Catiúsa Monografia-+Errata

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
CATIÚSCIA BARCELOS DOS SANTOS
A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE E A ATUAÇÃO JUDICIAL COMO
GARANTIA
IJUÍ (RS)
2011
1
CATIÚSCIA BARCELOS DOS SANTOS
A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE E A ATUAÇÃO JUDICIAL COMO
GARANTIA
Monografia final do Curso de Graduação em
Direito objetivando a aprovação no componente
curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.
Orientadora: MSc. Eloisa Nair de Andrade Argerich
IJUÍ (RS)
2011
2
CATIÚSCIA BARCELOS DOS SANTOS
A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE E A ATUAÇÃO JUDICIAL COMO
GARANTIA
Trabalho final do Curso de Graduação em Direito
aprovada pela Banca Examinadora abaixo subscrita,
como requisito parcial para a obtenção do grau de
bacharel em Direito e a aprovação no componente
curricular de Trabalho de Curso
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul
DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais
Ijuí, 15 de dezembro de 2011.
___________________________________________
Eloisa Nair de Andrade Argerich– Mestre – UNIJUI
___________________________________________
Marco Aurelio Protti – Especialista – UNIJUÍ
3
Dedico este trabalho a minha mãe Rose, minha avó
Eronita, minha tia Raquel e ao meu namorado
Eduardo pelo carinho, auxílio, compreensão e
incentivo durante esses anos da minha caminhada
acadêmica, e a todos que de uma forma ou outra
contribuíram nessa etapa da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, pela vida,
inteligência e força para continuar minha
caminhada em busca dos meus objetivos.
À minha orientadora Eloisa Argerich por
seu auxílio, sua dedicação e incentivo.
A professora Anna Zeifert
compreensão e disponibilidade.
pela
Aos meus familiares que colaboraram
durante a trajetória de construção deste
trabalho, tributo meu agradecimento!
5
“Só pode sentir-se parte de uma sociedade quem
sabe que esta sociedade se preocupa ativamente
com sua sobrevivência digna. Assim, verifica-se que
a cidadania é uma relação de mão-dupla: dirige-se
da comunidade para o cidadão, e também do
cidadão para a comunidade. Portanto, só se pode
exigir de um cidadão que assuma responsabilidades
quando a comunidade política tiver demonstrado
claramente que o reconhece como membro seu,
inclusive através da garantia de seus direitos sociais
básicos.”
Paulo Bonavides
6
RESUMO
Os direitos sociais, em especial o direito à saúde, pertencem a chamada segunda
geração/dimensão dos direitos fundamentais, os quais foram efetivamente introduzidos no
ordenamento jurídico brasileiro através da Constituição Federal de 1988. A saúde, por tratarse de um direito fundamental de prestação, necessita de uma ação solidária dos Entes
Federados para ser efetivada. Diante da ausência de prestação por parte do Estado, os
indivíduos estão recorrendo ao judiciário para terem seu direito garantido. Dessa forma, o
presente estudo monográfico objetiva fazer uma análise do direito à saúde e a necessidade da
atuação judicial para garantir sua concretização, diante da (in) efetividade desse direito. No
entanto, é possível verificar que a concretização do direito à saúde não depende
exclusivamente de uma atuação estatal, sendo necessário que os cidadãos privem-se da prática
de comportamentos prejudiciais à esse direito, o qual é essencial para a garantia de uma vida
digna aos cidadãos.
Palavras-Chave: Direitos sociais. Saúde. Dignidade. Efetividade. Responsabilidade
Solidária.
7
ABSTRACT
Social rights, in particular the right to health, are a second generation/dimension of
fundamental rights, which were effectively introduced into the Brazilian legal system through
the Federal Constitution of 1988. Health, because it is a fundamental right provision, requires
a common action of the federal entities to take effect. Given the absence of provision by the
state, individuals are turning to the courts to have their rights guaranteed. Thus, this
monographic study aims to analyze the right to health and the need for judicial action to
ensure its implementation, before the (in) effectiveness of this right. However, it can verify
that the realization of the right to health does not depend exclusively on a state action,
requiring that private citizens from the practice of behavior prejudicial to this right, which is
essential for ensuring a dignified life for the citizens.
Keywords: Social Rights. Health. Dignity. Effectiveness. Responsibility Solidarity.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS..............................................................11
1.1 Conceito e características dos direitos humanos e fundamentais.................................11
1.2 Gerações dos direitos fundamentais................................................................................15
1.2.1 Direitos fundamentais de primeira geração...................................................................16
1.2.2 Direitos fundamentais de segunda geração...................................................................17
1.2.3 Direitos fundamentais de terceira geração....................................................................18
1.2.4 Direitos fundamentais de quarta geração......................................................................19
1.3 Aplicabilidade e garantia dos direitos fundamentais.....................................................20
1.4 O regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais sociais............................23
1.4.1 Fundamentabilidade material dos direitos fundamentais sociais.................................23
2 CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: DEVER DO ESTADO E SUA (IN)
EFETIVIDADE.......................................................................................................................27
2.1 O direito à saúde, seu regime jurídico e sua eficácia.....................................................27
2.2 Exigibilidade do direito à saúde face ao princípio da dignidade da pessoa humana e o
mínimo existencial...................................................................................................................29
2.3. A (in) efetividade do direito à saúde: ausência do Estado?..........................................33
2.3.1 Análise de casos de atuação do Poder Judiciário diante da omissão do Estado..........35
CONCLUSÃO.........................................................................................................................41
REFERÊNCIAS......................................................................................................................42
9
INTRODUÇÃO
A problemática dos direitos humanos tem sido objeto de muitos estudos debates e
embates teóricos testemunhados pelos registros escritos em livros, periódicos e textos legais
de âmbito nacional e internacional.
A efetividade desses direitos que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, já
no seu art. 1º define que todos nascem livre e iguais em dignidade e em direitos, devendo agir
com espírito de fraternidade umas com as outras, tem sido um desafio permanente às pessoas
e às instituições encarregadas essencialmente de propugnar, em sua atuação, por uma
sociedade justa e cidadã.
Embora haja avanços significativos no sentido da garantia de direitos, é impossível
ignorar as repetidas resistências e violações presentes em decisões e posturas de pessoas
físicas, jurídicas e nos serviços públicos, em especial quando se trata do atendimento às
populações menos favorecidas cultural e economicamente.
Com estudos na área do Direito, observações em estágios e compreensão da
complexidade dessa problemática surgiu a motivação para o tema desta Monografia, que
delimita a discussão em torno da a (in) efetividade do direitos à saúde e a atuação judicial
como garantia. Não se tem, porém, a pretensão de fazer um estudo exaustivo dessa questão.
Deseja-se ampliar o nível de entendimento pessoal sobre o assunto e acessar fontes que
futuramente possam ser subsídio para a prática profissional.
Este estudo monográfico, portanto, se estrutura em dois capítulos, além da Introdução
e da Conclusão.
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No primeiro capítulo aborda-se, de forma sucinta, a questão dos Direitos e Garantias
Fundamentais, explicitando conceitualmente os direitos humanos e fundamentais e
respectivas características, as diversas gerações/dimensões dos direitos fundamentais,
aplicabilidade e garantias e, por fim, o regime jurídico constitucional dos direitos sociais.
O segundo capítulo trata da especificidade do tema central da Monografia, direito
saúde, seu regime jurídico e sua eficácia, sua exigibilidade em face ao princípio da dignidade
da pessoa humana e a ausência do Estado, apresentando (in) efetividade do direito à saúde:
ausência do Estado demonstrada com uma rápida análise de casos de atuação do Poder
Judiciário.
11
1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Os direitos e as garantias fundamentais estão previstos na Constituição Federal,
basicamente entre os artigos 5º a 17. No entanto é importante ressaltar que os direitos e
deveres, tanto individuais quanto coletivos, são conteúdos que podem ser encontrados ao
longo do texto constitucional, pois não são exaustivos.
Os direitos fundamentais apresentam caráter material e estão associados à todos os
cidadãos. Já as garantias, possuem caráter instrumental, tendo em vista que podem ser
consideradas como os meios necessários utilizados para a efetividade daqueles direitos. Ou
seja, são as garantias fundamentais que garantem a concretização e validade dos efeitos dos
direitos fundamentais.
Para um adequado entendimento dos direitos e garantias fundamentais, é necessária
uma análise acerca da conceituação, características e diferenciação entre direitos humanos e
direitos fundamentais e da evolução dos direitos fundamentais. Nesse primeiro capítulo
pretende-se abordar a conceituação, aplicabilidade e abrangência dos direitos fundamentais,
analisando suas garantias, gerações e os direitos-deveres previstos na Constituição Federal.
