UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DE CAIO PRADO JUNIOR Luciana

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UMA ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DE CAIO PRADO JUNIOR
Luciana Grubel Nogueira da Silva
(Universidade Estadual de Maringá-CRV)
Resumo: Nas ultimas décadas do século vem se desenvolvendo uma nova
retomada dos estudos do Brasil que trazem novas abordagens sobre os aspectos
coloniais, apresentadas, por exemplo, João Luís Ribeiro Fragoso em “Homens de
Grossa Aventura, de 1998”, que apresenta novas discussões da dinâmica interna do
Brasil colonial. Por outro lado, temos obra de Caio Prado Junior, que nos mostra
elementos da organização do período colonial. Este projeto – que é vinculado a uma
pesquisa maior que investiga os debates acadêmicos sobre o Brasil colonial - tem
por objetivo maior discutir a influência exercida por Caio Prado Junior sobre os
estudos relativos ao Brasil do período colonial e analisar como essa influência se
reflete ainda nos livros didáticos. Para a análise será utilizada como base a obra
“Formação do Brasil Contemporâneo” (1942). Quanto aos livros didáticos, serão
analisados aqueles adotados no Ensino Fundamental e Médio, em escolas públicas
e privadas de Ivaiporã e região. A metodologia adotada consiste no emprego de uma
análise textual e intertextual, pois como Jacques Le Goff apontou o documento como
um “monumento”, precisa ser analisado percebendo os elementos para se
compreender a história. Cabendo lembrar que a obra de Caio Prado Junior se trata
de uma obra historiográfica. Assim, analisar se á influência de Caio Prado Junior nos
livros didáticos, poderá despertar o interesse para novas pesquisas acerca do Brasil.
Palavras-chave: Economia; colônia; formação; organização.
O presente artigo tem por objetivo apresentar os resultados do trabalho de
iniciação científica, que consiste em primeiro momento (primeiro semestre) na
leitura, fichamento, análise, descrição e contextualização da obra de Caio Prado
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Junior, “Formação do Brasil Contemporâneo”. No segundo momento (segundo
semestre) realizar o levantamento dos livros didáticos de História utilizados em
escolas de Ivaiporã e região; levantamento dos conteúdos relacionados ao Brasil
colonial elencados nesses livros; análise dos conteúdos levantados e comparação
entre a interpretação de Caio Prado Junior e a presente nos livros didáticos.
Por essa linha de pesquisa se vincular com um projeto maior que busca
investigar a distância que existe entre os debates acadêmicos acerca do Brasil
colonial e os conteúdos apresentados nos livros didáticos, este contribui com mais
informações e por isso poderá despertar interesses para novas pesquisas.
Assim, esmiuçar os conteúdos dos livros didáticos acerca do Brasil colonial e
compará-los com a interpretação de Caio Prado Júnior, poderá identificar uma
dificuldade de romper com seu modelo e indicar uma permanência de não apenas o
nosso passado colonial, mas de entender a história.
Caio Prado Junior nasceu em 1907, em São Paulo, falecendo em1990,
deixando sua contribuição sobre a compreensão do Brasil. O autor escreveu a obra
em questão em 1942, época em que o Brasil já havia passado por diversas
mudanças em todas as esferas e ainda continuava se transformando.
Para compreender um pouco o seu ponto de vista acerca do Brasil, vamos
procurar entender o contexto nacional e internacional em que a obra de Caio Prado
fora escrita.
Na Europa, o final do século XIX e o decorrer do século XX fora cenário de
intensas transformações, que vieram a influenciar os pensadores brasileiros acerca
da realidade do país. Neste período, estava se desenvolvendo mais incisivamente
os meios tecnológicos e científicos com a segunda revolução industrial que tomava
força e se expandia afetando toda uma organização. Assim também, se
personificavam “novas” identidades intelectuais e historiográficas como o marxismo
e os Annales.
Nas primeiras décadas do século XX, a Europa entrou na Primeira Guerra
Mundial, quando ocorreu o conflito entre dois grupos de países: a Tríplice Aliança
formada pela Itália, Alemanha e Império Austro-Úngaro; e a Tríplice Entente formada
pela Inglaterra, França e Rússia. O estopim para o confronto foi à morte do herdeiro
do trono húngaro. O conflito durou por volta de quatro anos, se iniciando em 1914 á
1918. O apoio dos Estados Unidos foi o fator determinante para o fim do conflito,
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que culminou com a vitória da Tríplice Entente, sujeitando os países derrotados a
um tratado de paz. A guerra deixou um rastro de destruição e mortes, afetando tanto
socialmente como economicamente a vida nos países envolvidos. Porém, essa
guerra promoveu os Estados Unidos a uma superpotência, pois forneceu
armamentos e lucrou com isso, e também devido os conflitos não serem gerados em
seu território, continuou sua produção.
