a percepção da contribuição da psicologia na educação para

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A PERCEPÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NA
EDUCAÇÃO PARA GESTORES E PROFESSORES DE ESCOLAS DA
REGIÃO DO VALE DO ITAJAÍ – SC
Léia Viviane Fontoura1 - UNIVALI
Bruna Dell Olivo 2 - UNIVALI
Fabiana Lenz3 - UNIVALI
Katia Baltore Floriani4 - UNIVALI
Kellen Regina Pires da Silva5 - UNIVALI
Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A Educação e a Psicologia são, antes de tudo, inerentes em muitos contextos. Ao pensar nas
suas contribuições no âmbito escolar, a Educação vem como alicerce entre professor e aluno,
conhecimento e desenvolvimento do ser humano, da sociedade e da cultura. A Psicologia,
ainda recente neste campo, busca desempenhar um trabalho que possibilite contribuir com as
práticas educacionais, potencializando o desenvolvimento e a promoção de saúde da
comunidade escolar, intervindo para a superação de conflitos e dificuldades relacionais. Deste
modo, o presente trabalho busca analisar a percepção da contribuição da Psicologia na
Educação para gestores e professores de escolas públicas e privadas da região do Vale do
Itajaí - Santa Catarina. Foram realizadas entrevistas em 08 escolas de municípios distintos,
participando destas 06 professores e 08 gestores, totalizando 14 entrevistas. Foi solicitado que
os profissionais da educação respondessem o que a Psicologia poderia contribuir em uma
instituição de ensino e em suas práticas profissionais. As entrevistas foram transcritas e
analisadas mediante a técnica de Análise de Conteúdo, sob o enfoque teórico da Psicologia
histórico-cultural. Como resultados, constatou-se que a maior parte dos gestores e professores
não tem uma definição clara do papel da Psicologia na Educação. Contudo, a maioria pensa
ser necessário o trabalho do psicólogo educacional no âmbito escolar para a resolução de
conflitos e dificuldades nas relações interpessoais. A prática profissional do psicólogo
educacional está diretamente relacionada a uma proposta de interação social, potencializado
ações para a promoção de saúde, na gestão da escola, nos processos de ensino-aprendizagem e
1
Mestre em Educação: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Psicóloga. Professora titular da
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: [email protected]
2
Graduanda de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: [email protected]
3
Graduanda de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: [email protected]
4
Graduanda de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: [email protected]
5
Graduanda de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). E-mail: [email protected]
ISSN 2176-1396
3423
desenvolvimento, nos processos de grupo, nas relações que se estabelecem entre alunos,
professores, famílias e comunidade.
Palavras-chave: Educação. Psicologia. Psicologia Educacional.
Introdução
A educação está presente em todos os espaços. Ela é um processo histórico, e ao
mesmo tempo constituinte e constituído pelas pessoas. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996, no seu Art. 1º cita que: “A
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 2013, p.
09).
A educação é uma forma de pensar a sociedade e os cidadãos que ela deseja,
repassando valores e princípios que fundamentem os modos de pensar e agir, centrada na
ideia de direito, formadora de sujeitos protagonistas da emancipação humana. Os educadores
são grandes mediadores desse processo, utilizando-se de ferramentas e didática para ensinar,
socializando os saberes escolares. Em sua prática profissional possibilitam reflexões com os
estudantes, promovendo a consciência crítica necessária e importante para visualizarem suas
realidades. Por isso a reflexão crítica impõe-se como necessidade para quem tem a educação
como espaço de atuação profissional.
O conceito de crítica pode ser entendido como instrumento no processo de
transformação social, já que além de desvelar a realidade, permite apontar as possibilidades de
transcendência. Uma teoria é crítica “à medida que transforma o imediato em mediato; nega
as aparências ideológicas; apreende a totalidade do concreto em suas múltiplas determinações
e compreende a sociedade como um movimento de vir-a-ser” (MEIRA, 2003, p. 17). Implica
ainda na apreensão do movimento histórico em que “o conhecimento é necessariamente
produzido, ainda que não intencionalmente, a partir de uma perspectiva de classe social e das
relações sociais de produção a que corresponde” (MEIRA, 2000, p. 41).
