Capítulo 1 Desenvolvimento normal e anomalias congênitas 1 SEÇÃO I ANATOMIA RENAL Schmitz.indd 1 20/7/2012 13:40:07 Schmitz.indd 2 20/7/2012 13:40:07 Capítulo Desenvolvimento normal e anomalias congênitas 1 Objetivos de aprendizagem O leitor deverá: • Descrever a ontogenia e a função do pronefro, me­ sonefro e metanefro durante o desenvolvimento normal. • Listar as estruturas que são derivadas do mesonefro, metanefro e broto uretérico durante o desenvolvi­ mento normal. • Elaborar um diagrama representando o inter­câmbio molecular entre o broto uretérico e o blastema metanéfrico. Discutir como esse fenômeno está envolvido no desenvolvimento normal do rim e do sistema coletor. • Descrever as anormalidades no desenvolvimento que levam a anomalias congênitas do trato urinário. • Listar e fornecer uma breve descrição das anomalias congênitas dos rins, das artérias renais, dos ureteres, da bexiga e da uretra. PAUL G. SCHMITZ Introdução Os sistemas genital e urinário originam-se do mesoderma intermediário, uma crista longitudinal de células mesenquimais (saliência urogenital) ao longo da parede dorsal da cavidade amniótica (Figura 1.1). O mesoderma intermediário (cordão nefrogênico) dá origem a uma unidade excretora no sentido craniocaudal que é dividida em três unidades (Figura 1.2): • Pronefro • Mesonefro • Metanefro (rim definitivo) Pronefro O pronefro é vestigial, transitório e não funcional. Ele é análogo aos rins no peixe primitivo, consistindo em poucos agrupamentos de células (também conhecidas como nefró- Cavidade amniótica Cavidade amniótica Tubo neural Tubo neural A Mesoderma paraxial Mesoderma intermediário Aorta “Pinçamento” Cordão nefrogênico B Saco vitelino FIGURA 1.1 Secção transversal de um embrião de 28 dias, revelando o mesoderma intermediário (A) que é gradualmente separado pelo “pinçamento” do mesoderma paraxial e forma o cordão nefrogênico. (B) O cordão nefrogênico estende-se da região cervical à caudal (não mostrado). Schmitz.indd 3 20/7/2012 13:40:08 4 Seção I Anatomia renal Cápsula de Bowman Pronefro atrofiado Glomérulo Ducto mesonéfrico Túbulo mesonéfrico em forma de S Vesícula umbilical Ducto mesonéfrico Cordão nefrogênico Alantoide A Cloaca Desembocadura do ducto mesonéfrico Cápsula de Bowman Broto ureteral FIGURA 1.2 Secção sagital por meio de um embrião de 4 semanas. Observar o cordão craniocaudal de tecido (cordão nefrogênico), com segmentação na região cranial (pronefro). O pronefro se atrofia enquanto o mesonefro se diferencia no ducto mesonéfrico ou Wolffiano (que se funde e se esvazia na cloaca) e em túbulos curtos em forma de S que se associam com capilares derivados de ramos da aorta. Essas unidades formam um sistema excretor transitório que se assemelha ao néfron adulto. Por volta da 10a semana, o sistema mesonéfrico se degenera à medida que o rim definitivo se desenvolve a partir do metanefro. tomos) na região cervical. Essas unidades excretoras regridem ao final da quarta semana de gestação à medida que as regiões mais caudais do cordão nefrogênico se desenvolvem. Mesonefro No embrião humano, no 22o dia de gestação, células mesenquimais comprometidas do mesoderma intermediário anterior proliferam-se para formar a crista urogenital. Nessa área, aparecem agrupamentos de tecido nefrogênico segmentalmente arranjados em sequência cefalocaudal. Em cada cordão urogenital desenvolve-se um tubo longitudinal sólido, o ducto mesonéfrico, que se abre na cloaca. O tecido mesonéfrico dá origem a uma alça em forma de S (túbulo excretor), que adquire um tufo de capilares também conhecido como glomérulo (Figura 1.3). Coletivamente, essas estruturas compreendem um corpúsculo renal. Em média, 30 conjuntos de corpúsculos renais segmentalmente arranjados drenam para o ducto mesonéfrico. A formação de urina começa à medida que as unidades excretoras do mesonefro se desenvolvem. À proporção que as unidades mesonéfricas caudais se diferenciam, as unidades craniais se degeneram. No sexo masculino, alguns túbulos segmentados mesonéfricos caudais persistem para se transformar nos ductos eferentes dos testículos; ao passo que os ductos mesonéfricos se tornam o epidídimo e o ducto deferente. No segundo trimestre, o