1 Introdução - DBD PUC-Rio

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Introdução
1.1
Aids
No início da década de oitenta (1981), a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (SIDA/AIDS) foi reconhecida e descrita nos Estados Unidos1 em função do
aparecimento de um conjunto de doenças raras, como o Sarcoma de Kaposi e a
pneumonia por Pneumocystis carinii, em pacientes homossexuais e bissexuais do
sexo masculino provenientes de grandes cidades norte-americanas (Nova York, Los
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Angeles e São Francisco). Essas doenças já eram conhecidas: a pneumonia ocorria
em pacientes com câncer em estágios avançados e o Sarcoma de Kaposi era bem
comum entre idosos procedentes da Bacia do Mediterrâneo. Entretanto, essas
enfermidades nunca haviam sido observadas, até então, ao mesmo tempo, em
pacientes homossexuais masculinos sem históricos de outras doenças2.
Diante deste quadro, o CDC (Center for Disease Control and Prevention), o
órgão de vigilância epidemiológica norte-americano, passou a estudar a doença e
definir o seu perfil clínico e epidemiológico. Como a incidência, no início, era
predominantemente entre homossexuais, suspeitou-se que houvesse relação entre a
doença e este estilo de vida. No entanto, não tardaram a surgir casos entre
heterossexuais e recém-nascidos3. E assim, a AIDS tornou-se, a doença mais
estudada, alcançando o status de prioridade internacional. Nunca se descobriu tanto
em tão pouco tempo sobre qualquer outra doença.
No Brasil, os primeiros casos confirmados ocorreram em São Paulo, em 1982.
Foi no Hospital Emílio Ribas que o primeiro caso de AIDS do país foi atendido. Desde
então, de acordo com o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, cerca de 27.000
pessoas contaminadas pelo vírus já passaram pelo Instituto.
Em pouco tempo, já havia casos registrados de pessoas com HIV em
praticamente todas as regiões do globo, configurando uma pandemia. Segundo dados
da Organização Mundial de Saúde, do ano de 2009, 33,4 milhões (31,1 - 35,8 milhões,
considerando a margem de erro) de pessoas estão vivendo com AIDS no mundo,
sendo 31,3 milhões (29,2 – 33,7 milhões) adultos, 15,7 milhões (14,2 – 17,2 milhões)
mulheres e 2,1 milhões (1,2 – 2,9 milhões) crianças (Figura 1). No Brasil, cerca de 630
17
mil pessoas vivem com o HIV. O número é estimado, pois são registradas somente as
pessoas soropositivas que tomam medicamentos antirretrovirais. Segundo dados do
Boletim Epidemiológico de 2009, desde o início da epidemia até junho de 2009, foram
realizados 544.846 diagnósticos e foram registradas 217.091 mortes em decorrência
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da doença. Por ano, são notificados entre 33 mil e 35 mil novos casos de AIDS4.
Figura 1. Número de pessoas vivendo com HIV, número de pessoas infectadas com HIV,
número de mortes no mundo (milhões), 1990-2008. Extraída da referência 5.
AIDS trata-se de uma doença provocada por um vírus denominado HIV – Vírus
da Imunodeficiência Humana6. De uma forma geral, o HIV é um retrovírus (composto
de RNA) que, por este motivo, ataca o sistema de defesa humano conhecido como
linfócito T auxiliar (também chamado de linfócito T4 ou T CD4+) que normalmente
encontra na corrente sanguínea e é responsável por toda a coordenação da defesa
imunológica do organismo7. A defesa imunológica da pessoa infectada fica inoperante
contra os microorganismos invasores, tais como: vírus, bactérias, protozoários, etc,
tornando a pessoa infectada vulnerável a infecções oportunistas. Os sintomas iniciais
são fraqueza, febre, emagrecimento e diarréia8,9.
18
A transmissão pode ocorrer por meio do sangue, sêmen, secreção vaginal, uso
10
de drogas injetáveis, transfusão de sangue contaminado e também durante a amamentação .
O tratamento com medicamentos anti-HIV, as crescentes experiências entre os
profissionais de saúde no atendimento aos pacientes infectados pelo HIV e a melhoria
do acesso aos cuidados de saúde têm tido um extraordinário impacto na sociedade,
permitindo que as pessoas infectadas levem uma vida relativamente normal e
saudável11.