1.1 Conceito e características dos direitos humanos e direitos fundamentais
O direito é universalmente atribuído ao sujeito e, dessa forma, universalmente
exigível. O sujeito de direito pode ser considerado como sujeito universal. Entretanto, o
indivíduo passa a ser entendido, pela primeira vez, como um sujeito universal de direitos
universais, somente com o advento da Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do
Homem e do cidadão (1789). (TOLEDO, 2003).
Em decorrência da ampliação e das transformações ocorridas nos direitos humanos e
fundamentais, não há um conceito estático para defini-los. José Afonso da Silva (2010, p.
179) informa que a “a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no
evolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso.” No entanto, pode-se
12
dizer que ambos são um conjunto de prerrogativas e instruções, indispensáveis a uma
sociedade política e inerentes à própria condição humana.
Para alguns constitucionalistas, apenas as expressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais” diferem, mas o significado é o mesmo, sendo a primeira a denominação
preferida dos tratados e documentos internacionais. (SILVA, 2003).
Já os demais doutrinadores (a maioria) diferenciam a terminologia de direitos
fundamentais e direitos humanos, referindo que os direitos do homem enquanto unicamente
naturais, seriam os direitos humanos, enquanto que os direitos do homem positivados, seriam
os fundamentais.
Bruno Galindo (2006, p. 48-49, grifo do autor) concorda com a existência de uma
diferenciação entre os direitos humanos e direitos fundamentais:
[...] entendemos os primeiros como aqueles imanentes, inerentes a todos os
seres humanos em qualquer época e lugar, enquanto os segundos são os
direitos humanos efetivamente positivados e reconhecidos pelos
ordenamentos jurídicos na esfera estatal e internacional. Todos os direitos
fundamentais são direitos humanos, mas nem todos os direitos humanos se
tornam fundamentais, pois [...] a expressão “direitos fundamentais” é que
tem um sentido mais restrito, já que se refere, no nosso entender, apenas aos
direitos humanos positivados, enquanto que a locução “direitos humanos” é
mais abrangente, abarcando todo e qualquer direito inerente à pessoa
humana, positivado ou não.
Portanto, pode-se entender que os direitos humanos formam um conjunto de valores
absolutos, indispensáveis para a dignidade e vida humana, ainda não positivados. E, para que
esses direitos apresentem forma jurídica, tornando-se exigíveis e formalmente universais,
devem ser positivados no ordenamento jurídico nacional, transformando-se em direitos
fundamentais. Considerando que tais direitos são criados através das relações intersubjetivas
da população, são democraticamente concebidos e não impostos, sendo os indivíduos seus
destinatários/co-autores.
Os direitos fundamentais são considerados um produto da cultura humana,
conquistados pelo homem através da conscientização de um grupo de valores históricos,
estando em constante modificação, acompanhando as evoluções sociais e buscando responder
às demandas trazidas por tais modificações.
13
Acerca da diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, Toledo (2003,
p. 55, grifo do autor) refere que
[...] os direitos humanos apresentam-se como um grupo de valores [...]
ínsitos à pessoa humana, indispensáveis para o desenvolvimento do homem
em sua dimensão biológica, psíquica e espiritual, reunidos na figura dos
direitos humanos, é que são, portanto, o conteúdo dos direitos fundamentais,
os quais, por seu turno, dão-lhes a forma jurídica.
Apesar da divergência sobre a existência ou não de diferença entre o significado de
direitos fundamentais e direitos humanos, é possível dizer que ambos possuem seu
fundamento e conteúdo nas relações sociais e materiais nos diferentes momentos históricos,
informando a ideologia política de cada ordenamento jurídico.
Silva ( 2010, p. 178, grifo do autor) sustenta que
Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este
estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do
mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é
reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias e convivência digna, livre e
igual de todas as pessoas.
Isso possibilita o entendimento de que, independente do designativo utilizado para
classificar e diferenciar os direitos humanos dos direitos fundamentais, não há oposição dos
particulares ao Estado, pois ambos fundamentam sua existência na soberania popular, nas
lutas constantes ao longo dos tempos e na conquista histórica da efetividade de tais direitos
(SILVA, 2010).
Além da característica histórica, os direitos humanos e os fundamentais são universais,
tendo em vista que, conforme já referido, são inerentes à condição humana.
Consequentemente não há como afastar o dever de respeito e promoção desses direitos em
decorrência da peculiaridade de leis locais.
A universalidade, no entanto, não implica em absoluta uniformidade, uma vez que
esses mesmos direitos devem zelar pelo respeito às diferenças e identidades existentes na
sociedade.
14
Outras características dos direitos humanos e os fundamentais dizem respeito a
irrenunciabilidade, a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a intransferibilidade e ausência de
conteúdo patrimonial. Segundo Pedro Lenza (2008, p. 591), “como são conferidos a todos,
são indisponíveis, não se pode aliená-los por não terem conteúdo econômico-patrimonial.” Ou
seja, embora possa deixar de exercitá-los na prática, o ser humano não perde seus direitos com
o passar dos anos, não podendo ser desinvestido, nem mesmo dispor de seus direitos
fundamentais.
Toledo (2003, p. 59-60, grifo do autor) defende a idéia de que essas características são
apenas dos direitos fundamentais, tendo em vista que, diferente dos direitos humanos, não se
apresentam como inatos e absolutos por serem, conforme já referido, produto da cultura
humana. Sobre os direitos fundamentais afirma que
São irrenunciáveis, inalienáveis e intransferíveis em virtude de seu caráter
personalíssimo, inerentes que são à individualidade da pessoa humana no
que ela tem de indisponível: sua vida e sua dignidade. Não possuem
conteúdo patrimonial por não serem dotados de expressão econômica
intrínseca, a despeito do seu mais elevado valor ético. A sua lesão é que é
reprimida e passível de conversão em indenização pecuniária para reparação
das perdas e danos sofridos. É, então, a indenização que se integra ao
patrimônio, porque economicamente apreciável, e não os direitos
substanciais desrespeitados. Finalmente, são imprescritíveis porque a
prescrição é instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a
exigibilidade dos direitos apenas de caráter patrimonial, nunca deixando os
direitos fundamentais, portanto, de ser exigíveis.
Desse modo, os direitos fundamentais não se apresentam como inatos e
absolutos, modo como a concepção jusnaturalista concebeu os direitos
humanos, entendendo-os como direitos naturais. Ao contrário, são os direitos
fundamentais obra humana [...] e não algo dado pela natureza ao homem
desde seu nascimento [...]
Prossegue na mesma linha, enfatizando que “por outro lado, é reconhecida aos direitos
fundamentais a característica de historicidade [...]”, haja vista que os direitos fundamentais
passaram por diversas revoluções, destacando a Revolução Americana, em 1776 e Revolução
Francesa, em 1789, chegando aos dias atuais. Continua afirmado que
Se históricos como qualquer direito, não podem ser, portanto, absolutos. À
diferença dos demais direitos, contudo, por consubstanciarem o que de mais
elevado axiologicamente foi produzido pela sociedade, muitos dos direitos
fundamentais (aqueles de natureza de direitos humanos) tendem a assumir a
forma dos chamados invariantes axiológicos, núcleo valorativo que, uma vez
objetivados, integram a realidade normativa social de maneira constante,
vindo a sofrer apenas modificações, adaptações às particularidades do
15
contexto histórico em que se encontram. (TOLEDO, 2003, p. 59-60, grifo
do autor).
As constantes modificações que ocorrem com os direitos fundamentais, fazem surgir
uma distinção entre eles, para atender aos anseios sociais do momento histórico em que cada
direito fundamental é “criado”. Esses direitos podem ser classificados em direitos individuais,
direitos políticos e direitos sociais, sempre respeitando outra característica dos direitos
fundamentais: a indivisibilidade, tendo em vista que os direitos fundamentais formam um
todo, sendo complementares entre si e não excludentes.
Na busca de um pertinente entendimento sobre a classificação dos direitos
fundamentais, necessária, se faz, uma análise acerca do surgimento de cada uma das
gerações/dimensões supramencionadas, o que se fará no item a seguir.
Salienta-se que é um tema que suscita muitos debates, razão pela qual não é intenção
do presente estudo abordá-los em exaustão, tendo em vista que o principal objetivo é a análise
do direito à saúde e sua efetividade
1.2 Gerações dos direitos fundamentais
Há um debate teórico acerca das múltiplas gerações ou dimensões dos direitos
fundamentais, sendo o modelo tridimensional ou trigeracional o aceito pela maioria dos
doutrinadores clássicos que tentam conciliar o surgimento de determinados direitos
fundamentais, juntamente com as três principais correntes do pensamento jurídico, quais
sejam, o positivismo normativista, o positivismo sociológico e o jusnaturalismo. Cabe referir
que há uma pequena diferença em relação aos períodos históricos do surgimento dos direitos,
mas que de forma alguma deixam de ter a mesma importância. No entanto, como os direitos
fundamentais fazem parte de uma construção cultural do próprio homem e que são criados de
acordo com a necessidade social e história da humanidade, fala-se, também, em uma quarta
geração, com surgimento no final do século XX. (GALINDO, 2006).