A Educação e a Psicologia são, antes de tudo, inerentes em muitos contextos. Ao
pensar nas suas contribuições no âmbito escolar, a Educação vem como alicerce entre
professor e aluno, conhecimento e desenvolvimento do ser humano, da sociedade e da cultura.
A Psicologia busca desempenhar um trabalho que possibilite contribuir com as práticas
3424
educacionais, potencializando o desenvolvimento e a promoção de saúde da comunidade
escolar.
O presente trabalho é decorrente de uma atividade de pesquisa desenvolvida na
disciplina de Psicologia Educacional, do curso de Psicologia da Univali. Tem como objetivo
principal analisar a percepção da contribuição da Psicologia na Educação para gestores e
professores de escolas públicas e privadas da região do Vale do Itajaí - Santa Catarina.
Acredita-se que a aproximação dos estudantes com os profissionais da educação e suas
compreensões das possibilidades de fazeres do psicólogo favoreça o aprendizado e a
implicação do mesmo para com esta área de trabalho.
A Psicologia pode contribuir para o processo escolar com o trabalho do psicólogo
orientado para a pesquisa e intervenção, que promova a transformação das relações sociais
sobre o mundo cotidiano, ampliando a Zona de Desenvolvimento Proximal dos atores
envolvidos para uma ação crítica sobre a realidade (VYGOTSKY, 2010).
O termo Psicologia Educacional e Psicologia Escolar foi diferenciado na literatura
especializada, ainda que de forma assistemática e informal. O primeiro foi entendido como
um conjunto de saberes relativos ao fenômeno psicológico constituinte do processo educativo,
que pretende explicar e subsidiar a prática pedagógica. O segundo como campo de trabalho de
profissionais da psicologia que atuariam no âmbito da escola, tendo por objeto o processo de
escolarização e as relações que aí se estabelecem (ANTUNES, 2008). Entende-se que não é
possível separar a pesquisa e o conhecimento decorrente dela do fazer profissional. O
psicólogo que se ocupa dos processos educativos não atua somente na instituição escolar, mas
com o saber da Psicologia na interface com a Educação. Assim, adota-se o termo psicólogo
educacional por considera-lo mais amplo e evitar confundir com o lugar escola. Entretanto,
muitos dos autores citados trabalham com o termo psicólogo escolar, não incorrendo em
contradição, pois são utilizados com referencial crítico e contextualizados.
A prática profissional do psicólogo educacional está diretamente relacionada a uma
proposta de interação social, potencializando ações para a promoção de saúde, na gestão da
escola, nos processos de ensino-aprendizagem e desenvolvimento, nos processos de grupo,
nas relações que se estabelecem entre alunos, professores, famílias e comunidade.
Para Martinez (2010) o ambiente escolar não é apenas o lugar onde uns ensinam e
outros aprendem, mas também um espaço social no qual as pessoas convivem e atuam, o que
implica reconhecer a importância da sua dimensão psicossocial.
3425
Paulo Freire alerta os aspectos da relação “educadores – educando”, em que refere a
existência de relações centradas unicamente na função do educador em que os conteúdos são
apresentados como “retalhos da realidade, desconectados da totalidade em que se engendram
e em cuja visão ganhariam significação” (1997, p. 57). Para ele, uma prática pedagógica
desvinculada da reflexão não tenderá à libertação e a transformação da pessoa. Assim,
compreender a educação enquanto transformação social pressupõe ver a pessoa não como um
simples reservatório, ou depósito de conteúdos, mas um sujeito construtor da própria história,
capaz de problematizar suas relações no mundo, reconhecendo as próprias condições sociais,
culturais, e econômicas, assim como de suas famílias e de seu entorno. O psicólogo
educacional tem possibilidade de contribuir nesse contexto ao compreender e trabalhar com
os sujeitos como protagonistas de suas histórias.
Desenvolvimento
Para a realização da pesquisa foram contatados os gestores das escolas a fim de
explicar o objetivo e solicitar autorização, mediante a apresentação de uma carta, contendo o
termo livre esclarecido para esta finalidade. As instituições foram escolhidas pelos estudantes
de Psicologia, decorrente dos motivos da proximidade geográfica com suas residências, ou
pelo conhecimento de algum educador da escola, que facilitou o contato com a mesma.