No campo das ideias, o marxismo na Europa estava ganhando força com a
Revolução Russa que teve início em 1917. Essas ideias marxistas, em maior ou em
menor velocidade chegaram aos pensadores brasileiros, onde foram refutadas ou
incorporadas.
Nas primeiras décadas do século XX, portanto os autores influenciados por
esse viés historiográfico, como é o caso de Caio Prado Junior, tenderam, em muitos
casos, a buscar entender o passado de seu país, para compreender como este se
refletia no presente. Assim, podemos visualizar a preocupação de Caio Prado Junior
em buscar entender o passado colonial do Brasil e, se havia mais permanências ou
rupturas em sua contemporaneidade.
A obra estudada “Formação do Brasil Contemporâneo”, é a vigésima terceira
edição, publicada pela editora de São Paulo, Brasiliense em 1997, seguindo o
modelo da reimpressão de 1994, sendo que a obra original fora publicada em 1942.
A obra é organizada da seguinte forma: “Índice”, com os principais títulos e
subtítulos; “Introdução”; o subtítulo “Sentido da colonização”; três títulos (capítulos)
“Povoamento” (Povoamento, Povoamento Interior, Correntes de Povoamento,
Raças), “Vida material” (Economia, Grande Lavoura, Agricultura de Subsistência,
Mineração, Pecuária, Produtos Extrativos, Artes e Indústrias, Comércio, Vias de
comunicação e Transporte), “Vida Social” (Organização Social, Administração, Vida
Social e Política) e por fim a Bibliografia e Referências. Somando ao todo trezentos
e noventa páginas.
Na introdução de sua obra, Caio Prado elenca algumas de suas principais
inquietações acerca do Brasil de meados do século XX, destacando que para se
entender o Brasil do século XX decorrente de seu longo processo histórico, é preciso
retomar o seu passado colonial que durou aproximadamente três séculos. Como
também, acompanhar os acontecimentos marcantes do século XIX, com a
transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil e os atos da
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emancipação política do país, que desenharam a evolução decisiva em todos os
terrenos político, social, econômico.
A transformação incompleta do Brasil para um regime moderno pode ser
notado no terreno tanto econômico como social do país, segundo Caio Prado, que
se expressa na vida das pessoas do século XX. No terreno econômico, o trabalho
livre não abarca todas as regiões do país; a economia tem um caráter de produção
voltada para o mercado externo e pouco se desenvolve o mercado interno. Assim a
economia não completou seu processo de evolução de uma economia colonial para
a nacional.
No terreno social, permanecem as relações de cunho colonial e as
acentuadas classes. Mas:
[...] Um dos aspectos mais chocantes do Brasil, e que alarma qualquer
observador de nossas coisas, é esta atonia econômica, e, portanto “vital”,
em que mergulha a maior parte do território do país. Pois bem, há século e
meio, nas mesmas regiões ainda atacadas pelo mal, já se observava e
discutia o fato […]Há outros exemplos: os processos rudimentares
empregados na agricultura do país, infelizmente problemas da mais
flagrante atualidade, já despertavam a atenção em pleno séc. XVIII; e
enxergava-se neles como se deve enxergar hoje, a fonte de boa parte dos
males que afligem a colônia e que ainda agora afligem o Brasil nação de
1942. […]. (PRADO JUNIOR, 1997, p.12).
Segundo Caio Prado, a análise da estrutura comercial de um país revela
como é o caráter da organização, da natureza de uma economia.
Podemos prever desde logo [no Brasil] o traço fundamental daquele
comércio: ele deriva imediatamente do próprio caráter da colonização,
organizada como ela está na base da produção de gêneros tropicais e
metais preciosos para o fornecimento do mercado internacional.
Subsidiárias e derivadas daquela atividade essencial, encontramos as
outras que se destinam a ampará-la e tornar possível a sua realização.
(PRADO JUNIOR, 1997, p.229).
