAR – Brasil O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO E A REGULAMENTAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL E NO URUGUAI EL DERECHO FUNDAMENTAL AL TRABAJO DECENTE Y LA REGULAMENTACIÓN DEL CONTRATO DE TRABAJO EN BRASIL Y URUGUAY Juliane Caravieri Martins Gamba 1 Resumo O trabalho é um bem jurídico necessário para a existência digna do trabalhador, devendo ser protegido pelo direito, não como mercadoria ou insumo de produção, mas na qualidade de obrigação social imposta aos Estados, à comunidade e aos particulares. Nesse contexto, foi realizado o estudo no Brasil e no Uruguai das normas trabalhistas que regulamentam o contrato de trabalho no intuito de verificar se o direito fundamental ao trabalho digno previsto nas Constituições desses países pode ser concretizado ao se firmar um pacto laboral. Palavras-chave: Trabalho digno, Contrato de trabalho, Brasil, Uruguai Abstract/Resumen/Résumé El trabajo es un bien jurídico necesario para la existencia digna del trabajador y debe ser protegido por la ley, no como una mercancía o lo factor de producción, sino en la calidad de la obligación social de los Estados, de la comunidad y de los individuos. En este contexto, el estudio se llevó a cabo en Brasil y Uruguay de las normas laborales que regulan el contrato de trabajo con el fin de verificar si el derecho fundamental a un trabajo digno previsto en las constituciones de estos países se puede lograr cuando se suscribe un pacto laboral. Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Trabajo decente, Contrato de trabajo, Brasil, Uruguay 1 Professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutora em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo 197 INTRODUÇÃO O Direito do Trabalho - estruturado na atualidade com caráter eminentemente social - remonta suas origens a fins do século XIX no âmbito da Revolução Industrial, pois foi com a consolidação do capitalismo industrial que o trabalho assumiu a categoria de trabalho assalariado subordinado exercido por conta alheia. O trabalho exercido nestas condições não pode ser considerado plenamente livre, pois está inserto num processo de produção capitalista onde os empresários detêm os meios de produção e compram a força de trabalho das pessoas mediante um contrato de trabalho que não garante a plena autonomia de vontade para os empregados contratantes, além de sujeitá-los jurídica e economicamente às ordens e diretrizes estabelecidas pelos empregadores. A Declaração de Filadélfia da Organização Internacional do Trabalho, de 10 de maio de 1944, é enfática no artigo I ao estabelecer que: o trabalho não é uma mercadoria; a penúria constitui um perigo para a prosperidade geral e a luta contra a carência, em qualquer Estado, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando ao bem comum. Tanto o Brasil quanto o Uruguai são Estados membros da OIT e se comprometeram, assim, com suas declarações, recomendações e convenções internacionais. Nesse contexto, realizou-se o estudo das normas trabalhistas no Brasil e no Uruguai regulamentadoras do contrato de trabalho no intuito de apreender se o direito fundamental ao trabalho digno resguardado nas Constituições desses países pode ser efetivamente concretizado ao se firmar um pacto laboral sob as diretrizes legais existentes. Assim, o presente estudo dividiu-se em três partes. Primeiramente, buscouse compreender a concepção de direito fundamental ao trabalho digno e os direitos sociais trabalhistas disciplinados nas Constituições do Brasil e do Uruguai. Posteriormente, de modo sucinto, foram tecidas observações sobre o contrato de trabalho no Brasil, regulamentado na Consolidação das Leis do Trabalho, e no Uruguai, regulamentado em legislação esparsa. Por fim, foram tecidas as considerações finais. Como metodologia científica, a pesquisa utilizou os métodos dialético (contraposição entre tese e antítese) e histórico-sociológico (investigação de fatos, processos e instituições ao longo do tempo). Quanto à técnica de pesquisa, utilizou-se a bibliográfica. 198 Enfim, o presente artigo almejou contribuir para o enriquecimento das discussões doutrinárias sobre o direito fundamental ao trabalho digno previsto na Ordem Constitucional do Brasil e do Uruguai e a possibilidade de sua concretização mediante os contornos jurídicos atuais que regulamentam o contrato de trabalho nesses países. 1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO O trabalho humano deve ser tutelado pelo direito, não na condição de mercadoria como o capitalismo procurou difundir, mas como obrigação social e jurídica imposta aos Estados, à comunidade e aos indivíduos. Nessa perspectiva, evidencia-se que o trabalho não está dissociado dos trabalhadores que continuam a ser seus sujeitos, mas ele deve estar relacionado diretamente à dignidade humana do trabalhador. Esta dignidade deve ser entendida como um preceito superior (Grundnorm) a orientar a interpretação e a aplicação do direito, inclusive juslaboral, conforme aponta Bartolomei (1987, p. 11 e p. 23): [...] il concetto di “dignità umana” non é già, esclusivamente, una pretesa contro lo Stato, né è un diritto che possa essere esercitato contro altri, ma è un concetto giuridico costituzionale a livello istituzionale con la c.d. pluralità di effetti: a) nessuna “norma” costituzionale puo porsi in contrasto con tale concetto, né il concetto è suscettibile di modificazione mediante revisione costituzionale; b) ogni norma, sia di grado constituzionale, sia di grado subordinato che si ponga in contrasto con detto concetto, va dichiarata inconstituzionale; c) tutta la serie degli atti amministrativi, nonché giurisdizionali non confaceti con il medesimo concetto debbono ritenersi illegittimi. [...] Tale ordine di valori vede come Grundnorm la dignità umana il cui concetto viene a concretare uno di quei principi costituzionale superiori che vale per tutti i campi del diritto: contiene e/o esprime proposizioni precettive regolative di tutte i campi del diritto: da quella d’indirizzo politico a quella legislativa, dalla funzione giurisdizionale a quella ammnistrativa, e cosi via. Portanto, a dignidade do trabalhador é inerente à própria condição de pessoa humana e não deve ser mitigada, pois, nesse caso, o ser humano - embora ser único e insubstituível - passará a ser tratado como mercadoria sujeita às trocas no mercado capitalista. Então, deve-se garantir ao ser humano não apenas o direito ao trabalho, mas o trabalho digno, enquanto direito fundamental o qual respeita a pessoa humana em sua integralidade físico-psíquica, como ser único e insubstituível, sendo necessário para a subsistência digna do trabalhador e de sua família. 