16
É conveniente ressaltar que as gerações/dimensões de direitos não são sucessivas e sim
complementares, visto que as gerações que surgem complementam às já existentes, visando a
construção de uma sociedade mais justa e livre.
1.2.1 Direitos fundamentais de primeira geração
Os direitos humanos de primeira geração surgiram com as revoluções liberais e com a
ascensão do constitucionalismo, situando-se entre o final do século XVIII e na primeira
metade do século XIX (GALINDO, 2006). Dizem respeito aos direitos e liberdades do
indivíduo diante do Estado. Como exemplo é possível citar os direitos à vida, à liberdade de
religião e de consciência, de expressão, o direito à propriedade, inviolabilidade de domicílio e
à igualdade (formal) perante a lei.
Os direitos individuais de primeira geração possuem como característica comum, a
proteção do indivíduo contra o arbítrio ou abuso de poder por parte do Estado, abrangendo os
chamados direitos negativos. Para Galindo (2006, p. 59):
[...] Eles permitem aos cidadãos de um Estado não só o exercício das
liberdades fundamentais consagradas, mas a proteção das mesmas
mediante as garantias fundamentais estabelecidas. Estas últimas
tornam possível a defesa contra os abusos que possam advir da parte
daqueles investidos do exercício do poder do Estado.
Sobre o tema, sustenta Gilmar Antônio Bedin (2002, p. 43) que
[...] estes direitos estabelecem um marco divisório entre a esfera pública
(Estado) e a esfera privada (sociedade civil). Esta distinção entre esfera
pública e privada – é bom ressaltar – é uma das características fundamentais
da sociedade moderna, e é a partir dela que se estrutura o pensamento liberal
e o pensamento democrático.
Observa-se, assim, que esses foram os primeiros direitos a serem consagrados nas
constituições advindas com o liberalismo e garantiram a livre iniciativa, bem como as
liberdades políticas e públicas apenas para aqueles que possuíssem os meios e recursos para
exercer tais liberdades. Logo, a igualdade que é referida nesse período, é apenas formal e não
real.
17
1.2.2 Direitos fundamentais de segunda geração
A segunda geração dos direitos fundamentais surgiu na metade do século XIX,
impulsionada pela Revolução Industrial européia (LENZA, 2008), em um período em que as
condições gerais dos trabalhadores frente à liberdade e igualdade previstas no liberalismo
eram apenas garantidas legalmente.
“Essas contradições do liberalismo ensejaram o advento do Estado social, justamente
um Estado com uma proposta de realização dos direitos fundamentais econômicos e sociais de
segunda geração.” (GALINDO, 2006, p. 62), que compreendem os chamados direitos
garantidos por meio do Estado, através da implementação de políticas públicas, visando o
bem-estar social. Entretanto, se o Estado não possuir recursos, não será possível efetivar os
direitos de segunda geração, pois dependem de uma atuação do Estado, não sendo, em sua
maioria, auto-aplicáveis.
Essa problemática faz com que os direitos fundamentais de segunda geração
apresentem
[...] força normativa duvidosa, pois as constituições passaram a estabelecêlos como normas programáticas, isto é, aquele tipo de norma sem eficácia
imediata, representando antes um compromisso do Estado com a possível
realização dos programas socioeconômicos, sem, no entanto, tomar
providências imediatas para tal. Para modificar esse caráter meramente
programático dos direitos fundamentais sociais e econômicos, a maioria das
constituições modernas, entre elas a do Brasil, consagraram o preceito da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, inclusive os de segunda
dimensão. Com este dispositivo da aplicabilidade imediata no dias atuais, o
postulado neoliberal cogita a exclusão de muitos direitos dessa natureza por
serem considerados “irrealizáveis.” (GALINDO, 2006, p. 64-65, grifo do
autor).
Com tal entendimento é possível concluir que os direitos fundamentais de segunda
geração são direitos do cidadão que, na maioria das vezes, necessita da atuação estatal,
respeitando os limites da legalidade e legitimidade para serem concretizados, transformando a
liberdade formal em liberdade real.
18
1.2.3 Direitos fundamentais de terceira geração
A terceira geração caracteriza-se por apresentar direitos de solidariedade ou
fraternidade e surgiu a partir da idéia de universalidade dos direitos humanos, bem como da
compreensão de que haveria uma categoria de direitos fundamentais ligada ao próprio gênero
humano, possuindo, em geral, uma titularidade indefinida e indeterminada com alcance
difuso.
São exemplos de direitos de terceira geração os direitos ao desenvolvimento, à
comunicação, à paz, ao meio ambiente, à qualidade de vida, como consequência do direito ao
meio ambiente, e à autodeterminação dos povos.
Segundo Lenza, (2008, p. 588-589), esses direitos são
[...] marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças na
comunidade internacional (sociedade de massa, crescente desenvolvimento
tecnológico e científico), as relações econômico-sociais se alteram
profundamente. Novos problemas e preocupações mundiais surgem, tais
como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades
para proteção dos consumidores [...] O ser humano é inserido em uma
coletividade e passa a ter direitos de solidariedade.
Tais direitos caracterizam-se por serem normas programáticas, meras declarações de
intenção. E, em decorrência da dificuldade para atendê-las, permanecem, em sua maioria, sem
regulamentação legislativa para lhes proporcionar a eficácia jurídica.
Para Bedin (2002, p. 73), os direitos de solidariedade pertencem à quarta geração.
Afirma, que houve um “[...] deslocamento dos direitos diante do Estado” e, independente da
classificação a que pertencem esses direitos, seu deslocamento supramencionado fica
demonstrado a partir do momento em que não mais se tem como destinatário apenas o
interesse de alguns indivíduos, ou um determinado Estado mas o que se quer é a proteção da
humanidade.
Sustenta, ainda, que
19
A presente desnacionalização dos indivíduos singulares e dos grupos sociais
é fundamental, pois constitui-se na condição de possibilidade do surgimento
das declarações, cartas e pactos internacionais, ou seja, é a condição que
tornou possível o surgimento da proteção dos indivíduos, dos grupos sociais,
bem como da humanidade fora do âmbito dos estados. (BEDIN, 2002, p. 73)
Ademais, é possível dizer que os direitos de solidariedade não são taxativos nem
exaustivos, podendo surgir novos direitos com a evolução humana. Cabe referir que para o
gozo dos direitos individuais, sociais e econômicos é necessário, em grande parte, a proteção
dos direitos fundamentais de terceira geração.
1.2.4 Direitos fundamentais de quarta geração
A existência de uma quarta geração dos direitos fundamentais resulta da globalização
de tais direitos, que estão relacionados ao progresso da ciência, especificamente os avanços na
engenharia genética.
Para Galindo (2006, p. 69), “os direitos de quarta dimensão são [...] a democracia, a
informação e o pluralismo. Desses direitos depende a consolidação de uma sociedade aberta
no futuro, em uma dimensão de máxima universalidade.” Segue afirmando que esses direitos
podem ser considerados como novos direitos de terceira dimensão, os quais, como já
explicitado, não são taxativos nem exaustivos. (GALINDO, 2006).
Paulo Bonavides (2002, p. 198) também sustenta a tese da inclusão de uma nova
geração de direitos
Partindo do pressuposto que os direitos fundamentais estão na sua essência
ligados intimamente, direita ou indiretamente, à valores concernentes a vida ,
a liberdade, a igualdade e a fraternidade ou solidariedade, resguardando
sempre a dignidade do ser humano, é possível esta esfera dos direitos
fundamentais da quarta geração (direito à democracia, direito à informação e
direito ao pluralismo). Pois a globalização política está na iminência de seu
objetivo sem referência de valores. Assim, globalizar os direitos
fundamentais, configura a universalização dos mesmos para que os direitos
da quarta geração atinjam sua objetividade como nas duas gerações de
direitos anteriores sem destituir a subjetividade da primeira geração para a
consecução de um futuro melhor, sem deixar de ser uma utopia o seu
reconhecimento no direito positivo interno e internacional.
20
O reconhecimento de uma quarta geração de direitos, demonstra a preocupação
existente com a valorização e respeito ao homem em face da globalização e a universalização
dos direitos fundamentais.
1.3 Aplicabilidade e garantia dos direitos fundamentais
Segundo dispõe o artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, as normas
que definem os direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata ou direta e
vinculatividade. Ou seja, sob o aspecto jurídico-normativo, as normas de direitos
fundamentais
são
completas,
com
possibilidade
de
aplicabilidade
imediata,
independentemente de necessitarem ou não de norma infraconstitucional para serem
aplicáveis ao caso concreto, ou que a própria Constituição Federal crie restrições ou
limitações à sua efetivação.
