UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A UNIÃO ESTÁVEL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA TALITA SANTANA DE OLIVEIRA Itajaí, 12 de junho de 2007 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A UNIÃO ESTÁVEL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA TALITA SANTANA DE OLIVEIRA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Ana Lúcia Pedroni Itajaí, 12 de junho de 2007 2 AGRADECIMENTO Para escrever este trabalho, detalhado e com o devido grau de complexidade, precisei da cooperação, incentivo e apoio de muita gente. Com efeito, na estrada da vida, todos somos devedores, aos amigos, devemos a compreensão, a tolerância, o estímulo, a palavra amiga nas horas difíceis e a própria crítica construtiva. Seria impossível agradecer, adequadamente, a todos que contribuíram para a concepção, desenvolvimento e finalização deste Trabalho, já que devo incluir minha mãe, meus professores pela vida afora, aos meus amigos que se envolveram com seu apoio e incentivo, e todos os que influenciaram a minha vida. Mas sou especialmente grata a Deus, a suprema fonte da sabedoria e da inspiração, a Ele devemos a vida em tua plenitude. Sem a divina graça e incentivo, teria, com certeza resvalado desastradamente em montanhas de desânimo e obstáculos, de que fui providencialmente resguardada em não poucas ocasiões. Neste trabalho sou devedora aos meus familiares que convivem com minha ansiedade de fazer o melhor, com muito empenho, à Simone dos Santos que foi extremamente prestativa, lendo e apresentando sugestões para melhorar meu texto e à minha Orientadora Ana Lúcia Pedroni, que me deu o devido suporte para que o melhor fosse feito. 3 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por me conceder a vida e a capacidade, pois sua graça nos transmite luz e sabedoria. Ao meu namorado, que demonstrou toda a paciência nas horas a fio que fiquei estudando ou na frente do computador. E à minha mãe que me incentiva, pois é meu suporte e luz para que eu possa trilhar sem medo meus caminhos cheios de esperança rumo à realização de meus sonhos. 4 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 12 de junho de 2007 Talita Santana de Oliveira Graduanda 5 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Talita Santana de Oliveira, sob o título A União Estável e o Contrato de Convivência, foi submetida em 12 de junho de 2007 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc Ana Lúcia Pedroni, Mda. Ana Selma Moreira e Prof. Mda. Caroline Verona e Freitas e aprovada com a nota 10,0 (dez). Itajaí, 12 de junho de 2007 MSc. Ana Lúcia Pedroni Orientador e Presidente da Banca Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia 6 ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART. Artigo CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 P. Página STF Supremo Tribunal Federal 7 ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que [o] Autor[a] considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Alimentos Alimentos são, pois as prestações devidas, feitas para que quem as recebe possa subtrair, isto é, manter sua existência, realizar o direito a vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional). 1 Casamento O casamento é um contrato solene, regulado por normas de ordem pública, no âmbito do Direito de Família, pelo qual um homem e uma mulher, criando, com ele, sua sociedade conjugal, submetem-se a um complexo de direitos e deveres, entre si e entre eles e seus filhos, de ordem pessoal e patrimonial2. Concubinato Entende-se por concubinato a união entre homem e a mulher, com o intuito de vida em comum sem as formalidades do casamento. Corresponde a “união livre” ou informal, porque sem as peias da celebração oficial e dos regramentos estabelecidos na lei para as pessoas casadas. 3 Contrato Juridicamente, tem-se o contrato como uma espécie de negócio jurídico, pois o mesmo se forma pelo concurso de vontades em torno de um "objeto".4 1 ALMEIDA, Estevam Apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 16 2 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 254 3 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. São Paulo. Editora Método. 2003 p. 73. 4 a AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das Sociedades. 35 edição, revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1995. 8 Contrato de Convivência É o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação por eles constituída.5 Família O conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum.6 Sucessão Sucessão é a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o respectivo sujeito, constituindo um dos modos, ou títulos, de transmissão ou de aquisição de bens, ou de direitos patrimoniais. A idéia de sucessão gira em torno da permanência de uma relação jurídica, que subsiste apesar da mudança dos respectivos titulares. 7 União Estável União estável, no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si pelo matrimônio... É a forma primitiva das uniões sexuais estáveis; é o estado intermédio entre a união fugaz e passageira e o matrimônio, consortium omnis vitae”. No segundo, “é a convivência more uxório, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher..., a união de fato, implicando não somente relações sexuais, mas também a prolongada comunhão de vida”8. 5 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55 e 56. 6 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, v.V, Direito de Família, p. 13 DINIZ, MARIA Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 15. 8 BITTENCOURT, Edgard de Moura. O concubinato no Direito. Vol. II Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda, 1969, 2ª ed. P. 105 e 106 7 SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................... XI INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 3 DA FAMÍLIA ....................................................................................... 3 1.1ORIGEM HISTÓRICA DA FAMÍLIA ..................................................................3 1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA..................................................................................5 1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES DE 1824 A 1969 ................7 1.3.1 A CONSTITUIÇÃO DE 1824 ................................................................................7 1.3.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1891 ................................................................................8 1.3.3 A CONSTITUIÇÃO DE 1934 ................................................................................9 1.3.4 AS CONSTITUIÇÕES DE 1937 À 1969 ...............................................................12 1.4 O DIREITO DE FAMÍLIA E A PROTEÇÃO DO ESTADO APÓS A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998............17 1.5 FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELO CASAMENTO .............................................21 1.6 FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELA UNIÃO ESTÁVEL........................................24 1.7 FAMÍLIA MONOPARENTAL ..........................................................................27 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 31 DA UNIÃO ESTÁVEL....................................................................... 31 2.1 A BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL ...............31 2.1.1 LEI N. 8.971/94 ..............................................................................................34 2.1.2 LEI 9.278/96..................................................................................................37 2.1.3 O NOVO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ......................................................................41 2.2 NATUREZA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL ..............................................48 2.3 CONCEITUAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.......................................................50 2.4 CARACTERÍSTICAS ......................................................................................54 2.4.1 CONVIVÊNCIA .................................................................................................54 2.4.2 AUSÊNCIA DE FORMALISMO .............................................................................57 2.4.3 DIVERSIDADE DE SEXOS ..................................................................................58 2.4.4 UNICIDADE DE VÍNCULO ..................................................................................59 2.4.5 ESTABILIDADE – DURAÇÃO .............................................................................60 2.4.6 CONTINUIDADE ...............................................................................................62 2.4.7 PUBLICIDADE .................................................................................................63 2.4.8 OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA .........................................................64 2.4.9 INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS ...............................................66 x CAPÍTULO 3 .................................................................................... 68 CONTRATO DE CONVIVÊNCIA ...................................................... 