o VERBO NO VOCABULARIO DO PORTUGUES

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o VERBO
NO VOCABULARIO DO PORTUGUES FUNDAMENTAL:
ESTUDO LEXICO SEMANTICO
Clotilde de Almeida
Araraquara)
Azevedo
MURAKA WA (Universidade
Estadual
UM
Paulista
-
ABSTRACT: This paper presents the semantics changes that occurred in verbs of
Fundamental Portuguese Vocabulary, nearly a period of 150 years, researching four
dictionaries
of portugue~e: Morais (1.813),
Vieira (1.871/1.874,
Nascentes
(1.961/1.967) and Aurelio (AEW1N -1.995).
o Vocabulario do Portugu~s Fundamental foi organizado com base em
pesquisa de campo realizada em todos os distritos de Portugal e com a finalidade de
formar dados que permitissem estabelecer conteudos lexicais, adequados ao ensino da
lingua portuguesa para os n!veis elementares de aprendizagem e para estrangeiros.
Para a pesquisa do Portugu~s Fundamental foram empregados modelos de
estat!stica lexica, a fim de evitar a arbitrariedade na sele~iio das unidades.
o corpus organizado como suporte material esta subdividido em dois bancos
de dados: 1) 0 banco de dados com 0 corpus defreqii~ncia; e 2) 0 banco de dados com
o corpus de disponibilidade.
o corpus de freqii~ncia consistiu na recolha de 1.800 grava~oes realizadas em
situa~iio de comunica~iio oral espontfulea. Destas grava~oes foram selecionados e
transcritos 1.400 textos de 500 palavras gnificas cada urn, correspondentes a 1.400
inqueritos, num total de 700.000 ocorr~ncias. Os testemunhos foram recolhidos
abrangendo os varios n!veis de instru~iio, tendo por conta que 0 objetivo da pesquisa era
o ensino da llngua portuguesa.
o corpus de disponibilidade foi organizado posteriormente com 0 intuito de
completar 0 corpus anterior; consistiu na sel~iio de unidades reconhecidamente
indispensaveis a comunica~iio e que nao apareceram no corpus de freqii~ncia. A partir
de 27 centros de interesse foram obtidos 800 testemunhos com urn corpus de 465.000
unidades. 0 inquerito foi feito por meio de boletins preenchidos pelos inquiridos de
acordo com os centros de interesse.
Dos dois bancos de dados, resultou urn vocabulario constitu!do de 2.217
unidades, vocabulario de base comum a todos os portugueses, formado por palavras de
carater geral a serem utilizadas em campos semlinticos diversificados, ou seja, urn
vocabulario mlnimo necessario para qualquer publico, sejam quais forem os interesses, e
niio urn vocabulario tecnico, especializado ou restrito a determinadas regioes.
Foi este vocabulario fundamental com 2.217 0 corpus de nossa pesquisa, que
teve por objetivo analisar os tipos de mudan~as semlinticas que ocorreram com as
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unidades
lexicais substantivo,
adjetivo e verbo, durante urn perfodo de
aproximadamente 150 anos, consultando para isso os diciommos da Hngua portuguesa
de epocas diferentes e obedecendo a ordem cronol6gica dos mesmos.
Do total das 2.217 unidades, extrafmos 1.205 substantivos, 308 adjetivos e 387
verbos, que por sugestiio da Prof" Biderman sofreram urn acrescimo de mais 409
substantivos, 132 adjetivos e 146 verbos, totalizando 2.587 unidades, com vistas ao
vocabuhirio do portugues na sua variante brasileira.
Iniciamos a pesquisa pelo Diciondrio da Lfngua Portuguesa de Ant6nio de
Morais Silva, 2" edi~iio em 2 volumes, publicada em 1.813 pela Tipografia Lacerdina,
em Lisboa. Em seguida consultamos 0 Grande Diciondrio Portugues ou Tesouro da
Lingua Portuguesa de Fr. Domingos Vieira, publicado em uma unica edi~iio de 1.871 a
1.874 por Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Morais, no Porto. A 3" obra
lexicografica consultada foi 0 Diciondrio da Lingua Portuguesa de Antenor Nascentes,
conclufda em 1.943, mas somente publicada pela Academia Brasileira de Letras de
1.961 a 1967, atraves da imprensa oficial. Finalmente, consultamos 0 Diciondrio da
Lingua Portuguesa de Aurelio Buarque
de Holanda Ferreira, em sua edi~ilo
informatizada de 1.995.
