REUMATISMOS DE PARTES MOLES João Adalberto Marasca João Carlos Tavares Brenol Os reumatismos de partes moles ou periartrites são doenças reumáticas que acometem estruturas de movimento adjacentes às articulações; freqüentemente alterando sua função. Este grupo de doenças têm uma elevada prevalência, sendo responsável por até 40% dos atendimentos ambulatoriais em serviços especializados em reumatologia. Atingem predominantemente adultos de ambos os sexos. A maioria dos casos é decorrente de processos traumáticos e não têm expressão sistêmica. Entretanto, podem estar associados a outras doenças reumáticas, como a artrite reumatóide, o lúpus eritematoso sistêmico, a artrite gotosa e as espondiloartropatias soronegativas. Os reumatismos de partes moles podem ser classificados, de acordo com o acometimento topográfico, em localizados e regionais (bursites, tendinites, cistos sinoviais, contratura de Dupuytren, metatarsalgias, síndrome de Tietze, distrofia simpático-reflexa, síndrome miofascial) e generalizados (fibromialgia e reumatismo psicogênico). 1 - Síndromes Localizadas e Regionais Bursites As bursas são dispositivos anatômicos encontrados próximos às estruturas de movimento, que visam facilitar a ação dos músculos e tendões, e contém pequena quantidade de líquido sinovial (fig.1). As bursites são decorrentes de um processo inflamatório das bursas, em geral relacionados com traumatismos, esforços repetitivos ou como manifestação de doença sistêmica (artrite reumatóide, espondiloartropatias soronegativas, artropatias microcristalinas). A bursite infecciosa usualmente é decorrente da disseminação por via hematogênica, embora também possa ser secundária à infiltrações, punções e celulites. Os achados clínicos para o diagnóstico das bursites incluem dor localizada e de intensidade variável, algumas vezes muito severa, como em certos casos de ombro doloroso agudo. Pode-se expressar, também, apenas como uma sensação de peso na área acometida. Geralmente o paciente relata dor de início súbito que piora com os movimentos e ocorre após um evento traumático ou movimento repetitivo e fora do usual daquela estrutura articular. O aumento de volume pode ser evidente nas bursites olecranianas e prépatelar (fig. 1), enquanto incomum nas demais. Quando o quadro é acompanhado de rubor, é necessário considerar a possibilidade de infecção ou inflamação por microcristal. A aspiração do líquido da bursa proporciona alívio sintomático. O material coletado deve ser enviado para análise laboratorial. Uma bursa normal apresenta líquido hialino semelhante ao líquido sinovial. Após o trauma, o líquido pode ser sanguinolento ou xantocromático. Na infecção, o líquido tornase turvo e amarelado, podendo assumir características purulentas. Este procedimento pode ser realizado por médico não especializado, desde que sejam respeitadas as normas de assepsia. Deve-se evitar a punção em áreas próximas a infecções cutâneas como celulites ou erisipela. O tratamento requer repouso da estrutura acometida durante a agudização e identificação dos fatores desencadeantes. Na fase aguda, está contra-indicado o uso de calor local ou profundo, dando-se preferência para a crioterapia nos casos de dor intensa. Está indicado o uso de antiinflamatórios não-hormonais, bem como sua associação com outros analgésicos. A regressão dos sintomas é comum entre 2 a 7 dias após o início do tratamento; entretanto, a droga deve ser mantida por mais uma ou duas semanas até a resolução completa dos sintomas. Os glicocorticóides de depósito intramuscular podem ser utilizados nos casos com manifestações clínicas mais intensas. Quando houver suspeita de bursite séptica, o uso de glicocorticóide está contra-indicado. Nestes casos, após coleta de material (hemocultura e cultura do liquido aspirado), deve-se iniciar antibioticoterapia visando, principalmente, cobertura para o Staphylococcus aureus, que é o agente mais comumente isolado. Superada a fase de agudização, pode ser necessária a instituição de um programa de fisioterapia, visando a recuperação funcional das estruturas acometidas e a profilaxia de novos episódios. Tendinites (tenossinovites) e entesites Os tendões são fibras colágenas que possuem a função de orientar e transmitir a força muscular (fig. 1). O processo inflamatório que compromete essas estruturas é chamado de tendinite. Em alguns locais, os tendões são envolvidos por bainhas sinovias que podem ser atingidas pela inflamação, caracterizando a tenossinovite. Os fatores desencadeantes mais freqüentes são os traumatismos, podendo estar associadas as infecções ou doenças inflamatórias sistêmicas como a artrite reumatóide, as espondiloartropatias soronegativas, as artropatias microcristalinas e às infecções. O processo pode ser decorrente do uso repetido do tendão sem condicionamento físico adequado, produzindo microtraumas que levam à ruptura das fibras. O processo de reparação com infiltrado inflamatório determina os sinais e sintomas locais e, em sua fase mais tardia, favorece a deposição de cálcio, originando as tendinites calcificadas que são visualizadas nas radiografias. Quando a lesão compromete o segmento do tendão que se insere na estrutura óssea, denominada êntese (fig. 1), a inflamação é chamada de entesite. Os achados clínicos de dor localizada e limitação, bem como o manejo terapêutico, são semelhantes aos descritos para as bursites. Convém salientar que nunca se deve fazer infiltrações diretamente no tendão pelo risco de ruptura do mesmo. A possibilidade de doença sistêmica deve ser considerada quando houver