68 3.1 DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA..............................................................68 3.1.1 DO CONTRATO ................................................................................................68 3.1.2 CONCEITO DE CONTRATO DE CONVIVÊNCIA ......................................................69 3.2 OBJETO E REQUISITOS DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA....................73 3.2.1 AGENTE CAPAZ E OBJETO LÍCITO ....................................................................74 3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE FILHOS E ENTEADOS ....................................78 3.4 DIREITO PATRIMONIAL E HERANÇA..........................................................83 3.4.1 ALIMENTOS ....................................................................................................83 3.4.2 MEAÇÃO: REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL ................................................85 3.4.3 SUCESSÃO .....................................................................................................89 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 94 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 99 RESUMO O presente trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Direito, tem por objeto principal analisar a União Estável como entidade familiar. As mudanças da família ocorridas na sociedade brasileira e suas implicações nas Constituições, a formalização da entidade familiar após a promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como as demais leis que a regulamentaram posteriormente, inclusive o Código Civil de 2002. Iniciou-se a pesquisa com uma abordagem sobre a origem histórica da família em diversos organismos sociais e jurídicos chegando ao conceito de família. Fez-se também referência as Constituições do Brasil desde 1824 até 1988, especialmente no tocante as formas de famílias reconhecidas pelas Constituições do Brasil, com ênfase na Constituição Federal de 1988, buscando demonstrar a evolução das diretrizes que norteiam e definem a família brasileira. No que tange a união estável, foram destacadas as leis que a amparam, sua natureza jurídica, conceito e formas de constituição para o reconhecimento como entidade familiar, nos termos da Constituição Federal de 1988. As características da união estável também mereceram destaque, no presente trabalho, tanto por suas peculiaridades, quanto por suas importâncias legais. Por fim, abordou-se o contrato de convivência, sua definição, objeto e requisitos do mesmo, constituição patrimonial dos companheiros, a relação com os filhos advindos da união estável e dos anteriores a ela, bem como os direitos patrimoniais e sucessórios adquiridos pelos companheiros, a partir da união estável. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto investigar a União Estável, bem como as leis que a amparam, com o escopo de analisar a evolução da sociedade quanto à questão familiar, e como objetivo institucional produzir uma monografia em Ciência Jurídica pela UNIVALI. O seu objetivo geral é realizar um estudo sobre a origem histórica da família, do casamento, as transformações sociais quanto à constituição familiar, a adaptação das leis, verificando se há interação da legislação com união estável, e se esta relação satisfaz as necessidades a qual se propõem, e o específico é analisar o instituto da união estável, notadamente a sua formalização através do contrato de convivência e o devido amparo legal. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se da origem histórica da família, apresentando a organização familiar. Também será abordado neste capítulo o conceito de família, e o direito das mesmas desde a Constituição de 1824 até a Constituição de 1988, demonstrando as normas específicas que conduziam a família brasileira, e ainda far-se-á uma análise das três formas de famílias reconhecidas e resguardadas pela Constituição Federal de 1988, quais sejam: a família constituída pelo casamento, pela união estável e a família monoparental. No Capítulo 2, apresentar-se-á uma breve evolução histórica sobre a União Estável, com ênfase nas Leis 8.974/94 e 9.278/96 e no Código Civil de 2002. Destacar-se-á ainda a natureza jurídica, a conceituação da união estável, reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar e as características, ou seja, elementos de ordem objetiva e subjetiva que fundamentam a União Estável. No Capítulo 3, estudar-se-á o conceito de contrato de convivência, seus objetos e requisitos, a constituição patrimonial dos companheiros, considerações sobre filhos e enteados, a igualdade de direitos entre filhos anteriores e advindos da união estável, bem como o direito patrimonial 2 e a herança dos companheiros na união estável, quais sejam: alimentos, meação e sucessão. O presente Relatório de Pesquisa se encerrará com as Considerações Finais, nas quais serão apresentados os pontos conclusivos e destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a evolução da família na sociedade até o reconhecimento da união estável, bem como a necessidade de aperfeiçoamento das leis. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: a) As Constituições do Brasil anteriores a de 1988, preceituavam que a família merecedora de proteção jurídica era somente a família constituída pelo casamento indissolúvel. b) Após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a união estável foi reconhecida como entidade familiar e equiparada ao casamento. c) A união estável pode se constituir independentemente de formalidade imposta pela legislação, desde que atenda aos requisitos a ela pertinentes, porém a sua formalização poderá ocorrer através do contrato de convivência, que será assinado pelos conviventes, estabelecendo-se as cláusulas que regerão a união, notadamente no seu aspecto patrimonial. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 DA FAMÍLIA 1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA FAMÍLIA Entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos tempos. Nesse alvorecer de mais de um século, a sociedade de mentalidade urbanizada, embora não necessariamente urbana, cada vez mais globalizada pelos meios de comunicação, pressupõe e define uma modalidade conceitual de família bastante distante das civilizações do passado. No curso das primeiras civilizações de importância, tais como a assíria, hindu, egípcia, grega e romana, o conceito de família foi de uma entidade ampla e hierarquizada, retraindo-se hoje, fundamentalmente, para o âmbito quase exclusivo de pais e filhos menores, que vivem no mesmo lar9. Engels10, em sua obra sobre a origem da família, descreve que no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia). Disso decorria que sempre a mãe era conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve de início um caráter matriarcal, porque a criança sempre ficava junto a mãe, que a alimentava e a educava. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm à solidão. Mesmo sendo a vida aos pares um fato 9 VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17 ENGELS, Friedrich Apud VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17 10 4 natural, em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento cultural. Preexiste ao Estado e está acima do direito11. Por muito tempo na história, inclusive durante a Idade Média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião doméstica. Neste viés, enfatiza Coulanges12: O casamento era assim obrigatório. Não tinha por fim o prazer; o seu objetivo principal não estava na união de dois seres mutuamente simpatizantes um com o outro e querendo associarem-se para a felicidade e para as canseiras da vida. O efeito do casamento, à face da religião e das leis, estaria na união de dois seres no mesmo culto doméstico, fazendo deles nascer um terceiro, apto para continuador desse culto. Para Campos13 “a família se mostrou como a própria Igreja em miniatura, com sua hierarquia, seu local destinado ao culto, uma pequena capela, uma imagem ou um crucifixo ainda encontráveis em muitos lares”. Com o cristianismo, a Igreja começou a criar normas denominadas cânones, diferentes das provenientes do Estado, formando assim o Direito Canônico. Foi assim que o casamento adquiriu a forma de sacramento, onde homem e mulher se uniam formando “uma só carne”. Sendo Deus o ser maior responsável por essa união, o que fosse unido por ele o homem não poderia separar. Partindo-se deste conceito de indissolubilidade, as outras uniões existentes eram consideradas espúrias, precárias e dissolúveis a qualquer instante. 11 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 23 12 COULANGES, Apud VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 17 13 CAMPOS, Diogo Leite Apud VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 19 5 O direito bárbaro seguiu os passos do romano, suprindo algumas lacunas. Já o Direito germânico avançou no sentido de ser o casamento realizado na presença de um juiz que representava a comunidade, base para o casamento civil de hoje. O intervencionismo estatal levou à instituição do casamento, convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A própria organização da sociedade dá-se em torno da estrutura familiar, e não em torno de outros grupos ou de indivíduos em si mesmos. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta14. Portanto, apresentam-se, embora de relance, as várias fases da união entre o homem e a mulher, até chegarmos ao direito atual, resultado de uma longa evolução, que se impôs em face do fato social, que tornou uma realidade a constituição da entidade familiar paralelamente à formada de maneira oficializada. 1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA Primeira e principal forma de agrupamento humano, a família preexiste à própria organização jurídica da vida em sociedade, por isso que lhe dá origem, sendo considerada a célula mater de uma nação.15 A família como instituição social, é uma entidade anterior ao Estado, anterior a própria religião e também anterior ao direito que hoje a regulamenta, que resistiu a todas as transformações que sofreu a humanidade, quer de ordem consuetudinária, econômica, social, cientifica ou cultural, através da história da civilização, sobrevivendo praticamente incólume, desde os idos tempos, quando passou a existir na sua estrutura mais simples, certamente de 14 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 24 15 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 23. 6 forma involuntária e natural, seguindo, paulatinamente, na sua primordial função natural, que é a conservação e perpetuação da espécie humana.16 Consoante a este pensamento Hironaka17 expressa: Não se inicia qualquer locução a respeito da família se não se lembrar, a priori, que ela é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos. Sabe-se enfim, que a família é, por assim dizer, a história, e que a história da família se confunde com a história da própria humanidade. O conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral 18 comum. Sá Pereira19 comenta que “na verdade a família é um organismo social e um organismo jurídico”. Para Virgílio de Sá20 “a família não é criada pelo homem, mas pela natureza, porque o legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera, dado que, sendo um fenômeno natural, “ela antecede necessariamente ao casamento, que é um fenômeno legal”. Em suma, a família é o ponto de convergência natural dos seres humanos. Por ela se reúnem o homem e a mulher, movidos por atração física e laços de afetividade. Frutifica-se o amor com o nascimento dos filhos. Não importam as mudanças na ciência, no comércio ou na indústria humana, a família 16 17 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 22. citando Cf. GARCEZ FILHO, Martinho. Direito de família...cit., p.28. HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Apud OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. São Paulo. Editora Método. 2003 p. 23. 