No entanto, muitas pessoas infectadas, infelizmente, não apresentam a
resposta esperada aos medicamentos, devido principalmente à intolerância e aos
efeitos colaterais dos mesmos ou têm dificuldade em cumprir com o tratamento, que
envolve um grande número de comprimidos. Além disso, o surgimento de cepas do
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HIV que são resistentes às drogas atualmente disponíveis é um problema12.
1.2
Ciclo de vida do HIV
O vírus HIV pertence a um grupo de vírus chamado de retrovírus. Estes vírus
armazenam o seu material genético como RNA (uma cadeia dupla de código
genético) e possuem uma determinada quantidade de proteínas virais. Devido à sua
incapacidade de auto-reprodução (replicação), precisam infectar uma célula que
servirá de hospedeira para a produção de novos vírus13, ou seja, são parasitas
intracelulares obrigatórios. O alvo preferencial do vírus HIV são as células de defesa
conhecidas como linfócitos T auxiliares, linfócitos T4 ou T CD4+, que normalmente
estão presentes na corrente sanguínea e são responsáveis por garantir a defesa do
organismo e por manter o corpo funcionando livre de doenças7.
O complexo glicoprotéico viral gp120-gp41 é usado pelo HIV para reconhecer
e se ligar aos linfócitos14. Quando o HIV se liga a um receptor da célula CD4+,
prende-se utilizando a subunidade de superfície gp120, provocando mudanças
conformacionais nesta, possibilitando a fixação aos co-receptores CCR5 ou CXCR415.
A gp41 atua como um gancho e uma roldana (hook and pulley). À medida que se
movimenta em direção aos receptores, dá um salto pra frente e penetra na membrana
da célula humana – puxando o vírus na direção da célula e ajudando-o a fundir-se
com a membrana celular.
Quando o HIV se une aos receptores da célula CD4+, o seu material genético
(RNA) e algumas enzimas importantes para a sua replicação são absorvidos pela
19
célula humana16 Com a entrada do capsídeo do HIV à célula, a enzima viral
denominada de transcriptase reversa decodifica o material genético do HIV, ou seja,
produz uma réplica de DNA de dupla cadeia no modelo do RNA original17 (Figura 2).
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Figura 2. Proteínas gp120 e gp41 interagindo com os receptores quimiocíneos da célula
TCD4+. Extraída da referência 19.
O DNA viral, recém-formado, entra no núcleo da célula hospedeira e integra-se
ao DNA humano pela ação da enzima integrase, permitindo assim que o HIV
“reprograme” a célula humana para criar mais vírus. A ativação da célula hospedeira
resulta na transcrição do DNA em RNA mensageiro, que é traduzido em proteínas
virais. A enzima viral chamada protease corta os blocos de construção das proteínas
em partes menores, formando a estrutura da nova partícula do HIV, que inclui todas as
enzimas e proteínas necessárias para a replicação do vírus dentro de uma célula
hospedeira. Na sequência, a nova partícula viral desenvolve-se na célula humana e
sai desta, entrando na corrente sanguínea, podendo assim infectar outras células
(Figura 3).
20
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Figura 3. Ciclo de vida do HIV. Extraída da referência 18.
1.3
Fármacos anti-HIV
Muitas estratégias de tratamento estão sendo desenvolvidas e testadas,
incluindo o uso de medicamentos que impedem o vírus de entrar na célula (inibidores
de fusão). No Brasil, a Lei 9113/96 garantiu a todos os indivíduos infectados com o
vírus HIV o acesso gratuito ao coquetel de drogas20. O coquetel é composto de
fármacos que podem desacelerar em até 100 vezes a produção do vírus.
Dependendo do perfil do paciente, o tratamento pode incluir dois ou mais
medicamentos que atuam em diferentes momentos do ciclo de vida do HIV. Estes
medicamentos são classificados em: inibidores da transcriptase reversa nucleosídeos
(IsTRN), inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídeos (IsTRNN), inibidores de
protease (IsP), inibidores da integrase e os inibidores de fusão.
Os IsTRN impedem os vírus de fazerem cópias de seus próprios genes. São os
medicamentos zidovudina, didanosina, lamivudina, estavudina, zalcibatina, abacavir e
tenofovir (Figura 4)21. Eles criam versões defeituosas dos nucleosídeos, unidades
básicas dos genes. Com isso, o DNA viral incompleto não é capaz de assumir o
controle do DNA da célula CD4+ e produzir novas cópias dos vírus.