Foram entrevistados gestores e professores de escolas públicas e privadas de Educação
Básica da região do Vale do Itajaí – SC. A escolas participantes atendem desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio. Participaram das entrevistas 14 educadores, sendo 08 gestores e
06 professores, em 08 escolas - 03 escolas da rede pública e 05 da rede privada.
O objetivo da pesquisa é analisar a percepção dos educadores em relação à
contribuição da Psicologia na Educação para a sua prática profissional. A metodologia
utilizada foi de enfoque qualitativo, utilizando-se de entrevista semiestruturada, discutindo as
seguintes questões: “O que a psicologia pode realizar dentro da Instituição de Ensino?” e “O
que a psicologia pode contribuir na sua prática profissional?”. Após contato inicial com as
instituições e apresentação do projeto, foram agendados horários para cada entrevista.
Como instrumento a entrevista semi-estruturada tem a capacidade de auxiliar na
pesquisa científica, permitindo que ambos os integrantes da relação tenham momentos de
autonomia, o que representa um ganho no levantamento dos dados (TURATO, 2003).
3426
Foram solicitadas duas entrevistas por escola, sendo uma delas com o gestor e a outra
com um professor. Em duas instituições, apenas o gestor foi entrevistado, pois estes também
desempenhavam a atividade de professor na instituição. As entrevistas ocorreram nas próprias
escolas.
Após as entrevistas serem descritas, as respostas foram submetidas à análise de
conteúdo proposta por Moraes (1999). Este procedimento se constitui em uma ferramenta que
auxilia a interpretar as mensagens e possibilita a compreensão dos seus significados. Na
análise dos resultados foram utilizados referenciais de enfoque teórico da abordagem
histórico-cultural.
As falas serão apresentadas na Análise e Discussão de Resultados, sendo os
participantes identificados por siglas – E1, por exemplo – com o objetivo de preservar as
identidades dos participantes da pesquisa.
Análise e discussão dos resultados
A Psicologia Escolar pode ser definida como “um campo de atuação do psicólogo [...]
caracterizado pela utilização da Psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir
para otimizar o processo educativo, entendido este como complexo processo de transmissão
cultural e de espaço de desenvolvimento da subjetividade” (MARTINEZ, 2009, p. 107).
Ao questionar o papel da psicologia no ambiente escolar, constata-se que para gestores
e professores, o psicólogo e sua função dentro da escola ainda não são claras. A escola é um
espaço onde é necessário e importante vivenciar em grupo e apreender conhecimentos. Bock
e Aguiar (2003) afirmam que a escola é lugar de ocupação para a produção de saberes sobre a
realidade. É lugar de aproximação com a realidade e da crítica desta realidade, e que o intuito
maior é trabalhar na educação para o fortalecimento do indivíduo no sentido de sua
intervenção transformadora no mundo. Frente a isso, o olhar do psicólogo não poderá jamais
ser um olhar ingênuo, neutro, despojado de uma concepção teórica e metodológica, e deve
possibilitar uma explicação que saia da aparência, que penetre na realidade, que apreenda seu
processo de constituição, sua historicidade, suas contradições e suas determinações (BOCK e
AGUIAR, 2003).
Maria Helena de Souza Patto é uma autora de referência na Psicologia crítica
brasileira, especialmente na psicologia escolar. No clássico livro da autora, intitulado
Psicologia e Ideologia, esclarece que a primeira atribuição desempenhada pelos psicólogos da
3427
França, Inglaterra, Estados Unidos e até mesmo no Brasil em relação ao espaço escolar, foi
medir habilidades e classificar crianças quanto a sua capacidade de aprender e progredir nos
graus escolares. A Psicologia foi muito solicitada para atender a demanda da sociedade liberal
tecnocrata dos anos de 1960, na busca do ajustamento dos sujeitos para a produtividade, por
meio das avaliações psicométricas, diagnósticos e tratamentos psicoterápicos na escola. O
psicólogo assumiu papel de ditador dos parâmetros da normalidade, valendo-se dos critérios
da eficiência que vigoram na produção industrial para a produção escolar. As ações de
descrição, previsão e controle do comportamento estavam na pauta de suas tarefas nas
escolas. Não havia indagação crítica dos psicólogos sobre: a relação entre a escola e a
sociedade, a função política dos conteúdos escolares, a metodologia e funcionamento do
sistema escolar (PATTO, 1984).
