Os Princípios e a Normatividade Jurídica

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Série Aperfeiçoamento de Magistrados 11tCurso de Constitucional - Normatividade Jurídica
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Os Princípios e a
Normatividade Jurídica
Mauro Pereira Martins 1
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Hodiernamente, os princípios são caracterizados como normas jurídicas, servindo, destarte, como fundamento para a solução de questões
controvertidas, sendo certo, no entanto, que a tal ponto se chegou após
larga e gradativa evolução.
Com efeito, até a primeira metade do século XX, os princípios tinham valor meramente programático, refletindo uma ideologia, não possuiam caráter coercitivo, servindo para o aplicador da lei de modo supletivo, nas hipóteses em que a norma se apresentava lacunosa.
Em tal diapasão, o art. 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil,
por inspiração positivista, estabeleceu que, nas hipóteses de lacuna da lei,
cabia ao aplicador do direito se valer da analogia, costumes e, por último,
dos princípios gerais do direito.
Segundo Luiz Roberto Barroso: “a busca de objetividade científica,
com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato
emanado do Estado, com caráter imperativo e força coativa. A ciência do
Direito, como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam
ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam
uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito
que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça” (A Nova Interpretação Constitucional, p. 335).
O desprestígio do positivismo como corrente filosófica coincidiu
1 Juiz Titular da 4.ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro.
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com a derrocada do nazifascismo, fenômeno histórico ocorrido próximo
ao fim da primeira metade do século XX, uma vez que tais movimentos
políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade,
cabendo frisar que atos de barbárie gravados na história foram cometidos
em nome da lei.
No aludido cenário, os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade
competente como justificativa para suas condutas, sendo que, ao término
da Segunda Guerra Mundial, a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal já
não tinha mais qualquer aceitação, sendo aquele contexto propício para o
surgimento de uma nova corrente filosófica a formatar o mundo jurídico.
O pós-positivismo configurou, então, um ideário difuso, no qual se
incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos
da denominada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos
textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e
ética.
O novel cenário se espraiou pelos ordenamentos jurídicos, vislumbrando-se, assim, uma diversa maneira de se dizer e de se aplicar o direito, prestigiando-se, sobremodo, os princípios, que passam a se caracterizar
como normas jurídicas incidentes direta e imediatamente sobre as relações
sociais.
Conforme preleciona Luiz Roberto Barroso “a interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: a primeira,
quanto ao papel da norma, que seria o de oferecer, no seu relato abstrato,
a solução para os problemas jurídicos; a segunda, quanto ao papel do juiz,
que seria o de identificar a norma aplicável ao problema que lhe cabe resolver, revelando a solução nela contida. Sua função seria uma função de
conhecimento técnico, de formulação de juízos de fato. Com o tempo, as
premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tra-
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dicional deixaram de ser integralmente satisfatórias, quer quanto ao papel
da norma, quer quanto ao papel do intérprete. De fato, quanto ao papel
da norma, a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no
relato abstrato da norma. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes,
analisados topicamente; quanto ao papel do juiz, já não será apenas um
papel de conhecimento técnico, voltado para revelar o sentido contido na
norma. O juiz torna-se coparticipante do processo de criação do Direito,
ao lado do legislador, fazendo valorações próprias, atribuindo sentido a
cláusulas abertas e realizando escolhas” (Temas de Direito Constitucional, t. III, 2005, p. 515-16).
PRINCÍPIOS E REGRAS
Atualmente, constitui consenso no mundo jurídico o entendimento no sentido de que as normas em geral se enquadram em duas grandes
categorias diversas: os princípios e as regras, tendo sido superada a ideia,
conforme mencionado no tópico anterior, de que os primeiros teriam dimensão puramente axiológica, ética e sem eficácia direta e imediata.
Há que se estabelecer, neste momento, as diferenças entre uns e
outros, ressaltando-se, desde logo, que as regras possuem normalmente
relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um
conjunto delimitado de situações. Em tal diapasão, verificando-se ocorrer
a hipótese prevista em seu texto, a regra incide pelo tradicional método da
subsunção.
Os princípios, por outro lado, contêm relatos com maior grau de
abstração, não especificando a conduta a ser seguida e se aplicando a um
conjunto amplo e indeterminado de situações. Numa ordem democrática,
os princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas.
Com efeito, os princípios consagram os valores éticos e morais vigentes na sociedade, sendo, por conseguinte, corriqueira a verificação de
situações concretas nas quais se vislumbra colisão entre os mesmos, caben-
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do ao aplicador do direito a solução da questão.
Em tais hipóteses, a aplicação do direito se dá através da ponderação:
à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio
deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, preservando o máximo de cada um, na medida do possível.