Portanto, é possível considerar que os direitos fundamentais possuem todos os meios e
elementos necessários à sua executoriedade, seja para a realização ou para vedação dos
interesses e situações neles previstos.
Entretanto, existem exceções para aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
São elas: quando a Constituição determinar que a concretização desses direitos seja exercida
na forma da lei ou quando os direitos fundamentais não contiverem os elementos básicos que
garantam sua aplicabilidade, por não apresentarem normatividade para tanto. Nesse último
caso, será necessária a atuação do Judiciário, como legislador.
Assim, considerando que alguns direitos fundamentais necessitam de regulamentação
infraconstitucional para serem efetivados, pode-se dizer que, enquanto normas jurídicas de
valor constitucional, os direitos fundamentais produzem efeitos jurídicos imediatos, tais como
a revogação e identificação de inconstitucionalidade da legislação infraconstitucional
incompatível com esses direitos.
21
Em decorrência de tal condição, há a necessidade da previsão de garantias aos direitos
fundamentais, as quais são utilizadas como sinônimos de proteção jurídica, apresentando
disposições assecuratórias e, igualmente, devem ser dotadas de aplicabilidade imediata.
Muitas vezes não há uma divisão nítida entre os direitos e garantias, até porque muitos
direitos fundamentais são também garantias. É comum ocorrer, na mesma disposição
constitucional ou legal, a fixação da garantia como declaração do direito.
A Constituição, de fato, não consigna regra que aparte as duas categorias,
nem sequer adota terminologia precisa a respeito das garantias. Assim é que
a rubrica do Título II enuncia: “Dos direitos e garantias fundamentais” [...]
O Capítulo I desse Título traz a rubrica: “Dos Direitos e deveres individuais
e coletivos”, não menciona as garantias, mas boa parte dele constitui-se de
garantias. Ela se vale de verbos para declarar direitos que são mais
apropriados para enunciar garantias. Ou talvez melhor diríamos, ela
reconhece alguns direitos garantindo-os. Por exemplo: “é assegurado o
direito de resposta [...]” (art. 5º, V).[...] “é garantido o direitos de
propriedade (art. 5º, XXII) [...] Outras vezes, garantias são enunciadas pela
inviolabilidade do elemento assecuratório. Assim “a casa é o asilo inviolável
do indivíduo.” (art. 5º, XI) [...] Temos ainda garantias expressas neste artigo
(art. 5º, § 2), garantias da magistratura (art. 195). O art. 138 menciona
garantias constitucionais. Fica difícil distinguir as diferenças ou
semelhanças entre o que sejam garantias fundamentais, garantias individuais
ou garantias constitucionais. (SILVA, 2003, p. 185-186, grifo do autor).
As garantias dos direitos fundamentais podem ser divididas em dois grupos, quais
sejam: as garantias gerais, que visam assegurar a existência e a efetividade (eficácia social)
desses direitos. Em conjunto, essas garantias gerais formam a estrutura social que permite a
real existência dos direitos fundamentais; o outro grupo denomina-se de garantias
constitucionais que são as instituições e determinações pelas quais a própria Constituição
tutela a observância. Essas garantias podem ser agrupadas entre garantias constitucionais
individuais, garantias dos direitos coletivos, dos direitos sociais e dos direitos políticos.
Segundo Toledo (2003, p. 106, grifo do autor), a respeito da aplicabilidade e fruição
das garantias e dos direitos fundamentais,
[...] para que esses direitos possam ser fruídos e exercidos e para que as
próprias garantias constitucionais processuais possam existir em sua maior
amplitude, é necessário que se trate de uma ordem jurídica instituidora de
um Estado Democrático de Direito. Compõe essa ordem institutos e
princípios jurídicos que são originariamente inerente a esse tipo de Estado,
sem os quais, portanto, deixa ele de ser Democrático de Direito. Para o
asseguramento da continuidade, estabilidade e desenvolvimento desse
22
modelo estatal constitucionalmente determinado, aqueles institutos jurídicos
são protegidos pelo que se convencionou chamar, a partir da doutrina
constitucional alemã, de garantias institucionais, proibições dirigidas ao
poder legislativo para não ultrapassar, na organização do instituto, os limites
além, dos quais seria ele aniquilado ou desnaturado, ao passo que vários
daqueles princípios são considerados não só como integrantes da essência do
Estado Democrático de Direito, mas apresentados como, simultaneamente,
seus garantidores.
No âmbito deste entendimento, é possível afirmar que, conjuntamente, as garantias dos
direitos fundamentais formam a proteção social, política e jurídica desses direitos e possuem
como característica a imposição, seja positiva ou negativa, limitativa da conduta dos órgãos
do Poder Público, visando assegurar a observância ou reintegração dos direitos fundamentais.
Reportando aos direitos fundamentais, consagrados nas primeiras Declarações de
Direitos, já citados, cumpre mencionar que os direitos declarados apresentavam-se na forma
de direitos subjetivos, centrados nas pretensões do indivíduo.
Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p. 43, grifo do autor) aduz que:
Na verdade, importa salientar, no que respeita à dimensão subjetiva que se
lhes reconhece, que os direitos fundamentais dão origem a uma série de
posições jurídicas diversas, outorgando ao titular do direito pretensões de
defesa, proteção e prestação, quer perante o Estado, na concepção clássica;
quer diante de particulares, tanto como destinatários diretos das normas
jusfundamentais – caso da grande maioria dos fundamentais socais dos
trabalhadores previstos pela Constituição de 1988, por exemplo – seja de
modo indireto, mediante interpretação extensiva do texto constitucional. Em
síntese, a noção de direitos fundamentais como direitos subjetivos,
geralmente indica o poder que o titular tem de exigir ou impor judicialmente
a efetivação do direito que possui; “o direito subjetivo consagrado por uma
norma de direito fundamental se manifesta por meio de uma relação
trilateral, formada entre o titular, o objeto e o destinatário do direito.”
O que se quer dizer é que na maioria das vezes, o reconhecimento dos direitos
fundamentais sociais, como por exemplo o direito à saúde, tema central desta pesquisa,
necessitam da intermediação do Poder Judiciário para a sua efetivação.
Observa-se, ainda, que os direitos fundamentais sociais foram consagrados no
ordenamento constitucional brasileiro de forma ampla a partir da Constituição Federal de
1988, a qual apresenta como ponto de equilíbrio o princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa do Brasil.
23
Importante ressaltar que os direitos fundamentais sociais configuram-se não como
direitos voltados à igualização de todos de maneira uniforme, mas sim às diferenciações
visando uma compensação exigindo, para tanto, a vinculatividade dos Poderes Públicos no
cumprimento das prestações materiais sociais.
1.4 O regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais sociais
Os direitos sociais foram introduzidos amplamente no ordenamento constitucional do
Brasil, através da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe em seu texto os mais
diversificados direitos fundamentais sociais e tornou clara a prevalência do ser humano sobre
outros valores.
Os direitos sociais,
[...] como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações
positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em
normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sócias
desiguais. (SILVA, 2003, p. 285).
Assim concebidos, é possível assumir que esses direitos buscam estabelecer uma
igualdade material e uma liberdade real, uma vez que estão ligados à concepção de igualdade
(e não uniformidade), mesmo que para tanto sejam necessárias discriminações pois, conforme
supramencionado, buscam a compensação das desigualdades.
1.4.1 Fundamentabilidade material dos direitos fundamentais sociais
A fundamentalidade de um direito está diretamente relacionada à possibilidade de
considerá-lo como essencial, atribuindo-lhe características peculiares.
24
O constituinte brasileiro, ao positivar a maior parte dos direitos sociais no artigo 6º da
Constituição Federal, dentro do título destinado aos direitos e garantias fundamentais (Título
II), considerou-os como autênticos direitos fundamentais.
No entanto, a positivação constitucional dos direitos diz respeito à fundamentalidade
formal e, para a doutrina majoritária, não basta que estejam arrolados no texto constitucional
para
constituírem-se
como
direitos
fundamentais,
sendo
necessária,
também,
a
fundamentalidade material, que está diretamente relacionada ao objetivo maior dos direitos.
Para Peces-Barba Martíne (apud FIGUEIREDO, 2001, p. 64), “a afirmação da
fundamentabilidade dos direitos sociais dependeria [...] da observação do fim ou objetivo
último atribuído ao direito em causa pela ética pública ou justiça, porque nesse âmbito é que
se lhe estabelece o conteúdo.”
Nessa compreensão é pertinente considerar os direitos sociais como fundamentais,
uma vez que possuem como núcleo a dignidade da pessoa humana, tendo como fundamento o
favorecimento dos cidadãos e a organização de sua vida em sociedade, sempre levando em
conta os valores considerados indispensáveis em certa época e local.