199 A OIT em seus relatórios, estudos e em instrumentos internacionais está difundindo a concepção de trabalho decente como “condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável”, conceituando trabalho decente como “um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna” (OIT, 2016). Acerca do trabalho decente, Brito Filho (2004, p. 61-62) dispõe: Não há trabalho decente sem condições adequadas à preservação da vida e da saúde do trabalhador. Não há trabalho decente sem justas condições para o trabalho, principalmente no que toca às horas de trabalho e aos períodos de repouso. Não há trabalho decente sem justa remuneração pelo esforço despendido. Não há trabalho decente se o Estado não toma todas as medidas necessárias para a criação e para a manutenção dos postos de trabalho. Não há, por fim, trabalho decente se o trabalhador não está protegido dos riscos sociais, parte deles originada do próprio trabalho humano. Trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais. Negar o trabalho nessas condições, dessa feita, é negar os Direitos Humanos do Trabalhador, e portanto, atuar em oposição aos princípios básicos que os regem, principalmente o maior deles, a dignidade da pessoa humana. (grifo nosso) Apesar da OIT e de vários doutrinadores utilizarem como sinônimos os termos “trabalho decente” e “trabalho digno”, entende-se que não o são, pois este último seria mais amplo e estaria umbilicalmente relacionado à dignidade humana do trabalhador, sendo compreendido sob dois aspectos os quais integram sua condição humana: a) o intrínseco (subjetivo): como atributo pessoal e psíquico inerente ao ser humano, incluindo, por exemplo, a satisfação pessoal do trabalhador em realizar determinada atividade; a sensação de ser útil para a comunidade em que vive; ser merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e dos particulares; ser livre para escolher seu trabalho etc. e b) o extrínseco (objetivo): representando as condições materiais previstas na lei lato sensu em que o ato de trabalhar estaria regulado, tais como: remuneração adequada e justa, sem discriminação de qualquer natureza; limite máximo e mínimo de duração da jornada de trabalho (diária e semanal); normas de higiene e segurança relacionadas ao meio ambiente do trabalho; concessão de férias, repouso semanal e feriados remunerados; licenças médicas em geral etc. 200 O trabalho digno é, pois, aquele adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, igualdade, segurança, satisfação pessoal e capaz de garantir uma vida digna ao trabalhador e à sua família. Logo, o trabalho digno está relacionado a uma concepção mais ética do trabalho e ancorado na ideia de dignidade humana do trabalhador, estando desdobrado em diversas espécies de direitos sociais fundamentais individuais e coletivos garantidos aos trabalhadores nas Constituições do Brasil e do Uruguai. A Constituição brasileira de 1988 é bastante detalhista e apresenta os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais no “Capítulo II - Dos Direitos Sociais”, nos artigos 7º a 11 (direitos individuais e coletivos), destacando-se: salário mínimo fixado em lei e nacionalmente unificado; seguro desemprego; fundo de garantia do tempo de serviço; irredutibilidade do salário; décimo terceiro salário; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; liberdade de associação profissional ou sindical; direito de greve etc., além de outros que visem à melhoria de sua condição social (BRASIL, 2016). Por sua vez, a Constituição uruguaia de 1967 – com reformas aprovadas em plebiscitos em 26 de novembro de 1989, em 26 de novembro de 1994 e em 08 de dezembro de 1996 – trata dos direitos fundamentais trabalhistas no Capítulo II da Seção II - Direitos, Deveres e Garantias, especificamente nos artigos 53 a 58, sendo bastante sucinta a seu respeito comparativamente com a Constituição brasileira, destacando-se os seguintes direitos e deveres: todo habitante da República, sem prejuízo de sua liberdade, tem o dever de aplicar suas energias intelectuais ou corporais em beneficio da coletividade, procurando ganhar seu sustento mediante o desenvolvimento de uma atividade econômica (art. 53); o trabalho está sob a proteção especial da lei (art. 53); a lei reconhecerá a quem possui uma relação de trabalho ou serviço como trabalhador ou empregado, a independência de sua consciência moral e cívica; a justa remuneração; a limitação da jornada; o descanso semanal e a higiene física e moral; o trabalho das mulheres e dos menores de dezoito anos será especialmente regulamentado e limitado, deixando ao alvedrio da lei disciplinar tais direitos (art. 54); a lei regulamentará a distribuição imparcial e equitativa do trabalho (art. 55); a lei promoverá a organização de sindicatos, ditando normas para reconhecer sua personalidade jurídica; promoverá, também, a criação de tribunais de conciliação e arbitragem; declara-se que a greve 201 é um direito coletivo, sendo regulamentada seu exercício e efetividade (art. 57) etc. (URUGUAI, 2016a). A Constituição do Uruguai elenca suscintamente os direitos trabalhistas, concedendo à lei, em regra ordinária, a regulamentação mais minuciosa de tais direitos diferentemente do que acontece com o texto constitucional brasileiro que se atém aos detalhes no elenco dos direitos trabalhistas, delimitando, inclusive, o percentual dos adicionais de horas extras, a jornada de trabalho, o terço constitucional das férias etc. Portanto, apesar das Constituições dos Estados brasileiro e uruguaio apresentarem certas diferenças na positivação dos direitos sociais trabalhistas em seus textos, não resta dúvida que eles se inserem na categoria jurídica de direitos fundamentais, estando diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade, igualdade e segurança, consoante critério proposto por Garcia (2002, p. 122-123). Logo, os direitos sociais trabalhistas (individuais e coletivos) estão relacionados à garantia da dignidade da pessoa humana trabalhadora erigida constitucionalmente como fundamento dos Estados democráticos. Assim, o trabalho digno – enquanto direito humano e fundamental - é indissociável do respeito à dignidade humana, sendo traduzido em princípio, fundamento, valor e direito social fundamental nas Constituições do Brasil e do Uruguai e, sob esse prisma, deveria ser aplicado na implementação de políticas públicas de fomento ao trabalho e de proteção ao desemprego em face do capitalismo global. 