Conceitos de físico-química relevantes para os - ICB-USP

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CONCEITOS DE FÍSICO-QUÍMICA CONVENIENTES PARA A ANÁLISE
DE TRANSFERÊNCIA DE MATÉRIA NAS MEMBRANAS BIOLÓGICAS.
Nas secões seguintes discutem-se, com mínimo recurso a equações, portanto de
maneira informal e conceitual, alguns conceitos de físico-química que permitirão
compreensão mais rigorosa dos fenômenos de transferência de matéria nas membranas
biológicas.
Energia térmica na dimensão de Å, que é a dos átomos e das moléculas.
Na dimensão de Å (10-8cm=10-10m=0,1nm) as estruturas reconhecíveis são as de
átomos e moléculas, que são as que interessam à compreensão dos mecanismos de
transferência de matéria nas membranas celulares. Em dimensões maiores pode-se analisar a
fenomenologia dos transportes. Nas dimensões de Å, então, a energia das estruturas:
E  E0  Eterm
tem dois componentes, um térmico, e um persistente a 0°K, E 0, que não interessa na análise
do fenômeno biológico. A energia térmica é a energia de movimento das estruturas. A
eletrônica, do movimento dos elétrons, não se modifica significativamente nas faixas de
temperatura nas quais os sistemas biológicos existem. O biologista não tem de se preocupar
com elas. Interessam à biologia a energia térmica vibracional, a rotacional e a translacional.
A vibracional ameaça as forças de interação entre átomos, sejam eles ligados por ligações
covalentes ou por interações fracas. Para os processos de transporte interessa a
translacional. A uma dada temperatura átomos e moléculas deslocam-se em trajetórias
retilíneas, a uma dada velocidade média, até a próxima colisão com outros átomos ou
moléculas. As colisões são elásticas, momento é transferido de molécula a molécula e
conservado no sistema. O movimento e as colisões inevitáveis, é o fundamento da difusão. Se
uma certa massa de um gás inicialmente confinada em um pequeno volume for liberada em um
volume maior, a distribuição mais provável depois de certo tempo é a uniforme, por todo o
volume no qual o gás foi liberado. Qualquer outra distribuição poderá ser observada mas a
probabilidade delas é muito menor. É a translação e colisões de moléculas e átomos que gera
a pressão na parede de um reservatório. É a energia térmica translacional que promove a
difusão destas estruturas entre dois volumes separados por uma membrana.
Formalmente a energia térmica translacional por mol é dada por:
3
RT
2
E a velocidade média das estruturas em um mol
c
8RT
M
Em que M é a massa molar. A 25°C a velocidade média das moléculas de CO 2 em ar é de 380
m/s.
Energia térmica na dimensão de μm, que é a das células. Entropia e Energia
livre.
Considerem-se, agora, células que são estruturas grandes, se comparadas às
dimensões atômicas, formadas por íons e moléculas. Algo como os esquemas da figura 1 pode
ser imaginado. Ali estão representadas a célula – o retângulo amarelo – e o compartimento
intersticial. Na representação qualitativa da figura, círculos verdes são o K e os vermelhos
são o Na+. Os demais componentes foram omitidos
S  0
Energia Livre de
Gibbs
Figura 1: Evolução espontânea do sistema no qual cessou a intervenção de processos
metabólicos. O sistema está definido pela célula, seu volume intersticional, Na + em vermelho
e K+ em verde.
Na figura da esquerda tem-se o que seria a condição fisiológica da célula , com concentração
de K+ elevada, da ordem de 120 mM, e concentração de Na+ menor, da ordem de 10 mM. O
fluído intersticial tem proporções invertidas destes dois cátions. Sabe-se que a distribuição
assimétrica depende da bomba de Na+ -K+. Considere-se esta condição de desigualdade como
condição inicial e suponha-se que as bombas, ou o metabolismo, sejam de alguma forma
eliminados. Se a membrana celular plasmática for permeável a Na+ e à K+, o sistema se
modificará com o passar do tempo, em direção a uma condição estável, de equilíbrio,
representada pela figura da direita. A evolução resulta do aforismo: “há difusão do mais
concentrado para o diluído até que as concentrações se igualem” se não intervierem outras
forças. Em termos mais rigorosos, a configuração da direita é a mais provável. Em termos
termodinâmicos, cada estado do sistema se caracteriza perfeitamente pelos valores de uma
série de variáveis de estado, a entropia sendo uma delas, a que mede o grau de desordem, de
aleatoriedade do sistema. Na condição à direita, a entropia, que é medida em unidades de
energia, é maior. A segunda lei da termodinâmica estatui que qualquer modificação
espontânea de um sistema, sem a interferência de forças externas, se dá com variação
positiva, isto é, aumento da entropia. Na evolução do sistema da figura 1, se houver equilíbrio
térmico com o meio, algum calor será transferido do sistema em consideração para o meio.