mesonefro já não é mais funcional. Schmitz.indd 4 Glomérulo Ducto Wolffiano Túbulo em forma de S B FIGURA 1.3 A. Corte transversal revelando um túbulo em forma de S que se associou com o ducto mesonéfrico. B. Observar a estrutura em forma de taça que envolve um tufo capilar (glomérulo). Coletivamente, este néfron primitivo produz urina a partir, aproximadamente, da 4ª até 10ª semana de gestação. Metanefro O metanefro (rim definitivo), começa a se desenvolver na quinta semana e torna-se funcional pela nona semana. Embora a eliminação dos resíduos metabólicos seja primeiro realizada pela placenta, o metanefro produz urina. A urina derivada do metanefro é essencial para o acúmulo do fluido amniótico que, por sua vez, é crucial para o crescimento e desenvolvimento normais do feto. Qualquer condição que interfira na produção da urina ou impeça sua drenagem para dentro da cavidade amniótica leva a uma condição referida como oligo-hidrâmnio. O sistema coletor do rim definitivo desenvolve-se a partir de um divertículo metanéfrico epitelial ou broto uretérico que surge a partir do ducto mesonéfrico nas proximidades de sua desembocadura na cloaca (Figura 1.4). O broto uretérico penetra o tecido metanéfrico (blastema metanéfrico) e se subdivide até 15 vezes para formar o sistema 20/7/2012 13:40:10 Capítulo 1 Cordão nefrogênico Ducto mesonéfrico Blastema metanéfrico Cloaca Broto uretérico A d c b a Cálice menor Cálice maior Pelve renal Ducto coletor Ureter B a 1ª Divisão dicotômica (dois ramos) b 2ª Divisão dicotômica (quatro ramos) c 3ª Divisão dicotômica (oito ramos) d 4ª Divisão dicotômica (16 ramos) FIGURA 1.4 A. O rim definitivo é derivado da interação do broto uretérico com o blastema metanéfrico circundante. A pelve renal surge da extremidade dilatada do broto uretérico. B. Várias fases de ramificação (talvez até 15 gerações) são responsáveis pela formação dos cálices maiores e menores e 1 a 3 milhões de túbulos coletores. coletor definitivo, incluindo o ureter, a pelve renal, os cálices maiores e menores e 1 a 3 milhões de túbulos coletores. O blastema metanéfrico (também conhecido como massa metanéfrica do mesoderma intermediário ou blastema metanefrogênico) é formado pelo mesoderma da porção caudal do cordão nefrogênico. Ele se condensa e se encapsula ao redor da porção mais distal do broto uretérico (Figura 1.5). O broto uretérico induz as células mesenquimais na massa metanéfrica a gerar as vesículas metanéfricas (vesículas renais), as quais se alongam originando os túbulos em formato de S. Uma extremidade do túbulo em S se funde com a extremidade distal do broto uretérico para estabelecer continuidade da via urinária. O túbulo se alonga e se diferencia no túbulo contorcido proximal, alça Schmitz.indd 5 Desenvolvimento normal e anomalias congênitas 5 de Henle, túbulo contorcido distal e túbulo conector. As células endoteliais migram para a extremidade oposta ao do túbulo em formato de S e se diferencia no tufo capilar ou glomérulo. O tufo capilar glomerular recebe o sangue de uma arteríola aferente (derivada de ramos da aorta dorsal) e drena sangue para uma arteríola muscular eferente. A arteríola eferente envolve os túbulos, servindo, dessa forma, como o principal suprimento sanguíneo para os túbulos renais. Os túbulos e glomérulos compõem a unidade funcional básica do rim, isto é, o néfron. Após a nefrogênese estar completa, aproximadamente na 32a semana de gestação, os rins aumentam em tamanho pela hipertrofia dos néfrons existentes. Indução recíproca no desenvolvimento renal Se o broto uretérico não se forma ou é anormal, o blastema metanéfrico não se desenvolve. Ao contrário, se o blastema metanéfrico é defeituoso, não ocorre a ramificação ordenada e o crescimento do broto uretérico. Várias horas de contato da ampola do broto uretérico com o blastema metanéfrico são necessárias para induzir a formação da vesícula epitelial e o subsequente desenvolvimento do néfron. Antes da indução, o supressor de tumor de Wilms 1 (WT1) é expresso na massa metanéfrica e acredita-se que ele induza competência (capacidade de resposta a sinais moleculares) ao broto uretérico (Figura 1.6). O WT1 também regula a síntese do fator neurotrópico