Esta realidade ainda é demanda e percebida nos dias de hoje, como pode ser
constatado na fala da gestora E6, que diz “a psicologia resolve os problemas mais imediatos,
mais urgentes, fazendo uso de pareceres técnicos”. E13 refere que o psicólogo poderia
auxiliar no cadastro de alunos, mapeamento de perfil de cada aluno (tipos e características),
diagnosticar dislexias, dificuldade de aprendizagem e hiperatividade. E11 afirma que “tem
coisas que a escola não consegue responder, então a gente encaminha, [...] quando é questão
mais comportamental e de estrutura familiar a gente encaminha para o psicólogo”. E12 refere
que gostaria do auxilio de “como lidar com os pais ausentes”. Verifica-se que os gestores não
estão atualizados às atribuições atuais do psicólogo educacional, que segundo Martinez (2009,
p. 172) engloba a “avaliação, análise e intervenção em nível institucional, especialmente no
que diz respeito à subjetividade social da escola, [...] otimizando o processo educativo”.
Constata-se pela fala dos gestores que é delegada as famílias e as crianças a responsabilidade
pelas dificuldades escolares, isentando a escola e contando com o psicólogo para a resolução
de tais problemas, tal como o prometeu realizar no passado, e não é possível fazê-lo. Segundo
Crochik e Crochick (2011, p. 188):
O diagnóstico pode servir como um alívio para a escola, pois é considerada uma
comprovação que a dificuldade de tal aluno está apenas relacionada com a sua
dinâmica psíquica, tirando a responsabilidade da escola em tomar alguma atitude
que possa ajudar o aluno a superar essa dificuldade. Assim, a escola não precisa
repensar suas práticas e objetivos para compreender e, possivelmente, melhorar essa
situação; não consegue supor, por exemplo, que a desatenção e a hiperatividade
podem ser sinais do lugar de exclusão que o aluno assumiu dentro da sala de aula.
3428
E1 acredita que um psicólogo dentro da instituição poderia “orientar os professores e
os pais para encontrar uma justificativa da dificuldade do aluno.” A gestora E6 cita que os
problemas mais comuns são em relação às crianças que tem dificuldades de aprender e são
encaminhadas à psicóloga. Relata que já teve uma psicóloga na instituição de ensino por um
curto período de tempo, mas que a profissional apenas fazia levantamento de demanda, não
atuando diretamente com a comunidade escolar. Segundo ela, a atuação foi pouco efetiva,
pois o profissional não se mostrou comprometido com o trabalho, e também devido à
disponibilidade de apenas duas horas semanais de trabalho da psicóloga. Acredita-se que
apesar do pouco tempo, cabe ao psicólogo “em geral, e ao psicólogo escolar, em particular, o
desafio do desenvolvimento em rumos alternativos” (PATTO, 2004, p. 112), lutando para que
novas formas de atuação sejam realizadas em escolas, valorizando o aluno, o contexto e as
pessoas envolvidas no processo de ensino aprendizagem. Para Martinez (2009, p. 169) “o
compromisso dos psicólogos é com a transformação dos processos educativos, com a
efetivação das mudanças necessárias que demanda a melhoria da qualidade da educação no
país”.
