ÉTICA, MORAL E ENGENHARIA Noções da Ética Utilitarista (ou

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ÉTICA, MORAL E ENGENHARIA
Noções da Ética Utilitarista (ou Utilitarismo).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA
Disciplina de Tópicos Especiais em Engenharia Química II
ÉTICA, MORAL E ENGENHARIA
(Redigido em fevereiro e março de 2.013.)
Noções da Ética Utilitarista (ou Utilitarismo).
A classificação usual da Ética: em Metaética, Ética Normativa e Ética Prática, emprega termos que tendem a ocasionar
confusão. O Utilitarismo trata de questões ligadas à Metaética, isto é, dos princípios básicos que fundamentam os juízos na
área comportamental. Por exemplo: o que é o 'Bem'.
Trata também da chamada Ética Normativa, que apresenta os princípios gerais para o adequado comportamento racional do ser
humano. Por exemplo: o comportamento ético é aquele que busca a maior felicidade para o maior número de pessoas'.
Não entra, no entanto, em considerações da assim chamada Ética Prática, que tem por base um conjunto de regras específicas e
que de modo geral podemos chamar de 'Moral'. No entanto, na acepção exata da palavra, a 'Ética Normativa', isto é, aquela que
propõe princípios gerais, é profundamente prática, pois tais princípios gerais estabelecem com precisão todos os
comportamentos adequados da vida cotidiana.
Já comentei sem temor em outras oportunidades, a opinião pessoal, que a transição do norteamento dos rumos da existência
por regras específicas para princípios gerais, estabelece uma maior libertação do ser e denota um amadurecimento da
individualidade.
Parece que a associação do termo 'utilitarismo' ao termo 'ética', tende a levar a uma primeira aversão e resistência do leitor ao
tema. Desta forma é oportuno esclarecer desde já o porquê do termo. Já vimos que Aristóteles concluiu que cada um de nós
almeja a felicidade e que não há coisa melhor que esta. Caso seja a felicidade o maior bem, logicamente devemos buscá-la e
nossos comportamentos são tanto mais objetivos e úteis quanto mais sejam capazes de promovê-la. Ainda, no estabelecimento
de uma base de comparação do valor de uma atitude em relação à outra, a atitude mais essencialmente útil é aquela capaz de
promover a maior felicidade. Este é o assim chamado Princípio da Maior Felicidade ou ainda Princípio da Utilidade.
Desta forma o Utilitarismo tem por base o pensamento Aristotélico, e talvez pudesse ser melhor denominado como uma 'Ética
da Universalização da Felicidade'. Ou seja, de forma sintética e em resumo, o bem máximo é a felicidade. Sendo assim, as
atitudes mais úteis ao ser humano são aquelas que maximizam tal bem maior. Desta consideração surge o termo Utilitarismo.
Em contraponto à Ética Deontológica, a única base ou padrão de obrigação do utilitarismo está relacionada às consequências
das ações, com vistas a maximizar o bem. O “certo” ou o “errado” do ponto de vista ético seria aquilo que, avaliado por suas
consequências, de forma estritamente imparcial, dê origem ao maior bem, de modo que o “certo” é maximizar a Felicidade.
Já comentamos que de acordo com Sócrates, todos os tropeços humanos se devem à ignorância, que na maioria dos casos se
resume a uma previsão defeituosa das consequências oriundas das atitudes executadas. Desta forma, em sintonia ao
pensamento socrático, a Ética Utilitarista é fundamentalmente consequencialista; pode ser considerada e chamada como uma
expressão do Consequencialismo.
Como já comentamos de passagem em outros textos, a aplicação do Utilitarismo na vida cotidiana dos povos é muito antiga.
No passado e no presente tem sido empregado e é fácil observar nas decisões das lideranças das coletividades humanas. Por
outro lado é temerário afirmar que a aplicação de um princípio racional geral de comportamento resulte em todos os casos num
Bem, mesmo um de Universalização da Felicidade.
O argumento utilizado pelo sumo sacerdote israelita para a condenação à morte de Jesus, citado pelo apóstolo João, serve de
exemplo: Se não o condenarmos, Roma nos destruirá a todos.
Apesar de se constituir num princípio aplicado já há muito, sua fundamentação racional para o norteamento da conduta
humana, começou a ser realizada nos tempos modernos, por Jeremy Benthan (1748 - 1832). Tal fundador teve como seguidor
James Mill (1773 - 1836). Por sua vez, este último teve como filho a John Stuart Mill (1806 - 1873) o qual foi preparado desde
a infância para ser um filósofo defensor do pensamento de Benthan e se tornou o filósofo de referência para o Utilitarismo,
sendo considerado por muitos, como o maior filósofo inglês do século XIX.