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, v.V, Direito de Família, p. 13 19 SÁ Pereira, apud PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, v.V, Direito de Família, p. 15 20 SÁ, Virgílio. Apud OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. São Paulo. Editora Método. 2003 p. 25 7 continua sendo o refúgio certo para onde acorrem as pessoas na busca de proteção, segurança, realização pessoal e integração no meio social21. 1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES DE 1824 A 1969 1.3.1 A Constituição de 1824 Nossa primeira constituição foi elaborada por um Conselho de Estado, sob forma de Projeto, sendo que, por motivos de perturbação política na época, nosso imperador D. Pedro I acabou jurando o projeto como lhe fora apresentado, tendo-a promulgado em 25 de março de 1824. Pela simples leitura da Constituição imperial percebe-se claramente que estava direcionada para o elemento político, fato que por si só dispensa a justificativa da ausência de um tópico específico sobre a família no sentido comum. Nesse aspecto, Oliveira22: Tendo em vista que nossa Constituição passou antes pelo crivo de uma comissão da Assembléia Constituinte e só posteriormente é que foi reformulada e adaptada aos interesses do monarca pelos integrantes do E. Conselho de Estado do Governo Imperial, composto de dez membros, e ainda sofreu uma reforma pelo Ato Adicional à Constituição do Império, cuja publicação foi datada de 12 de agosto de 1834, temos que nem os legisladores constituintes nem os eminentes ministros do referido Conselho e também os deputados da mencionada reforma constitucional trataram do tema família em tais oportunidades, fato que nos leva a admitir que não era esse tema considerado próprio de tutela constitucional, a ponto de ser inserido na Constituição brasileira da época, prevalecendo o entendimento de que tal assunto ainda era restrito ao direito comum. Logo, essa Constituição, por seu caráter não- intervencionista, não destinou normas específicas sobre a família brasileira, sua 21 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 24. 22 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 30 8 forma de constituição ou mesmo sua proteção, fatos que não deixam nenhuma dúvida de que se harmonizava com o pensamento individualista predominante da época, enquadrando-se perfeitamente no modelo de liberalismo clássico.23 1.3.2 A Constituição de 1891 Essa constituição republicana também não trouxe um capítulo específico dedicado à família. Apenas tomou o cuidado de inserir no parágrafo quarto do artigo 72 a afirmativa de que “A república só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita” ·24 O conteúdo de tal dispositivo foi uma forma de continuar marcando posição firma e definitiva diante do direito canônico, retirando da Igreja Católica o direito ao controle do ato jurídico válido do casamento e continuando a dar clara conotação de ilegalidade à cerimônia religiosa do casamento celebrada perante o clero religioso, até então considerado como religião oficial pelo direito constitucional imperial. Por ser pomposa cerimônia do casamento, ela constituía um dos mais fortes instrumentos de influência do credo católico sobre a vida privada dos brasileiros. Verifica-se ainda, nesta Constituição que o espírito predominante é o patriarcal, e o direito à cidadania continua sendo concedido exclusivamente à pessoa do sexo masculino, excluindo-se a mulher desse direito. Oliveira25, expressa: A realidade é que o espírito dessa Constituição optou por finalizar como o antigo Estado confessional ou religioso, quando se posicionou pelo casamento laico como o único e legal, secularizou os cemitérios submetendo às autoridades públicas municipais suas administrações e ainda proibiu expressamente subvenção oficial a cultos ou igrejas e as relações de dependência ou aliança com o governo da União ou dos Estados. 23 NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade da iniciativa na Constituição. São Paulo: RT, 1981, p. 60 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 35 25 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 36 24 9 E ainda, Cavalcanti26 sustenta que: O casamento será civil, isto é, realizado nos termos da legislação civil e perante autoridade pública. Atendeu-se aqui a tradição republicana instituída pelo Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890, seguindo, alas, ao movimento que desde o Império foi iniciado a fim de atender a quantos não professavam a religião oficial. A instituição do casamento civil pela República teve, porém, outra significação, qual a de dar ao ato um sentido leigo, fora da inspiração religiosa. O fato de a Constituição de 1891 ter expurgado o casamento religioso católico do mundo do direito, acabou provocando uma divisão de opiniões, onde uns, com o apoio do clero, sustentavam que a população deveria continuar só se casando na Igreja e outros defendiam que as pessoas deveriam pelo menos se casar perante a autoridade do Estado, tendo em vista que essa era a única maneira legal para se contrair casamento e constituir família regular em nosso país após o advento da vigência da primeira constituição republicana. Assim, esta Constituição, iniciou e terminou sem ter dedicado um capítulo especial destinado ao campo social e em especial uma proteção à família brasileira, enquanto perdurou a sua vigência. 1.3.3 A Constituição de 1934 Esta Constituição representou a transição do liberalismo clássico capitalista para intervencionismo do Estado, onde pela primeira vez normas relativas a alguns direitos sociais debutaram no corpo de uma Constituição Nacional. Ao analisar a Constituição de 1934, Miranda27 afirma que “ela possui elemento novo: é programática, em parte social-democrática, em parte ‘católica’; mais social-democrática e, pois mais acorde com o intervencionismo do 26 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. A Constituição Federal comentada. Rio de Janeiro, José Konfino Editor: 1949, p. 76 27 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição da república dos estados unidos do Brasil. Rio de Janeiro: editora Guanabara, 1936, t. I, p. 13. 10 Estado e com a doutrina política católica do que a de 1891, o que a faz católica nos pontos relativos à ordem econômica.” Assim, dentro de um de seus núcleos se preocuparam os legisladores constitucionais de 1934 em inserir a temática da família, da educação e da cultura. Após a promulgação dessa Constituição, temos que a matéria sobre a família foi tratada: a) no título III, Capítulo II, “Dos Direitos e Garantias Individuais”, art. 113 n. 34, assegurando a todos o direito de prover à própria subsistência e à da própria família, em diante trabalho honesto; b) no Título IV, “Da Ordem Econômica e Social”, art. 134, estabelecendo regra de vocação para suceder em bens de estrangeiros residentes no Brasil mais favoráveis ao cônjuge brasileiro e a seus filhos e, no art. 138, alíneas b a f, incumbindo à união, aos Estados e aos Municípios amparar a maternidade e a infância, socorrer as famílias de prole numerosa, proteger a juventude contra toda a exploração e contra o abandono físico, moral e intelectual e adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis; c) e, finalmente, no Título V, com a denominação “Da Família, da Educação e da Cultura, inserido no Capítulo I, “Da Família, arts. 144 até 147, que prescreviam in verbis: “Art.144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo Único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação do casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo”. “Art. 145. O casamento regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais do país”. “Art. 146. O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos 11 efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes na verificação dos impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento. Parágrafo único: Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os juízes criminais ou de menores nos casos de sua competência, em favor de pessoas necessitadas”. “Art. 147. O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita a impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos”. Quanto ao artigo 144, assevera Miranda28: No garantir a família como instituição, o art. 144 caracterizou o casamento como indissolúvel. A grosseira feitura do preceito aponta-o como algo de incoerente. A família é protegida como instituição; mas a alusão a casamento poderia levar a pensar-se que só existe família onde houve um casamento em que se fundasse e, ainda mais, que tal casamento há de ser indissolúvel. Seria absurdo ir-se até aí. O Estado protege a família como instituição, e se a proteção, que se lhe recomenda no art. 144, só pudesse recair na família constituída pelo casamento indissolúvel, teríamos que a Constituição de 1934 não quis proteger a família como instituição mas apenas as famílias que tivessem por laço o casamento indissolúvel. Não só a expressão constituída pelo casamento indissolúvel está fora do lugar como também só se pode referir ao casamento de brasileiro. Porque sobre a extensão do casamento de estrangeiros o Brasil não tem competência legislativa. Jaques29 pondera que “a Constituição de 1934 preocupou-se mais com o ‘casamento’, origem da família, do que, como devia, com a ‘família’ mesma; ateve-se à formalística e esqueceu-se a substancialidade da instituição”. 28 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição da república dos estados unidos do Brasil. p. 389. 12 Da mesma forma Oliveira30 salienta que “na referida Constituição, percebe-se que o poder constituinte não se interessou em apresentar um conceito substancial do que seria uma família, limitando-se a somente especificar o ato pelo qual ela se constituía e que o ato jurídico do casamento era indissolúvel, o que vale dizer, não admitira o divórcio a vínculo”. Lobo31 comenta que, “como destinação típica do Estado social, aparece pela primeira vez à ‘proteção especial do Estado’, que será repetida em todas as Constituições subseqüentes. Apesar da restrição à família legítima, avança-se na ampliação do conceito: permite-se o reconhecimento de filhos naturais (não adulterinos)”. A Constituição de 1934 constitui-se como precursora da defesa da instituição da família, consagrando para ela um Capítulo especial, situação que passou a ser acatada por praticamente todas as Constituições promulgadas ou outorgadas pelos países considerados civilizados. 1.3.4 As Constituições de 1937 à 1969 A Constituição de 1.937 tratou do tema “Da Família”, nos artigos 124 a 127, nos seguintes termos: “Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos”. “Art. 125. A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular”. 