episódios recorrentes na ausência de uma história de trauma ou uso inadequado da articulação. Tendão do quadríceps Patela Bursa pré-patelar (subcutânea) Cartilagem articular Cavidade articular Ligamento patelar Fêmur Bursa sob músculo gastrocnêmio Cartilagem articular Menisco Gordura infrapatelar Membrana sinovial Bursa infrapatelar subcutânea Bursa infrapatelar profunda Êntese (inserção do tendão infrapatelar na tuberosidade tibial) Tíbia Figura 1 - Estruturas anatômicas envolvidas numa articulação (joelho como exemplo). Cistos sinoviais Os cistos sinoviais são formações císticas periarticulares. O cisto aparentemente desenvolve-se após traumas ou extensão prolongada das articulações. O tratamento, quando indicado, consiste na aspiração e infiltração com glicocorticóide. Os casos recidivantes podem necessitar de correção cirúrgica. O cisto sinovial no dorso do punho é freqüente e apresenta conteúdo gelatinoso. Os cistos poplíteos ou de Baker são comuns e o clínico deve estar atento para a possibilidade de dissecção ou ruptura, o que pode ocasionar uma síndrome de pseudotromboflebite. Os cistos são mais comuns em pacientes com artrite reumatóide, osteoartrose ou instabilidade articular. A ecografia pode ser útil no diagnóstico. Neuropatias de compressão A compressão de estruturas neurológicas dentro do canal espinhal ou ao longo do nervo periférico determina dor, parestesia, limitação funcional e diminuição da força. As neuropatias de compressão mais comuns são a síndrome do túnel do carpo e a síndrome do túnel do tarso. Os sintomas se intensificam com o repouso, geralmente durante a noite, melhorando com os movimentos. Podem ser evidenciados com manobras que provoquem aumento da pressão nos retináculos flexores do carpo e tarso. A causa mais comum é ocupacional, podendo ser secundária à gestação ou a doenças sistêmicas como a artrite reumatóide, amiloidose e mixedema. O estudo eletromiográfico confirma o diagnóstico. Contratura de Dupuytren A contratura de Dupuytren é determinada pela fibrose palmar. Na maioria das vezes é indolor. Embora de etiologia desconhecida, parece existir uma predisposição hereditária. São descritas associações com outras condições, como o diabetes mellitus e o alcoolismo. O uso de drogas anticonvulsivantes também está implicado. Os antiinflamatórios orais não são eficazes no manejo da contratura. O paciente deve ser encaminhado para avaliação de um reumatologista. Metatarsalgias A metatarsalgia é caracterizada por dor e/ou edema nas superfícies plantares das articulações metatarsofalangeanas. Os sintomas são decorrentes de uma variedade de situações clínicas e podem ocorrer isoladamente ou em associação com doenças sistêmicas. O trauma, a osteocondrite da segunda articulação metatarsofalangeana e a presença de ossos sesamóides são as causas mais comuns. A metatarsalgia de Morton, caracterizada pela compressão do nervo plantar, próximo a epífise distal dos 3º e 4º metatarsianos, provoca dor local e dificuldade à deambulação. O tratamento envolve repouso, infiltração com glicocorticóide, manutenção com antiinflamatórios não-hormonais e, algumas vezes, descompressão cirúrgica. Síndrome de Tietze É o acometimento inflamatório das articulações esterno-costais, geralmente unilateral, atingindo da 2ª até a 5ª costela. Pode haver aumento de volume. A dor piora com a digitopressão. No tratamento, são utilizados calor úmido local e antiinflamatórios não-hormonais. O diagnóstico diferencial com doenças intratorácicas é facilitado pela reprodução dos sintomas com a compressão das estruturas acometidas. Distrofia simpático-reflexa ou síndrome ombro-mão É caracterizada por dor no ombro, dor e edema difuso da extremidade do membro comprometido, associadas a distúrbios vasomotores. Cronicamente observa-se atrofia de pele e anexos. A síndrome pode estar relacionada a múltiplos fatores, como traumatismos, cirurgias, acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio e outras condições intratorácicas. Acomete, preferencialmente, pacientes idosos. O sucesso do tratamento está associado ao diagnóstico precoce, com a imediata instituição de programa de exercícios, uso de analgésicos e antiinflamatórios. Em alguns casos, é necessário um período de glicocorticóide por via oral em doses equivalentes a 20-40 mg/dia em prednisona. O paciente deve ser encaminhado ao reumatologista para acompanhamento. 2 - Síndromes generalizadas Fibromialgia A fibromialgia é caracterizada por manifestações clínicas gerais, como fadiga, distúrbios do sono, rigidez e dolorimento difuso, com vários pontos dolorosos fixos reprodutíveis. Acomete pacientes ansiosos, geralmente de personalidade perfeccionista. Os estudos histológicos das estruturas comprometidas e os exames de laboratório são normais. O tratamento inclui o equacionamento dos transtornos emocionais, esclarecimento do paciente sobre as características da doença, exercícios aeróbicos, uso de analgésicos e antidepressivos tricíclicos. Na suspeita diagnóstica, deve-se encaminhar ao reumatologista. Reumatismo psicogênico É caracterizado por queixas musculoesqueléticas variadas, não específicas, com evidente exagero dos sintomas desproporcional aos achados clínicos objetivos. Ocorre principalmente em paciente com distúrbios psiquiátricos (histeria, depressão, esquizofrenia, neurose). Durante o exame, é possível se verificar o "desaparecimento" dos sintomas em áreas examinadas anteriormente; ou ainda, a queixa de dor durante manobras sabidamente indolores. Nesses casos, deve-se investigar a possibilidade de ganhos secundários.