derivado da glia (GNDF) e o fator de crescimento do hepatócito (HGF) no mesênquima. Esses fatores estimulam a ramificação do broto uretérico. Os receptores de tirosina-quinase, RET e MET, funcionam como receptores para o GNDF e HGF, respectivamente. RET e MET são expressos inicialmente no ducto mesonéfrico e depois localizam-se na ponta do broto uretérico. O fator de crescimento do fibroblasto 2 (FGF-2) e da proteína morfogenética óssea 7 (BMP7) são expressos pelo broto uretérico. Essas moléculas sinalizadoras impedem a apoptose no blastema metanéfrico e sinalizam para o mesênquima crescer e agregar. Elas também parecem induzir a expressão de WT1. Subsequentemente, WNT9B e WNT6 são expressas no broto uretérico que, por sua vez, induzem a expressão de PAX2 e WNT4 no mesênquima metanéfrico. PAX2 induz a agregação do mesênquima metanéfrico, enquanto WNT4 induz o desenvolvimento do epitélio tubular renal no mesênquima agregado (transformação mesênquimo-epitelial). Ascensão dos rins Os rins se desenvolvem inicialmente na região pélvica em ambos os lados da aorta. O crescimento relativo e a retificação do corpo elevam o rim para dentro do abdome (aproximadamente ao nível de T12-L3). Durante a ascensão, os 20/7/2012 13:40:10 6 Seção I Anatomia renal 3 5 3 2 1a 6 4 1a 4 1a 1 1 1 1 Ducto coletor 1a Lúmen do ducto coletor 2 Concentração do blastema metanéfrico em agregados celulares 3 Tecido metanéfrico adjacente 4 Vesícula metanéfrica (corte seccional) 5 Divisão dicotômica recém-criada 6 Novo ramo do ducto coletor 7 Vesícula metanéfrica que forma um túbulo 8 Cápsula de Bowman 9 Arteríola aferente 10 Túbulo contorcido proximal 11 Túbulo contorcido distal 12 Túbulo reto proximal 13 Túbulo reto distal 9 6 7 9 7 8 1 8 1 11 9 9 11 8 8 10 10 12 1 12 13 13 1 FIGURA 1.5 O tecido metanéfrico inicialmente se aglutina em torno do broto uretérico. A indução recíproca do blastema inicia a formação das vesículas metanéfricas. As vesículas se alongam em estruturas tubulares em forma de S que se fundem em uma extremidade com ramos do ducto coletor (derivado da divisão dicotômica do broto uretérico) e na extremidade oposta com um tufo de capilares derivado de ramos da aorta. O crescimento e alongamento dos túbulos levam à formação do túbulo contorcido proximal, alça de Henle e túbulo contorcido distal, isto é, o néfron adulto. rins são deslocados lateralmente e seus hilos associados, que estão situados ventralmente, mudam para a posição medial. Essa mudança deve-se em parte ao crescimento excedente dos lábios do hilo e à rotação. Na sua posição pélvica, os rins são perfundidos por ramos das artérias ilíacas comuns. À medida que eles ascendem a cada nível, novas artérias renais originam-se do segmento cefálico da aorta e os ramos inferiores se degeneram. As artérias renais definitivas são os ramos mais craniais que suprem os rins. A ascensão dos rins cessa quando eles entram em contato com Schmitz.indd 6 as glândulas adrenais. Devido ao processo de aparecimento e degeneração sequenciais dos ramos da aorta que suprem os rins, 25% da população pode apresentar duas ou mais artérias renais supranumerárias (acessórias) (Figura 1.7). Bexiga urinária Durante a sexta semana de gestação, a cloaca é dividida pelo septo urorretal em reto posterior e seio urogenital, o qual é contínuo com a alantoide que apresenta uma base 20/7/2012 13:40:12 Capítulo 1 7 Desenvolvimento normal e anomalias congênitas Coroas de tecido metanéfrico GN HG D F F WT1 PAX2 WNT4 FGF2 WT1 PAX2 WNT4 BWNT6 WNT9B WNT9B BMP7 BWNT6 FIGURA 1.6 Mecanismos de sinalização envolvidos na regulação do desenvolvimento renal normal (ver Indução recíproca, anteriormente). De forma importante, o broto uretérico e o blastema metanéfrico produzem sinais críticos que regulam o seu próprio desenvolvimento, assim como um ao outro. (Modificada com a permissão de TW Sadler, ed. Langman’s Medical Embryology New York, NY: Wolters Kluwer Health, 2010. http://lww. com. Fig.15-7, p 239.) dilatada. O seio urogenital é dividido em um segmento cefálico vesical dilatado, segmento médio pélvico es­treito e segmento caudal fálico. O segmento vesical forma a bexiga urinária. O segmento pélvico médio, na mulher, forma