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21
Figura 4. Estruturas dos medicamentos IsTRN. Extraída da referência 18.
Os IsTRNN inibem ou cessam a produção de HIV ligando-se à transcriptase
reversa e, assim, evitam que a enzima converta o RNA do HIV em DNA. São eles:
efavirenz, nevirapina, delavirdina e etravirina (Figura 5).
Figura 5. Estruturas de alguns IsTRNN. Extraída da referência18.
22
Os IsP atacam no estágio em que o RNA e as proteínas virais são formados,
pois se ligam à enzima protease e não permitem que as proteínas do vírus se tornem
funcionais. Com isso, são formadas partículas virais imaturas e inativas.22 Os
medicamentos desta classe utilizados são: indinavir, ritonavir, saquinavir, nelfinavir,
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amprenavir, lopinavir, atazanavir, darunavir, tipranavir (Figura 6).
Figura.6. Estruturas dos medicamentos IsP. Extraída da referência 18.
Os inibidores da integrase impedem que o DNA viral, recém-formado, se
integre ao DNA da célula no organismo humano através da enzima viral chamada
integrase. O primeiro medicamento dessa classe, o raltegravirm, foi aprovado pela
FDA em outubro de 2007 e pela Anvisa em janeiro de 2008.
Os medicamentos inibidores de fusão impedem o vírus de penetrar nas células
e, por isso, representam uma abordagem muito interessante, uma vez que os outros
tipos de fármacos atacam o HIV somente após a infecção do linfócito. A interação
gp120-CD4+ provoca uma alteração conformacional na glicoproteína, possibilitando a
sua ligação aos receptores CCR5 e/ou CXCR423 (Figura 7). Isso permite que a
glicoproteína transmembranar do envelope do vírus se acople à célula. Essa
sequência aproxima a membrana da célula ao vírus, e o material genético viral entra
na célula24.
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Figura 7. Etapas da fusão entre o vírus HIV e a célula hospedeira, permitindo que o material
genético viral seja introduzido na célula. Figura extraída da referência 25.
Apenas o composto T-20, enfuvirtide ou Fuzeon® (nome comercial), foi aprovado pelo
FDA para uso clínico. O T-20 é um polipeptídeo constituído de 36 aminoácidos que
interage com a gp41, impedindo a fusão do vírus com a membrana da célula (Figura
8)26.Porém, o elevadíssimo custo da terapia a base de Fuzeon® (em torno de R$
73.000 por caixa do medicamento), devido à complexidade de sua síntese (são
necessárias 106 etapas de síntese para a sua produção)27, os efeitos colaterais como
cansaço, insônia e irritações locais causadas pelas injeções subcutâneas e a
necessidade de baixa temperatura para a sua conservação estimularam a procura de
novas substâncias28.
24
Figura 8. Estrutura do Fuzeon®. Extraída da referência 26.
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Dentre os promissores candidatos a novos inibidores de fusão, destacam-se o
maraviroc, o vicriviroc, aplaviroc e o AMD 3100, este último de especial interesse no
contexto de nosso trabalho.
Figura 9. Potenciais inibidores de fusão: Maraviroc, vicriviroc, Aplaviroc e AMD 3100. Extraída
da referência 18.
25
1.4
AMD 3100
Desde o início dos testes, ficou claro que os derivados biciclos (incluindo o
AMD 3100) interferiam no processo inicial (entrada do vírus) do ciclo de replicação do
HIV29. Diversos antagonistas do CXCR4 e CCR5 foram estudados30, mas resultados
apontam que o biciclo AMD 3100 é realmente específico para CXCR4 e se destaca
pelos seus resultados em infecções causadas pelo HIV, na mobilização de células
tronco e de células estaminais para transplante31.
O AMD 3100 foi aprovado para ensaios em humanos pela FDA (U.S. Food and
Drug Administration) dos USA em dezembro de 2008. Na fase I foram feitos ensaios
clínicos em voluntários saudáveis e um efeito inesperado foi observado: um rápido
aumento de glóbulos brancos, atingindo um máximo 6 horas após a infusão
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intravenosa. O AMD 3100 encontra-se agora na fase II de testes para a mobilização
de células-tronco e transplante em pacientes com mieloma múltiplo (tipo de câncer
que se desenvolve na medula óssea, pelo crescimento descontrolado de células
plásmaticas), e também para uso em pacientes com linfoma e como anti-HIV32.