Luiz Roberto Barroso enuncia que: “o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos
quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto” (A Nova
Interpretação Constitucional, p. 340).
Na mesma linha de pensamento, Ana Paula de Barcellos enfatiza
que: “é possível identificar uma relação entre a segurança, a estabilidade e
a previsibilidade e as regras jurídicas. Isso porque, na medida em que veiculam efeitos jurídicos determinados, pretendidos pelo legislador de forma
específica, as regras contribuem para a maior previsibilidade do sistema
jurídico. A justiça, por sua vez, depende em geral de normas mais flexíveis, à maneira dos princípios, que permitem uma adaptação mais livre às
infinitas possibilidades do caso concreto e que sejam capazes de conferir
ao intérprete liberdade de adaptar o sentido geral do efeito pretendido,
muitas vezes impreciso e indeterminado, às peculiaridades da hipótese examinada” (Ponderação de Normas: alguns parâmetros jurídicos, projeto de
tese de doutoramento aprovado no programa de Pós-graduação em Direito
Público da Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Impende, outrossim, gizar que vige na doutrina inúmeros critérios
distintivos entre as regras e os princípios, sendo que três deles se afiguram
destacados: a) o conteúdo; b) a estrutura normativa; c) as particularidades
da aplicação.
Quanto ao conteúdo, destacam-se os princípios como normas que
identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados. Trazem,
em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão política. Isonomia, moralidade, eficiência são valores. Justiça social, desenvolvimento
nacional, redução das desigualdades regionais são fins públicos.
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As regras, por outro lado, limitam-se a traçar uma conduta. A questão relativa a valores ou a fins públicos não vem explicitada na norma
porque já foi decidida pelo legislador e não transferida ao intérprete. Daí
ser possível afirmar-se que regras são descritivas de conduta, ao passo que
princípios são valorativos ou finalísticos.
Com relação à estrutura normativa, tem-se que o relato de uma regra especifica os atos a serem praticados para o seu cumprimento adequado. Conquanto a atividade do intérprete jamais possa ser qualificada como
mecânica, uma vez que em todas as hipóteses lhe caberá investigar o sentido da norma, a aplicação de uma regra normalmente não envolve processo
de racionalização mais sofisticado.
Com efeito, se ocorre o fato previsto em abstrato, produz-se o efeito
concreto prescrito.
Os princípios, por sua vez, indicam fins, estados ideais a serem alcançados. Como a norma não detalha a conduta a ser seguida para a sua
realização, a atividade do intérprete será mais complexa, pois a ele caberá
definir a ação a tomar.
Tem-se, ainda, em relação aos princípios outro aspecto, que propicia
dificuldade adicional. Eventualmente, o fim a ser atingido ou o estado ideal
a ser transformado em realidade pode não ser objetivamente determinado,
envolvendo uma integração subjetiva por parte do intérprete.
Assim, um princípio possui um sentido e alcance mínimos, um
núcleo essencial, no qual se equipara às regras. A partir de determinado
ponto, no entanto, ingressa-se num espaço de indeterminação, no qual a
demarcação de seu conteúdo se afigura sujeita à concepção ideológica ou
filosófica do intérprete.
À guisa de ilustração, pode ser invocado o princípio da dignidade
da pessoa humana. Além de não explicitar os comportamentos necessários para realizar a dignidade humana, pode ocorrer controvérsia acerca do
significado da própria dignidade, a partir de um determinado conteúdo
essencial, conforme o ponto de observação do intérprete.
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, implicitamente contidos no texto da Constituição da República, por igual, possuem
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conteúdo impreciso, demandando atividade valorativa por parte do intérprete, inexistindo possibilidade de imediata subsunção do fato à norma.
Em tal diapasão, dúvidas inexistem no sentido de que a realidade
social e a formação ideológica e filosófica do intérprete participam do processo de racionalização da norma, sendo que a interpretação demanda a
definição em concreto de conceito jurídico indeterminado.
No tocante ao modo ou particularidades de sua aplicação, denotase que as regras se traduzem em proposições normativas aplicáveis sob a
forma de tudo ou nada. Se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve
incidir, de modo direto e automático, produzindo os seus efeitos. A regra
somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for
inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver mais em vigor. A
aplicação ocorrerá, precipuamente, mediante subsunção.
Os princípios contêm, normalmente, maior carga valorativa, um
fundamento ético, uma decisão política relevante e indicam determinada
direção a seguir. Ocorre que, numa ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes
contrapostos.
A colisão de princípios, destarte, não somente é possível, como integra a lógica do sistema, que, por essência, é dialético.