Segundo Figueiredo (2007, p. 67),
A identificação da fundamentalidade material de um direito, portanto, passa
pela definição de elementos que possam redirecioná-lo à ordem de valores
dominante e consensualmente aceita em certa comunidade, bem como às
demais circunstâncias de caráter social, político, econômico e cultural
consagradas pelo sistema constitucional de que se trate. No ordenamento
constitucional brasileiro, esse quadro valorativo pode ser depreendido, entre
outros, dos princípios fundamentais (CF, art. 1º), dos objetivos fundamentais
(CF, art.3º), dos princípios das relações internacionais (CF, art. 4º) e dos
valores contidos no Preâmbulo do texto constitucional.
Por outro lado, diferentemente de outros direitos fundamentais como os direitos
individuais e civis, os direitos sociais apresentam como característica a desigualdade fática de
condições entre as pessoas, impossibilitando-as de satisfazerem suas necessidades de forma
autônoma. O mesmo ocorre com os direitos econômicos e culturais. Enquanto nos direitos
individuais e civis existe uma universalidade e igualdade no ponto de partida, não admitindo
qualquer tratamento desigual entre os indivíduos, nos direitos sociais, econômicos e culturais
25
parte-se da idéia de uma desigualdade fática de condições entre as pessoas, fazendo com que
não seja possível satisfazer suas necessidades de forma autônoma.
[...] A relevância dessas diferenças move as discriminações de fato,
econômicas, sociais e culturais, exatamente para oferecer instrumentos,
normalmente direitos fundamentais de tipo prestacional, a quem se encontre
em situação de inferioridade. Nota-se, então, que a universalidade dos
direitos sociais opera como objetivo a ser alcançado no ponto de chegada; ou
seja, não se trata de pressuposto, mas do fim a que se dirige o direito [...]
Nesse sentido, devem ser titulares de direitos econômicos, sociais e culturais
somente aquelas pessoas que tenham necessidade de ajuda, jamais quem
assim não se apresente. (FIGUEIREDO, 2007, p. 65)
Portanto, nos direitos sociais não se fala em igualdade como equiparação, já que é
necessário analisar as situações desiguais para, então, atingir a igualdade.
O artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988, prevê a possibilidade de
direitos não previstos no texto constitucional serem considerados como fundamentais.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(VADE MECUM, 2009, p. 7 e 11)
Cabe frisar que os direitos são definidos como fundamentais quando presentes os dois
critérios: formal e material, os quais são complementares. Consequentemente são direitos
fundamentais aqueles relacionados à dignidade da pessoa humana e aos valores dominantes
em determinada comunidade, positivados no texto constitucional. Caso não assentados na
Constituição, ainda podem ser considerados como fundamentais, desde que de acordo com
seu objeto e significado possam ser equiparados aos demais, nos termos do artigo 5º,
parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988.
Anote-se, que a consagração constitucional expressa de direitos sociais, impõe ao
Estado um dever, “na medida em que tais direitos, dotados de fundamentabilidade, são
direitos universais”. (BITENCOURT NETO, 2010, p. 77)
26
Em outras palavras, pode-se afirmar que a existência de direitos sociais diretamente
prescritos na norma constitucional, reconhece o caráter social do Estado e este não pode
deixar de atender as demandas que se lhe apresentam, por exemplo, na área da saúde, tendo a
obrigação/dever de construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Imperiosos se fazem os seguintes questionamentos:
- Impõe- se ao Estado a obrigação de reconhecimento de um direito mínimo para uma
existência digna? Isso pressupõe a concretização do direito à saúde? É dever do Estado
assegurar direitos a prestações materiais na área da saúde? Têm sido efetivas as ações
judicialmente propostas para exigir o cumprimento destas prestações materiais?
No intuito de produzir fundamentada compreensão sobre essas questões que permeiam
as discussões jurídicas e a vida dos cidadãos necessitados das garantias dos direitos
anteriormente caracterizados, a seguir aborda-se a problemática da concretização do direito à
saúde como dever do Estado e a (in) efetividade das ações judiciais para assegurar o direito a
prestações materiais. E se o faz na senda da construção da justiça social mais próxima
possível de uma convivência igualitária na materialidade das prestações dos serviços públicos.
27
2 CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE: DEVER DO ESTADO E SUA (IN)
EFETIVIDADE
A forma da positivação e a função dos direitos fundamentais estão diretamente
relacionadas à sua eficácia e aplicabilidade, sendo possível classificá-los em dois grupos:
direitos de defesa e direitos de prestação.
O direito à saúde é previsto como um direito fundamental de prestação, não possuindo
aplicabilidade imediata e necessitando, portanto, de uma ação para ser efetivado.
No presente capítulo objetiva-se realizar uma análise acerca da problemática da
efetivação e concretização do direito à saúde no Brasil, buscando identificar quem é (são) o
(s) responsável (eis) pela prestação do direito fundamental à saúde aos cidadãos.
2.1 O direito à saúde, seu regime jurídico e sua eficácia
A idéia de que a saúde é um direito social fundamental, resulta de uma longa evolução
do significado de saúde e do direito como um todo. Mas foi na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, promovida pela Organização das Nações Unidas, que a saúde passou a
ser considerada como um direito fundamental do homem, sendo que hodiernamente, saúde
pode ser considerada como qualidade de vida e bem-estar, estando equiparada a vida digna e
saudável.
Há de se considerar que o conceito de vida digna é bastante subjetivo, não sendo
possível definir, de forma estática, o que seria o direito saúde. Por isso, o referido direto pode
ser considerado como aquele que abrange
[...] a fruição de toda uma gama de facilidades, bens, serviços e condições,
necessários para que a pessoa alcance e mantenha o mais alto nível possível
de saúde, compreendendo dois elementos: o direito à conservação do ‘capital
de saúde’ herdado, por um lado, e o direitos de acesso aos serviços de saúde
adequados em caso de dano a esse capital, por outro. (FIGUEIREDO, 2007,
p. 84)
28
O direito à saúde, recorda-se, está previsto entre os direitos sociais de prestação, os
quais têm por objeto uma conduta positiva. O objeto desse direito está ligado a uma prestação
do Estado, relacionada à destinação, distribuição, redistribuição e criação de bens materiais,
sendo que sua efetividade depende de lei regulamentadora. O que não ocorre com os direitos
sociais de defesa, os quais possuem aplicabilidade imediata gerando, por si só, direitos
públicos subjetivos.
Ingo Wolfgang Sarlet, (apud CURY, 2005, p. 137), refere que
Os direitos sociais prestacionais, ao contrário dos direitos de defesa, não se
dirigem à proteção da liberdade e igualdade abstratas, mas sim, encontramse intimamente vinculados às tarefas de melhoria, distribuição e
redistribuição dos recursos existentes, bem como à criação de bens
essenciais não disponíveis para todos os que dele necessitem.
Segue, argumentando que “é precisamente em função do objeto precípuo e da forma
como costuma ser positivado [...] que se travam as mais acirradas controvérsias envolvendo o
problema de sua efetividade e aplicabilidade.” (CURY, 2005, p. 137).
Na Constituição Federal, o direito está assegurado no texto do artigo 196, o qual prevê
que a saúde é um dever do Estado.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. (VADE MECUM, 2009, p. 63)
No entanto, há um flagrante desrespeito ao dispositivo legal supramencionado,
fazendo com que os cidadãos recorram ao Poder Judiciário a fim de terem atendido seu
direito. A não aplicação dos dispositivos da Constituição Federal relacionados à saúde ocorre,
principalmente, devido a problemas burocráticos, econômicos e políticos, tendo em vista que,
em grande parte das situações, é necessária uma prévia organização de procedimentos e
estruturas para que o direito à saúde possa ser efetivado.
Para Figueiredo (2007), a responsabilidade pela efetivação dos direitos sociais não se
constitui apenas dever do Estado, mas também da comunidade. Nesse sentido, o direito
fundamental à saúde pode ser considerado simultaneamente como um direito de defesa e de
prestação. Direito de defesa pois determina o dever de respeito, cabendo ao seu titular
29
resguardá-lo, de modo a não afetar a saúde sua ou de outrem. Na dimensão de prestação,
imputa um dever, principalmente ao Estado, de realizar medidas concretas objetivando o
fomento e a efetivação da saúde do povo.
Tais dimensões, defensiva e prestacional, referem-se tanto aos aspectos individuais da
saúde quanto aos coletivos.