29 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. 3.ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1962, p. 259-260 30 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 48 31 LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. In: O direito de família e a constituição de 1988, coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 60 13 “Art. 126. Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais”. “Art. 127. A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida são e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades” Nesta Constituição verifica-se que o tema “Família” sofreu pouca alteração, mantendo-se o que já se havia garantido ao povo brasileiro no instituto da família pelo texto da Constituição anterior. A Constituição de 1.946, de acordo com Espínola32, é da modalidade das “que atendem, ao mesmo tempo, ao interesse da coletividade e ao do indivíduo, firmando os princípios básicos de certas instituições sociais e como a família e a propriedade, ou regulando a ordem econômica e amparando os denominados direitos sociais” No que diz respeito especificamente ao tratamento do instituto da família, em nossa quarta Constituição republicana, ela praticamente nada inovou em relação à Constituição de 1934. Na Constituição de 1.964, o constituinte houve por bem dedicar o Capítulo I, do Título VI, para tratar do tema família, abrangendo os art.s 163 até 165, verbis: “Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado. § 1.º O casamento será civil, e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no registro público. 32 ESPÍNOLA, Eduardo. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1954, p. 42 14 § 2.º O casamento religioso , celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”. “Art. 164. É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo das famílias de prole numerosa”. “Art. 165. A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será regulada pela lei brasileira e em benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que lhes não seja mais favorável à lei nacional do de cujus”. Para Maximiliano33 “outrora o indivíduo era considerado a célula do organismo social; hoje é a família que se atribui tal importância; por isto, lhe dedicam um capítulo especial as Constituições modernas. Com estabelecer que a família se constitui por meio do casamento, o estatuto de 1946 assegura a união monogâmica e repele a formação e a dissolução do vínculo conjugal sem formalidades judiciárias”. Dória34 observa que do art. 163 extraem-se as seguintes conclusões: 1) Somente o casamento de vínculo indissolúvel constitui a família;2) O casamento religioso equivale ao civil, se inscrito no registro público; 3) A inscrição no registro público do casamento religioso poderá ser feita, seja a requerimento do celebrante ou de qualquer interessado, se o casamento tiver observado os impedimentos e as prescrições da lei, seja pelo próprio casal, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente; e 4) Será gratuita a celebração do casamento civil. Nessa constituição verifica-se que fora mantida a tradição do nosso direito constitucional de ver reconhecido o casamento civil. 33 SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira dos. Comentários à Constituição brasileira. 4.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948, v. III, p. 211 34 DÓRIA, Antônio de Sampaio. Direito constitucional, Comentários à Constituição de 1946. São Paulo: Max Limonad, 1960, v. IV, p. 759-760 15 Extrai-se do teor dos dispositivos constitucionais relativos à família nessa Constituição que eles tratam fundamentalmente da proteção legal à família legítima e do casamento celebrado de acordo com a exigência da norma constitucional, tendo em vista que o pensamento predominante da época neles vislumbrava as duas únicas instituições sobre as quais repousava a estrutura de nossa sociedade35. A Constituição de 1946 sofreu, em 24 de janeiro de 1967, uma substituição, dando origem a uma nova Constituição brasileira, ou seja, a edição da quinta Constituição republicana. Ao poder competente da época, no que dizia respeito ao tema família, coube apenas referendar o que constava do Título IV do Anteprojeto, abrangendo o artigo 167 e os seus quatro parágrafos, que estabeleciam, in verbis: “Art.167. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1.º O casamento é indissolúvel. § 2.º O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no registro público. § 3.º O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente. § 4.º A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância, e à adolescência. 35 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 62 16 Quanto à família, comenta Oliveira36: Como se vê, também nesse novo texto constitucional em nada se alterou a forma pela qual se admitia a constituição da família brasileira, de tal sorte que a família merecedora de proteção jurídica continuava somente aquela constituída pelo casamento celebrado de acordo com a lei, e ainda indissolúvel, ou seja, a legítima, como também ainda não se conceituava o que era uma família. Pontes de Miranda37, ao comentar a nova redação desse texto constitucional, deu-se por satisfeito no que diz respeito à redação do caput do art. 167, pois vinha criticando as Constituições anteriores, desde a de 1934, quando discordava do posicionamento de que a família brasileira só se constituía pelo casamento indissolúvel. O mesmo afirma: “No garantir a família como instituição, o texto caracterizou o casamento como indissolúvel. Criticamos os textos anteriores, porque diziam fundar-se a família no casamento indissolúvel. A Constituição de 1967 atendeu-nos.” Assim, a Constituição de 1967 reduziu a apenas um único artigo e quatro parágrafos o seu espaço dedicado à família, e por tal forma concisa limitou-se a manter os direitos já conferidos pela Constituição anterior. O texto da Constituição de 1.969 limitou-se a repetir o que constava da anterior, e assim, prescreveu no Título IV, “Da Família, da Educação e da Cultura”, in verbis: “Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos poderes públicos. § 1.º O casamento é indissolúvel. § 2.º O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e 36 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 66 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários á Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1968, v. VI p. 306-307 37 17 prescrições da lei, o ato for inscrito no registro público, a requerimento do celebrante ou de qualquer interessado. § 3.º O casamento religioso celebrado sem as formalidades do parágrafo anterior terá efeitos civis, se, a requerimento do casal, for inscrito no registro público, a requerimento do celebrante ou de qualquer interessado. § 4.º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação dos excepcionais”. Assim, o Direito Constitucional sofreu mais alterações sem que se possa afirmar ter havido evolução na parte que dizia respeito ao tema Família, praticamente ficando inalterada diante das modificações tão amenas que acabaram ocorrendo. 1.4 O DIREITO DE FAMÍLIA E A PROTEÇÃO DO ESTADO APÓS A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998 As famílias naturais ou de fato passaram a receber cuidados estatais com a Carta de 1988. Hoje, com a matéria disposta em sede constitucional, não se pode mais declarar que as chamadas uniões livres, ficam a margem da lei. O simples fato de se declarar que a lei deve facilitar a conversão da união em casamento, demonstra a preocupação em manter aquele instituto como a forma ideal de constituição de uma família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar veio ao encontro de todos os apelos sociais, desde a década de 70, quando o casamento deixou de ser aquela união indissolúvel através da Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), aos dias atuais, quando com a Carta de 1988, a simples união entre um homem e uma mulher, com a afeição própria do matrimônio, passou a ser reconhecida e protegida pelo Estado. 18 Doutrina Diniz38, “a evolução da vida social traz em si novos fatos e conflitos, de maneira que os legisladores, diariamente, passam a elaborar novas leis; juízes e tribunais constantemente estabelecem novos precedentes e os próprios valores sofrem mutações, devido ao grande e peculiar dinamismo da vida”. A família passou, ao longo dos tempos, principalmente no final do século passado e durante todo o transcorrer deste século, pelas maiores mudanças jamais vistas e que acabaram por lhe conferir sua atual, constitucional e contemporânea estrutura. A família conheceu sensíveis modificações em sua 39 composição. Como descreve Campos : “As uniões ‘legais’ diminuem; a idade dos nubentes sobe; o número de filhos decresce; as roturas do vínculo matrimonial elevam-se (...). O problema da família aparece, assim, no centro da questão social do século XX – causa e conseqüência dela, como tem sido contemporânea as alterações sociais dos dois últimos séculos”. A Constituição Federal de 1988 contemplou três diferentes formas de constituição familiar colocando novamente o direito positivo em plena correspondência com a realidade social. Com efeito, estabelece o art. 226 da CF, in verbis: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1.º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2.º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 38 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73 CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de direito da família e das sucessões. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 45 39 19 § 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4.º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5.º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6.º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7.º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado, propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8.º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Azevedo40, diante o artigo 226 supra, expressa: “O art. 226, citado, reconheceu a união concubinária pura, sob o título de união estável, enumerando o reconhecimento de outras formas de constituição de família, de modo enunciativo em seus §§ 1º a 4º. A tão esperada igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher casados veio firmada no § 5º do mesmo dispositivo constitucional. O § 6º, seguinte, possibilitou o sempre sonhado divórcio direto, por separação de fato, por mais de dois anos, ao lado do divórcio por conversão, sem as odiosas restrições da Lei do Divórcio, que, praticamente, foi lei de separações judiciais, com posterior conversão em divórcio. O 40 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 514 20 divórcio, propriamente, atingiu sua maioridade com a Constituição de 1998.” Teresa Pinto41 descreve: “A nova proposta constitucional, dicotomizando as noções de família e entidade familiar, se esgota no caput do art. 226 e nos §§ 1.