Portanto, a sua incidência, diversamente do que ocorre com as regras, não ocorre pelo sistema de tudo ou nada, não havendo a subsunção
direta e imediata.
Em tal linha de pensamento, deve-se reconhecer aos princípios uma
dimensão de peso ou importância, de sorte a ensejar que o intérprete, à
vista dos elementos do caso concreto, deva realizar as escolhas fundamentadas ao se defrontar com antagonismos inevitáveis, como os que existem,
por exemplo, entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade, a
livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e sua função
social.
A aplicação, portanto, dos princípios se dá, predominantemente,
mediante ponderação.
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PONDERAÇÃO DE INTERESSES, BENS VALORES E NORMAS
Conforme já exposto, quando se trata da aplicação de regra à determinada situação de fato, o método adotado é o da subsunção direta e
imediata.
No entanto, tratando-se da aplicação de princípio, inexiste a subsunção, impondo-se ao intérprete valorar a situação concreta que lhe é
posta, aplicando, caso seja do seu entendimento, o princípio consagrado
pela norma jurídica.
Desde logo, faz-se oportuno salientar que no caso concreto, com frequência, verifica-se a colisão entre valores consagrados pelo ordenamento
jurídico, sendo, então, a ponderação a forma pela qual o aplicador irá dizer
qual o princípio jurídico que, na hipótese concreta, prevalecerá.
Situação emblemática e que se revela costumeira nos dias atuais se
traduz no conflito permanente entre a liberdade de expressão e de imprensa e o direito à privacidade. Aludida questão é objeto de debates frequentes
nos Tribunais, tendo em vista a colidência entre os valores agasalhados
pelas normas e a tensão decorrente do choque entre ambas.
Em tais hipóteses, verifica-se que não há como, em tese, solucionarse o conflito, sendo somente possível diante da situação concreta, mediante
a ponderação, verificar-se qual o princípio deve prevalecer.
A ponderação pode ser descrita como a técnica jurídica de solução
de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.
As hipóteses de colisão ou tensão entre enunciados normativos válidos, muitas vezes de estatura constitucional, têm, como exposto, se tornado cada vez mais frequentes. As sociedades democráticas contemporâneas
são cada vez mais plurais e as diferentes concepções de pessoas e grupos
nem sempre são harmônicas.
Faz-se oportuno ressaltar que não só a Constituição da República
consagra normas jurídicas na forma de princípios, como se verifica a tendência de se encontrar normas com expressões genéricas na ordem infraconstitucional.
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Com efeito, à guisa de ilustração, pode ser citado o Código Civil,
que trouxe para a ordem jurídica normas com caráter genérico e com conteúdo impreciso, transferindo para o intérprete a missão de aplicá-las no
caso concreto, mediante a ponderação.
A função social do contrato em contraposição à liberdade contratual
e a boa-fé objetiva em contraposição ao princípio de que o contrato é lei
entre as partes configuram situações de tensão que somente nos casos concretos se é possível averiguar qual o valor se mostra preponderante.
Transfere-se, assim, para o aplicador a missão de dizer o sentido da
norma jurídica, alargando-se, sobremodo, o campo para a interpretação
do direito.
Depreende-se, de tal modo, que, considerando que cada intérprete
traz consigo sua própria bagagem de pré-compreensões, o cenário para a
proliferação de conflitos se encontra montado.
Ana Paula de Barcellos afirma que: “se as exigências de racionalidade
e justificação são próprias a toda interpretação e decisão jurídicas, o serão
ainda com maior intensidade nas hipóteses em que se pretenda utilizar a
ponderação. Isso, porque, nesses casos, a legitimidade de uma decisão ou
dos critérios adotados para superar conflitos normativos não decorre de
forma evidente de enunciados normativos e nem se funda em uma subsunção simples” (Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional,
p. 297/298).
Há que se mencionar, entretanto, que aludida liberdade conferida
ao intérprete na aplicação do Direito, em se tratando da incidência de
princípio com conteúdo impreciso, se por um lado propicia a busca de fins
objetivados pela norma, a consagração de valores éticos e morais vigentes
no meio social, por outro traz certa insegurança, que por vezes não se afigura desejável.
Com efeito, um dos pilares do estado de direito se traduz na segurança jurídica, que, com a presente tendência ora apresentada afigura-se
relativizada.
Luiz Roberto Barroso adverte que: “no estágio atual, a ponderação
ainda não atingiu o estágio desejável de objetividade, dando lugar a ampla
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discricionariedade judicial. Tal discricionariedade, no entanto, como regra, deverá ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico não tenha
sido capaz de oferecer a solução em tese, elegendo um valor ou interesse
que deva prevalecer. A existência de ponderação não é um convite para
o exercício indiscriminado de ativismo judicial” (A Nova Interpretação
Constitucional, p. 350).