A pesquisa que durou 3 anos, hoje se encontra conclufda; e para esta
comunica~ilo apresentamos os resultados obtidos com os 533 verbos que compoem 0
nosso corpus.
Partindo do pressuposto de que a lingua e urn fato eminentemente social e que
"a descontinuidade da linguagem e a condi~ilo primeira que deterrnina a possibilidade e
as modalidades de todas as mudan~as lingiifsticas" (Meillet, 1.948:236), buscamos
analisar os tipos de mudan~as semlinticas que ocorreram com 0 verbo ao longo de 150
anos.
Foi em Antoine Meillet, no seu livro Linguistique Historique et Linguistique
Generake (1.948) que fomos buscar 0 embasamento te6rico para orientar 0 nosso
estudo, principalmente no capftulo intitulado " Comment les mots changent des sens",
onde 0 lingiifsta frances apresenta 3 tipos de a~oes irredutfveis umas das outras que silo
as causadoras de mudan~as semlinticas.
o 1° tipo de mudan~a decorre de condi~oes propriamente lingiifsticas e prov8m
da estrutura da frase, onde uma palavra desempenha urn papel especial; 0 significado da
unidade lexical sofre influ8ncia de seu meio, ou seja, dos elementos que constituem a
• frase na qual ela esta inserida.
o 2° tipo de mudan~a decorre de fatores hist6ricos; a realidade extra-lingiifstica
interfere provocando a mudan~a de significado da unidade sem haver necessaria
mudan~a do significante.
3° e ultimo tipo decorre da divisilo dos homens em classes sociais distintas.
A a~iio desta divisilo sobre 0 significado e fator marcante, pois os indivfduos que
compoem as divers as classes sociais niio t8m uma homogeneidade lingiifstica e esta falta
. de homogeneidade gera mudan~as. A este tipo de mudan~as Meillet chamou de sociais e
afirmou que elas sofrem urn mecanismo de amplia~iio e restri~ilo de significado. Vma
unidade lexical amplia 0 seu significado, quando passa de urn cfrculo estreito para urn
mais amplo, e restringe, quando passa de urn cfrculo mais amplo para urn mais restrito.
Estes dois processos sao chamados de generaliza~ilo e especializa~ilo.
Para a nossa pesquisa foram 0 2° e 0 3° tipo objeto de nossa aten~ilo, ja que 0
1°, eminentemente lingUfstico, seria diffcil de ser analisado, devido a necessidade de urn
o
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corpus de refer2ncia vastfssimo que nos permitisse analisar a unidade lexical inserida
em contexto lingUfstico.
A seguir, relacionaremos os resultados que obtivemos da analise dos 533
verbos que compoem 0 corpus organizado.
1. Consultando os 4 dicionanos -Morais, Vieira, Nascentes e Aurelio-,
observamos que todos eles deixam de registrar unidades verbo. Morais niio registra 36
unidades (6.75%), Vieira, 25 (4,87%), Nascentes, 7 (1.33%) e Aurelio, 6 (0,75%).
Algumas unidades niio constam de Morais e Vieira, porque surgiram
posteriormente em decorrencia de fatos sociais novos, inventos, objetos; e 0 caso de:
datilografar, discar, filmar, fotografar, inflacionar, lanchar, programar, telefonar.
Os dicionanos de Nascentes e Aurelio niio registram os sintagmas verbais do
tipo: fazer a barba, fazer as malas, pedir emprestado, etc, que constam do portugues
Fundamental; apenas Morais registra fazer a barba.
Acreditamos que por falha na organiza~iio do Nascentes, deixou-se de registrar
os verbos cheirar e gozar que estiio dicionarizados em Morais, Vieira e Aurelio.
Nascentes tern registrado os derivados de cheirar: cheirador, cheirante, cheira-cheira; e
mais: cheireta, cheiretar e cheirete, alem do substantivo cheiro.
Aurelio deixou de registrar 6 unidades, sintagmas verbais do tipo: fazer as
malas, fazer a barba, fazer falta, pedir emprestado, tomar banho e aspirar no sentido
pedido.
A unica unidade lexical nao registrada nos 4 diciomlrios e aspirar (com
aspirador de po). A unidade esta registrada com outro significado, niio 0 constante do
portugues Fundamental.