Como direito individual, o direito à saúde privilegiaria o valor liberdade,
garantido ao indivíduo a liberdade de escolha do tipo de relação que terá
com o meio ambiente, a cidade onde vive, as próprias condições de trabalho,
o tipo de vida que pretende para si. Também abrangeria a liberdade de opção
do recurso médico-sanitário a ser procurado e o tipo de tratamento a se
submeter; e, em sentido oposto, mas complementar, significaria que o
profissional médico tem a liberdade de escolha da terapêutica que considere
mais adequada ao tratamento do doente.
No concerne ao aspecto coletivo ou social do direito à saúde [...] há
prevalência do valor igualdade, justificando a imposição de limitações a
comportamentos humanos, com o intuito de preservação da saúde de todos
os que vivem, pois a ninguém é permitido induzir outrem a adoecer, nem
tampouco impedir que alcance o bem-estar. (DALLARI apud
FIGUEIREDO, 2007, p. 88-89)
Assim, pode-se afirmar que a efetivação do direito à saúde, visando a preservação de
uma vida digna, a integridade da pessoa humana, bem como a garantia de elevados níveis de
saúde dependem não só da atuação pública, mas também da atuação da comunidade, como
um todo e dos indivíduos separadamente. É necessária uma abstenção aos comportamentos
lesivos à saúde em conjunto com uma promoção e elaboração de medidas assecuratórias desse
direito fundamental.
2.2 Exigibilidade do direito à saúde face ao princípio da dignidade da pessoa humana e o
mínimo existencial
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como sua qualidade intrínseca e
o núcleo básico do ordenamento jurídico brasileiro conferindo, juntamente com os direitos
fundamentais, suporte ético e axiológico ao sistema constitucional. Deve ser protegida pelo
Estado contra qualquer tipo de intervenção servindo, também para limitar a atividade estatal,
definindo o ser humano como finalidade última do Estado.
30
Acerca do tema, leciona Figueiredo (2007, p. 59).
Configura
a
dignidade
humana,
por
conseguinte,
elemento
extraconstitucional e transpositivo dos direitos fundamentais [...] Torna-se
relevante para a ponderação de bens jurídicos necessária à resolução de
conflitos normativos, assim como constitui critério irrenunciável à
determinação do conteúdo essencial dos preceitos – servindo, portanto, como
limite dos limites, que a estes podem ser impostos ou reconhecidos. O
princípio da dignidade da pessoa humana contribui para a abertura material
do sistema jurídico dos direitos fundamentais. Apenas dessa natureza
principiológica, não configura mera abstração, mas vigora por meio de
normas positivas e realiza-se mediante o consenso social que suscita,
inclusive na consciência jurídica constituinte da comunidade.
Fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, prevista no artigo 1º, inciso
III da Constituição Federal, a dignidade humana é utilizada como base dos direitos
fundamentais, notadamente dos direitos sociais, tendo em vista que possui um maior valor
vinculante da ordem jurídica brasileira. E, na medida em que as demandas da sociedade giram
em torno da categoria dos direitos sociais, salientando-se o direito á saúde, torna-se necessário
verificar como isso vem ocorrendo, por ser uma norma de eficácia contida, que exige do
Estado uma prestação positiva para a sua concretização.
Certamente que, ao fazer referência ao direito à saúde, não se está excluindo os demais
direitos sociais explicitados no artigo 6º da Constituição Federal, mas é na área da saúde que
se pode identificar, com substantiva facilidade, a importância da dignidade da pessoa humana.
Thiago Bonfim, (2008, p. 71), afirma que o princípio da dignidade da pessoa humana
tem se consubstanciado como um vetor interpretativo e impõe a todos os entes federativos e à
sociedade a responsabilidade e solidariedade para dar efetividade e materialidade ao direito à
saúde. Nessa linha de interpretação, ressalta o autor que:
Este é, sem dúvida, um dos princípios que vem despontando no Brasil, e no
mundo, como um dos vetores das transformações por que vem passando o
sistema jurídico e, consequentemente, um dos principais exemplos da
moderna perspectiva principiológica que vem orientando a hermenêutica
constitucional. A Constituição de 1988 mostra uma preocupação efetiva com
as condições materiais de existência dos indivíduos, pressuposto de sua
dignidade, dedicando-lhe considerável espaço no texto constitucional e
impondo a todos os entes da Federação a responsabilidade comum de
alcançar os objetivos a respeito do tema.
31
Significa compreender que o princípio da dignidade da pessoa humana assume um
papel relevante na medida em que as pessoas se dirigem ao Poder Judiciário para ter seus
direitos concretizados, principalmente quando se refere à prestação material à saúde. Observase que o princípio da dignidade humana tem sido utilizado de forma muito acentuada nas
decisões judiciais, motivando as fundamentações dos Magistrados, tendo em vista que seu
conteúdo está associado aos direitos fundamentais, intrínseco aos direitos individuais,
políticos e sociais.
Sustenta, também, Luís Roberto Barroso, (2008, p. 335) que a
Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios
incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do
princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos
direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo elementar é composto do
mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades
básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria
liberdade [...] O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial
comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas
parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e
educação fundamental.
Resta então demonstrado que o princípio da dignidade da pessoa humana está presente
em todos os setores da vida em sociedade, e que não há como dissociá-lo da efetivação do
direito à saúde, sendo indispensável para a exigibilidade e eficácia dos direitos fundamentais.
É parte integrante da esfera jurídica individual e não há como deixar de aplicá-lo para a
concretização do mínimo existencial, tendo em conta à efetivação do direito à saúde.
Há muitas discussões acerca do reconhecimento desse conjunto mínimo de valores
inerentes a todo ser humano, o chamando mínimo existencial, e quais direitos estariam sob a
proteção do Estado. Todos os direitos sociais fazem parte desse mínimo existencial? O Estado
tem o dever de tutelar todos os bens jurídicos necessários a uma sobrevivência digna?
Corroborando com tal afirmação Bonfim (2008, p. 72, grifo do autor) escreve que:
[...] em que pese não haver muita dúvida quanto à necessidade de se
reconhecer um conjunto mínimo de valores a todo ser humano por sua
simples existência no mundo, muito se discute quanto a que bens jurídicos
estariam abarcados no conceito do mínimo existencial. Apesar da dificuldade
em se delimitar o objeto da proteção mínima, alguns autores arriscam que o
conteúdo do mínimo existencial incluiria renda mínima, saúde básica,
32
educação fundamental e um elemento instrumental que seria o acesso à
justiça [...]
Nesse aspecto, pode-se definir o mínimo existencial como um direito fundamental
originário podendo, como tal, ser reclamado perante o Judiciário independente de prévios
procedimentos. Entretanto, cabe o Poder Judiciário exigir apenas a garantia e estipulação do
essencial, para que não seja invalidada a competência legislativa.
No tocante à dificuldade de exigibilidade dos direitos sociais, Figueiredo (2007, p.
191) afirma que
[...] não se referem propriamente à eficácia jurídica, mas à menor densidade
normativa dos preceitos que os consagram, por vezes carente de interposição
legislativa conformadora e do posterior – e pouco aplicado pelo Supremo
Tribunal Federal – controle das omissões inconstitucionais. Presentes tais
ressalvas, a concepção de mínimo existencial pode ser reconduzida ao
intento de superação prática das dificuldades de concretização dos direitos
sociais e prestações materiais.
É salutar destacar, ainda, que apesar das normas de direitos fundamentais possuírem
um caráter principiológico, há um núcleo mínimo em cada direito social, estabelecido pelo
próprio direito e em observância ao principio da dignidade da pessoa humana que jamais pode
ser ultrapassado. Um mínimo absoluto deve ser assegurado pelo Estado, caso contrário será
negado o próprio direito, os demais direitos fundamentais e a dignidade da pessoa que o titule.
Portanto, a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os relacionados com
o mínimo existencial, em especial o direto à saúde, está intimamente vinculada aos valores
eleitos pelo constituinte originário, o qual estabeleceu a dignidade da pessoa humana como
um dos fundamentos que sustentam a República Federativa do Brasil. E, para garantir tal
dignidade, é necessária a observância de prestações mínimas, as quais devem levar em conta o
tipo de sociedade em que se vive, bem como suas exigências, tendo em vista que o direito não
é estático nem alheio aos interesses da comunidade.
Certamente, como já se explicitou anteriormente, a existência digna depende de
condições materiais que serão garantidas pelo direito mínimo, e isto significa “proporcionar a
manutenção de condições já existentes, ou prestações materiais necessárias à preservação da
dignidade da pessoa humana” (BITENCOURT NETO, 2010, p. 118), e o Estado tem o dever
de cumprir o disposto na Constituição Federal de 1988.
33
Dessa forma, é possível afirmar que o Poder Judiciário, ao agir determinando que o
Estado, por meio de seus entes políticos (União, Estado e Município), cumpra o seu papel,
está agindo para concretizar o bem-estar constitucionalmente consagrado.