EXAME DE CASO CONCRETO
Em conformidade com o que foi desenvolvido, tem-se que, nos dias
atuais, inúmeras são as situações concretas nas quais se verifica a existência de conflito entre valores tutelados pela ordem jurídica, cabendo, em
tais hipóteses, ao aplicador do Direito, mediante a técnica da ponderação,
esclarecer qual o princípio deve prevalecer, pesando e sopesando todos os
aspectos envolvidos na discussão e concluindo pela prevalência de um sobre o outro. Também como já afirmado, neste momento, o intérprete atua
com carga maior de liberdade e discricionariedade, valorando o caso concreto e buscando no âmago do ordenamento jurídico a solução que melhor
atende aos seus objetivos e anseios.
Dentre as inúmeras hipóteses possíveis, opta-se, neste momento,
pela análise dos casos nos quais o paciente, por convicção religiosa, livre e
conscientemente, se recusa a receber tratamento por transfusão de sangue,
ainda que tal recusa lhe venha a propiciar risco de morte.
Aludido conflito deságua, com grande frequência, nos Tribunais,
tendo em vista que profissionais da medicina buscam, ante a recusa por
parte do paciente, a providência jurisdicional respectiva, visando a receberem autorização para ministrarem compulsoriamente a transfusão de
sangue.
Invocam, para tanto, o direito à vida, por essência, indisponível,
cabendo, em tais hipóteses, ao juízo valorar o conflito entre os valores em
choque.
A jurisprudência, de início, inclinou-se por acatar a tese da indisponibilidade do direito à vida, acolhendo, assim, os pedidos deduzidos no
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sentido de que fossem os pacientes compelidos a receberem a transfusão
de sangue.
Ao contrário do que a princípio pode parecer, a questão não se revela singela, envolvendo inúmeros aspectos, razão pela qual, ainda que o
conflito não se tenha resolvido na jurisprudência, tem-se nos dias de hoje
posicionamento abalizado em sentido contrário àquele aludido, ou seja,
de prestígio à decisão consciente e esclarecida do paciente, que, por suas
próprias convicções, se opõe ao recebimento de transfusão de sangue.
Há que se salientar, por importante, que a hipótese contempla pacientes maiores e em plena consciência para decidir a questão, de maneira
absolutamente esclarecida.
Assim, tem-se de um lado, conforme explicitado, o direito sagrado
e inalienável à vida, invocado pelo médico ou pela instituição hospitalar
e, de outro, o direito à liberdade de crença e o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Afigura-se, pois, concretizado o conflito de valores, incumbindo ao
intérprete, através da ponderação, decidir qual o princípio preponderante.
A hipótese, como tantas outras, afigura-se de difícil solução, havendo bons argumentos num e noutro sentido, sendo certo que, em que pesem as abalizadas opiniões em contrário, o direito à vida se condiciona a
uma existência digna.
A pessoa que professa, com absoluta legitimidade, a religião “Testemunhas de Jeová” possui crenças e não admite a transfusão de sangue
como tratamento médico. Em tal circunstância, mais uma vez em absoluto
respeito a entendimentos diversos, não cabe ao Estado impor a medida que
pode vir a lhe salvar a vida, mas, por outro lado, impor-lhe-á uma existência infeliz e irremediavelmente divorciada de suas convicções religiosas,
com o comprometimento do convívio em seu meio social.
Haverá, assim, ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana,
a pretexto de assegurar-se o direito à vida.
Há, outrossim, aspectos relacionados com a saúde pública que vêm
a legitimar eventual decisão do paciente de não se submeter à transfusão
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de sangue. Impende destacar, entretanto, ser fundamental que o paciente
esteja consciente para decidir, de maneira esclarecida, não querer o tratamento na forma citada.
A situação exposta não comporta, a toda evidência, solução única e
imune a críticas. Ao revés, demanda um processo de valoração e racionalização no qual o aplicador irá concretizar o Direito, mediante a ponderação, sopesando de um lado o direito à vida e de outro o direito à liberdade
de crença e a dignidade da pessoa humana.
Ainda que, num primeiro momento, haja uma tendência de se prestigiar o direito à vida, impondo-se o tratamento necessário, sob o fundamento da indisponibilidade do direito, há que se ter em mente os demais
valores envolvidos na questão.
Assim, ainda que, ao final, entenda-se que o direito à vida deve prevalecer, a aludida conclusão deve forçosamente levar em consideração todos os aspectos e valores envolvidos. ♦
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