a maior parte da uretra e, no homem, forma a uretra prostática e membranosa. O segmento caudal fálico (também conhecido como seio urogenital definitivo) é coberto pela membrana urogenital. Nas mulheres, o seio urogenital definitivo origina uma pequena porção da uretra e vestíbulo e, nos homens, ele forma a uretra peniana. Futura bexiga Seio urogenital Orifício urogenital Orifício anal FIGURA 1.7 Artérias renais acessórias. Múltiplos vasos renais ocorrem por causa da persistência de vasos embrionários durante a ascensão dos rins. Schmitz.indd 7 Reto Septo urorretal FIGURA 1.8 Segmentação da cloaca. Notar que o septo urorretal dividiu a cloaca em seio urogenital (a parte superior torna-se a bexiga definitiva) e reto. 20/7/2012 13:40:14 8 Seção I Anatomia renal Anomalias congênitas do rim e trato urinário (ACRTU) Anormalidades no desenvolvimento anatômico renal e do trato urinário podem originar malformações congênitas em 3-4% dos recém-nascidos. A maior parte das lesões pode ser detectada antes do nascimento por meio da ultrassonografia renal. Anomalias renais reduzido de néfrons seja uma representação da diminui­ ção da reserva renal. Por conseguinte, uma diminuição da reserva renal pode aumentar o risco para doença renal clí­ nica, uma vez que menos néfrons não podem compensar adequadamente a perda dos néfrons lesados. número diminuído de papilas e cálices. Em casos graves, essa condição pode causar insuficiência renal na infância. Agenesia renal Rins acessórios A agenesia renal ocorre quando o broto uretérico falha na indução do blastema metanéfrico. Possíveis explicações incluem a incapacidade do broto uretérico de penetrar e fazer contato com o blastema metanéfrico, regressão ou degeneração precoce do broto uretérico, ausência do blastema ou falha do blastema de produzir ou responder às substâncias indutoras (ver Indução recíproca no desenvolvimento renal, anteriormente). A agenesia renal foi primeiro descrita por Potter, em 1946, e era caracterizada por um feto com nariz achatado, pregas epicânticas proeminentes e orelhas com implantação baixa e posteriormente rotadas. A ausência de ambos os rins ocorre em cerca de 1:6.000 nascidos vivos. A agenesia é mais frequente no sexo masculino (3:1). Em aproximadamente metade dos fetos atingidos não há outras malformações, exceto aquelas associadas com a síndrome de Potter. O oligo-hidrâmnio é resultado da falha na produção da urina. Fetos com agenesia renal também podem apresentar circunferência torácica reduzida associada com a hipoplasia pulmonar. A maioria dos fetos femininos com agenesia renal bilateral também apresenta anormalidades no sistema reprodutor, ao passo que a maioria dos masculinos apresenta anatomia reprodutora normal. Em alguns casos, são encontradas anomalias do trato gastrintestinal, sistema cardiovascular e sistema musculoesquelético. Uma vez que a placenta é o principal órgão excretório, essa condição é compatível com a vida pré-natal, porém, não com a vida pós-natal. A agenesia renal unilateral é um achado casual. O rim contralateral passa por hipertrofia compensatória, isto é, o número de néfrons e seu tamanho está aumentado. A produção de urina fetal e a função renal pós-natal não são comprometidas na agenesia renal unilateral. Rins acessórios podem surgir da ramificação precoce e excessiva do broto uretérico. Os rins extras em geral são pequenos e completamente separados do rim normal. Ectopia renal A ectopia renal ocorre quando um rim está localizado fora da sua posição normal. A pelve é a localização mais comum de um rim ectópico. Na ectopia renal cruzada, ambos os rins estão situados em um lado do corpo. Frequentemente eles estão fundidos e acredita-se que se originem de um blastema metanéfrico comum. Hidronefrose, hidroureter ou alterações displásicas desenvolvem-se de forma frequente nesses rins. Rim em ferradura Rim em ferradura é encontrado em 1 para 500 nascidos vivos e pode também ser achado em até 7% das crianças com síndrome de Turner. Ele é o resultado da fusão dos polos inferiores dos rins antes da sua ascensão. A área fusionada consiste em tecido conectivo e uma ponte cortical superficial. A massa renal assim formada é deslocada para a