2 BRASIL: A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E O CONTRATO DE TRABALHO Em solenidade pública ocorrida em 1º de maio de 1943 no Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro – capital da República naquela época -, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452 e assinada por Getúlio Vargas (mitificado como o ‘pai dos pobres’), sendo aplicada apenas aos trabalhadores urbanos. A institucionalização do Direito do Trabalho no Brasil teve início em 1930 com a ascensão de Vargas ao poder, no contexto de um regime político de exceção que se estendeu até 1945, quando ele foi desposto por seus ministros militares, assumindo a Presidência da República o Marechal Eurico Gaspar Dutra. De 1930 a 1945, os direitos sociais, incluindo os trabalhistas, seguem na “dianteira”, como aponta Carvalho (2002), havendo a expedição de diversos decretos e 202 medidas por Getúlio Vargas para a instituição e ampliação dos direitos sociais e laborais como, por exemplo, a ampliação das Caixas de Aposentadoria e Pensão, excluindo os trabalhadores autônomos e domésticos, e a criação da Justiça do Trabalho: o Decreto nº 22.132, de 25 de novembro de 1932, criou as Juntas de Conciliação e Julgamento para conciliar os dissídios individuais entre trabalhadores e empregadores e o Decreto nº 21.364, de 04 de maio de 1932, criou as Comissões Mistas de Conciliação que foram instituídas para dirimir os conflitos coletivos de trabalho. Apenas o Decreto-lei nº 9.777, de 09 de setembro de 1946 organizou a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário e a Constituição de 1946 elevou-a ao patamar constitucional, pertencente ao Poder Judiciário da União. Neste momento histórico, havia, de um lado, a repressão do governo getulista aos movimentos sindicais e, de outro lado, a concessão de diversos benefícios e direitos individuais aos trabalhadores. Entretanto, mesmo assim, a CLT foi aprovada por Vargas, não havendo: [...] dúvida de que, apesar de denominada de consolidação, ‘como artifício para reverenciar a intensa obra legiferante trabalhista produzida entre 1930 e 1943’, a CLT corresponde, na verdade, do ponto de vista técnico-jurídico, a um verdadeiro código do trabalho [...] a CLT não cristalizou com a passagem do tempo [...] amparada no vigor da interpretação constitucional, mantém força e compromisso social, assumindo novos traçados, ângulos e projetos de renovação e de proteção ao trabalho regulado, em respeito aos padrões sociais historicamente maturados no período de redemocratização brasileiro (DELGADO, 2013, p. 274 e p. 292). Na atualidade, a CLT ainda se consubstancia no principal corpo normativo do Direito do Trabalho brasileiro, embora existam diversas leis esparsas em vigor regulando outros direitos laborais, tais como: Lei n° 605/49 (descanso semanal remunerado e feriados); Lei nº 5.859/72 (empregado doméstico); Lei n° 5.889/73 (trabalhador rural); Lei nº 6.019/74 (trabalhador temporário); a Lei nº 7.064/82 (trabalhadores contratados para prestar serviços no exterior); Lei nº 7.783/89 (exercício do direito de greve no setor privado); Lei n° 8.036/90 (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço); Lei nº 9.962/00 (regime do emprego público na administração pública federal); Lei n° 12.506/11 (aviso prévio proporcional) etc. Apesar da variedade de leis extravagantes editadas ao longo das últimas décadas, a CLT ainda se mantém como o principal instrumento normativo do Direito do Trabalho no Brasil, regulando o trabalho assalariado subordinado exercido por conta alheia fundamentado num contrato de trabalho entre empregado e empregador. 203 O artigo 442, caput da CLT dispõe que o “contrato individual de trabalho é o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. A norma celetista não definiu adequadamente o contrato que não corresponde à relação de emprego, mas sim gera a relação jurídica de emprego porque esta não tem “vida” sem o contrato. O contrato de trabalho é espécie de negócio jurídico bilateral firmado entre empregado e empregador entendido como a declaração de vontade da pessoa para adquirir, modificar, alterar ou extinguir uma relação jurídica. A partir do contrato de trabalho, surge a relação jurídica de emprego firmada entre empregado e empregador cujas condições pactuadas encontram limites nos parâmetros legais estabelecidos pelo Estado nas normas celetistas, consoante dispõe o artigo 444 da CLT: “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. Tem-se, assim, um dirigismo contratual no âmbito da regulação do trabalho assalariado subordinado em razão da intervenção do Estado na tutela dos trabalhadores hipossuficientes frente ao poder econômico do empregador no intuito de manter o equilíbrio jurídico e econômico entre as partes contratantes através de princípios e normas de ordem pública e de caráter cogente, prevalecendo o império da lei e o interesse público sobre a autonomia da vontade individual. É preciso elucidar que a relação de trabalho é gênero estando relacionada a qualquer tipo de trabalho humano, tais como: o trabalhador autônomo, o trabalhador eventual, o trabalhador avulso, o trabalhador temporário, o trabalhador cooperado etc., sendo o trabalho subordinado com vínculo empregatício (emprego) uma de suas espécies, logo, toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. As características fundamentais da relação de emprego se encontram cristalizadas nos artigos 2ºe 3º da CLT1: a subordinação do empregado ao poder de direção do 1 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. [...] 204 empregador2; a não eventualidade ou habitualidade na prestação dos serviços; a onerosidade ou remuneração e a pessoalidade (pessoa física) do trabalhador na prestação dos serviços. Essas características devem estar presentes na relação de emprego para a caracterização do contrato de trabalho subordinado regido pelas normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Portanto, o vínculo jurídico estabelecido entre o empregado e o empregador possui natureza contratual (teoria contratualista), pois o pacto laboral é um contrato típico, nominado, com regras próprias, distinto do contrato de locação de serviços regido pelo Direito Civil. O contrato de trabalho se constitui mediante um vínculo informal, pois não há necessidade de documento solene para sua validade, podendo ser ajustado de modo expresso escrito ou verbal ou, ainda, de modo tácito não exigindo palavras escritas ou verbais e decorrendo do comportamento das partes contratantes (artigo 443, caput e artigo 447 da CLT3). Em relação ao prazo de vigência, a regra geral estabelece que todo contrato de trabalho firmado entre empregador e empregado não tem duração definida (prazo indeterminado), assim, poderá ser rescindido a qualquer tempo mediante a concessão de aviso prévio