2. A permanencia de significado das unidades lexicais verbo e, em todos os
dicionanos, bastante representativa; dos 533 estudados, 169 (31,70%) permanecem com
o mesmo significado nos 4 dicionanos.
A porcentagem entre 0 verbo e 0 adjetivo, neste caso, e bastante pr6xima,
(38,40%) para 0 adjetivo, mostrando que as duas classes tern maior permanencia de
significado do que 0 substantivo com 19,71 %.
Para citar apenas alguns verbos que se incluem neste caso: acabar, assar, bastar,
comprar, constituir, desistir, enviar, evitar, gritar, habituar-se, parecer, supor, teimar,
trair, utilizar, visitar, zangar-se, etc.
3. 0 passo seguinte de nossa investiga~ao foi verificar se as unidades verbo
passam da lingua geral para a especial de acordo com as necessidades dos grupos
sociais. Esta etapa vem confirmar a afirma~iio de Meillet de que a lingua geral fornece
aos grupos sociais as unidades de que necessitam para as suas areas especfficas de
conhecimento, surgindo, assim, urn mecanismo de emprestimo interno na lingua.
Do levantamento feito, chegamos a 143 verbos (25.89%) que tern urn ou mais
significados especializados em alguma area de conhecimento.
o interessante e observar 0 numero variado de areas que aparecem em
Nascentes e Aurelio, especialmente neste ultimo, em compara~iio com Morais e Vieira,
demonstrando 0 progresso cientffico sendo testemunhado pelo lexico da lingua. E em
Aurelio que encontramos as areas de conhecimento como: Industria Manufatureira,
Eletr6nica, Teatro, Cinema, Fotografia, Processamento de Dados, Futebol, Espiritismo,
Telecomunica~oes, Teoria Informatica, Tenis, Basquete, que indicam os significados
nas linguas de especialidades.
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4. Dentro ainda do processo de especializa~iio do significado, analisamos
comparativamente os diciomlrios do seculo XIX - Morais e Vieira- com os do seculo
XX -Nascentes e Aurelio-, com 0 objetivo de verificar se uma unidOOe lexical tendo urn
significado especializado numa area de conhecimento no seculo passado, permaneceu
com 0 mesmo significado e pertencente a mesma area de conhecimento. Obtivemos 16
unidades (3,0%) que se encontram nesta situa~iio:
Verbo
acompanhar
atravessar
construir
carregar
compensar
constituir
desenhar
desenvolver
Area de conhecimento
Musica
Nautica
Gramatica
Nautica
Jurfdico
Direito
Musica
Arquitetura
Verbo
distribuir
expulsar
impor
indicar
montar
modificar
resolver
surgir
Area de conhecimento
Imprensa
Medicina
Imprensa
Medicina
Nautica
Gramatica
Medicina
Nautica
5. Esta etapa do trabalho consistiu em verificar se os verbos que apresentam urn
significado especializado em Morais e Vieira permaneceram com 0 mesmo significado e
na mesma area de conhecimento nos dicionlirios do seculo XX.
Ao contrlirio do que ocorreu com os substantivos, niio encontramos nenhum
verbo que estivesse nesta situa~iio. Apenas pudemos registrar 0 verbo expulsar em
Morais,Vieira e Aurelio, com significado especializOOo na Medicina; e 0 verbo indicar
em Morais, Vieira e Nascentes, tamb6m na mesma area da Medicina. Expulsar, em
Morais e Vieira significa "expelir, evacuar". E em Aurelio:" fazer expelir ou evacuar".
Ja indicar, em Morais e Vieira significa "dar sinal, indfcio"; e em Nascentes: "mostrar a
conveni8ncia (de urn tratamento)".
6. Consultando 0 dicionlirio de Aurelio em compara~iio com os outros,
registramos que algumas unidades, num total de 12 (2.25%) t8m na 18 defini~iio urn
significado especializado. Estes verbos, embora tenham urn significado restrito, para 0
falante do portugu8s, elas pertencem, hoje, a lfngua comum, confirmando 0 que diz
Meillet que 0 movimento de unidades da lfngua especial para a geral e muito menor que
o movimento contrlirio. Em nenhuma dessas unidades podemos ver, atualmente, 0
significado especializOOo que tinham em outras epocas. Siio os seguintes verbos:
agiientar (Vieira- Nautica); arranjar (Morais- Tanoaria); atacar (Vieira- Artilharia);
compensar (Vieira- Jurisprud8ncia); desinfetar (Vieira- Didatica); importar-se (VieiraComercio); impressionar (Vieira-Didlitica); integrar (Morais- Jurisprud8ncia); modificar
(Vieira- Didatica); resolver (Morais- Qufmica); surgir (Vieira- Nautica).
