Módulo I - PROJETOS DE AÇÃO PEDAGÓGICA E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO E LUGAR DE ENSINOAPRENDIZAGEM Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... Fernando Pessoa Há um ver-por-ver, sem ato intencional do olhar, e há um ver como resultado obtido a partir de um olhar ativo... Alfredo Bosi A construção de um saber tecido na relação entre teoria e prática de organizações educacionais em que a escola seja vista como organização de trabalho e lugar de ensino e aprendizagem inicia-se no ato de compreender o que acontece concretamente na unidade escolar, até porque pensar a instituição educacional a partir de um ponto de vista amplo leva à compreensão dos fenômenos educativos em toda a sua complexidade, seja humana, técnica ou científica. O mundo contemporâneo tem passado por transformações das mais diversas, sejam econômicas, políticas, sociais e culturais, em virtude dos avanços tecnológicos, da reestruturação do sistema de produção e desenvolvimento, da compreensão do papel do Estado, em suma, da globalização. A escola, instituição social, tem sido inquirida sobre qual seria seu papel frente a essas transformações. Portanto, refletir sobre organizações escolares sugere olhar o percurso das ideias acerca das unidades de educação ao longo das últimas décadas. Alguns autores as viram centradas nos alunos, segundo uma abordagem individual, ou seja, como máquinas de aprendizagem; outros, de acordo com uma perspectiva institucional, como organismos preocupados com a racionalização e a eficácia do ensino; hoje em dia, as unidades escolares são vistas como lugares de interação social, dotadas de cultura e caracterizadas por valores, crenças e ideologias. De acordo com Libâneo (2004, p. 30), existem minimamente duas formas de ver a gestão centrada na escola: • na perspectiva do ideário neoliberal: colocar a escola como centro das políticas significa liberar boa parte das responsabilidades do Estado, dentro da lógica do mercado, deixando às comunidades e às escolas a iniciativa de planejar, organizar e avaliar os serviços educacionais; • na perspectiva sociocrítica: a escola é vista como espaço educativo, uma comunidade de aprendizagem construída por seus atores. A gestão e a organização da escola são entendidas como práticas educativas, afinal, passam valores, atitudes, modos de agir, influenciando as aprendizagens de professores e alunos, ou seja, significa valorizar as ações concretas dos profissionais na escola, decorrentes de sua iniciativa, de seus interesses, de sua participação, dentro do contexto sociocultural da escola, em função do interesse público dos serviços educacionais prestados sem, com isso, desobrigar o Estado de suas responsabilidades (Libâneo, 2004, p. 30). Assim, Lima (2002b, p. 33) afirma, ao conceituar a escola, que esta é, simultaneamente, “locus de reprodução e locus de produção de políticas, orientações e regras (...) porque, finalmente as organizações são sempre as pessoas em interação social, e porque os atores escolares dispõem sempre de margens de autonomia relativa”. Certo é que a unidade escolar, organização social, inserida num contexto, adquire características que a reflete em seu cotidiano. Sua prática realiza-se em condições historicamente delineadas, de modo que o atendimento das necessidades e interesses diversos ocorra. Para tanto, à luz do pensamento de Militão Silva (2001, p. 42), refletir sobre a autonomia da unidade escolar supõe, para além do conhecimento das características do sistema no qual se insere a escola, conhecer a própria escola e, assim, verificar os problemas e as perspectivas que dela decorrem tendo em vista a implantação de um funcionamento autônomo. Faça um exercício a partir de sua memória. Reflita e tente se lembrar do que você leu até aqui e reescreva, com suas palavras. Conhecendo a unidade escolar A escola, organização social, é o lugar em que se concretiza o objetivo do sistema escolar, ou seja, o atendimento dos alunos nas relações de ensino e aprendizagem. Segundo Militão Silva (2001, p. 43), há três modos de encarar a escola que poderão produzir formas diferenciadas para a abordagem das questões concretas e que, consequentemente, levarão a soluções também diferentes. Ei-los: • centrado na sala de aula: quando o ponto central da realidade escolar encontra-se na sala de aula, local em que se dá a chave para mudanças, a relação professor-aluno; • pautado nas formas de organização da sociedade: nessa abordagem, as mudanças na escola somente ocorrerão quando já estiverem concretizadas na sociedade como um todo. As ações de professores e alunos são reflexos do contexto social em que a escola está inserida; • nível intermediário: não se detém apenas na sala de aula nem apenas no contexto social. Para que se entenda o funcionamento da escola, é necessária a compreensão da unidade escolar como uma organização social. Decerto uma unidade de educação pode ser vista de variadas formas, mas “seria na escola que as crianças aprenderiam, de modo sistemático, a se submeter a uma autoridade impessoal?” (Enguita, 2004, p.29). Escola: Espaço de interação entre sujeitos que ensinam e sujeitos que aprendem; isto é, espaço no qual sujeitos estabelecem relações com o saber. Com o correr do tempo, as organizações educacionais classificaram-se de formas diversas. Assim, olhar a unidade educacional como organização é vê-la contextualizada em suas várias dimensões, pois, na esteira do pensamento de Nóvoa (1992, p. 20), trata-se de um enfoque particular sobre a realidade educativa que valoriza as dimensões contextuais e ecológicas, procurando que as perspectivas mais gerais e mais particulares sejam vistas pelo prisma do trabalho interno das organizações escolares. Partindo do pressuposto da relação existente entre organização e ambiente, a organização escolar é considerada um sistema aberto, não exclutório, que se relaciona com seu meio, captando informações para orientar seus objetivos e, de acordo com essa perspectiva, a escola pode ser vista como instituição social, pois é constituída da convivência e da realização de trabalho, uma construção social que “leva a pôr ênfase na ação dos indivíduos, nos seus interesses, nas suas estratégias, nos seus sistemas de ação concreta” (Barroso, 1996, p. 10). Desse modo, “(...) as organizações escolares, ainda que estejam integradas num contexto cultural mais amplo, produzem uma cultura interna que lhes é própria e que exprime os valores (ou os ideais sociais) e as crenças que os membros da organização partilham” (Brunet apud Nóvoa, 1992, p. 29). A partir do exposto, vê-se que há uma cultura interna na organização escolar composta pelos significados individuais dos atores e que são partilhados, assim como há um conjunto de variáveis exógenas que interferem na definição identitária da organização, o qual podemos chamar de cultura externa da organização.