à parte contrária. Esta regra advém do princípio juslaboral da continuidade na prestação dos serviços. Porém, há contratos de trabalho que possuem prazo determinado, segundo a CLT em seu artigo 443, §1º, “considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada”. Os contratos por prazo determinado ou com termo prefixado (artigo 443, §1º da CLT) são aqueles que possuem datas de início e término antecipadamente combinadas entre o empregado e o empregador. Porém, para a validade desse negócio jurídico por prazo determinado, a CLT restringe as situações em que tal modalidade de contrato pode ser firmada (artigo 443, §2º da CLT), a saber: a) Serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo: contratação de empregado para atender a breve aumento de 2 O poder de direção do empregador decorre da lei (CLT) e do contrato de trabalho, compreendendo o poder de organizar as atividades, controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com as finalidades do empreendimento. 3 Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado. [...] Art. 447 - Na falta de acordo ou prova sobre condição essencial ao contrato verbal, esta se presume existente, como se a tivessem estatuído os interessados na conformidade dos preceitos jurídicos adequados à sua legitimidade. 205 produção num determinado ano, neste caso é o serviço que é transitório e não a atividade empresarial como, por exemplo, no caso de contratação de técnico para treinamento de operadores para implantação de equipamento sofisticado, de atividades sazonais (vendas de fogos de artifícios em junho, produção de ovos de páscoa, aumento das vendas no Natal etc.); b) Atividades empresariais de caráter transitório: são aquelas que se limitam no tempo, a atividade transitória pode coincidir com aquela que a empresa permanentemente venha a desenvolver, não precisando ser diversa daquela a que a empresa se dedica, sendo exemplos atividades empresariais em feiras industriais, comerciais e agropecuárias, atividades circenses etc.; c) Contrato de experiência: é pacto de avaliação mútua para o empregado e o empregador no intuito de verificar a adaptação às condições laborativas. Segundo previsão do artigo 445 da CLT, a contratação por prazo determinado não poderá ser estipulada por mais de dois, podendo ser prorrogado uma única vez dentro deste período, com exceção do contrato de experiência que não poderá exceder noventa dias. Em caso de dilação destes prazos além do estipulado na lei, o contrato de trabalho por prazo determinado se converterá em contrato por prazo indeterminado (artigo 451 da CLT), garantindo ao empregado o direito ao tempo do serviço anterior para todos os efeitos legais, inclusive para o recebimento das verbas rescisórias. Finalmente, o artigo 452 da CLT não permite a celebração de um novo contrato por prazo determinado com o mesmo empregado senão após seis meses da conclusão do contrato anterior, salvo se a expiração do contrato dependeu de serviços especializados ou da realização de certos acontecimentos. Todos os contratos de trabalho por prazo determinado ou indeterminado devem ser anotados na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)4 do empregado para fins de contagem de tempo de serviço para aposentadoria. 4 Art. 29 da CLT - A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho. § 1º As anotações concernentes à remuneração devem especificar o salário, qualquer que seja sua forma de pagamento, seja ele em dinheiro ou em utilidades, bem como a estimativa da gorjeta. § 2º As anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social serão feitas: a) na data-base; b) a qualquer tempo, por solicitação do trabalhador; c) no caso de rescisão contratual; d) necessidade de comprovação perante a Previdência Social. § 3º A falta de cumprimento pelo empregador do disposto neste artigo acarretará a lavratura do auto de infração, pelo Fiscal do Trabalho, que deverá, de ofício, comunicar a falta de anotação ao órgão competente, para o fim de instaurar o processo de anotação. § 4º É vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. § 5º O descumprimento do disposto no § 4º deste artigo submeterá o empregador ao pagamento de multa prevista no art. 52 deste Capítulo. 206 Além dos contratos de trabalho por prazo determinado previstos no artigo 443, §1º da CLT, há outros regulamentados em legislação esparsa, tais como: a) contrato por obra certa (Lei n° 2.959/56); b) contrato de trabalho de técnico estrangeiro (Decreto-lei n° 691-69); c) contrato de safra (Lei n° 5.889/73); d) contrato de trabalho temporário (Lei nº 6.019/74); e contrato de atleta profissional (Lei n° 6.354/76); f) contrato de artistas (Lei n ° 6.533/78); g) contrato a prazo determinado de empregado admitido acima do quadro fixo da empresa (Lei nº 9.601/98) etc. Todos representam situações que excepcionam a regra geral da indeterminação no prazo dos contratos de trabalho, mitigando o princípio da proteção do trabalhador em razão dos interesses econômicos que prevalecem no mercado de trabalho. Apesar da tentativa de esgarçamento das relações de trabalho subordinado, a Consolidação das Leis do Trabalho se mantém no Brasil como o principal arcabouço jurídico de proteção aos direitos sociais trabalhistas, não estando superada, sobretudo após o advento da Constituição brasileira de 1988 que impôs a necessária leitura de suas normas e do Direito do Trabalho como um todo sob as “lentes constitucionais” no contexto do chamado novo Constitucionalismo ou Constitucionalismo do século XXI. A seguir, passa-se ao estudo do sistema jurídico laboral do Uruguai e da regulação do contrato de trabalho. 3 URUGUAI: A LEGISLAÇÃO LABORAL ESPARSA E O CONTRATO DE TRABALHO A legislação laboral no Uruguai não se encontra codificada num instrumento normativo cogente e imperativo como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil e nem possui uma lei específica para a regulação dos contratos laborais. O Direito do Trabalho uruguaio está distribuído em várias leis esparsas, tais como: a Lei n° 7.318/88 que dispõe sobre os descansos semanais remunerados; a Lei n° 18.065/06 que regulamenta o trabalho doméstico; as Leis n° 10.489/44, n° 10.542/44 e n° 12.597/58 que tratam da rescisão contratual no regime comum, havendo regras especiais para os empregados domésticos, os trabalhadores rurais e na pesca, os trabalhadores em domicílio, os corretores, viajantes e vendedores de praça etc.; a Lei nº 12.840/60 que prevê o pagamento da gratificação natalina; o Decreto-lei n° 14.159/74 que estabelece os prazos para o pagamento do salário; a Lei n° 15.996/88 e o Decreto nº 550/89 que estabelecem os casos para a concessão de horas extras; Lei n° 16.873/97 que disciplina os contratos de aprendizagem e bolsas de trabalho para jovens, dentre outras normas (URUGUAI, 2016b). 