Nessa análise da obra de Caio Prado Junior, contudo, podemos observar
que a visão de Caio Prado Júnior se lança a entender o Brasil de 1940, retomando o
passado colonial, que é interpretado como ainda no meio do processo de sua
formação nacional e moderna. Assim, a agricultura fora cíclica, com a adesão e o
abandono abrupto de uma produção para outra, sendo o sentimento comercial
predominante em razão de uma produção voltada para a exportação, baseando-se a
propriedade produtora agrícola em monocultora, escravista e latifundiária.
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Já em novos estudos acerca do Brasil colonial, realizadas e expressas por
João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa, em “O Antigo
Regime nos Tópicos, publicado em 2001, por exemplo, demostram desde a
introdução de seu livro esse novo olhar, afirmando que seutrabalho
É fruto de uma perspectiva historiográfica inovadora que vem surgindo e se
impondo em teses de doutorado e dissertações de mestrado, e cada vez
mais discutidas em seminários acadêmicos e na própria sala de aula dos
institutos e departamentos, de história de nossas universidades. Dito de
outra forma, os diferentes capítulos do nosso livro buscam apresentar uma
nova abordagem de antigos temas de história portuguesa e colonial., mas
especificamente seus autores discutem e analisam o “Brasil-Colônia”
enquanto parte constitutiva do império ultramarino português. Propõe-se,
ainda, a compreender a sociedade colonial e escravista na América
enquanto uma sociedade marcada por regras econômicas, políticas e
simbólicas do Antigo Regime.
Em realidade, trata-se de propor uma nova leitura historiográfica que não se
limite a interpretar o “Brasil-Colônia” por meio de suas relações econômicas
com a Europa do mercantilismo, seja sublinhando sua posição periférica – e
com isso privilegiando os antagonismos colonos versus metrópole – seja
enfatizando seu caráter único, singular e irredutível da sociedade colonial
escravista.
[…] O que esse livro propõe de diferente é uma rediscussão – a partir de
novos parâmetros conceituais e de novas perspectivas teóricas – de
algumas teses acerca das relações econômicas e das práticas políticas,
religiosas e administrativas imperiais. Ele busca responder a algumas
questões que vem sendo colocadas pelas pesquisas e pela experiência de
seus autores: como desfazer uma interpretação fundada na irredutível
dualidade econômica entre a metrópole e a colônia? (FRAGOSO,
BICALHO, GOUVÊA, p.21, 2001) [grifos nossos].
No entanto, depois de realizado os levantamentos dos livros didáticos de
História e seus respectivos conteúdos relacionados ao Brasil no período colonial e
analisados seus conteúdos, será exposto os resultados dessas análises juntamente
estabelecendo uma comparação com a interpretação de Caio Prado Júnior.
Nos livros didáticos adotados no município de Arapuã, pode-se observar que
no livro “Saber e fazer História, 7º ano” de 2012 (que os alunos estão atualmente
utilizando), cujos autores são Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues apresentam, assim
como o livro do 8º ano dos mesmos autores, interpretações sobre o desenvolvimento
e formação do Brasil no período colônia, semelhantes às de Caio prado Júnior.
Na página 128, do livro didático em questão, os autores expõe como Caio
Prado, que a primeira grande exploração lucrativa fora o pau-brasil, explorado com
mão de obra indígena até as feitorias no litoral. Quanto à decisão de colonizar, os
autores citam que a intensão de povoar o território novo deu-se devido à defesa do
território de outros povos. Porém, destaca também, que a colonização era “uma
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chance de fazer bons negócios” (COTRIM e RODRIGUES, 2012, p.132), ou seja,
nas palavras de Caio Prado Júnior “um sentido comercial de colonização”.
Na página 144, os autores deixam claro que os locais de clima tropical, como
no Brasil, as colônias eram de exploração mercantil e nas terras de clima
subtropical, como nos Estados Unidos, as colônias eram de povoamento, por o clima
ser semelhante ao da Europa. Assim nas páginas seguintes, os autores deixam a
entender que junto com a colonização se estabeleceu a segunda grande produção,
o açúcar, em que a coroa concebeu sua venda como monopólio da Coroa, e que foi
capaz de fixar os homens nas terras “novas”. Assim, como na interpretação de Caio
Prado, a produção de açúcar “superou” a de pau-brasil.