º, 3.º e 4.º. Em oposição, ou “complementação”, diríamos, à noção de família, criou-se a “entidade familiar”. Criou-se, com este novo dispositivo, uma nova figura no direito brasileiro, que é a da entidade familiar’.” Pereira42, em sua abordagem, ressalta as qualidades das novas famílias: A relevância do amor, do afeto, do ângulo emocional, da convivência respeitosa, da existência recíproca, do prazer da companhia, do desvelo mútuo, sempre em detrimento da união forçada, artificial, hipócrita, doentia, conflitada, destruidora; eis um parâmetro essencial, alicerçante de quase todas as transformações na família e em sua normatização jurídica. Querse autenticidade das relações. Rejeita-se a falsidade.” Oliveira43 comenta sobre a família na Constituição de 1988: Assim, a família constitucionalmente prevista no texto de 1988 é reconhecida sob três espécies: casamento, união estável e famílias monoparentais. Reforçou-se a importância que ela desempenha para o Estado, que só intervirá o mínimo necessário para o pleno desenvolvimento das relações familiares, nunca, todavia em assuntos de interesse pessoal entre os membros da família. Estas são relações interna corporis que devem ser regidas pelo diálogo e afetividade entre seus membros. É neste contexto que o conceito de família centrado apenas no casamento e nas relações dele decorrentes já não serve mais para explicar a “nova família” informada por princípios constitucionais que alteram, drasticamente, a estrutura legal anterior à Constituição de 1988. 41 PINTO, Teresa Arruda Alvin. Entidade familiar e casamento formal: aspectos patrimoniais, in Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, v. 1, p. 80. 42 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Tendências modernas no direito de família. RT 628, fev./1988, p. 25 43 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. pb. 88 21 Diniz44 ensina que: “Deveras, a família está passando por profundas modificações, mas como organismo natural ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização; logo não há desagregação ou crise.” Pondera, Direito45: “A disciplina constitucional não veio para acobertar os aventureiros do amor, que deitam raízes de papel, aqui, ali, ou acolá, de ambos os sexos, verdadeiros amantes de cada porto. A Constituição criou condições concretas para defender a família constituída ainda que com origem alheia, não importa por que razões, ao ato civil do casamento”. E por último, o mesmo autor ainda acrescenta: “O que a Constituição de 1988 disciplinou foi a proteção da família, base da sociedade, constituída pelo casamento ou pela união estável”. 1.5 FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELO CASAMENTO Há inúmeras definições que não se limitam a conceituar o casamento, porém refletem concepções originais ou tendências filosóficas. No direito brasileiro, Lafayette46 o definiu: “O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”. Beviláqua47, assim o conceitua: “O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita 44 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 5, p. 18-19 45 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável. O direito na década de 1990. Novos aspectos. Estudos em homenagem ao Prof. Arnoldo Wald. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 126 a 145. 46 LAFAYETTE Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 32 47 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. 7.ed. Edição histórica. Rio de Janeiro, 1976 22 comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer”. Ligada à variedade das definições, vem naturalmente a diversidade na conceituação. Para Lafayette é um “ato solene”, para Sá Pereira é uma “convenção social”, para Beviláqua é um “contrato”. Caio Pereira48 demonstra a diferença entre o conceito institucional e contratual do casamento: Para uns, o casamento é uma instituição social, no sentido que reflete uma situação jurídica, cujas regras e quadros se acham preestabelecidos pelo legislador, com vistas á organização social da união dos sexos. Dentro da sociedade, a família é um organismo de ordem natural com a finalidade de assegurar a perpetuidade da espécie humana, e bem assim o modo de existência conveniente às suas aspirações e a seus caracteres específicos. Em face disto, o casamento é o conjunto de normas imperativas cujo objetivo consiste em dar à família uma organização social moral correspondente às aspirações atuais e à natureza permanente do homem. O mesmo autor ainda pondera: Para outros, o casamento é um contrato, tendo em vista a indispensável declaração convergente de vontades livremente manifestadas e tendentes à obtenção de finalidades jurídicas. A concepção contratualista originou-se no Direito Canônico (Cânon 1.012: Christus Dominus ad sacramenti dignitatem evexit ipsum contractum matrimonialem inter baptizatos). Adotou-se o racionalismo jusnaturalista do século XVIII. Penetrou no Código Francês em 1804, seduziu a Escola Exegética do século XIX e sobrevive na doutrina civilista do século XX, disputando com certa vantagem as palmas com as demais concepções. Uma das espécies admitidas pela Constituição Federal é a constituída pelo casamento. Mesmo a constituição tendo ampliado as espécies de 48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 35 23 família, é inegável, como constatou Eduardo Leite49 “a precedência e excelência desta forma legal de união (art. 226, § 3.º) em relação às demais entidades familiares”. A leitura do art. 226, § 3.º, CF, incentivadora da conversão de uniões estáveis em casamento, é prova maior disso. A Constituição Federal vigente, prescreve em seu art. 5.º, caput, e inc. I, in verbis: “Art. 5.º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes; I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. E o § 1.º do art. 5.º da CF estabelece: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Destaca-se que a norma inovadora é o art. 226, § 5.º, à medida que as Constituições anteriores já haviam repetido o teor das disposições retrocitadas. Desta forma, dispõe o art. 226, § 5.º, in verbis: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. O artigo 226, § 6.º, CF, pôs fim a toda a gama de dispositivos do Código Civil e de toda a legislação esparsa que estabelecia tratamento diferenciado e injustificável aos cônjuges. A inovação trazida com o reconhecimento expresso das uniões estáveis e famílias monoparentais como novas formas de família, a 49 LEITE, Eduardo de Oliveira. O concubinato frente à nova Constituição: hesitações e certezas. Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. Coord. Teresa Arruda Alvin Wambier. São Paulo: RT, 1993, p. 107 24 igualdade conjugal chegou de maneira tardia. Desta forma expressa Freitas50: “A “inovação” traduz-se na eliminação de preconceitos que de há muito tempo não tinham significado algum para a “nova mentalidade no mundo social e familiar”. Consoante a este pensamento, Oliveira51 ressalta: “Não obstante a própria sociedade tenha se encarregado de revelar à total ineficácia os dispositivos legais que prestigiam a desigualdade conjugal, a Constituição Federal de 1988 é um marco da igualdade conjugal”. Ferraz Júnior52 acrescenta: A novel Constituição Federal evoluiu sobremaneira em relação a todas aquelas que lhe precederam. A partir da Constituição de 1988, a igualdade de tratamento de “todos” perante a lei passa a ser um direito (art. 5.º, caput e inciso I, CF), sendo que todos os anteriores textos constitucionais eram uníssonos em apenas ditar a igualdade perante a lei, sem enuncia-la como um dos direitos fundamentais. 1.6 FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELA UNIÃO ESTÁVEL A Constituição Federal de 1988 abriu caminho à livre escolha popular de seu modo de convivência familiar, exemplificando as formas que podem ser escolhidas e resgatando a figura do casamento de fato, pelo reconhecimento da união estável, como forma de constituição de família, e embora este não se apresente, como aquele, com força de matrimônio. Com efeito, estabelece o art. 226, §3.º, CF que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” 50 FREITAS, Geralda Pedroso. A terminação do vínculo conjugal. O direito de família e a Constituição de 1988, coord. Carlos Alberto Bittar. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 216 51 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 93 52 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Legitimidade na Constituição de 1988. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia e supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p. 31 25 Oliveira53 enfatiza que “a união estável, reconhecida expressamente pelo nosso texto maior como forma de família, é uma espécie de união que reúne todos os atributos afetivos do casamento. Conquanto não tenha, para certos efeitos, sido equiparada ao casamento, constitui, a partir de 05.10.1988, uma forma alternativa de união.” Ao outorgar proteção do Estado às uniões estáveis, reconhecendo-as como formas de “entidade familiar”, o constituinte alargou o estreito conceito de família antes centrado apenas no casamento para abranger também uma forma alternativa de comunidade familiar. Oliveira54 salienta: “o termo “entidade familiar” deve ser entendido como sinônimo de família. Família e entidade familiar são expressões que, pela Constituição Federal, se equivalem. A entidade familiar abrange todas as espécies de constituição de família: casamento, uniões estáveis e famílias monoparentais.” Nesse sentido é a lição de Silva55: Não é mais só pelo casamento que se constitui a entidade familiar. Entende-se também como tal a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes e, para efeito de proteção do Estado, também, a união estável entre homem e mulher, cumprindo à lei facilitar sua conversão em casamento (...). Perante os novos fatos sociais, Leoni Oliveira argumenta: “diante da nova ordem constitucional, o Direito de Família tem a entidade familiar como gênero e o casamento, a união estável e as famílias monoparentais como espécie.” 