207 O Direito Laboral uruguaio está estruturado para a proteção dos trabalhadores que são a parte hipossuficiente da relação trabalhista, havendo a tutela do Estado através de normas heterônomas, ou seja, normas impostas por agente externo (o Estado) à relação laborativa na figura do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Executivo, este último mediante os órgãos relacionados à administração e fiscalização do trabalho5. Porém, tais normas apresentam várias lacunas que são preenchidas através do entendimento da doutrina e da Jurisprudência, caracterizando o Direito do Trabalho no Uruguai como fragmentário e assistemático consoante preceitua Arigón (2014, p. 01): En Uruguay, la legislación del trabajo comenzó a desarrollarse a partir de 1915 y evolucionó con un sentido protector, plasmado en las normas del Derecho positivo y, muy especialmente, en la doctrina. Las normas laborales no están sistematizadas en un código, consolidación o estatuto general, sino que se caracterizan por su dispersión y su desarrollo aluvional. Por esta razón, la doctrina ha tenido un papel muy importante, pues sus elaboraciones han venido a colmar los amplios espacios dejados por las normas, dándole sentido y alcance a la mayor parte de las nociones fundamentales que hacen a la disciplina. De este modo, el Derecho del trabajo uruguayo se fue construyendo como un sistema complejo, que no sólo se ha nutrido de aportes normativos de diverso origen (estatal o autonomía colectiva), sino también, y muy especialmente, de las elaboraciones realizadas por la doctrina y, luego, por la jurisprudencia. Uriarte (2006, p. 02) também elenca características que diferenciam o ramo juslaboral uruguaio do brasileiro: En primer lugar es necesario subrayar que la legislación laboral uruguaya ha sido asistemática, fragmentaria y puntual. Son leyes sueltas; no hay, no hubo nunca en el Uruguay un Código del trabajo, ni siquiera una ley general del trabajo. Como consecuencia de esto, surge la segunda característica del Derecho laboral uruguayo: esa legislación asistemática, incompleta y fragmentaria, aunque protectora, deja un amplio margen a la creación doctrinal y jurisprudencial. Al ser poco lo que está expresa y detalladamente previsto en la ley, es mucho lo que tienen que resolver los jueces, son muchas las lagunas a llenar por los tribunales, y es importante, también, el papel que puede desarrollar la doctrina para darle “materia prima” y “know how” a esos jueces. Una prueba evidente al respecto la proporciona la difusión que ha tenido esa obra mayor de Américo Plá Rodríguez, “Los principios del Derecho del trabajo”: si se revisan los Anuarios de jurisprudencia 5 Segundo Uriarte (2006, p. 01), “la protección heterónoma, a cargo del Estado, es brindada a través o a partir de los tres poderes: el Poder Legislativo dictando una legislación laboral especializada y tuitiva; el Poder Ejecutivo a través de la Administración del trabajo, especialmente de la Inspección del trabajo, que debe controlar la aplicación de dichas normas; y el Poder Judicial, que debe ofrecer una Justicia especializada y un procedimiento autónomo para la solución de los conflictos que surgen del incumplimiento de esa normativa”. 208 laboral, se puede apreciar que al menos en ciertos períodos, esta obra es más citada como fundamento de los fallos que cualquier ley o decreto. Otra demostración: la ley de despido se limita a disponer que el trabajador despedido tendrá derecho a percibir una determinada indemnización, salvo que hubiere incurrido en notoria mala conducta. Pero la ley no dice qué es un despido ni en qué consiste la notoria mala conducta que exime al empleador de la obligación de indemnizar. Todo eso (¿qué es el despido?, ¿cuándo hay notoria mala conducta?) ha tenido que ser elaborado por la doctrina y la jurisprudencia. Otro ejemplo del mismo tipo: la noción de salario, esencial a la relación laboral, no está definida en la ley. Han sido la doctrina y la jurisprudencia las que han ido definiendo qué cosa es salario, qué cosa no lo es, cuáles son las notas del salario, etc., de modo que eso permita a un juez resolver que tal partida que ha cobrado el trabajador sí es salario y tal otra no lo es. Pero todo esto se refiere a las relaciones individuales de trabajo, aquellas situaciones en que un trabajador individual está enfrentando individualmente a su empleador, involucrando institutos tales como la jornada de trabajo, el descanso semanal, las vacaciones anuales o el despido, entre otros. Y la Justicia del trabajo tiene competencia solamente en asuntos individuales de trabajo, en “asuntos originados en conflictos individuales de trabajo”, no en conflictos colectivos, porque esta legislación asistemática pero protectora y esta Justicia especializada, se refieren exclusivamente a los conflictos individuales de trabajo, a las relaciones individuales de trabajo, al Derecho individual del trabajo y no intervienen (ni la ley, ni la Justicia) en los conflictos colectivos que enfrentan directamente al sindicato, a la organización representativa de los trabajadores, con la empresa o la cámara empresarial u organización representativa de los empleadores. En el Derecho colectivo del trabajo hay una aparente no-legislación o como ha dicho Mario Garmendia, una “arregulación” - de las relaciones colectivas de trabajo. En Uruguay, aparentemente, la ley no entra a regular al sindicato (ni cómo se organiza, ni cuáles son sus facultades) y regula mínimamente algunos aspectos puntuales de la negociación colectiva y del derecho de huelga. En cierto modo, este relativo o aparente abstencionismo legislativo en materia de relaciones colectivas de trabajo se acomoda bastante bien con la concepción teórica del “pluralismo conflictivo”, conforme a la cual, los grandes actores sociales (sindicatos y empresarios) interactúan entre si, entran en conflicto entre si, y arreglan sus problemas directa y autónomamente, con poca intervención estatal. Portanto, em razão dessas peculiaridades do Direito do Trabalho uruguaio, sua aplicabilidade depende da interpretação dos operadores do direito, em especial dos juízes e doutrinadores, para a resolução dos conflitos individuais de trabalho, sendo os princípios peculiares trabalhistas - da proteção, da continuidade da relação de emprego, da primazia da realidade, da irrenunciabilidade de direitos, da razoabilidade, da boa-fé e da não discriminação – de suma importância neste processo. 