Sociologia Jurídica Apresentação 2.1.b Capitalismo, Estado e Direito O direito na sociedade moderna • Fonte: UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito na Sociedade Moderna – contribuição à crítica da teoria social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, capítulos II e III, pp. 58-95, 145-246). (pp. 167-191 e 202-213) • O direito e as formas de sociedade • O direito e a modernidade Sociedade Estamental – Sucede a sociedade feudal – É uma sociedade aristocrática – Precursora imediata da sociedade liberal • Características: 1. Marcada por duas cisões básicas: – Separação massa e elite – Separação entre o poder real e os estamentos que constituem a elite Sociedade Estamental 2. Os estamentos que constituem a elite organizam-se em assembleias – Cada assembleia fala em nome próprio, defendendo os interesses do grupo – Não há interesses gerais 3. Equilíbrio entre os interesses reais e os interesses comerciais – Contexto: capitalismo comercial das cidades mercantis e centralização administrativa do rei Sociedade Estamental • Estruturas estamentais: – Bicameralismo inglês • Alta nobreza na câmara superior e pequena nobreza e comerciantes na inferior – Tripartição francesa • Nobreza, clero e grupos comerciantes Direito na Sociedade Estamental • Direito Administrativo • Há dois componentes, em oposição: – Setor profano de ordenações discricionárias (lex) • Livre para agir em nome dos interesses reais ou sociais • Público e positivo • Não é geral nem autônomo – Esfera da vida social imune ao soberano (ius) • Sujeita apenas a uma ordem sagrada e suprapositiva que, inicialmente, estabelece os privilégios • Não é público nem positivo • Geral e autônomo Direito na Sociedade Estamental • Aos poucos, a diferença entre os setores transforma-se: – O soberano é obrigado a adotar leis gerais e autônomas • Fortalece-se a diferença entre administração e legislação • Surge um judiciário independente, com pessoas e métodos próprios, para fiscalizar o emprego administrativo da legislação – O direito das prerrogativas torna-se, aos poucos, público e positivo • Não perde seu caráter de superior ao próprio governo Direito na Sociedade Liberal Elementos característicos da sociedade liberal: 1. Multiplicidade de funções cada vez mais especializadas – Cada pessoa exerce algumas funções em sua vida (fragmentação da personalidade) 2. Desaparecimento da nítida distinção entre associados e estranhos – Ordem social torna-se associação de interesses 3. Oposição entre ideais e realidade – Sociedade precisa justificar-se perante os membros – Sem essa justificativa, existência é experimentada como arbitrária ou sem sentido Direito na Sociedade Liberal • Interesse particular motiva a união entre os homens – Necessidade de usarem-se uns aos outros para satisfação dos próprios desejos – Ideais morais, estéticos ou religiosos são redefinidos como interesses ou preferências particulares, para os quais não há critérios públicos • “Como, então, pode existir consenso sem autoridade, estabilidade sem convicção, ordem sem justificação?” Direito na Sociedade Liberal • Para desenvolver a questão, é preciso compreender que a sociedade liberal é, antes de tudo, uma sociedade de classes – Há uma distribuição hierárquica de grupos sociais no que tange ao acesso à riqueza, ao poder e ao conhecimento – Comparativamente com a sociedade aristocrática, a sociedade liberal é mais aberta – Mas essa abertura dificulta a legitimação da hierarquia Direito na Sociedade Liberal • “A subordinação de classes e atribuições é suficientemente estanque e inclusiva para determinar grande parte da condição social do indivíduo, e para ser considerada como o seu determinante. Mas é também suficientemente aberta e parcial para ser vista como algo contingente e até mesmo arbitrário, fundamentalmente destituído de qualquer base na natureza das coisas” Direito na Sociedade Liberal • Todo consenso numa sociedade de classes passa a parecer corrupto em virtude das desigualdades da condição social hierárquica – Mesmo que busque a igualdade, a desigualdade restante o desmente • O sistema de poder da sociedade liberal tornase incapaz de preservar a sua autoridade – Mas, dadas as disparidades sociais de poder, a falta de legitimidade não significa que os homens possam derrubar ou substituir o sistema Direito na Sociedade Liberal • “Podemos agora compreender a misteriosa coexistência de resignação e descrença, de desigualdade de poder e de convicções igualitárias que caracteriza a consciência na sociedade liberal” • “As questões básicas da especulação no campo da jurisprudência e da política resultam da dupla experiência da injustificabilidade da ordem de classes existente e da corrupção dos acordos ou tradições morais pela injustiça da sua origem” Direito na Sociedade Liberal • Surge o Estado de Direito – Luta-se por um poder mais forte, impessoal e independente, que elimine as arbitrariedades da hierarquia social – Caracterizado pela neutralidade, uniformidade e previsibilidade • Regras gerais e aplicadas uniformemente • Separam-se os procedimentos de administração, legislação e jurisdição • Todos devem participar do processo de elaboração das leis Direito na Sociedade Liberal • Para atingir seu objetivo, o Estado de Direito deve: 1. Concentrar no governo os poderes mais importantes ou mais fortes da sociedade 2. Moderar, por regras, esse poder, evitando seu uso pessoal ou arbitrário – As duas premissas levam à separação entre direito público e direito privado Direito na Sociedade Liberal • Todavia, as duas premissas nunca se concretizam totalmente na sociedade liberal – O governo não concentra em suas mãos os poderes mais importantes ou mais fortes da sociedade • Hierarquias da família, do trabalho e do mercado não são modificadas pela igualdade formal – O poder nem sempre é exercido de modo impessoal e imparcial Direito na Sociedade Liberal • “os motivos do fracasso dessa tentativa de garantir a impessoalidade do poder são os mesmos que originariamente inspiraram tal esforço: a existência de uma ordem de classes relativamente aberta e parcial, e a concomitante desintegração de um consenso que pretende justificar-se a si mesmo. Os fatores que tornam a busca necessária impedem também o seu sucesso. O Estado, fiscal supostamente neutro do conflito social, é sempre envolvido no antagonismo dos interesses privados e transformado em instrumento de uma ou de outra facção.” Desintegração do Estado de Direito na Sociedade Pós-Liberal • Caracteres da sociedade pós-liberal: – Intervenção do governo em áreas anteriormente consideradas fora da esfera de ação do Estado – Estado de bem-estar – Gradual aproximação entre o Estado e a sociedade e entre as esferas pública e privada • Estado deixa de ser guardião neutro da ordem social • Organizações privadas tornam-se cada vez mais poderosas, assumindo poderes governamentais – Estado corporativo Desintegração do Estado de Direito na Sociedade Pós-Liberal • Declínio do Estado de Direito (bem-estar) – Expansão no uso de normas ilimitadas e cláusulas gerais na legislação, administração e jurisdição – Transição de estilos de raciocínio legais formalistas para estilos teleológicos ou prudenciais (da preocupação com a justiça formal para uma preocupação com a justiça substantiva) • Levam a uma crise da generalidade da lei e da autonomia da ordem jurídica – Normas tornam-se particulares, defendendo grupos sociais específicos – Argumento jurídico aproxima-se do argumento político ou econômico Desintegração do Estado de Direito na Sociedade Pós-Liberal • Declínio do Estado de Direito (corporativismo) – As fronteiras entre a lei estatal e a ordem normativa das instituições não estatais diluem-se • Fracassa a ideia de concentrar no governo todo poder importante – Surgem clamores contra regras impostas pelo Estado e a favor de normas espontâneas que surgem nos grupos sociais • Tendências corporativas da sociedade levam a uma crise de publicidade e positividade do direito