A ligação das drogas a seus alvos macromoleculares é vista como primordial
para a atividade fármacológica. O complexo binário receptor – ligante possui etapas
caracterizadas como início, duração e amplitude de ação33. Dependendo do tempo e
das alterações funcionais devidas à formação do complexo receptor - ligante, o
composto pode vir a ser um fármaco34.
Os anéis macrocíclicos presentes no AMD 3100 têm unidades quelantes e
rigídas, com uma face aberta e geometria adequada para formar fortes ligações
coordenadas a um centro metálico35 (Figura 10).
Figura 10. Conversão de um composto cíclico em complexo macrocíclico. Extraída da
referência 36.
26
Os íons metálicos em metalofármacos podem interagir com os átomos
doadores de um alvo biológico formando um complexo estável, melhorando assim a
potência da droga e aumentando o tempo que o fármaco permanece ligado ao
receptor37 . Segundo estudos (Figura 11), após 24 horas de incubação, o complexo de
cobre(II) do AMD 3100 é aproximadamente duas vezes mais ativo que o próprio AMD
3100 na inibição da ligação do receptor CXCR4 a um anticorpo específico antiCXCR4. Propõe-se que este efeito esteja associado à coordenação de um resíduo de
aspartato presente em CXCR4 ao íon cobre(II). A geometria resultante da
coordenação do aspartato, controlada pela identidade do metal, favorece a rigidez e a
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estabilidade cinética frente à dissociação do complexo receptor – ligante38.
Figura 11. Porcentagem de inibição da ligação de anticorpo específico ao receptor CXCR4 em
função do tempo de incubação, na presença de diferentes candidatos a inibidores de fusão.
Extraída da referência 39.
Lamentavelmente, por causar problemas cardíacos graves, o AMD 3100 teve
seus estudos clínicos interrompidos. Um derivado oral mais potente, o AMD 3465
(AnorMED Inc., Langley, BC Canadá), com fórmula estrutural ainda não divulgada,
está atualmente em desenvolvimento40.
A fim de contribuirmos para a pesquisa relacionada a fármacos anti-HIV e com
base nos bons resultados obtidos com o para-biciclo AMD 3100 e considerando ainda
a potencialidade farmacológica de complexos de cobre41 e o fato de que a eficiência
de um agente terapêutico pode ser potencializada pela coordenação a um centro
metálico, é apresentado neste trabalho um ligante binucleante inédito derivado do
27
bacteriocida isoniazida (Figura 12), a partir do qual foram sintetizados dois complexos
binucleares de cobre(II) e zinco(II), respectivamente. Para o ligante sintetizado, foi
utilizado um centro precursor com dois grupos éteres e duas moléculas de isoniazida
(INH) como braços pendentes, incorporados via formação de hidrazona, em posições
relativas para.
CH3
H
N
O
N
N
O
O
N
N
O
H3C
H
N
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Figura 12. Novo ligante binucleante sintetizado no presente trabalho de investigação.
Este ligante guarda algumas semelhanças estruturais com o AMD 3100, como,
por exemplo, a presença em ambos do espaçador aromático, assim como dos braços
coordenantes polidentados. Além disso, o fato de a INH ser uma molécula bioativa
torna especialmente interessante o seu uso na síntese do ligante.
A isoniazida é um fármaco anti-tuberculose que inibe a síntese do ácido
micólico, componente essencial da parede celular da microbactéria. De acordo com
dados do Ministério da Saúde, todos os anos são registrados por volta de nove
milhões de novos casos e quase dois milhões de mortes por tuberculose. As tentativas
para tratar a tuberculose são dificultadas pela propagação de estirpes multi-resistentes
de M. tuberculosis (TBMR). Além disso, a tuberculose é hoje a principal causa de
morte entre os doentes com AIDS42.
Inúmeras pesquisas têm descrito as propriedades bactericida e fungicida
de complexos Cu(II) e Zn(II) com isoniazida43,44. Tais compostos apresentam atividade
antibacteriana e antifúngica maior, contra uma ou mais bactérias/linhagens de fungos,
em comparação com aos compostos não complexados.
Estudos realizados com complexos de Cu(II) dos ligantes CTZ (clotrimazol) e
KTZ (cetoconazol), mostraram melhores resultados na inibição da proliferação do
protozoário Trypanosoma cruzi, agente causador do Mal de Chagas, que os
apresentados pelos ligantes livres44.
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