Universidade do Estado do Rio de Janeiro – 2006/1 Prova de Filosofia da Ciência I – Professora Vera Aluna: Isabel Estrêla 1 – Explicitar o conceito de objeto da história da ciência e suas implicações para a epistemologia, de acordo com Georges Canguilhem. Entendermos o conceito de objeto da história da ciência é, tomando emprestada a clareza das palavras de Canguilhem, o mesmo que perguntar “de quê se faz a história na história das ciências”. O debate entre internalismo e externalismo também ajuda a compreendermos essa questão, pois é dentro desse debate que podemos observar – de acordo com Canguilhem – que tanto os internalistas quanto os externalistas tomaram o objeto de uma determinada ciência como o objeto da história das ciências; isso porque o externalismo, que liga acontecimentos científicos a fatores sociológicos, acaba reduzindo o objeto da história das ciências ao objeto de uma “sociologia naturalista das instituições”, enquanto que o internalismo, buscando compreender a história das ciências do próprio interior da obra científica e de suas demarches, considera obrigatoriamente os fatos da história das ciências como fatos científicos. Mas se o objeto da história das ciências não é, então, o objeto científico, como explicitá-lo? Canguilhem escreve que a natureza não é, inicialmente, repartida em objetos de estudo para as ciências. É justamente o cientista que define, metodicamente, qual é o seu objeto de estudo, sempre a partir de uma teoria. Só pode existir cristalografia, por exemplo, a partir do momento em que é definida a espécie cristalina. Canguilhem chama de objeto natural o objeto antes do discurso científico, da maneira mesmo como é dado. O objeto natural não é, obviamente, o objeto científico. O objeto científico, a partir do momento que é definido por um discurso metódico sobre a natureza, é segundo com relação a esse objeto natural. Da mesma forma, a história da ciência define seu objeto a partir (mas não o deriva) do objeto científico. O sentido deste objeto está na historicidade do discurso científico. Essa historicidade nos revela um projeto interiormente regularizado, que pretende ser uma análise crítica e progressiva da relação entre a nossa inteligência e a verdade. O objeto da história das ciências não pode ser simplesmente dado e é necessariamente inacabado, uma vez que a verdade científica nunca é absoluta. O conhecimento da verdade é sempre provisório, sujeito a um novo julgamento (uma nova crise), onde poderia ser sancionado ou não. É essa mesma possibilidade de julgamento crítico da verdade e a própria atividade de julga-la que forma o conceito de objeto da história das ciências (ou epistemologia), poderíamos dizer.