7. Dos 533 verbos analisados, 39 (7,31 %) niio t8m mais 0 mesmo significado
ou tiveram alguns de seus significados que cairam em desuso. Na maioria dos casos, urn
significado caiu em desuso. Eles se encontram nos dicionlirios e a qualquer momento
podem voltar ao uso, dependendo da criatividade do falante.
Niio podemos dizer que desapareceram. Muitas vezes ao 1000 do significado
desusOOo, se encontra 0 atual.
Selecionamos, abaixo, alguns verbos cujo significado caiu em desuso:
Diciomirl
acordar
arrumar
conversar
embrulhar
fumar
poluir
o
Morais
Morais
Morais
Vieira
Nascentes
Morais
Vieira
Nascentes
Morais
Vieira
Aurelio
Morais
Nascentes
Aurelio
Defini~io
Resolver-se.
Assinar na Carta os rumos da terra.
Tratar desonestamente. Ajuntar-se em casamento.
Oesordenar-se 0 tempo, obscurecer, tornar-se enevoado.
Oar banho dourado.
Manchar, sujar.
Profanar, manchar com polu~ao.
Profanar, macular, manchar.
Aportar, lan~ar ferro no porto.
Aportar, lan~ar ferro no porto, ancorar, vir do fundo do
mergulho, lan~ar duas amarras e dar fundo com elas.
(Nautica) Aparecer ou chegar por via marCtima, ancorar,
aportar, lan~ar ferro no porto.
Chegar por via maritima; aportar, ancorar (I· acep~ao).
Acostumar a aye de ca~ar com 0 cevo de sua rale para a
acostumar a empolgar nela pelo gosto do costume.
Acostumar as aves de ca~a com 0 cevo de sua rale para as
habituar a empolgar nelas pelo gosto do costume.
Oar treino (as aves).
Oar cevo a (aves) O· acep~ao).
Oos exemplos acima, e importante ressaltar que os verbos surgir e treinar tern 0
mesmo significado nos 4 dicionarios, significados que ja cairam em desuso no portugues
contemporfuteo e que estao em Aurelio como I· defini~ao.
8. A mudan~a de significado de uma unidade pode ocorrer por ter havido
mudan~a do objeto na realidade extra-lingiiistica, ou seja, do referente. Este tipo de
mudan~a ocorreu com muita freqiiencia com os substantivos. Entretanto, com relayao
aos verbos estudados, salientamos dois verbos que se encontram em tal caso: almocar e
jantar.
Comparando Morais e Vieira com Nascentes e Aurelio, observamos que os
quatro mantem 0 tra~o semfuttico "tomar refei~ao". Morais e Vieira definem almocar
como "tomar a I· refeiyao do dia ao se levantar; quebrar 0 jejum"Ja Nascentes e
Aurelio registram "tomar a 1· refei~iio do dia, feita no principio da tarde". 0 mesmo
ocorre com 0 verbo jantar; em Morais e Vieira encontramos "comer a principal comida
do dia depois do almo~o ou antes da merenda ou ceia". Em Nascentes e Aurelio: "tomar
o jantar". E este e definido como "uma das refei~oes do dia na parte da noite".
Como podemos observar a altera~iio ocorre no periodo em que a refeiyao se da
e nao propriamente no significado da unidade lexical.
Concluimos afirmando que, das 3 classes gramaticais estudadas, sao os verbos,
ao lado dos adjetivos os que sofrem menos altera~o semlintica em compara~iio com os
substantivos. Em 68,30% dos verbos e em 61,60% dos adjetivos encontramos altera~oes
semfutticas, em compara~ao ,com os 80,49% dos substantivos.
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RESUMO: Esta comunica~iio apresenta as mudan~as semdnticas que ocorreram com
os verbos do Vocabuldrio
do Portugues
Fundamental,
num per(odo
de
aproximadamente 150 anos, consultando 4 diciondrios da lfngua portuguesa: Morais
(1.813), Vieira (1.871/1.874). Nascentes (1.961/11.967) e Aurelio (AEWIN- 1.995).
MEILLET, A.(l.948) Linguistique Historique et Linguistique Generale. Paris: Librairie
Ancienne Honore Champion.
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