53 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 143 54 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 148 55 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 810 26 Nas palavras de Cahali56: A Constituição Federal, abraçando a causa já definida pela doutrina, acolhida a jurisprudência, e referida de forma acanhada na legislação, no sentido de não deixar à margem do sistema legal as relações concubinárias, deu um grande passo, talvez o maior do que esperado, ampliando o conceito de família, para também cobrir sob o manto protetor do Estado as relações concubinárias. Constitui princípio de Direito de Família, consagrador da liberdade e da felicidade do povo, a livre escolha pela forma de união familiar que melhor atenda às expectativas de cada um. A união estável precisava ser regulamentada, e foi, primeiramente, pela Lei n. 8.971, promulgada em 29 de dezembro de 1994, que concedeu direito aos companheiros no tocante a alimentos e à sucessão; e a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou a união estável (concubinato puro), para que não existam abusos entre os conviventes, que devem ser livres na convivência mas responsáveis. Azevedo57 enfatiza com propriedade que: “A lei deve facilitar, por todos os meios justos, o enquadramento nela de qualquer espécie de convivência de cunho familiar, para que se transmude em união oficial reconhecida pelo Estado, pois a dignidade dela não deve cingir-se ao formalismo anterior, mas ao sentimento puro de amor, de respeito e de responsabilidade que deve unir os casais.” Se é correto que o legislador deve legislar com realidade, com a máxima fidelidade ao que acontece, mais verdadeiro ainda é o pensamento de que deve buscar, no destinatário da norma, o homem, o fundamento natural de sua conduta. Assim, a família, por mais que livre seja e que tenha existência natural, reclama o regramento do complexo de direitos e de deveres, 56 CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 12 57 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 272 27 que dela nasce, para que, ao lado dos sentimentos próprios da união fática, exista um clima de responsabilidade, indispensável à segurança dos conviventes e de sua prole58. 1.7 FAMÍLIA MONOPARENTAL O Legislador ao perceber que a realidade social não mais se contentava em ter a família constituída pelo casamento como única espécie de família repensou, e na Constituição de 1988 reconheceu a Família Monoparental constitucionalmente. A Constituição Federal, ao alargar o conceito de família, elencou como entidade familiar uma realidade que não mais podia deixar de ser arrostada: a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Esses núcleos familiares passaram a ser nominados de famílias monoparentais, para ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar. Com o declínio do patriarcalismo e a inserção da mulher no mercado de trabalho, as famílias constituídas por um dos pais e sua prole passaram a ter maior visibilidade. Seu expressivo número, com maciça predominância feminina, é uma forte oposição ao modelo dominante da bipolaridade. Essas entidades familiares necessitam de especial atenção, principalmente porque a mulher arca sozinha com as despesas da família e é sabido que percebe salário menor do que o homem. Durante muitos anos, a sociedade associou a monoparentalidade ao fracasso pessoal. As pessoas que resolvessem optar por essa forma de constituição familiar eram consideradas em situação marginal59. 58 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p 22. 59 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 20 28 Vejamos no artigo 226, § 4º da Constituição; “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Uma família é considerada monoparental, ensina Leite60, “quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças”. Os inúmeros casos de pais (separados, divorciados, viúvos, com uniões estáveis rompidas) que vivem com seus filhos, formando autêntico núcleo familiar, não podiam mais ser simplesmente ignorados pelo Estado. Oliveira61 enfoca como primeiro fator responsável pelo fenômeno monoparental pode-se citar a liberdade com que podem as pessoas se unir e se desunir, seja através de formalidades cogentemente estabelecidas, como ocorre no casamento, seja de maneira absolutamente informal, como acontece na união estável. Para Leite62 a “Liberdade que conduz pessoas que se amam a viver juntas e a gerar filhos juntas permite, igualmente, àqueles que não mais se amam decidir não mais viver juntos” Ainda, pode uma pessoa, por opção própria, adotar uma criança ou adolescente como seu filho, constituindo uma família monoparental. Os métodos de inseminação artificial também abrem margem às “mães independentes”, que podem ter filhos sem saber quem são os doadores do material genético. A monoparentalidade também pode ter origem no falecimento de um dos cônjuges ou companheiros. É uma causa acidental e que 60 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 22. 61 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 215 62 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 29. 29 pode levar, de maneira compulsória, a que o cônjuge ou companheiro supérstite passe a viver com sua prole. O divórcio, a separação e o fim de uniões estáveis podem perfeitamente ser enquadrados na liberdade. A opção pelo regime de núcleo monoparental, na maioria dos casos, é precedida de casamento ou uniões estáveis mal sucedidas. Extinta a sociedade conjugal ou a união estável e definido com quem ficarão os filhos, institui-se uma nova unidade familiar e, às vezes, até duas (caso ambos os pais fiquem com filhos, em regime de guarda compartilhada). Oliveira63 também arrola outros fatores que são responsáveis pela constituição de famílias formadas por pais e filhos: “dificuldade econômica, receio de perda dos benefícios previdenciários ou de direitos condicionais estabelecidos em acordos judiciais, descrédito em novos relacionamentos e a situação das “mães solteiras” também contribuem para o aumento do número desta nova espécie familiar. O mesmo autor ainda salienta que não se pode descartar os casos das uniões entre homens e mulheres que estão impedidos de se casar, nominados pela doutrina de concubinato impuro ou adulterino, em que é comum o abandono da mulher e seus filhos aos seus próprios destinos, que também não deixam de configurar famílias monoparentais sob a direção da mulher. Porque é imanente ao ser humano unir-se a outro para buscar estabilidade física e emocional-, as famílias monoparentais tendem a evoluir para casamentos ou uniões estáveis. Mas, enquanto os interessados permanecem no “estado monoparental”, existe uma série de fatores que devem, urgentemente, ser objeto de atitudes por parte do estado. Bastos e Martins64 afirmam que “a família monoparental é fruto ou do acaso (hipóteses de falecimento do consorte ou companheiro) ou da 63 64 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 217 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTIN, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 952. 30 vontade dos pais. Os filhos, neste campo, não exercem influência alguma. Ficarão, via de regra com algum dos pais.” Na constatação de Eduardo de Oliveira Leite65 “as famílias monoparentais – não é mais possível negar ou esconder – geram problemas de natureza jurídica (pensão alimentícia, direito de guarda ou de visita, convenção do divórcio, ausência de legislação no caso de separação de um concubino) e, também de natureza econômica (mães desqualificadas para o trabalho, mães sem trabalho, pais sem recursos, ausência de habitação, de seguro, de proteção social, de inserção profissional)”. Oliveira e Muniz66 ressaltam que a “tutela da vida familiar não impõe somente limites negativos (que o Estado se abstenha de interferências arbitrárias na vida de uma família, legítima ou natural), mas implica deveres positivos (de garantia e de promoção) por parte do estado que assegurem o normal desenvolvimento dessas relações...”. O que se deve salientar é que as famílias monoparentais merecem o mesmo e idêntico tratamento em frente do Estado que é dispensado às famílias constituídas pelo casamento e por uniões estáveis. 65 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 25 66 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa e MUNIZ, Francisco José Pereira. Direito de família (direito matrimonial), Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 89 31 CAPÍTULO 2 DA UNIÃO ESTÁVEL 2.1 A BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL O Código Civil anterior, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia sua dissolução. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos67. Observa Rodrigues68: Talvez a única referência à mancebia feita pelo Código Civil revogado, sem total hostilidade a tal situação de fato, tenha sido a do artigo 363, I, que permitia ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua mãe estava concubinada com o pretendido pai. Nesse caso, já entendia o legislador que o conceito de concubinato pressupunha a fidelidade da mulher ao seu companheiro e, por isso, presumia, júris tantum, que o filho havido por ela tinha sido engendrado pelo concubino. A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas. A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), que desenvolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho69. 67 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. 3.ed. ver. Atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 28 68 RODRIGUES, Silvio Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 531 69 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 28 32 A instituição do divórcio (EC 9/77 e Lei 6.515/77) acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a idéia da família como instituição sacralizada. O surgimento de novos paradigmas quer pela emancipação da mulher, pela descoberta dos métodos contraceptivos e pela evolução da engenharia genética, dissociaram os conceitos de casamento, sexo e reprodução. O moderno enfoque dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes70. As alterações se fizeram sentir também na jurisprudência de nossos tribunais, com admissão de efeitos patrimoniais à chamada sociedade de fato decorrente de uniões concubinárias. Assim é que o STF cristalizou entendimentos favoráveis à união de pessoas não casadas em casos de indenização acidentária (Súmula 35), dissolução de sociedade de fato com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum (Súmula 380; v. cap. 11, sobre meação), conceituação de concubinato mesmo sem vida em comum sob o mesmo teto (Súmula 382), disposição testamentária em favor de filho adulterino (Súmula 447), indenização por serviços prestados durante a vida concubinária, além de outras tendências que, na prática, levam à aproximação de certos direitos entre os partícipes da união informal e aqueles garantidos pelo diploma de casados71. Teor das Súmulas citadas: - Súmula 35: Em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio. – Súmula 380: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. – Súmula 382: A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato. – Súmula 447: É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador com sua concubina. 