2.3 A (in) efetividade do direito à saúde: ausência do Estado?
A prestação do direito à saúde está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 196, como um dever do Estado, impondo a ele a obrigação de criar condições objetivas
que viabilizem o efetivo acesso de todos, sem qualquer distinção, ao referido direito, ou seja,
mais do que a prestação material, propriamente dita, cabe ao Estado a organização de
procedimentos e instituições aptos a garantir a concreta proteção da saúde do povo.
Não há uma previsão de qual entidade estatal deve ser responsabilizada pela prestação
da saúde aos cidadãos, podendo os serviços de saúde serem exigidos de um ou mais entes da
federação, uma vez que é direito solidário.
Para Cury (2005, p. 126),
A CRFB/88 estabeleceu competência privativa da União para legislar sobre
a seguridade social (artigo 22, inciso XXIII); contudo, cuidar da saúde e da
assistência pública, nos exatos termos do artigo 23, inciso II, é competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim,
embora, de acordo com o inciso VII do artigo 30 da CRFB/88, seja
competência dos Municípios, diretamente ou através dos entes da
administração indireta, prestar, com a cooperação técnica e financeira da
União e dos Estados, serviço de atendimento à saúde da população, tal
responsabilidade é linear, alcançando também a União e os Estados.
Outros doutrinadores, afirmam que somente o Poder Executivo teria competência para
resolver os problemas relacionados à saúde, tendo em vista que a atividade sanitária depende
de verbas que são controladas por esse Poder as quais, por sua vez, são dependentes de uma
vontade política. Sobre o assunto, Toledo (2003, p. 120-121, grifo do autor) refere que
O poder estatal diretamente responsável pela efetivação dos direitos
fundamentais e, portanto, pela materialização da finalidade do Estado
Democrático de Direito é o Executivo, haja vista ser ele o competente para a
34
concretização das determinações legais formuladas pela sociedade. É ele
quem deve, então, traçar políticas e fixar programas a serem executados pela
Administração Pública, de modo a realizar a vontade popular declarada e,
lei, com a verba pública arrecadada nas formas também por ela dispostas.
Apesar do Executivo exercer um papel fundamental na efetivação do direito à saúde,
tendo em vista que está constitucionalmente encarregado de controlar os recursos destinados à
área sanitária, vários são os fatores que influenciam para que o Estado não consiga implantar
a saúde para todos de forma igualitária, entre eles a ganância e falta de ética de alguns
profissionais da saúde, que buscam o enriquecimento próprio.
Em que pese existirem na Constituição Federal diversos artigos determinando aos
Poderes Públicos a responsabilidade solidária na área da saúde, não podendo os entes
federados eximirem-se de tal obrigação, é constante o desrespeito aos dispositivos legais.
Segundo Germano Schwartz (2001, p. 158), “o que se verifica é que a saúde é deixada em
segundo plano, em detrimento de outras opções que a vontade política julgue premente.”
Ocorre que para que seja atingido o objetivo maior da sociedade brasileira, que é o
respeito a dignidade da pessoa humana, não é possível que a saúde esteja condicionada a
promessas políticas, nem que seja colocada em plano inferior. Portanto, é possível verificar
que a ausência de efetividade do direito à saúde decorre, em grande parte, na ausência de
vontade política.
[...] se é certo que a saúde é juridicamente protegida, também pode-se
arriscar, com margem mínima de erro, que uma parcela de culpa da
inefetividade do art.196, CF/88, encontra-se na falta de vontade política, na
ausência de respeito à Constituição por parte dos Poderes Públicos e na
ausência de compreensão do porquê de existirem Poderes Constituídos
imbuídos da defesa do interesse público – e que no entanto não cumprem sua
função. (SCHWARTZ, 2000, p. 159)
Diante da omissão ou ausência de efetividade no cumprimento dos dispositivos
constitucionais e demais normas infraconstitucionais relacionadas ao direito à saúde, cabe ao
Poder Judiciário, desde que provocado, garantir a sua concretização, corrigindo eventuais
desigualdades na área sanitária. Para Schwartz (2001, p. 163), essa tarefa pode ser
considerada como a mais importante do Judiciário.
35
O Judiciário tem importante dever na proteção dos direitos sociais [...] A
saúde, como direito público subjetivo e fundamental do ser humano que é,
quando lesionada, não pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.
Essa é, no constitucionalismo contemporâneo, a tarefa mais elevada do
Poder Judiciário: garantir a observância e o cumprimento dos direitos
fundamentais do homem. E não se pode falar em ditadura do Judiciário, já
que sua atuação é secundária, ou seja, os Poderes Públicos – principalmente
o Executivo – têm todos os meios e oportunidades para cumprirem com seu
papel. Ademais, o Poder Judiciário [...] possui competência legal para tanto.
Portanto, a atuação judicial ocorre em momento secundário em relação aos deveres
dos demais poderes públicos, após feita a constatação de que as ações positivas estatais não
garantiram o direito à saúde, não havendo que se falar em ruptura do princípio da harmonia e
interdependência dos poderes. Além disso, a Constituição Federal Brasileira confere ao
Judiciário a obrigação de exigir o cumprimento dos deveres atribuídos às autoridades, bem
como possibilita condições para a busca de soluções efetivas que garantam a saúde para todos
os cidadãos do país.
E, num Estado de Direito, democrático e social, não se pode desconhecer a tarefa
fundamental dos Poderes de Estado, seja o Executivo, Legislativo ou Judiciário: a construção
do bem-estar, a qual não pode ser vista apenas como prioridade política e social, mas também
jurídica, impondo-se aos Poderes estatais que atuem em prol da viabilização do direito
mínimo para uma existência digna, em especial na área da saúde, que carece de recursos
financeiros e de políticas públicas.
Objetivando demonstrar com ênfase a (in) efetividade do direito à saúde, diante da
ausência do Estado-Administração, no tópico a seguir, passa-se à análise de casos concretos.
2.3.1 Análise de casos de atuação do Poder Judiciário diante da omissão do Estado
Visando garantir a previsão constitucional de universalizar o serviço da saúde, o
Judiciário está intervindo, através de determinações que a Administração Pública forneça
gratuitamente tratamento, medicamentos e ações de promoção à saúde. Inúmeros são os
processos ajuizados por particulares para terem garantido seu direito à saúde.
36
O Tribunal de Justiça Gaúcho, majoritariamente, entende que é responsabilidade dos
entes públicos o custeio de medicação ou tratamentos que visem assegurar o direito à vida e à
saúde dos cidadãos. E, sendo responsabilidade solidária, nos termos dos artigos 196, 200 e 23,
inciso II da Constituição Federal e Lei n. 9.908/83, cabe ao cidadão optar contra quem será
ajuizada a ação para fornecimento de medicamentos, pois todos os entes federativos têm
responsabilidade em garantir a saúde pública, não sendo oponível contra o cidadão, a divisão
de competências existente na gestão do Sistema Único de Saúde. Afirma que o direito público
subjetivo à saúde deve ter sua integralidade velada pelo Poder Público, a quem cabe implementar e
formular políticas sociais e econômicas que objetivem garantir à população brasileira o acesso
universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
Nesse sentido:
APLEAÇÕES CIVEIS. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO.
FORNECIMENTO
DE
MEDICAMENTO,
EXAME
OU
PROCEDIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDÁRIEDADE DOS
ENTES FEDERATIVOS. A Constituição da República prevê o dever de
prestar os serviços de saúde de forma solidária aos entes federativos, de
modo que qualquer deles tem legitimidade para responder às demandas que
visam ao fornecimento gratuito de medicamento, exame ou procedimento. A
divisão de competências no âmbito da gestão interna do Sistema Único de
Saúde não é oponível ao particular. Precedentes do STJ. VIA
ADMINISTRATIVA. ESGOTAMENTO. DESNECESSIDADE. O prévio
exaurimento da via administrativa não constitui requisito para que se possa
demandar em juízo o cumprimento da obrigação dos entes públicos de
fornecer o devido acesso à saúde. Precedentes do TJRS. ACESSO À
SAÚDE. PROTEÇÃO SUFICIENTE. O acesso à saúde é direito
fundamental e as políticas públicas que o concretizam devem gerar proteção
suficiente ao direito garantido, sendo passíveis de revisão judicial, sem que
isso implique ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do
possível ou da isonomia e impessoalidade. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS À DEFENSORIA PÚBLICA. CONDENAÇÃO DO
MUNICÍPIO. ADMISSIBILIDADE. FIXAÇÃO NOS TERMOS DO
ARTIGO 20, § 4º, DO CPC. Cabível a condenação do Município ao
pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública. Nas causas em
que vencida a Fazenda Pública, os honorários devem ser fixados consoante
apreciação eqüitativa do juiz, nos termos do §4º do art. 20 do CPC. CUSTAS
E EMOLUMENTOS. ISENÇÃO. Isenção das pessoas jurídicas de direito
público ao pagamento de custas e emolumentos, consoante o art. 11 da Lei
Estadual nº 8.121/1985, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010.