O gestor E1 aponta que “a escola possui uma psicóloga que atua apenas no ensino
infantil [...], auxiliando na compreensão e diagnóstico de alguns comportamentos e analisando
possibilidade do aluno e de atuação”. E1 ainda coloca que a Psicologia pode contribuir com a
instituição escolar devido a sua “compreensão do ser humano como tal, pode ajudar a
interpretar cada pessoa em seu potencial, suas dificuldades e suas angústias”. O gestor E13
traz que “na instituição não há psicólogo atuando”. No entanto, é aventada a possibilidade de
contratação de psicólogo educacional para envolver-se em atividades de interação com pais e
alunos. A falta do psicólogo educacional também é vista nos casos dos gestores E3 e E11,
afirmando que um profissional neste espaço contribuiria com o trabalho de todos. Quanto à
presença e participação direta e efetiva do psicólogo no contexto escolar, Martinez considera
central que:
quando defendo o compromisso dos psicólogos com as mudanças que a educação
brasileira demanda como sendo seu compromisso essencial e sua participação
consciente, ativa e compromissada na promoção e efetivação de transformações nos
lugares onde exerce sua atuação científico-profissional e no marco da abrangência
desta. Também incluo sua participação consciente, ativa e criativa nas formas em
que se organizam ou poder-se-iam organizar, para potenciar sua ação (MARTINEZ,
2009, p. 169-170).
3429
O gestor E3 relata que a instituição contava com um psicólogo, mas este foi
dispensado por não ser considerado um investimento para alguns dirigentes da escola. Esta
situação indica tanto a desvalorização do trabalho do psicólogo perante a instituição de ensino
quanto seu exercício no campo escolar. Sua atuação e desempenho profissional são, muitas
vezes, menosprezados por instituições que não adotam um papel social critico e emancipador,
como também, vista de forma ineficaz devido à própria formação que segundo Gomes, a
Psicologia Escolar também precisa acompanhar a realidade atual: “Considerando que a sala
de aula reflete a sociedade, é urgente que a Psicologia Escolar transforme cada vez mais o
foco de interesse” (2002, p.50), para isto será necessário preparar “profissionais capazes de
enfrentar o desafio de promover Educação e Saúde no ambiente escolar” (GOMES, 2002, p.
71).
O gestor E13 prevê a contratação de um profissional psicólogo, que irá atuar em
algumas funções descritas e criticadas por Patto (1984, 2004), como o diagnóstico e
tratamento, trabalhos de grupos, além de incluir a família nesta relação e orientação aos
professores. Com exceção dos trabalhos de grupos, as demais ações indicadas pelo gestor
eram realizadas pelo psicólogo no período das décadas de 1960 a 1980. Essas atividades estão
focadas nos indivíduos, no ajustamento e adaptação de saúde mental. Portanto, as formas
tradicionais de atuação do psicólogo escolar elencadas por Martinez (2009) que encontramos
na fala do entrevistado são: avaliação, diagnóstico, atendimento e encaminhamentos de alunos
com dificuldades escolares, orientação a alunos e pais, e formação e orientação de
professores. O psicólogo atendia a demanda aparente da escola, sem considerar os processos
escolares, que era sua real necessidade. A tônica do fracasso escolar era de responsabilidade
da criança, ou de suas famílias. Isto é, buscavam “explicações e justificativas no mundo
interno da criança, nos problemas familiares, na carência cultural” (SOUZA, 2010, p. 73).
Para efetivamente avançar se faz “necessário questionar processos, práticas, ideologias e
questões políticas presentes no contexto educacional e social” a fim de que referendem e
contribuam para o rompimento com o “[...] fracasso escolar em certos grupos
socioeconômicos e culturais” (DIAS; PATIAS; ABAID, 2014, p.106).
Constata-se que para estes profissionais da educação o psicólogo, de forma alguma,
aparece como agente de transformação ou mudança no ambiente escolar. Dias; Patias e Abaid
(2014, p.105) explicam que o psicólogo:
3430
na prática, além de muitos profissionais atuarem de maneira equivocada, priorizando
o foco na Psicopatologia Clínica, no aluno ou em sua família, percebe-se que os
profissionais da Educação (professores, supervisores escolares, orientadores
pedagógicos) e familiares não compreendem ou ainda desconhecem o que faz o
psicólogo escolar.
Bock e Aguiar (2003) nos apresentam a crítica à instituição escolar quando pautadas
na pedagogia tradicional ou na pedagogia nova. A escola se coloca como a “salvadora”, ou
seja, aquela que oferece oportunidades para o desenvolvimento das potencialidades. No
entanto, os conteúdos escolares apresentados nada têm a ver com a vida cotidiana das pessoas.