209 Em relação ao contrato de trabalho, não há no Direito Laboral do Uruguai uma norma geral que o regulamente, existindo apenas regras oriundas do direito comum (civil ou empresarial) que se aplicam aos contratos em termos amplos, visto que se trata de um acordo de vontades. Entretanto, em matérias específicas da contratação laboral, tais como: salário, jornada de trabalho, licença maternidade, acidentes de trabalho, descansos remunerados etc. existem regras próprias, conforme já referido, reguladas por disposições de ordem pública e caráter cogente oriundas de leis, decretos, atos do Poder Executivo etc. e outras emanadas das convenções coletivas de trabalho com a participação direta dos sindicatos e regulamentada na Ley de Fuero Sindical (Lei nº 17.904, de 02 de janeiro de 2006). Nesse sentido, Rivera e Mullin (2012, p. 93) dispõem: [...] particularidade que possui o contrato de trabalho é que no nosso sistema positivo há um forte dirigismo estatal, limitando desse modo a vontade das partes no que se refere ao conteúdo obrigacional do mesmo, de modo que os direitos e obrigações que emergem de um contrato de trabalho estão, basicamente, determinados e regulados por um conjunto de normas inorganicamente existentes no Direito uruguaio. No Uruguai, o contrato laboral normalmente é verbal e se aperfeiçoa concretamente pelo simples acordo de vontade entre as partes pactuantes (empregador e trabalhador) sem a necessidade de subscrição por escrito, pois é suficiente o registro do trabalhador na Planilha de Controle de Trabalho. Porém, na atualidade, muitas empresas estão optando por celebrar um contrato de trabalho escrito a fim de obter maior transparência e segurança na contratação, permitindo facilitar a produção das provas dos direitos trabalhistas. A principal diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação ou arrendamento de serviços reside na existência da subordinação do trabalhador ao poder de direção do empregador, ou seja, o trabalhador presta serviços por conta alheia ao empregador que está investido legalmente de poderes para dirigir sua atividade laborativa. Logo, “o trabalhador está ‘subordinado’ às diretivas que podem lhe ser dadas pelo seu empregador, que, por sua vez, tem o ‘poder de direção’ sobre o referido trabalhador, ou seja, ‘subordinação’ e ‘poder de direção’ são as duas faces de uma mesma moeda” (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 93). Na seara juslaboral uruguaia, dentre as modalidades de contrato de trabalho, a regra geral também é a indeterminação do prazo no intuito de manter o vínculo empregatício, garantindo maior segurança para as relações trabalhistas e manutenção dos 210 postos de trabalho. Entretanto, há modalidades mais precárias de contratação de trabalhadores por períodos mais curtos (prazo determinado), sendo destacados na doutrina os seguintes (RIVERA e MULLIN, 2012, p. 94-98): a) Contrato de trabalho a termo: celebrado por um prazo ou período de tempo determinado, ou seja, que tem vida limitada. Estes contratos fogem do regime geral, já que os contratos de trabalho, a menos que seja acordado expressamente o contrário, são, em princípio e por regra, por tempo indeterminado. Além disso, se diz que o contrato de trabalho a termo pode ser sem causa ou com causa. Será sem causa quando as partes, sem motivo aparente e atuando dentro da autonomia da vontade, acordam celebrar um contrato de trabalho por determinado prazo. Pelo contrário, estaremos frente a um contrato de trabalho a termo causado quando diferentes circunstâncias levem a celebrar um contrato sob tais características. À título de exemplo, no âmbito da indústria da construção, geralmente contrata-se o pessoal para a realização da obra edilícia, ou para realizar determinado setor da obra. A causa do vencimento do contrato é justamente a conclusão da obra. [...] Por sua vez, o trabalhador contratado por tempo determinado goza dos mesmos direitos que um trabalhador por tempo indeterminado, salvo no que se refere à indenização por demissão. Em efeito, quando o contrato de trabalho por tempo determinado é encerrado pelo vencimento do seu prazo, não é gerado a favor do trabalhador o direito de receber indenização de tipo algum, já que tal extinção não ocorre por demissão ou rescisão unilateral do contrato, mas por vencimento do prazo. Não obstante o mesmo, a existência de um contrato de trabalho por prazo determinado outorga ao trabalhador o direito a que o referido prazo seja respeitado pelo empregador. A rescisão do contrato (demissão) antes da chegada da data de vencimento pode aparelhar para o empregador a obrigação de reparar os danos e prejuízos ocasionados pela rescisão antes tempus do contrato de trabalho. É importante também esclarecer que a sucessão ininterrupta de contratos de trabalho por tempo determinado pode tornar a relação de trabalho em uma relação por tempo indeterminado, com todas as consequências que o mesmo implica. [....] (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 94-95); b) contrato de trabalho por prova ou com período de prova: [...] celebrado por prazo determinado (geralmente de 90 dias), durante o qual as partes são avaliadas mutuamente. Por um lado, a empresa avaliará o desempenho do trabalhador e, por outro lado, o trabalhador avaliará se o trabalho desempenhado é do seu agrado ou não. Pode também ser estabelecido certo período de prova em contratos por prazo indeterminado ou por obra determinada semelhante ao contrato de experiência previsto na CLT brasileira. [...] durante o contrato de trabalho por prova ou durante período de prova acordado no contrato, qualquer das partes pode rescindir o contrato sem nenhuma espécie de responsabilidade e sem ter que dar explicação alguma. [no direito trabalhista uruguaio] não existe uma norma que estabeleça um período máximo ou mínimo de prova; o mesmo ficará à escolha das partes, manejando-se na doutrina e na jurisprudência em geral, para os contratos por período indeterminado, um prazo de 60 ou 90 dias. [...] se estamos frente a um contrato de trabalho por prova, vencido o 211 prazo do mesmo sem que nada tenha sido dito, a relação do trabalhador com a empresa torna-se automaticamente um contrato de trabalho por prazo indeterminado. E, se estamos frente a um contrato de trabalho com uma cláusula de período de prova, vencido o referido período, o contrato continuará nos termos gerais do mesmo e a empresa não poderá rescindir antecipadamente o contrato sem responsabilidade (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 97); c) contrato de trabalho por safra ou temporada: [...] é dado pela existência de ciclos da natureza ou sazonais, tais como temporada