“O mercado interno colonial”, um subtítulo do tema do período colonial no livro
didático, que se iniciam na página 154, os autores ressaltam que a grande
propriedade, monocultura, escravidão e produção para a exportação era a
característica colonial (como também interpretou Caio prado Júnior). Paralelo a essa
produção aos poucos se desenvolveu a criação de gado destinado ao consumo
interno, que é expresso como uma atividade que movimentou o comércio interno.
Outro ponto que os autores do livro didático se assemelham a Caio prado e
quando, na página 182, ressaltam que os portugueses foram os primeiros na Idade
moderna a comprar e vender africanos escravizados.
O Livro de Cotrim e Rodrigues, também traz assuntos do presente, que se
relacionam com o passado, como a questão dos afrodescendentes, fruto do longo
período de escravidão que o Brasil passou. Ressalta o papel das mulheres na
administração colonial, como no caso de Brittes Mendes de Albuquerque, esposa de
Duarte Coelho. Portanto, mesmo que os autores apresentem novas abordagens,
recortes, temas, a influência de Caio Prado Júnior é notável e mesmo após quase
um século de novos estudos, a sua influência permanece.
Por sua vez, outra coletânea de livros adotados no município de Arapuã, dos
autores Pellegrini, et al., de 2009, “Vontade de saber História” do 7ºe 8º ano, os
autores no livro do 7º ano destacam nas páginas 174 e 175 que o que mais
interessou os portugueses em princípio foi o pau-brasil e para proteger esse novo
território e suas riquezas iniciaram a colonização ( não deixando explicito se houve o
sentido comercial de colonização identificado por Caio Prado). No livro do 8º ano em
sequência do 7° respectivamente, é possível observar que a economia é expressa
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como principais atividades o pau-brasil, cana de açúcar, o ouro e o retorno à
agricultura com algodão e cana e o início do plantio de café. Porém, não
demonstram que foram ciclos sucessivos, mas também não demonstram um
mercado interno que poderia estar se desenvolvendo.
Essa coletânea de livros escritas por Pellegrini, et al., reelaborada e publicada
em 2012 e que fora utilizada no Colégio Estadual idália Rocha-Ensino Fundamental
e Médio, do município de Ivaiporã, no Paraná, após ser analisada, é possível dizer
que pouco ou quase nada mudou na sua forma de abordar o Brasil colonial, entre
outras abordagens, mantendo-se como na versão de 2009,com os mesmos recortes,
temas, abordagens, apenas com algumas mudanças.
Contrastando com essas interpretações de Caio Prado Júnior, João Fragoso,
et al, demostram em sua obra “A economia colonial Brasileira (séculos XVI-XIX)”,
que o mercado interno colonial não era tão dependente dado capital mercantil
europeu, já que no Brasil estava aflorando uma espécie de poupança e empréstimos
entre a elite, que embora ligadas ao mercado internacional, dispunham de certa
autonomia (FRAGOSO, FORENTINO, FARIA, 1998,p.43).
Sendo assim, as mudanças expressas nos livros didáticos ao longo de quase
um século após a publicação da obra de Caio Prado Junior “Formação do Brasil
Contemporâneo”, ainda exerce sua influência nos materiais didáticos utilizados nos
municípios de Ivaiporã e região. Mesmo que novos estudos desenvolvidos por
estudiosos como João Fragoso, Manolo Florentino, que desenvolveram trabalhos
que lançam um novo olhar sobre a organização do Brasil no período colonial e a
dinâmica do mercado interno brasileiro.
Referências
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e fazer História, 7º ano. 7º. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e fazer História, 8°ano. 7º. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
FRAGOSO, João L. R.; FORENTINO, Manolo; FARIA, Sheila de Castro. A economia
colonial brasileira: (séculos XVI-XIX). São Paulo: Atual, 1998.
FRAGOSO, João L. R.; BICALHO, Maria F.; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O
Antigo regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
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PELLEGRINI, Marco César; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Vontade de
saber História, 7º ano. 1º. ed. São Paulo: FTD, 2009.
PELLEGRINI, Marco César; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Vontade de
saber História, 8º ano. 1º. ed. São Paulo: FTD, 2009.
PELLEGRINI, Marco César; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Vontade de
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PELLEGRINI, Marco César; DIAS, Adriana Machado; GRINBERG, Keila. Vontade de
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PRADO JÚNIOR, Caio.Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. 23.ª ed. São
Paulo; Brasiliense, 1997.
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