Suponha-se, agora, que a bomba de Na+ -K+ seja reativada (figura 2), com adequado
suprimento de ATP. O observador verificará que o sistema evolui na direção indicada, com
redução na entropia, violando, aparentemente, a segunda lei.
ATP
2
Energia
Livre de
w 3ADP+
Gibbs
P
S 0
Figura 2: Evolução do sistema com a reentrada da bomba de Na+ -K+. Computada a hidrólise
do ATP a evolução é termodinâmica possível e, desde que o suprimento continuado de ATP
seja assegurado, o sistema manterá suas propriedades invariantes, em um estado
estacionário.
Para a análise macroscópica deste sistema, cuja complexidade cresceu com a
atividade da bomba, são necessárias definições de outras variáveis de estado. São estas
Entalpia (H) e Energia Livre de Gibbs (G). Entalpia é a energia do sistema quando não há
variações de pressão. Energia livre de Gibbs é definida por
G  H  TS
e
G  H  TS
H  G  TS
o que pode ser assim interpretado: quando há variações na energia de uma sistema há perdas
entrópicas obrigatórias, e uma fração desta variação, ΔG, pode ser convertida em outras
formas de energia, incluindo-se a produção de trabalho.
Toda vez que houver transformação espontânea de um sistema, isto é, o sistema se
transforma sem intervenção externa, a variação da energia livre de Gibbs será negativa:
G  H  TS 0
Transformação de um sistema, de um estado para outro, com variação negativa da energia
livre de Gibbs é condição para a espontaneidade.
Retornando à figura 2, a transformação na direção indicada, com redução da entropia
e aumento da energia livre, não poderia, por si só ocorrer espontaneamente. Considere-se,
porém a a bomba de Na+ -K. A bomba é bioquimicamente uma ATPase e transporta o Na+ e o
K clivando o ATP em ADP + Pi. Há, portanto, variação da energia livre do sistema ATP/ADP+Pi,
que é dada pela equação
G ATP  G0  RT ln
[ ADP ][ PI ]
[ ATP]
Esta variação de energia livre, que é negativa, indica que a hidrólise do ATP é espontânea. A
variação está associada com a transferência de Na+ e de K+ nas membranas celulares,
gerando a distribuição assimétrica da figura 2 e promovendo variação positiva da energia
livre do sistema. Como, em módulo, a variação de energia livre na hidrólise do ATP é maior
que a variação na energia livre do sistema célula/meio, a transformação indicada na figura 2
pode ocorrer. Pode-se dizer que a energia química do ATP foi transferida, em parte, para a
energia química das diferenças de concentração dos íons Na+ e K+ . Parte perde-se
obrigatoriamente como calor.
O conceito de energia livre, como expresso acima, é de grande utilidade na
descrição e análise de sistemas químicos. Suponha-se o Na+ nos compartimentos intra e
extracelular. Existe uma diferença de energia livre entre os dois compartimentos para o íon
derivada das diferentes concentrações. Por analogia com gases, a diferença de energia livre
entre os dois compartimentos é dada pela expressão:
GNa  nRT ln
Na 
Na 

ic

ex
Equação na qual n é o número de moles, R a constante dos gases, T a temperatura, ln é o
logaritmo natural da razão das concentrações de Na+ no intracelular (ic) e no extracelular
(ex). Energia livre é uma propriedade extensiva. Uma grandeza mais conveniente, por ser
intensiva, é a diferença de potencial químico:
 Na  
 
 
GNa
Na 
 RT ln
n
Na 
ic
ex
que é a energia livre por mol. Se R for expresso em unidades do sistema MKS –
8,314J/(mol.°K) – a unidade da diferença de potencial químico será em J/mol. Como expressa
na equação acima, se ΔμNa for positivo, indica que o potencial químico no compartimento
intracelular é maior que no extracelular e, portanto, o movimento passivo resultante do íon
se dará do compartimento intracelular para o extracelular.
Diferença de potencial químico e diferença de potencial elétrico.