borda da cavidade pélvica. (Figura 1.9). Dois ureteres separados cursam ventralmente e drenam para a bexiga. A ascensão da massa renal é impedida pela artéria mesentérica inferior. Hipoplasia renal Esses rins possuem menos néfrons que o esperado para a idade de desenvolvimento. Eles podem também apresentar 44C O R R E L A Ç Ã O CLÍNICA Evidência recente sugere que o número reduzido de né­ frons pode ser o precursor de uma variedade de doenças renais crônicas que ocorrem no cenário de doenças sistê­ micas (p. ex. diabetes) ou após exposição a nefrotoxinas ambientais (p. ex. chumbo). Imagina-se que o número Schmitz.indd 8 FIGURA 1.9 Acredita-se que o rim em ferradura surja durante a quinta semana de desenvolvimento, quando ambos os rins estão relativamente próximos. A artéria mesentérica inferior impede a ascensão da massa renal. 20/7/2012 13:40:14 Capítulo 1 Uma hipótese plausível para explicar essa condição é o deslocamento medial dos metanefros pelas artérias umbilicais, a convergência dos brotos uretéricos ou a migração medial do tecido nefrogênico. Embora os rins em ferradura sejam frequentemente assintomáticos, o rim pélvico, em geral, está sujeito à incidência aumentada de infecção e obstrução. Doença renal cística Uma variedade de anomalias do desenvolvimento pode levar à formação de cistos no rim fetal. Alterações císticas renais é a anomalia morfológica identificada com mais frequência no recém-nascido. Displasia renal A displasia renal é a causa mais comum de cistos renais. Nesses rins, a arquitetura do córtex e da medula está desor­ganizada, os glomérulos são pequenos e imaturos e os túbulos são rudimentares e atróficos. A formação dos cistos é variável e pode envolver qualquer parte do rim. Os rins displásicos são geralmente grandes, porém disfuncionais. Acredita-se que essa anomalia resulta de um dano ao broto uretérico e interfere com a transformação mesênquimo-epitelial normal. A obstrução do trato urinário é uma ocorrência frequente na displasia renal. Doença renal policística A doença renal policística (DRP) abrange pelo menos dois modos de herança. Um é recessivo autossômico ou DRP infantil; o outro é autossômico dominante ou DRP adulta (DRPA). (Ver Capítulo 17 para detalhes.) Os rins no tipo recessivo autossômico são muito aumentados e contêm numerosos cistos alongados e radialmente dispostos. O tipo dominante autossômico da DRP pode permanecer assintomático. Em muitos pacientes com DRPA, os sintomas clínicos ocorrem entre 40 e 50 anos. Contudo, os rins nos fetos estão às vezes aumentados e podem revelar formação precoce de cistos. Os cistos são pequenos no início e não são dispostos radialmente. Foram identificados pelo menos dois genes anormais na DRPA usando-se análise de ligação. A linhagem mais comum está associada a um gene anormal no braço curto do cromossomo 16. Anomalias do ureter Ureter duplo Um ureter duplo deriva da ramificação do broto uretérico antes de ele entrar no blastema metanéfrico. Frequentemente, duas pelves separadas e dois ureteres proximais estão presentes. Em geral, os ureteres se unem e um único ureter entra na bexiga. Se ambos os ureteres permanecem separados, o ureter do polo superior é com frequência ectópico e entra na bexiga inferiormente. No sexo masculino, o ureter pode abrir-se na uretra prostática, na vesícula seminal ou em qualquer outra parte da uretra. No sexo femini- Schmitz.indd 9 Desenvolvimento normal e anomalias congênitas 9 no, ele pode abrir-se na uretra, no vestíbulo ou na vagina. Alterações displásica e hidronefrótica podem desenvolver-se com essas anomalias. Obstrução ureteral A obstrução da junção ureterovesical com hidronefrose é uma anomalia frequente identificada por exame ultrassonográfico do trato urinário fetal. A obstrução é causada por aplasia ou hipoplasia da luz ureteral na sua entrada na bexiga. Anomalias da bexiga urinária Bexiga ausente ou bexiga pequena Bexigas ausentes ou pequenas estão associadas com agenesia ou displasia renal. Extrofia A extrofia da bexiga surge de um defeito na musculatura inferior da parede abdominal que expõe a superfície mucosa da bexiga. A mucosa da bexiga é contínua com as margens da parede abdominal. Os ossos