Tal como em outras conceituadas escolas filosóficas, no Utilitarismo o prazer é considerado um bem e as diferentes formas de
dor e sofrimento, um mal. Assim as ações são avaliadas pela capacidade de gerar o predomínio do prazer sobre a dor. Em
aprofundamento, os prazeres são diferentes; ocasionam bens com diferentes intensidades. Há uma escala de prazeres; um tipo
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de prazer é superior ao outro. Desta consideração surge uma base de avaliação dos prazeres e o prazer, bem como o
comportamento que o ocasiona, passa a ser avaliado por sua duração, sua intensidade e sua qualidade. Nesta linha, Mill
concluiu pela observação dos indivíduos, que os prazeres corporais são inferiores aos emocionais e intelectuais.
Passemos agora a empregar o raciocínio lógico para assim justificar o princípio básico do Utilitarismo:
Premissa 1 - 'Ético é o agir de modo adequado.' Pouco há o que ponderar quanto a esta primeira premissa, visto que é
essencialmente a definição do termo.
Já neste ponto cabe relembrar os limites do ser humano. As considerações referentes a tais limites, já efetuadas em outros
textos, dentre eles o de 'Algumas razões para não censurar eticamente a ninguém', nos leva a uma redação mais realista desta
primeira premissa: 'Ético é procurar agir de modo adequado.'
Premissa 2 - 'O comportamento adequado é fazer o bem.' Já em várias de nossas discussões anteriores cremos ter demonstrado
que é esta a única base ou essência racional da ética. Nessa jornada nos acompanharam a maioria esmagadora dos grandes
filósofos de todos os tempos. Complementarmente, um bem a um indivíduo é algo que direta ou indiretamente lhe é útil.
Destas duas primeiras premissas, chegamos à Conclusão A - 'Ético é procurar fazer o bem.' Consideraremos tal conclusão
como nossa Premissa 3.
Na sua breve discussão na área da Metaética, Mill confirma a conclusão de Aristóteles: 'O sumo prazer, bem e bem estar
corresponde à Felicidade.' Tal afirmação já profundamente analisada ao longo dos séculos, será nossa Premissa 4. Vale a pena
relembrar que o termo Felicidade na concepção Aristotélica, também envolve desenvolvimento e realização pessoais.
Complementarmente, se o sumo bem é a Felicidade, nada há que possa lhe ser mais caro e útil. Ou seja, a Felicidade é de
máximo valor e utilidade.
Destas duas últimas premissas, chegamos à Conclusão B - 'Ético é procurar promover a Felicidade'. Tal conclusão passará a ser
também nossa Premissa 5.
Já para a nossa sexta premissa, consideraremos que um determinado indivíduo padrão tende a considerar o seu próprio bem
como prioritário. Ou seja, cada indivíduo tende a fazer esta mesma consideração.
Se um observador imparcial e isento considerar outros dois indivíduos, tenderá a uma percepção diferente. Isto é, o bem dos
dois indivíduos observados é igualmente importante. Desta forma, a concepção de prioridade com vistas a realizar o bem
depende apenas de quem é o sujeito que observa. Ou seja, depende do ponto de vista. E na medida que aumenta o nível de
imparcialidade e isenção, o bem de todos é igualmente importante. O meu bem estar e o bem estar do outro tem a mesma
importância. Por meio de tais considerações, podemos estabelecer a Premissa 6 - 'A Felicidade de cada um é igualmente
importante.'
Destas duas últimas premissas, obtemos a Conclusão C - 'Ético é procurar promover generalizadamente a Felicidade.' Ou seja,
a ética fundamental é a promoção imparcial da Felicidade. Faremos tal conclusão a nossa Premissa 7.
Por fim, como Premissa 8 e pelo acima exposto, uma ação é “errada” se promove o mal; a infelicidade e “certa” se promove o
bem; a felicidade. No estabelecimento de um critério de prioridades, uma atitude pode ser considerada “mais certa” se
promove uma Felicidade maior e tal atitude seria “ainda mais certa” se promove uma felicidade maior para um número maior
de pessoas. Esta última consideração é conhecida como o Princípio Geral do Utilitarismo e se constitui na Conclusão Final.
Pode ser observado que tal princípio tem por base as premissas anteriores, dentre elas a de que a felicidade de todos é
igualmente importante.
Passemos a analisar uma aplicação prática do princípio acima mencionado. Um determinado indivíduo tem reservado em seu
poder $100.000,00. Pelas condições de troca vigentes, com tal quantia o mesmo pode obter um automóvel ou então duas casas
populares. O automóvel que tal indivíduo possui não é tão luxuoso e tão novo quanto aquele que poderia ser adquirido mas
este já reside com sua família numa residência própria confortável. No entanto podemos considerar que o sujeito em questão
vive num meio social desequilibrado que apresenta inúmeras famílias que não tem casa para morar. Se abrem, portanto,
algumas opções, dentre elas (a) comprar um carro novo que trará mais conforto para si e sua família ou então (b) doar duas
casas populares para duas famílias sem teto. Comparando estas duas opções através da ética utilitarista, um carro novo
representa um pequeno bem para apenas uma família e duas casas populares representam um maior bem para duas famílias
sem teto. Assim a Ética Utilitarista não afirma que a opção (a) seja necessariamente antiética, visto que se estaria realizando
um bem a um grupo de pessoas, entretanto por ela, a opção (b) seria a mais ética. Por meio de tal exemplo e muitos outros que
poderiam ser concebidos, podemos observar que a aplicação do Utilitarismo tende a levar, na medida que é aplicada e ao longo
do tempo, à plena igualdade social. Isto é, à plena generalização da felicidade e bem estar. Os esforços dos indivíduos mais
felizes seriam direcionados para promover um aumento da felicidade dos menos felizes ou infelizes.