RECURSO DO ESTADO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. RECURSO
DO MUNICÍPIO PARCIALMENTE PROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL,
2011)
A Constituição Federal de 1988 elencou a saúde como direito subjetivo de todos,
indistintamente e independentemente de contribuição, podendo os cidadãos exigi-lo do Estado
(gênero), uma vez que é dever dos Poderes Públicos e da sociedade.
37
Atendendo esses ditames, a decisão abaixo mostra quanto o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul é respeitado e há muito tempo se mantém atento, tutelando o direito à saúde
como um direito fundamental e como uma prerrogativa jurídica indisponível. Suas decisões
têm sido mantidas pelo Supremo Tribunal Federal, quando lá chegam via Recurso
Extraordinário.
PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA
MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA COM EPISÓDIO DE TENTATIVA
DE SUICÍDIO – PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS
FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – NECESSIDADE
IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER
ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITOS ESSENCIALFORNECIMENTO
GRATUITO
DE
MEDICAMENTOS
INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES-DEVER
CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS.5º, “CAPUT”, E 196) –
PRESECENTES (STF) – ABUSO DO DIREITO DE RECORRER –
IMPOSIÇÃO DE MULTA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O
DIREITO
À
SAÚDE
REPRESENTA
CONSEQÜENCIA
CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição
da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado,
por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a
quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas
idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O
Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no
plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente
ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA
EM
PROMESSA
CONSTITUCIONAL
INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196
da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE
MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA
E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O
ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição
gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e
representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de
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apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e
nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua
essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO
ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer
- por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico
da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo
ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe
recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima
a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui
função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de
recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de
retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.
(BRASIL, 2007)
Observa-se, portanto, que o direito à saúde tem sido reconhecido em todas as
instâncias judiciais e as decisões sustentam a tese de ser o direito à saúde um direito
fundamental, sendo dever do Estado zelar operativamente pela sua concretização.
Cury (2005), bem refere que apesar se ser majoritário o entendimento de que o direito
à saúde é dever solidário de todos os entes que compõem a República Federativa do Brasil,
nele estando compreendidos o fornecimento gratuito de remédios e demais serviços
necessários à efetivação da saúde, parte da doutrina e algumas decisões negam essa prestação,
sob afirmação de que as normas previstas na Constituição Federal são programáticas, ou seja,
não especificam qual conduta deve ser adotada pelo poder público para efetivá-las
Outros julgados fundamentam a negativa com base na limitação orçamentária, ou seja,
impossibilidade de realizar despesas sem previsões orçamentárias. Ou no fato de o
procedimento ou medicamento pleiteado não constar na listagem do próprio poder público,
não sendo dever solidário dos entes federativos, diante da existência de Portarias elaboradas
pelo Ministério da Saúde.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. SERVIÇO PÚBLICO DE
SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RELAÇÃO
NACIONAL. LISTA DO GESTOR ESTADUAL DO SUS. BEM COMUM.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. 1. O direito
à saúde é exercido pelo acesso igualitário às ações e serviços prestados pelo
Estado. Assim, a gestão dos recursos destinados à saúde deve levar em
consideração o bem de todos os membros da comunidade e não apenas o do
indivíduo isoladamente. 2. Considerando a distribuição dos recursos
orçamentários, o fornecimento de medicamentos pelo Estado do Rio Grande
39
do Sul somente alcança os medicamentos especiais constantes da relação da
Portaria nº 22, de 2003, da Secretaria da Saúde e os medicamentos
excepcionais inclusos no rol das Portarias nº 1.318/2002, do Ministério da
Saúde, e nº 921/2002, da Secretaria de Assistência à Saúde [...] Recurso da
Autora desprovido por maioria. Recurso do Estado do Rio Grande do Sul
provido em parte por maioria. Recurso do Município de Passo Fundo
provido em parte por maioria. Sentença mantida, quanto ao mais, em
reexame necessário. (RIO GRANDE DO SUL, 2006)
A afirmação de que a gestão dos recursos destinados à saúde deve levar em
consideração o bem estar de toda a coletividade e não apenas do indivíduo, isoladamente, não
justifica a ausência de prestação estatal ao direito à saúde, nem mesmo é motivo para não
fornecer ao cidadão o medicamento ou tratamento que necessita para ter sua vida preservada.
Diante da não concretização de programas efetivos para garantir a saúde de todos, nos
termos constitucionalmente previstos, a única alternativa disponibilizada ao cidadão para ter
seu direito garantido, é o ajuizamento de ação judicial
Segundo Cury, (2005, p. 130),
[...] o argumento de falta de previsão orçamentária não justifica a omissão da
administração pública na prestação de serviço essencial como a saúde;
quanto à recusa do fornecimento de medicamentos sob a alegação de não
estar o mesmo incluído na lista da entidade federativa, deve ser observado
que não é possível limitar as suas necessidades e o avanço da ciência médica
a um rol de remédios, que tem como única finalidade nortear os repasses da
União para os Estados e para os Municípios, consoante a Lei nº 8.080/90.
Ademais, segundo o Desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, em decisão
proferida perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
a compensação entre Municípios, Estados e União dos recursos que um
tenha que despender a mais do que o outro, é tarefa de inter-regulação que
somente a eles e entre eles dirá respeito, de forma a acomodar as eventuais
disparidades ou episódicas onerações excessivas de um determinado ente,
mas, sempre, sem repercutir na população que precisa do serviço. Tampouco
se pode exigir que se submeta a parte hipossuficiente a contemplar este
debate em um processo que contra qualquer um deles promova, relegando o
problema prioritário a ser solucionado que é o do pronto atendimento. (RIO
GRANDE DO SUL, 2008)
40
Por conseqüente é possível reafirmar que a saúde é dever solidário do Poder Público, o
qual deve promover políticas sociais e econômicas, além de programas para implementação e
manutenção da saúde para todos os cidadãos. A alegada ausência de previsão orçamentária,
ou mesmo ausência de previsão de medicamentos ou tratamentos em listas específicas de cada
ente federado, não deve ser utilizada como motivação para a não prestação de um direito
essencial à vida digna do ser humano, uma vez que é possível a compensação dos gastos entre
os entes, não podendo esta onerar material e moralmente (ou ignorar) a pessoa que necessita
do serviço de saúde.
Logo, diante da falta de efetividade do referido direito, é dada a possibilidade ao
indivíduo para exigir compulsoriamente as prestações asseguradas nas normas constitucionais
definidoras dos direitos fundamentais sociais, como é o caso do direto à saúde, previsto no
artigo 6º da Constituição Federal de 1988, o que poderá ser feito mediante o ajuizamento de
ação perante o Poder Judiciário em face de qualquer dos entes da federação, a fim de garantir
seus direitos, em especial o da saúde, o qual está intimamente relacionado ao direito à vida e
ao princípio da dignidade da pessoa humana, como se tem demonstrado sobejamente.
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CONCLUSÃO
Os direitos humanos são indispensáveis à concretização de uma vida humana digna,
uma vez que surgem através das relações entre os seres humanos em determinado momento
histórico. No entanto, para tornarem-se exigíveis no mundo jurídico, é necessária sua
positivação, transformando-se em direitos fundamentais.
Os direitos sociais, em especial o direito à saúde, pertencem à segunda
geração/dimensão dos direitos fundamentais, os quais visam uma compensação das
desigualdades existentes na sociedade. Para serem efetivados necessitam de uma atuação
Estatal, seja através da implementação de políticas públicas, seja pela regulamentação
infraconstitucional, a fim de que seja garantido o bem-estar social de todos.
Apesar de terem sido consagrados de forma ampla no ordenamento jurídico brasileiro,
através da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais muitas vezes não são efetivados
em decorrência de problemas burocráticos, econômicos e políticos, necessitando da atuação
do Poder Judiciário para sua concretização. O agir do judiciário objetiva fazer com que o
Estado, através de seus entes políticos, cumpra com a concretização do bem-estar social
constitucionalmente assegurado.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o direito à saúde como um dever solidário
dos entes federados. No entanto para que seja concretizado esse direito, visando preservar a
vida digna dos cidadãos e a integridade do ser humano, além da atuação estatal para garantir
sua proteção e o livre acesso de todos à saúde, é necessária a atuação da comunidade,
abstendo-se aos comportamentos lesivos à saúde. Somente assim, através de um conjunto de
ações entre indivíduos e Estado será possível elevar os níveis de saúde da população, a qual
não pode ter seus direitos fundamentais suprimidos por discussões burocráticas e políticas.
42
REFERÊNCIAS
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