Em determinadas circunstâncias átomos ou moléculas interagem entre si por forças
muito maiores que as gravitacionais e que podem ser forças de atração e de repulsão. Estas
forças são ditas eletrostáticas e da matéria diz-se que tem natureza elétrica, e que a exibe
em determinadas circunstâncias. A natureza elétrica deriva dos prótons e elétrons. Os
primeiros têm carga elétrica +1 e os elétrons tem carga -1. Embora a massa dos prótons seja
muito maior que dos elétrons, as cargas elétricas de ambos são rigorosamente iguais em
módulo. Cargas iguais se repelem e as opostos se atraem por forças de Coulomb. Estas
forças são diretamente proporcionais ao produto das cargas e inversamente proporcionais ao
quadrado da distância que as separa. No vácuo
f k
q1q2
r2
Equação em que k é um constante que depende do sistema de unidades.
Ao biólogo interessam, quando considera fenômenos elétricos, íons inorgânicos e
moléculas com carga elétrica. Nos íons inorgânicos a carga elétrica é dada pela eventual
desigualdade no número de prótons e de elétrons. Moléculas podem ter carga permanente.
As orgânicas têm-na por força de dissociação ou ligação do hidrogênio. Outras não são
propriamente iônicas mas por força de distribuição de nuvens de elétron comportam-se como
dipolos permanentes ou temporários. A molécula da água tem comportamento de dipolo.
Uma solução de um sal – NaCl, KCl ou CaCl2 – não terá carga elétrica porque, o número
de cátions e de ânions é rigorosamente o mesmo. Suponha-se, por exemplo, uma solução com
100mM de NaCl. Esta solução terá por litro N cargas positivas e negativas, medido em
coulomb (coul):
N  0,1moles  z  e   N A
e- é a carga elementar (1,602x10-19 coul), z é a valência do íon que se esta considerando e NA
é o número de avogadro (6,02x1023 íon por mol). Númericamente, 1 L da solução terá 9648
coul de cargas positivas, dadas pelo Na+, e exatamente o mesmo número de cargas negativas,
dadas pelo Cl-. Embora os íons estejam dispersos na solução aquosa, o efeito espacial das
cargas positivas anula o das cargas negativas. O produto
F  e   N A  96484
coul
mol
é a constante de Faraday.
1
2
- +
Figura 3:
Considere-se, agora, os dois compartimentos da figura 3 separados por um
membrana. No compartimento 1 tem-se um volume de uma solução de NaCl na concentração
de 0,1M e no compartimento 2 a solução do mesmo sal é 10 vezes mais diluída, com 0.01M. Se
a membrana for impermeável à água e aos íons nada sucederá. Os íons colidirão com a
membrana, mas não a atravessarão. A probabilidade de colisões do lado 1 será dez vezes
maior que no lado 2. Então, um canal para íons, seletivo a Na+, é inserido na membrana. É dez
vezes mais provável que o Na+ atravesse o canal, passando do compartimento 1 para o 2 e
haverá, portanto, um fluxo resultante de 1 para 2. A transferência de Na+ implica na
transferência de carga, com violação da eletroneutralidade. No compartimento 2 haverá um
excesso de cátion e no compartimento 1 um excesso de ânions. A separação de cargas
estabelece na membrana diferença de potencial elétrico ΔV, medida em mV. Qualquer carga
elétrica, agora, na membrana estará sob efeito de uma campo elétrico (ξm), cuja magnitude é
a diferença de potencial elétrico entre os lados da membrana (ΔVm), dividida pela espessura
da membrana (l):
ξm=ΔVm/l
Como a espessura das membranas é diminuta – 4 nm – a diferença de potencial
elétrico, da ordem de -60 mV (célula eletricamente negativa) corresponde a um intenso
campo elétrico

60 10 3V
V
 15 10 6
9
m
4 10 m
Havendo uma diferença de potencial elétrico entre os compartimentos intra e
extracelular, haverá na membrana um campo elétrico que submeterá os íons que a
atravessem, principalmente por canais, a uma força eletrostática. Portanto, íons se moverão
através da membrana sob ação de duas forças, uma a diferença de concentração, expressa,
em termos de energia, como diferença de potencial químico, e outra a diferença de potencial
elétrico, atuando na espessura da membrana. As duas forças podem ser compostas na
expressão da diferença de potencial eletroquímico:
~i  RT ln
ciic
 zFVm
ciex
agindo na fase da membrana (l é a espessura da membrana):
f 
~i
l
A equação da diferença de potencial eletroquímico é fundamental na definição da
transferência resultante de uma espécie química através da membrana. Se o movimento da
espécie química for passivo, dar-se-á a favor do negativo do gradiente do potencial
eletroquímico, isto é, da região de potencial eletroquímico mais alto para a de mais baixo. Se
transporte ativo ocorrer, a bomba terá de empenhar energia metabólica sempre maior que a
diferença de potencial eletroquímico, contra a qual se dá o fluxo resultante da espécie. Para
que um íon esteja em equilíbrio entre os compartimentos intra e extracelular a diferença de
potencial eletroquímico deve ser nula:
ic
c
~i  0  RT ln iex  zFVm
ci
Portanto, para cada íon pode-se calcular a diferença de potencial elétrico Ei que equilíbraria
a diferença de concentração, reescrevendo a equação acima na forma que a pôs Nernst:
Ei  
RT ciic
ln
zF ciex
Comparando-se Ei, que é um valor teórico, com ΔVm que é a diferença de potencial real entre
os compartimentos, pode-se saber da distribuição dos íons. Se os valores forem iguais o íon
está em equilíbrio. Se diferirem algum tipo de carregador, utilizando algum tipo de energia,
intervém na distribuição do íon.