Assim, o aprendizado será pautado como uma possibilidade de desenvolvimento humano e
não como uma contribuição para a compreensão da realidade. Consequentemente, do aluno a
escola cobrará o esforço e todo fracasso será lido como falta de empenho; será diagnosticado
com “problemas de aprendizagem” e a escola fica isenta de responsabilidade. As autoras
afirmam que a escola não é lugar apenas de alunos saudáveis, inteligentes e felizes. Ressaltam
que, não existem dificuldades de aprendizagem, mas dificuldades no processo de ensinoaprendizagem. É insuficiente responsabilizar o aluno e indicar recuperação ou tratamento
(BOCK e AGUIAR, 2003).
Conforme González Rey (2004, p. 36) “a meta fundamental da educação consiste em
formar um indivíduo capaz de tornar-se sujeito de seus conhecimentos [...]”. Para isto, o
referido autor salienta que a escola deve propiciar uma cultura de proximidade professoraluno, no intento de favorecer o desenvolvimento da comunicação, respeito e reflexão, por
meio da estimulação do diálogo e do ‘colocar-se no lugar do outro’.
A professora E4 afirma que a Psicologia pode contribuir em sua prática profissional
auxiliando-a a “aprender a lidar com o aluno, nos sentidos de motivação e disciplina”. Ela se
mostra preocupada em trazer os alunos para junto de suas discussões e fazê-los refletir sobre
as disciplinas enquanto interesse nas matérias que leciona. A professora E14 também pensa
desta forma quando fala que “vê a necessidade de se chamar a atenção dos alunos para o seu
protagonismo em relação ao próprio futuro, para a necessidade de planejamento da própria
vida, para a própria responsabilidade na vida que está sendo construída”. O profissional
envolvido na educação abre espaço para uma prática reflexiva quando se baseia no mundo
que o aluno conhece e vivencia, seja trabalhando com conteúdos sugeridos pelos próprios
alunos, ou com os conteúdos determinados pela instituição escolar, ou pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Uma tarefa importante do educador é conduzir seu aluno a reflexão.
No entanto, esta reflexão não deve partir de um processo didático e/ou automatizado de
3431
perguntas e respostas previstas. A ideia é gerar na sala de aula um processo de reflexão ativa,
em que o aluno é levado a pensar sobre o que ele já traz de conhecimento, sobre seus
conteúdos de vida, e sobre o que ele vivencia nas suas relações com seus pares fora da sala de
aula.
De acordo com Paulo Freire (1997), a educação como um todo deve ser pautada na
tomada de consciência. A educação pode ser entendida como uma ferramenta de promoção da
igualdade social, já que ela tem o poder de libertar o homem do que o oprime por ser capaz de
torná-lo autônomo em seus pensamentos, em seus processos de conhecer, e de fazê-lo
consciente como sujeito no mundo. Dessa forma, promove a liberdade aos sujeitos, que agem
livremente e são capazes de refletir a respeito de si mesmos e das questões que os cercam. Na
pedagogia freireana, portanto, a tomada de consciência do aluno deve ser o norte, o objetivo
mestre do processo educativo. Para tanto, trabalha-se com base no diálogo e na reflexão, a
partir da cultura e das experiências dos educandos, buscando a sua compreensão do processo
sócio histórico de constituição da sociedade e das instituições sociais, assim como do seu
lugar/papel social como transformador das realidades que o cercam. Para Freire:
no momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes de perceber o
condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram, sua
percepção muda, embora isso não signifique, ainda, a mudança da estrutura. Mas a
mudança da percepção da realidade, que antes era vista como algo imutável,
significa para os indivíduos vê-la como realmente é, uma realidade histórico
cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser transformada por eles (1983,
p.50).
Para o gestor E7, o trabalho da psicologia dentro da educação tende a crescer no
momento em que o profissional se faz presente também em conjunto com as famílias,
professores e alunos. Este gestor considera que o objetivo da atuação do psicólogo em uma
instituição de ensino é humanizar. Objetivo este que compartilhamos. Tomando como
pressuposto a fala do gestor ressaltamos a ideia de que “sem um compromisso pessoal com a
mudança, com criatividade e com a inovação, o compromisso da Psicologia com a educação
brasileira pode constituir apenas mais uma ilusão” (MARTINEZ, 2009, p. 176).