70 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 28 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 76-77. 71 33 Com a evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais acabaram merecendo a aceitação da sociedade, levando a Constituição de 1988 a dar nova dimensão à concepção familiar e introduzir um termo generalizante: a entidade familiar. Alargou o conceito de família, passando a proteger relacionamentos outros, além dos constituídos pelo casamento. Emprestou juridicidade aos enlaces extramatrimoniais até então marginalizados pela lei. Assim, o concubinato foi colocado sob regime de absoluta legalidade72. As uniões de fato entre um homem e uma mulher foram reconhecidas como entidade familiar com o nome de ‘união estável’. Também foi estendida proteção estatal aos vínculos monoparentais, formados por um dos pais com seus filhos. A Constituição Federal de 1988, como diz Veloso73, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Foi com a Constituição Federal de 1988 que se tornou dogma o direito, a ponto de inserir o concubinato como união estável em uma forma de família, proclamando o artigo 226, § 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. É elevada a união estável à categoria de entidade familiar, com a proteção do Estado. Nada mais fez a Carta Federal que reconhecer um fenômeno social comum e generalizado em todo o País, tornando-se necessária sua regulamentação. Seguiram-se, nesse intento, a Lei n.º 8.971, de 29.12.1994, tratando dos direitos dos companheiros a alimentos e a sucessões; e a Lei n.º 9.278, de 13.05.1996, com regras sobre a conversão da união estável em casamento, e por último a inclusão da matéria 72 73 RODRIGUES, Silvio Apud DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 145. VELOSO, Zeno Apud DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 28-29 34 referente a união estável no âmbito do Código Civil de 2002. Esses diplomas cuidam, pois dos efeitos das uniões estáveis, discriminando os direitos e obrigações, dentro da ordem de requisitos para a sua caracterização74. 2.1.1 Lei n. 8.971/94 A primeira regulamentação da norma constitucional que trata da união estável adveio com a Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que definiu como “companheiros” o homem e a mulher que mantenham união comprovada, na qualidade de solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole (concubinato puro). Regulamentando o §3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, a Lei n.º 8.971/94 estabelece alguns elementos conceptuais da união estável, com reprovável atecnia. Esses elementos são, conforme demonstra, principalmente o artigo 1º dessa lei: a) a convivência entre homem e mulher, não impedidos de casarem; b) por mais de cinco anos; c) ou tendo filho; d) enquanto não constituírem nova união75. A Lei concede, especificamente, a esses casais direitos recíprocos de alimentos, a quem deles necessitar, e sucessórios, como ali mencionados. Há elemento específico para a configuração do direito a alimentos, qual seja, o da prova da necessidade deles. O artigo 1.º da Lei 8.971/94, concedeu à companheira ou ao companheiro, na união estável, após a convivência de cinco anos ou a existência de prole, o direito a alimentos, nos moldes da Lei n.º 5.478, de 25.07.68, “enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.” 74 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.900 75 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 328 35 Acentua Cahali76 que esse artigo: Embora referindo-se à utilização pela(o) companheira(o) de um dos meios processuais para a obtenção de alimentos (Lei n.º 5.478/68), deve ser interpretado como criador, no campo do direito material, da obrigação alimentar entre os partícipes da união estável, nas condições nele previstas, inovando o sistema jurídico para prever o direito a alimentos entre os conviventes ao lado daquele decorrente do casamento e do parentesco. Embora esse dispositivo legal não refira, expressamente, à locução união estável, ela se mostra clara nesse texto, que não acolhe direito alimentar a uniões que possam concorrer com as matrimoniais. Só tem direito a alimentos: solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Porém, adiante, veremos que esse artigo 1º foi parcialmente revogado pela Lei n.º 9.278/96 (art. 7º). Após esta lei revogadora, os alimentos à concubina foram concedidos sob outros moldes (em caso de rescisão do contrato de convivência). A seu turno, o artigo 2º da lei, cuida do direito sucessório dos conviventes, nos parâmetros mencionados em seus três incisos. Os dois primeiros reeditam o preceituado no § 1º do artigo 1.611 do Código Civil, que trata desse direito, mas do cônjuge viúvo, que era casado sob regime de bens diverso do da comunhão universal (usufruto vidual).77 Assim, o concubino ou a concubina, que sobreviver, enquanto não constituir nova união concubinária, terá direito ao usufruto da quarta parte dos bens do falecido, se houver filhos deste ou do casal concubinário. Esse usufruto corresponderá à metade desses bens, se não houver filhos, ainda que sobrevivam ascendentes. 76 CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. p. 192-193. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 335 77 36 Azevedo78 realça que “não só a constituição de nova união concubinária deverá fazer cessar o aludido direito de usufruto, mas também nova união matrimonial. No casamento, em regime diverso do da comunhão universal, esse direito de usufruto do cônjuge sobrevivente perdura enquanto durar essa viuvez.” O usufruto vidual foi introduzido, pelo § 1º, no artigo 1.611 do Código Civil pela Lei n.º 4.121, de 27 de agosto de 1962, chamada de Estatuto da Mulher Casada. Vem a propósito, nesse segmento, a lição de Tepedino79, acentuando que: O usufruto vidual traduz, de certa forma, esse estágio de apressadas e profundas mutações, situando-se como patamar intermediário de tutela ao cônjuge, passagem de um sistema marcado pela força da figura do marido, onde o vínculo matrimonial se situava em posição subalterna em face do parentesco, para uma ordem, jurídica que privilegia a relação conjugal em detrimento da consangüinidade. Cumpre notar que o inciso III do artigo 2º da Lei 8.971/94, concede direito ao companheiro sobrevivente sobre a totalidade da herança do falecido, quando ele não deixar descendentes e ascendentes. Por sua vez, o artigo 3º da lei em foco, em caso de sucessão por morte, concede direito à metade dos bens adquiridos pelos concubinos, ao sobrevivente, quando esse patrimônio resultar de “atividade em que haja colaboração” deste último. Cuida-se, neste caso, portanto, de meação e não de herança.80 A Lei n.º 8.971/94, no intuito de regulamentar a entidade familiar 78 sem casamento, consagrada pela Constituição, não se refere AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 335 79 TEPEDINO, Gustavo. Usufruto legal do cônjuge viúvo. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 4-5 80 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 342 37 especificamente à união estável ou entidade familiar, mas reporta-se ao companheiro e companheira, sob o prisma dos alimentos e da sucessão. Essa lei, ao mencionar que o companheiro teria direito à totalidade da herança, na ausência de descendentes e ascendentes, colocava o convivente em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, em conjunto com o cônjuge.81 A mesma assegurou direito a alimentos e a sucessão do companheiro. No entanto, conservava, ainda, um certo preconceito, ao reconhecer como união estável a relação entre pessoas solteiras, judicialmente separadas, divorciadas ou viúvas, deixando fora, injustificadamente, os separados de fato. Também a lei fixou condições outras, só reconhecendo como estáveis as relações existentes há mais de cinco anos ou das quais houvesse nascido prole, como se tais requisitos purificassem a relação. Assegurou ao companheiro sobrevivente o usufruto sobre parte dos bens deixados pelo de cujus. No caso de inexistirem descendentes ou ascendentes, o companheiro (tal como o cônjuge sobrevivente) foi incluído na ordem de vocação hereditária como herdeiro legítimo.82 2.1.2 Lei 9.278/96 A Lei n.º 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamenta o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, reconhece, em seu artigo 1º, como entidade familiar, a união estável ou concubinária propriamente, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Esse artigo1º, segundo Azevedo83, não estabelece prazo certo para a existência da união estável, devendo, é óbvio, em cada caso, verificar-se se, realmente existe essa espécie de união de fato, pela posse recíproca dos concubinos, com intuito de formação do lar, desde que a convivência seja duradoura, a demonstrar a existência da família. 81 VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 455. DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 150. 83 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 345 82 38 Destaque-se, mais, que esse artigo, em questão, não alude, expressamente, à união estável, pura, ou seja, não incestuosa e não adulterina, a qual, inegavelmente, foi objeto de sua regulamentação84. O artigo 2º enumera os direitos e deveres iguais dos conviventes, tais o respeito e a consideração mútuos (inciso I), a assistência moral e material recíproca (inciso II), a guarda, o sustento e a educação dos filhos comuns (inciso III). Azevedo85 explana que os direitos e deveres mencionados nos incisos I e II são recíprocos, demonstrando-se não só no tratamento íntimo dos conviventes, mas também seu relacionamento social. Inclui-se, certamente, nesse aludido inciso I, o dever de lealdade. O mesmo autor ainda justifica que os direitos e deveres mencionados no inciso III, do dispositivo legal sob análise, são dos conviventes em relação aos filhos comuns. O sustento são os alimentos materiais indispensáveis à preservação da subsistência e da saúde, bem como os relativos á indumentária. A educação são os alimentos de natureza espiritual, imaterial, incluindo não só o ensinamento escolar, como também os cuidados com as lições, no aprendizado, no âmbito familiar e de formação moral dos filhos. O artigo 5º estabelece que não havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos, onerosamente, por um ou por ambos os concubinos, no período em que durar a união estável, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, pertencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais. Pondera Fachin86, nesse ponto, que: Como o estatuto jurídico da convivência se funda num pacto, a este caberá regular o fruto do trabalho e da colaboração comum. 