turística, safra de colheita ou plantio na atividade agropecuária, em que em cada ciclo a empresa empregadora vê incrementado o seu volume de trabalho e precisa contratar pessoal dependente para esse ciclo. [está-se] [...] frente a um contrato por tempo determinado, no entendimento de que o contrato de trabalho é por certo período, ou seja, pelo período da safra ou temporada. Há uma corrente doutrinal que exige que a empresa empregadora contrate em cada safra ou estação o mesmo pessoal de safra ou sazonal contratado anteriormente, posição esta que não tem muito apoio na nossa jurisprudência, já que se entende que cada contrato da safra ou por temporada é independente (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 97-98); d) contrato de suplência: [...] é aquele no qual é contratado um trabalhador para efeitos de preencher temporariamente uma vaga do titular do posto de trabalho, quer seja porque este vai tirar as suas férias ordinárias, ou por uma licença extraordinária, ou por estar ausente por alguma doença. Portanto, uma vez reintegrado o titular do posto de trabalho, o contrato de suplência é extinto, já que o objeto para o qual foi contratado foi cumprido, mediante a reintegração do titular. Não obstante o mesmo, no caso em que reintegrado o trabalhador titular, o trabalhador suplente continue realizando tarefas para a empresa, entender-se-á que a relação de trabalho que este tinha (contrato de suplência) tornou-se um contrato de trabalho por tempo indeterminado, passando o trabalhador a gozar de todos os direitos outorgados pelas leis trabalhistas (RIVERA E MULLIN, 2012, p. 98). Além dessas modalidades contratuais, a legislação laboral uruguaia disciplina os contratos de aprendizagem e as bolsas de trabalho concedidas a jovens previstos na Lei n° 16.873/97. Porém, para que as empresas possam incorporar jovens em tais modalidades contratuais, necessitam cumprir os seguintes requisitos (artigo 1º da Lei n° 16.873/97): a) estarem em situação regular com os pagamentos das contribuições da seguridade social; b) não haver efetuado no prazo de sessenta dias anteriores a contratação despedimentos ou envios ao seguro desemprego de pessoal permanente que realize tarefas iguais ou similares àquelas que o jovem contratado realizará no estabelecimento; c) ter pelo menos um ano de atividade no país, salvo casos especiais e d) a porcentagem de contratados sob qualquer das modalidades previstas na lei não pode exceder de vinte por cinto do total dos trabalhadores da empresa. No caso de firmas individuais ou empregadores que ocupem até 212 cinco trabalhadores não poderão incorporar mais de um contratado nas condições previstas nesta lei (URUGUAI, 2016b). A Lei n° 16.873/97 disciplina nos artigos 4° a 9° o contrato de trabalho para egressos ou formados que podem ser firmados entre empregadores e jovens de até vinte e nove anos de idade com formação prévia em busca de seu primeiro emprego e o contrato de bolsas de trabalho nos artigos 10 a 13 da Lei n° 16.873/97 que possibilita que jovens de quinze a vinte e quatro anos de setores sociais de baixa renda se vinculem a um meio de trabalho para realizar a primeira experiência laboral. O contrato de aprendizagem também está regulado nos artigos 14 a 20 da Lei n° 16.873/97, sendo modalidade de formação profissional na qual o empregador contrata uma pessoa com até vinte e nove anos e ensina-o, de acordo com um programa estabelecido pela instituição de formação técnico-profissional, um ofício qualificado ou profissão, durante um período previamente fixado (artigo 14). Os artigos 21 a 25 da Lei n° 16.873/97 regulamentam os contratos de aprendizagem simples que poderão ser convencionados entre empregadores e jovens de até vinte e cinco anos, possuindo as mesmas finalidades do contrato de aprendizagem regulado nos artigos 14 a 20 com requisitos mais específicos. Portanto, vislumbra-se que o Direito do Trabalho no Uruguai carece de uma estrutura normativa mais sólida que seria possível através do estabelecimento de um corpus normativo codificado, pois a legislação uruguaia se apresenta dispersa, assistemática, incompleta e fragmentária, dificultando a efetiva tutela dos direitos sociais dos trabalhadores e da concretização do direito fundamental ao trabalho digno, sobretudo, na atualidade em que se consolida um capitalismo global de cunho neoliberal concomitantemente com a precarização e flexibilização das condições de trabalho. Nesse sentido, aponta Uriarte (2006, p. 08): […] La doctrina laboral habla de la “fuga” o “huída” del Derecho del trabajo, para referirse a la tendencia, tolerada por la jurisprudencia y a veces por la propia legislación, de hacer aparecer a los trabajadores como si no lo fueran ( como si fueran empresarios independientes o trabajadores autónomos ), para que no se les apliquen las normas laborales de protección. Contratos de arrendamiento de servicios en lugar de contratos de trabajo, la supuesta contratación de trabajadores constituidos en “empresas unipersonales” y diversas formas de subcontratación y tercerización, han llevado a un verdadero trasvestismo impuesto al trabajador o, al decir de Gamarra, a su “expulsión” del ámbito protector del Derecho laboral. Se hace necesario establecer reglas de mínima seriedad y transparencia, en línea con las previsiones de la recomendación 196 de la OIT. 213 É necessário se avançar mais na tutela dos direitos da pessoa humana trabalhadora, principalmente quando se busca a aplicação do princípio da proteção no intuito de se concretizar o direito fundamental ao trabalho digno. CONCLUSÃO O trabalho é um bem jurídico necessário para a existência digna do trabalhador, devendo ser protegido pelo direito, não na condição de mercadoria ou insumo de produção, mas como obrigação social imposta aos Estados, à comunidade e aos particulares. Deve-se garantir ao ser humano não apenas o direito ao trabalho, mas o trabalho digno, enquanto direito humano e fundamental o qual respeita a pessoa humana em sua integralidade físico-psíquica, como ser único e insubstituível. A Constituição brasileira é bastante detalhista e apresenta os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais no “Capítulo II - Dos Direitos Sociais”, nos artigos 7º a 11 (direitos individuais e coletivos). A Constituição uruguaia elenca sucintamente os direitos trabalhistas no Capítulo II da Seção II - Direitos, Deveres e Garantias, especificamente nos artigos 53 a 58, concedendo à lei, via de regra ordinária, a regulamentação mais minuciosa de tais direitos diferentemente do que acontece com o texto constitucional brasileiro que se atém aos detalhes no elenco dos direitos