Fluxos de íons em membranas biológicas
Fluxos passivos de íons em membranas biológicas, por canais ou através da bicamada
lipídica, dão-se por difusão, quando há uma diferença de concentração, e por eletroforese,
no campo elétrico através da membrana, pois em todas as células há uma diferença de
potencial elétrico entre o compartimento intra e o extracelular.
O fluxo molar (em moles) difusional dá-se a favor do gradiente de concentração na
espessura x da membrana:

dcs
dx
O fluxo depende do coeficiente de difusão da espécie no material da membrana
celular:
dcs
dx
M sd   Ds
O fluxo molar eletroforético, devido ao campo elétrico na membrana, é dado por:
M se  s cs
em que
d
dx
 s é a mobilidade elétrica do íon,
ψ é o potencial elétrico na membrana e cs é a
concentração local, na membrana, do íon.
Segundo Nernst-Planck os dois fluxos, o difusional e o eletroforético, são aditivos:
M s  M sd  M se
M s   Ds
dcs
d
 s cs
dx
dx
Tomando-se a relação entre coeficiente de difusão e mobilidade elétrica de NernstEinstein:
Ds 
s RT
zs F
e substituindo-se a mobilidade elétrica na equação anterior
dcs Ds zs F d

cs
dx
RT
dx
 dc z F d 
M s   Ds  s  s cs
dx 
 dx RT
M s   Ds
Na condição de equilíbrio Ms=0. Portanto,
 dcs zs F d 
 dx  RT cs dx   0
d
RT 1 dcs

dx
z s F cs dx
Integrando-se a equação anterior, para a espessura da membrana celular, tem-se:
c sic
RT
  Ei  
ln
z s F c sex
que é a equação de Nernst, discutida acima. Esta permite o cálculo da diferença de potencial
elétrico de equilíbrio, isto é, o valor teórico para a diferença de potencial elétrico na
membrana para a qual não há fluxo resultante do íon para uma razão de concentrações no
compartimentos intracelular (ic) e extracelular (ex) dada.
Interações fracas, não covalentes
Nos processos de transporte de eletrólitos ou compostos orgânicos através da
membrana celular, envolvendo proteínas, haverá interação entre a espécie transportada e a
proteína de transporte, forme ela um canal ou um carregador. As interações são do tipo não
covalente, por forças de van der Waals, por forças eletrostáticas ou por pontes de H.
C
1000
C
fóton
verde
ATP
iInteração
não-covalente
kJ/mol
100
Energia térmica
vibracional
10
1
0,1
1
10
100
kcal/mol
Figura 4. Energias de interação entre átomos ou íons.
A figura 4 representa energias de interação, que são as energias liberadas quando a
interação é interrompida ou, de outra forma, são as energias necessárias para romper as
ligacões. Na abcissa a unidade é kcal/mol e na ordenada kJ/Mol (1 cal = 4,184 J). A energia
térmica vibracional, a 25°C, entre íon em uma estrutura cristalina, ou entre átomos em
ligação covalente, em uma molécula, é de 0,6 kJ/mol. As ligações não covalentes, têm energia
entre 1 e 3kcal/mol. Estruturas mantidas por estas interações são, portanto, estáveis à
temperatura de 25°C se isoladas. Para efeito de comparação estão incluídos no gráfico a
energia de um mol de ATP, da ordem de 12 kcal/mol, de um mol de fótons com comprimento
de onda no verde, que é de 57kcal/mol, e de um mol de ligações covalentes entre carbonos,
de 83 kcal/mol.
As interações não covalentes mais fracas se dão por forças de van der Waals. Estas
interações são eletrostáticas, entre regiões de moléculas orgânicas grandes e se
estabelecem por deslocamentos de nuvens de elétrons, estabelecendo dipolos temporários na
região. Estas forças são criticamente dependentes da distância entre as regiões que
interagem e decaem rapidamente quando as regiões se afastam, assim como decaem,
substituídas por forte repulsão entre os átomos, se as moléculas se aproximam demais. Na
distância ótima de interação a energia das interações por forças de van der Waals é 0,5 a 1
kcal/mol. Forças de van der Waals intervêm nas bicamadas lipídicas da membrana celular.