Já a docente E2 menciona que a Psicologia pode contribuir em sua prática, orientandoa a lidar com situações que seus alunos vivem diariamente e que os influenciam em sala de
aula, desde aspectos familiares, sociais, relacionais e educacionais. Neste sentido verifica-se
que a professora compreende o processo de aprendizagem interligado a todos os aspectos
vivenciais de seus alunos, sem desconsiderar suas experiências e influência na educação.
3432
Destaca-se em seu relato a compreensão que a aprendizagem é um processo individual, pois
cada um aprende de uma forma diferenciada, porém, é um processo que acontece de forma
coletiva, envolvendo todos os contextos do aluno. Segundo Schlösser et al. (2011), a
concepção de educação não se prende apenas no espaço da escola, mas abrange um conjunto
de experiências e aprendizagens que vão além da instituição, como é também compreendida
pela docente citada.
A professora E5, cita o caso de uma aluna com deficiência que apresenta dificuldades
na apreensão de novos conhecimentos. Del Prette (2002, p. 21) questiona esta situação na
atuação do psicólogo educacional, afirmando que a “diversidade e complexidade das relações
[...] envolvidas em processos como os de deficiências justificam considerar a psicologia como
um dos fundamentos indispensáveis à compreensão e à intervenção sobre esses processos”.
E3 relata ainda que “a educação e a psicologia tem parceria direta, não podendo
desvincular uma da outra, considerando que os professores estão despreparados para muitas
situações na sala de aula, e os psicólogos atuam com este professor, aluno, família e escola,
verificando os problemas e auxiliando em um trabalho conjunto”.
Verifica-se que esta
educadora tem uma percepção muito positiva da psicologia educacional e compreende este
profissional como parceiro de trabalho, entretanto, também é possível identificar um
sentimento de impotência em relação aos acontecimentos do dia a dia de sua profissão. Souza
e Rocha indicam que:
A luta do psicólogo, então, é a de sustentar um campo de indagações que dê tempo
para que os educadores possam se deslocar também dos seus lugares marcados de
quem sabe, de quem está impotente, [...] contribuindo para a produção de novas
perguntas que o coloquem em foco as relações entre “um” e “outro”, tirando de cena
a exclusividade dos corpos “em si” em situação de isolamento – que paralisa o
trabalho – para poder perguntar sobre situações, as circunstancias, os valores, as
práticas que constroem o cotidiano – que movimenta o trabalho (2008, p.39).
E8 refere que a Psicologia é essencial na escola e pode auxiliar com o entendimento de
“algumas situações no processo pedagógico, contribuindo para o desenvolvimento
educacional”. Para o gestor E9 o psicólogo tem muito a contribuir na Educação: “Sou a favor
de cada unidade ter um psicólogo para trabalhar com funcionários, famílias e crianças. Seria
algo para inovar e subsidiar as instituições de educação infantil, no que diz respeito à
interação interpessoal, focando principalmente os fatores psicológicos que possam interferir
na demanda emocional, social, afetiva e principalmente pedagógica das crianças em interação
com o adulto, tanto o profissional da instituição, ou do próprio seio familiar”. E10 também
3433
tem uma visão bastante positiva da atuação do psicólogo, o que entendemos como relação de
parceria, ao referir que: “Acredito que a psicologia é fundamental na área educacional, pois
temos problemas diários com a comunidade escolar, às vezes é necessário um esclarecimento
psicológico para nortear os conflitos. Além de permitir o entendimento de diferentes situações
que surgem em nosso cotidiano. Penso que só teremos uma educação de qualidade o dia em
que a psicologia fizer parte de nosso dia-a-dia, dando suporte aos professores, crianças e
pais”. As colocações destes educadores nos faz remeter a Souza e Rocha ao afirmarem que:
quando dizemos que o psicólogo quer trabalhar a favor da vida, da cultura e da
melhoria de condições de trabalho, isso diz respeito ao enfrentamento das
adversidades, às tentativas de colocar em análise coletiva o que é produzido no
cotidiano da sala de aula, da escola, favorecendo a experimentação de um outro
tempo menos acelerado, mas talvez mais inventivo para dar conta do que não
conhecemos, do que é imprevisível (2008, p.39).