trabalhistas, delimitando, inclusive, o percentual dos adicionais de horas extras, a jornada de trabalho, o terço constitucional das férias etc. Entretanto, apesar das Constituições dos Estados brasileiro e uruguaio apresentarem certas diferenças na positivação dos direitos sociais trabalhistas em seus textos, não resta dúvida que eles se inserem na categoria jurídica de direitos fundamentais, estando diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade, igualdade e segurança. Logo, o trabalho digno – enquanto direito humano e fundamental - é indissociável do respeito à dignidade humana, sendo traduzido em princípio, fundamento, valor e direito social fundamental nas Constituições do Brasil e do Uruguai e, sob esse prisma, deveria ser implementado via políticas públicas para o fomento ao trabalho e proteção ao desemprego através dos contratos de trabalho que são firmados. Apesar da multiplicidade de leis esparsas e extravagantes editadas ao longo das últimas décadas no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho ainda se mantém como o principal instrumento normativo do Direito do Trabalho brasileiro, regulando o trabalho assalariado subordinado exercido por conta alheia a partir do contrato de trabalho pactuado entre o empregado e o empregador cuja previsão se encontra, principalmente, no artigo 442 e 214 seguintes da CLT. Embora vigore como regra geral que todo contrato de trabalho firmado entre empregador e empregado não tem duração definida, ou seja, é vigente por prazo indeterminado, já existem na CLT situações que autorizam a pactuação por prazo determinado (artigo 443, §2º da CLT), bem como há legislação esparsa criando também outras circunstâncias que excepcionam a regra geral, mitigando o princípio da proteção do trabalhador, flexibilizando as condições de trabalho e inviabilizando a concretização do direito fundamental ao trabalho digno. No âmbito do Uruguai, a situação também não é distinta. O direito laboral uruguaio está estruturado para a proteção dos trabalhadores enquanto parte hipossuficiente da relação trabalhista, havendo a tutela do Estado através de normas heterônomas à relação laborativa na figura do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Executivo, este último mediante os órgãos relacionados à administração e fiscalização do trabalho. Porém, tais normas apresentam várias lacunas que são preenchidas através do entendimento da doutrina e da Jurisprudência, caracterizando o Direito do Trabalho no Uruguai como fragmentário e assistemático. Em razão dessas peculiaridades, a aplicabilidade do Direito do Trabalho uruguaio depende da interpretação dos operadores do direito, em especial dos juízes e doutrinadores, para a resolução dos conflitos individuais de trabalho, sendo os princípios trabalhistas, principalmente o da proteção, de suma importância neste processo. Não há no direito laboral uruguaio norma específica sobre o contrato de trabalho que se origina da vontade das partes contratantes, estando regulado por disposições de ordem pública emanadas de normas estatais (leis, decretos do Poder Executivo etc.) e normas não estatais emanadas dos Conselhos de Salários e das convenções coletivas de trabalho firmadas pelas entidades sindicais das respectivas categorias profissional e econômica. A principal diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação ou arrendamento de serviços reside na existência da subordinação do trabalhador ao poder de direção do empregador. Na seara juslaboral uruguaia, a regra geral também é a indeterminação do prazo nos contratos de trabalho no intuito de manter o vínculo empregatício, porém, há outras modalidades mais precárias de contratação de trabalhadores por períodos mais curtos, tais como: o contrato de trabalho a termo, o contrato de trabalho por prova, o contrato de trabalho por safra ou temporada e o contrato de suplência. Há, ainda, os contratos de trabalho concedidos aos jovens por prazo determinado com previsão na Lei n° 16.873/97, sendo na modalidade de egressos ou formados (duração de três meses e a doze meses - artigos 4° a 9°); 215 de bolsas de trabalho (a duração não poderá exceder de nove meses - artigos 10 a 13) e de aprendizagem (a duração não poderá exceder a vinte e quatro meses - artigos 14 a 20). Portanto, verifica-se que o contrato de trabalho no direito laboral brasileiro e uruguaio é utilizado, muitas vezes, para validar juridicamente a flexibilização das relações de trabalho, inviabilizando a concretização do direito fundamental ao trabalho digno resguardado nos textos constitucionais desses Estados democráticos. Na interpretação e nos julgamentos dos casos concretos, seria primordial a adoção do princípio tutelar da proteção e, consequentemente, da interpretação da norma mais favorável ao trabalhador o qual está presente no Direito do Trabalho desde sua sistematização como ramo jurídico autônomo para afastar situações que impõe a sistemática mitigação da dignidade do trabalhador. Tal princípio também se consolidou no Direito Internacional dos Direitos Humanos como o da interpretação mais favorável à pessoa humana (in dubio pro omine ou in dubio pro personae). Desse modo, esses princípios indicam que, em caso de dúvida, o intérprete deve optar pela interpretação que mais favoreça a concretização dos direitos humanos, inclusive, do direito fundamental ao trabalho digno. Por conseguinte, todo o ser humano, em especial o trabalhador, deve ser sempre visto como um fim em si mesmo, possuidor de um valor (a sua dignidade) e não como mera mercadoria descartável, sendo-lhe garantidas políticas públicas de trabalho que promovam sua reintegração social na comunidade e sua recolocação profissional no mercado de trabalho, abolindo a adoção de contratos de trabalho mais flexíveis na seara jurídica brasileira e uruguaia. Essa interpretação compatibiliza, no âmbito do Constitucionalismo do século XXI, os fundamentos da Ordem Constitucional vigente no Brasil e no Uruguai - a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho - com os princípios basilares do Direito do Trabalho no intuito de se construir uma comunidade mais livre, justa e solidária, sendo reduzidas as desigualdades sociais e regionais e a pobreza. REFERÊNCIAS ARIGÓN, Mario Garmendia. Modificación de condiciones de trabajo en Uruguay, IUSLabor, University Pompeu Fabra, Barcelona, n. 3, 2014, p. 01-09. BARTOLOMEI, Franco. La dignitá umana come concetto e valore costituzionale, Torino: Italia, G. Giappichelli Editore, 1987. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno, São Paulo: LTr, 2004. 216 BRASIL. 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