A aplicação do princípio ético geral de Jesus, fazer ao outro aquilo que gostaríamos que fosse feito a nós mesmos, caso nos
encontrássemos em situação semelhante, o qual é analisado em outro texto, leva exatamente ao mesmo resultado. O mesmo
pode ser dito a respeito dos princípios éticos propostos por alguns outros pensadores.
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Fácil observar que tal princípio esbarra fundamentalmente no egoísmo dos seres humanos. Como uma resistência à conclusão a
qual se chega no exemplo mencionado, surge a interposição de um pensamento do tipo: “Angariei a minha poupança com o
meu esforço. Assim, vou empregá-la para a minha própria felicidade.” O egoísmo eventualmente tenderá a clamar
intempestivamente também por Justiça. Entretanto, como exposto em outro texto, toda a fundamentação de Direito e de Justiça
é efetuada precisamente sobre um determinado pensamento ético adotado. Ou seja, na proporção que varia a conceituação do
que é "certo" e do que é "errado"; do que é "adequado" ou "inadequado", também varia o conceito do que é "direito" ou do que
é "justo".
Como todo princípio ético geral, o Utilitarismo é relativo. O conceito de felicidade, das ações que são capazes de promovê-la,
o prazo para que seja obtida e outras variáveis dependem da percepção e avaliação individual. A eficácia da aplicação desta
linha ética depende claramente da capacidade do indivíduo de prever as consequências de suas ações. Depende da sua
capacidade de prever qual atitude resultará num maior bem.
O Utilitarismo se baseia no Empirismo e no Associacionismo. Por Empirismo se entende o conceito, de que o conhecimento e
a ética, tem como única base os sentidos e/ou a experiência. Assim é indutivista: Os princípios éticos são obtidos por meio da
experiência e observação. Assim se considera haver fatos concretos suficientes para defender o Utilitarismo. Associacionismo
é o princípio que os conhecimentos são relacionados em nossas mentes, por leis gerais de associação. Tais associações
governariam o comportamento humano. Em síntese, pela associação experimental de ética e felicidade; comportamento
adequado e eudamonia, que Aristóteles, Mill e outros observaram, e sendo a felicidade o bem máximo almejado, o ser humano
numa ação racional, procuraria adotar uma postura ética. Como já comentamos no início deste curso, o incentivo lógico que se
dá para a prática do comportamento adequado é o de que, através de tal comportamento geral a qualidade de vida do indivíduo
que o exerce melhorará.
O comportamento tem por base o hábito. O comportamento popular é regido por impulsos emocionais e por conceitos
arraigados de obrigação ou deontológicos, frequentemente de base religiosa. A Ética Utilitarista tem base experimental e
racional, como todas as demais éticas normativas. Sabemos que todos nós desejamos ser amados pelo grupo social onde
estamos inseridos. Desejamos ser úteis e aceitos por este grupo. Se atendermos aos interesses dos membros do grupo, a nossa
própria vida melhora, pois nós mesmos fazemos parte do grupo.
Quanto a este tema cabe ainda uma consideração. Como vimos, no estabelecimento de prioridades desta linha ética, uma
atitude é considerada “mais certa” se promove uma felicidade maior e é “ainda mais certa” se promove uma felicidade maior
para um número maior de pessoas. Tal consideração pode levar ao pensamento que a maior felicidade de um grupo maior de
pessoas justificaria a infelicidade de um grupo menor. Ou um bem da maioria justifica um mal da minoria. Com tal leitura a
Ética Utilitarista deixa de ser uma ética de universalização e generalização da felicidade, e passa a ser uma ética de promoção
do bem estar de maiorias.
O Utilitarismo com tal enfoque, por exemplo, justificaria a condenação de Jesus já mencionada, como também o extermínio de
um grupo terrorista, de indivíduos pertencentes a um grupo político opressor de uma população, de um ditador, ou de modo
geral, de qualquer minoria incomoda. Estes e muitos outros exemplos podem ser observados nas ações políticas, tanto do
passado quanto do presente.
Referência
LAW, STEPHEN. Guia Ilustrado Zahar – Filosofia. Jorge Zahar Editor. Brasil. 2 ed. 352p. 2007. (Título original: Eyewitness
Companions: Philosophy.) ISBN 978-85-378-0070-6
Paul Fernand Milcent
Um seu amigo
III
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