Estabelecem-se entre as cadeias de hidrocarbonetos dos ácidos graxos, na matriz
hidrofóbica e aumentam a viscosidade da estrutura.
Íons interagem por forças eletrostáticas, estas também dependentes da distância,
como já se viu acima. Quando de cargas opostas, os íons se atraem. Nas soluções biológicas
íons inorgânicos interagem principalmente com a água. Esta, embora não tendo carga elétrica
resultante, é um dipolo permanente. Moléculas orgânicas podem ter regiões com carga
elétrica e invariavelmente a carga elétrica resulta da dissociação do H de uma carboxila,
caso em que a região terá carga elétrica negativa, ou da protonação de um N da molécula,
caso em que a região terá carga elétrica positiva. A interação eletrostática entre dois íons
depende da constante dielétrica do meio. Esta constante dielétrica depende da
polarizabilidade elétrica do material que constitui o meio. A água por sua natureza dipolar se
orienta – isto é, se polariza – em campos elétricos. A sua constante dielétrica, de 80, é
elevada. A interação eletrostática entre íons imersos em meio aquoso é atenuada. Assim, em
solução aquosa, cátions e ânions separados por distância média de 3Å interagem com energia
de 1,4 kcal/mol.
Pontes de H são de extrema importância em Biologia, não só na interação entre
macromoléculas como nas interações intramoleculares que determinam estrutura, como, por
exemplo, a estrutura 3D de proteínas. A capacidade das moléculas de água de formar
pontes de H entre si e com outras moléculas orgânicas é propriedade deste solvente
fundamental para a Biologia. Nas pontes o H é partilhado parcialmente por dois átomos
eletronegativos, como o O e o N. O doador da ponte é o grupo ao qual o H está mais
fortemente ligado. O outro átomo eletronegativo que participa da ponte é o aceptor.
A ponte de H é, de fato, interação eletrostática. O átomo eletronegativo ao qual o H está
ligado modifica espacialmente a densidade de elétrons, deslocando-os para si, com o que o H
adquire carga elétrica positiva parcial. Este pode interagir com a carga elétrica negativa
parcial do átomo eletronegativo aceptor. A energia das pontes de H é de 1 a 3 kcal/mol.
Soluções aquosas
A água é um composto químico que existe no planeta em grande abundância. Suas
propriedades são fundamentais para a vida, tal como ela se originou e desenvolveu na Terra.
As propriedades fundamentais são a característica de dipolo e a sua capacidade em formar
pontes de H com átomos eletronegativos de outros compostos, incluído entre estes o próprio
O de outras moléculas de água.
A característica de dipolo permanente da água decorre da eletronegatividade do O e
do ângulo entre as duas ligações covalentes, que é de 105°, bem menor que 180°. A
eletronegatividade do O aumenta a densidade eletrônica na região do O criando carga
negativa parcial. Na região dos H a densidade diminuída de elétrons equivale a carga positiva
parcial. Eletricamente a molécula se comporta como um dipolo. Por esta característica a
constante dielétrica da água é de 80, em relação ao vácuo cuja constante é de 1. É por esta
propriedade que a água desmonta a estrutura de um cristal de NaCl, por exemplo. A
estrutura cúbica do cristal na temperatura ambiente é mantida por interações
eletrostáticas entre os íon. Quando o cristal é imerso em água, as moléculas desta se
orientam e reduzem a força elétrica entre os íons, até o colapso da estrutura cristalina pelo
movimento térmico dos íons, aliviados das interações eletrostáticas.
Figura 6: A molécula da água
Os íons agora em solução interagem eletrostaticamente com as moléculas de água.
Cada íon em solução terá uma coorte de moléculas de água orientadas ao seu redor.
A outra propriedade das moléculas de água de importância biológica é sua capacidade
de formar pontes de H com átomos eletronegativos de outras moléculas inclusive com outras
moléculas de água. Assim é que, no estado líqüido moléculas de água estão reunidas em
grupos por pontes de H (figura 7).
Figura 7: Moléculas de água, no estado líqüido, interagindo por pontes de H.
Qualquer outra entidade química, átomo, íon ou molécula que não for capaz de
interagir com moléculas de água – por pontes de H ou por interação eletrostática – será
excluída da fase água. Diz-se destes moléculas que são hidrofóbicas. Aqueles que
interagirem com as moléculas de água são ditas hidrofílicas.
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