Muito mais que suporte, acredita-se que o psicólogo educacional deve ser parceiro dos
educadores para contribuir com uma melhor qualidade do processo escolar. Em uma
perspectiva histórico-cultural, cujo foco não é o indivíduo, mas o sujeito em relação
compreende-se que é preciso abrir espaço para o diálogo com a comunidade escolar, em
especial, com os profissionais da educação de forma comprometida, ética e política, para que
se possam estabelecer laços de relações construtivas. É necessário ter claro que a escola é
palco de conflitos e contradições. Nestes embates é possível criar outra instância de relações,
pois as questões que são demandas na escola, também são questões da sociedade que se
singularizam.
Considerações finais
Conhecer a realidade vivenciada nas escolas mostrou-se de fundamental importância
para o entendimento do contexto escolar e as implicações dos fazeres do psicólogo
educacional. A experiência de aprofundar o processo pedagógico por meio da fala dos
educadores tem grande relevância para a construção da psicologia educacional, e
principalmente conhecer: “as questões postas pelos educadores com relação às concepções e
perspectivas, e as condições de trabalho são fundamentais para que o psicólogo atue no
campo da educação” (SOUZA e ROCHA, 2008, p. 45).
Resgatando o objetivo deste trabalho, foi possível compreender que a percepção da
contribuição da Psicologia na Educação, para gestores e professores, está na ação em conjunto
3434
com as famílias, alunos e profissionais da educação, na busca da parceria e potência de ação
para a promoção de saúde. Também há uma parcela de professores e gestores que ainda
acreditam na ação do psicólogo como diagnosticador, e que trata do ajuste da criança e sua
família. “Ainda permanece no imaginário social que o psicólogo deve atender os alunos
problemáticos, remediar situações conflituosas e “apagar incêndios”, desenvolvendo práticas
clínicas individuais” (DIAS; PATIAS; ABAID, 2014, p.106). Também constatamos que os
educadores apontam sérios problemas relacionados à imagem dos profissionais na instituição,
o que nos faz recomendar para a necessidade de empenho na consolidação de práticas que o
identifiquem como profissional capaz de cooperar efetivamente no processo educacional
(SOUZA, RIBEIRO e SILVA, 2011).
Verifica-se em todos os casos, que são importantes as estratégias para estabelecer os
papéis. Além disto, a necessidade de, por meio do diálogo com os alunos, que o educador e os
demais profissionais envolvidos no processo educativo entrarem em contato com o seu
mundo, com o que ele conhece e vivencia em sua realidade. Este deve ser o ponto de partida
no trabalho escolar: as próprias experiências dos educandos. Informações de quais são seus
contatos, de onde vêm suas informações, e de que forma aprendem devem interessar a escola
e ao educador. Isto também tem extrema relevância para o psicólogo educacional, pois ao se
apropriar de todo o contexto vivencial do aluno e equipe de profissionais, seu trabalho terá
maior eficácia e reconhecimento.
A atuação do psicólogo deve estar pautada nas práticas interdisciplinares, tomando
como objeto a educação e a promoção de saúde, realizando a interlocução dos conhecimentos
da Psicologia e a interseção nas relações institucionais, que implicam as dimensões políticas e
ideológicas. Busca abrir espaços para as expressões das subjetividades, que possibilitem a
superação da lógica homogeneizante, de comportamentos cristalizados; denunciando os
discursos que naturalizam fenômenos sociais, que mantêm a exploração e exclusão,
anunciando caminhos para a transformação, viabilizando coletivamente, alternativas para os
impasses. O profissional da psicologia tem como postura de trabalho em uma instituição
educativa ser parceiro dos educadores, compartilhando do seu saber com a comunidade
escolar. Isto é, não se trata somente de mais um “especialista”, mas da contribuição científica
da Psicologia articulada com os demais saberes de outros profissionais, e com os saberes
populares dos atores envolvidos, para estruturar novas possibilidades de ações frente às
questões educativas, primando para a sua qualidade.
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