púbicos estão amplamente separados. O fechamento incompleto da parede abdominal é causado pela falha do mesoderma de invadir a região abdominal inferior central onde uma cunha de membrana cloacal persiste. Quando a membrana cloacal se desintegra, os epitélios do seio urogenital e intestino posterior ficam expostos. A extensão da extrofia depende do grau de deficiência da migração mesodérmica e da extensão da ruptura da membrana cloacal. Foi sugerido que o supradesenvolvimento da membrana cloacal pode atrasar ou impedir o movimento e a fusão mesenquimal. Essa condição é frequentemente acompanhada de epispadia. Epispadia Epispadia é uma abertura da uretra no dorso do pênis. A incontinência urinária é um sintoma comum. Acredita-se que ocorre como resultado da ruptura dorsal do seio urogenital. Anomalias da uretra Válvulas de uretra posterior As válvulas de uretra posterior são pregas epiteliais que se projetam da mucosa da uretra próxima a base da be­xiga. Elas são as causas mais comuns de obstrução do trato urinário inferior. Quando completamente obstruído, pode desenvolver oligo-hidrâmnio. Síndrome do abdome em ameixa seca (Prune-Belly) A síndrome do abdome em ameixa seca resulta da obstrução do trato urinário inferior. A maioria dos casos está associada com atresia, estenose, tortuosidade uretral 20/7/2012 13:40:14 10 Seção I Anatomia renal ou válvulas de uretra posterior. O feto apresenta abdome liso, acentuadamente distendido, que impede ou bloqueia a migração do mesoderma somático para a parede corporal anterior. Consequentemente, os músculos abdominais estão ausentes ou hipoplásicos. Na maioria dos casos, os testículos permanecem na cavidade abdominal e a próstata está ausente ou hipoplásica. Essa condição geralmente afeta o sexo masculino. Na gestação tardia ou na infância precoce, o sistema urinário se rompe e o fluido da cavidade peritoneal drena para a cavidade amniótica. Pontos-chave • As unidades excretoras primitivas e definitivas do ser humano são derivadas do mesoderma intermediário. • O rim definitivo e o sistema coletor são derivados do blastema metanéfrico e do broto uretérico. • Sinais moleculares produzidos pelo broto uretérico e blastema metanéfrico desempenham um papel crítico no desenvolvimento do sistema renal. Embora não totalmente entendido, uma lista crescente de mais de 20 vias de sinalização induz e controla o desenvolvimento desse sistema. • A desorganização dos sistemas de sinalização molecular está provavelmente envolvida na origem de várias anomalias congênitas descritas para os tratos renal e urinário. • As malformações congênitas dos tratos renal e urinário se encaixam em quatro categorias principais: (1) anomalias renais, (2) anomalias do ureter, (3) anomalias da bexiga urinária e (4) anomalias da uretra. Bibliografia comentada 1. Sadler TW. Langman’s Medical Embryology. 11th ed. 2010;235264, Chap.15. Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia, PA. Uma visão geral concisa da embriogênese renal. 2. Vainio S, Lin Y. Coordinating early kidney development: lessons from gene targeting. Nat Rev Genet. 2002; 3:533-543. Uma descrição detalhada dos sinais moleculares envolvidos na embriogênese renal. 3. Pohl M, Stuart RO, Sakurai H, Nigam SK. Branching morphogenesis during kidney development. Annu Rev Physiol. 2000;62: 595-620. Uma revisão magnífica do desenvolvimento do broto uretérico. 4. Pohl M, Bhatnagar V, Mendoza SA, Nigam SK. Toward an etiological classification of developmental disorders of the kidney and upper urinary tract. Kidney Int. 2002;61:10-19. Uma discussão completa dos sinais moleculares envolvidos no desenvolvimento renal e o papel potencial deles nas anomalias congênitas renal e do trato urinário. EXERCÍCIOS 1. Identifique as estruturas numeradas nesta secção transversal de um embrião de 28 dias. 2 Identifique as estruturas numeradas nesta secção sagital de um embrião de 35 dias. 2 5 1 3 6 6 3 7 2 1 4 8 4 9 3 Todos as seguintes alternativas são prováveis causas de oligo-hidrâmnio, exceto: 5 Schmitz.indd 10 A) B) C) D) E) Mutações no gene codificador do WNT4. Doença renal policística. Atresia dos ureteres. Agenesia renal unilateral. Ruptura amniótica. 20/7/2012 13:40:16