84 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 345 85 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 347-348 86 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família, curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 86 39 De qualquer modo, o sentido básico da meação está no artigo 5º da nova Lei n.º 9.278/96, embora se reporte à aquisição a título oneroso, enquanto o artigo 3º da lei anterior se referia apenas à colaboração na atividade. Mesmo assim, inexiste aí incongruência. Aqui, percebe-se, os dispositivos se completam, havendo compatibilidade. É certo que diante do novo texto, por força da lei e se nada pactuarem, tornam-se condôminos. Limitase o universo desse condomínio à aquisição onerosa, o que significa excluir doações ou herança recebida por qualquer dos conviventes. O § 1º desse mesmo artigo estabelece outra causa de cessação da aludida presunção, qual a de que sejam os bens adquiridos na constância do concubinato, com o produto dos bens adquiridos anteriormente a ele87. No § 2º desse artigo 5º, estabelece o legislador outra presunção iuris tantum, pois, embora a administração do patrimônio comum dos coniventes seja atribuída a ambos, poderão eles dispor, diferentemente, conforme suas conveniências, em contrato escrito. Mais uma vez, nesse ponto, assegurado o direito dos concubinos de regularem seus interesses por contratação escrita88. O artigo 7º trata da prestação de assistência material, de caráter alimentar, em caso de rescisão contratual, que deve ser paga pelo concubino culpado ao inocente, quando ele necessitar desse pensionamento. Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Cahali89: Apenas ao culpado no rompimento pode ser imposta a obrigação, sendo-lhe impedida a pretensão alimentar, ainda que necessitado; e, a contrario sensu, ao convivente inocente descabe a condenação alimentar ao outro, mesmo sendo o culpado desprovido de condições econômicas suficientes à sua subsistência. Reforçando este entendimento, com base na própria lei nova, verifica-se que, uma vez rompida a união pela denúncia, 87 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 355 88 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 355 89 CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 182 40 assim considerada a separação de fato entre os conviventes, descabe a pretensão alimentar, por expressa limitação legal à hipótese de rescisão. O parágrafo único do artigo 7º prevê o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, em caso de dissoblução da união estável por morte de um dos conviventes. Cabe ao sobrevivente, em caráter vitalício, enquanto não constituir nova união ou casamento. O artigo 8º da Lei em pauta atende à exigência contida no § 3º do artigo 226, eu determina que o legislador tudo fará para facilitar a conversão da união estável em casamento. Entende Carvalho Filho90 que “Na forma do dispositivo sob análise, “requerida a conversão e após o processo de habilitação, o Oficial fará o registro do casamento no livro próprio, independentemente dos atos solenes previstos nos artigos 192 a 194 do Código Civil”, bastando no requerimento de conversão, a declaração dos pretendentes sobre a “existência da união estável; a lei não exige seja o requerimento construído com prova da união estável, como o contrato, que pode inexistir, ou o reconhecimento judicial; assim se justifica porque a existência da união estável, para os efeitos de sua conversão em casamento, é de interesse exclusivo dos pretendentes”. Ao final, o artigo 9º elimina a possibilidade de que as causas relativas ao concubinato sejam da competência das varas comuns. Esse artigo fixou a competência das Varas de Família, para tratamento das questões concubinárias, assegurando o segredo de justiça. A Lei 9.278/96 teve maior campo de abrangência. Para o reconhecimento da união estável, não quantificou prazo de convivência e albergou as relações entre pessoas separadas de fato. Além de fixar a competência das varas de família para o julgamento dos litígios, reconheceu o 90 CARVALHO FILHO, Paulo Martins de. Lei nº 9.278 (de 10/05/96). A união estável. RT 734, p. 34 41 direito real de habitação. Gerou a presunção júris et de jure de que os bens adquiridos a título oneroso na constância da convivência são fruto do esforço comum, afastando questionamentos sobre a efetiva participação de cada parceiro para proceder à partilha igualitária dos bens91. 2.1.3 O Novo Código Civil de 2002 Restaram revogadas as mencionadas leis n. 8.971/94 e 9.278/96 em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, que fez significativa mudança, inserindo o título referente à união estável no Livro de Família e incorporando, em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em outros capítulos a certos efeitos. O Código Civil, dentro do Livro IV da Parte Especial, no Título III, disciplina o assunto em cinco artigos, com previsões um tanto diferentes do que vem nas Leis nºs 8.971 e 9.278, onde disciplina aspectos pessoais e patrimoniais. Fora do capítulo específico, outros dispositivos fazem referência à união estável. É reconhecido o vínculo de afinidade entre os conviventes (CC 1.595), autorizada a adoção (CC 1.618 parágrafo único e 1.622) e assegurado o poder familiar a ambos os pais (CC 1.631), sendo que sua dissolução não altera as relações entre pais e filhos (CC 1.632). É deferido o direito a alimentos (CC 1.694) e de instituir bens de família (CC 1.711), assim como é admitido um companheiro ser curador do outro (CC 1.775). O direito sucessório dos companheiros foi tratado em um único dispositivo (CC 1.790)92. “Art. 1723 – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. 91 92 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 146 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 148 42 § 2º As causas suspensivas do artigo 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Consoante a este artigo encontra-se a o artigo 226, § 3º da Constituição Federal de 1988 que expressa: “Artigo 226 (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Gonçalves93 explana que não foi estabelecido período mínimo de convivência pelo artigo 1.723 do novo diploma. Não é, pois, o tempo com determinação de número de anos que deverá caracterizar uma relação como união estável, mas outros elementos expressamente mencionados: “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Azevedo94 expõe que fica clarividenciado que o artigo 1º não reconhece a união entre o mesmo sexo, nem estabelece prazo certo para a existência da união estável, devendo, é óbvio, em cada caso, verificar-se se realmente existe essa espécie de união de fato, pela posse recíproca dos concubinos, com intuito de formação do lar, desde que a convivência seja duradoura, a demonstrar a existência da família. “Artigo 1.724 – As relações pessoais entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. Azevedo95 ressalta que o artigo sob exame, enumera os deveres iguais dos companheiros, tais a lealdade, respeito e assistência, entre eles. Na verdade são direitos e deveres recíprocos. Depois os deveres de guarda, sustento e educação dos companheiros, relativamente aos seus filhos. 93 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 537 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 435 95 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 443 94 43 Começando pelo dever de lealdade, seu descumprimento provoca injúria grave; paralelamente à deslealdade, está, no casamento, o adultério, que implica a quebra do direito –dever de fidelidade. No tocante ao direito-dever de respeito, entre os conviventes, é ele descumprido, quando existe conduta injuriosa grave de um dos companheiros, atingindo a honra ou a imagem do outro, com palavras ofensivas, com gestos indecorosos ou com deslealdade. A assistência moral é de suma importância, onde os companheiros devem manter esse clima de solidariedade, nos bons e nos maus momentos de sua convivência. A assistência constitui dever recíproco dos companheiros correspondente ao dever de mútua assistência imposto aos cônjuges (CC 1.566, II). Tal dever os obriga a se auxiliarem reciprocamente, em todos os níveis. Assim, inclui a recíproca prestação de socorro material, como também a assistência moral e espiritual. Envolve o desvelo, próprio do companheirismo, e o auxílio mútuo em qualquer circunstância, especialmente nas situações difíceis96. A assistência material mostra-se no âmbito do patrimônio, dos alimentos entre conviventes, principalmente. O sustento são os alimentos materiais e a educação são os alimentos de natureza espiritual97. O poder familiar, de que decorre a obrigação de sustento dos filhos menores, independe de casamento dos pais e da subsistência da união conjugal ou estável. O dever de fornecer educação aos filhos inclui não só o ensinamento escolar, os cuidados com as lições e o aprendizado, como também 96 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 550 97 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 445 44 o zelo para que tenham formação cultural e moral e se desenvolvam em ambiente sadio98. Dias99 evidencia que “chama a atenção o fato de inexistir paralelismo entre os direitos assegurados e os deveres impostos a cada uma das entidades familiares. Aos companheiros são estabelecidos deveres de lealdade, respeito e assistência (CC 1.724), enquanto no casamento são impostos os deveres de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e mútua assistência (CC 1.566). Em comum há a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos.” “Artigo 1.725 – Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” Azevedo100 esclarece que “o artigo 1.725 admite a possibilidade de realização de contrato entre companheiros, para regulamentação de suas relações patrimoniais tal como a lei de 1.996. Assenta esse artigo que, na ausência de contratação., aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens. Malgrado não seja essa a melhor redação, o dispositivo deixa claro que serão dos companheiros os bens, por eles adquiridos, na constância da união estável, a título oneroso, independentemente da prova de esforço comum.” Nesse artigo, observa Gonçalves101: No tocante aos efeitos patrimoniais, o Código Civil de 2002 determina a aplicação, no que couber, do regime da comunhão parcial de bens, pelo qual haverá comunhão dos aqüestos, isto é, um dos bens adquiridos na constância da convivência, como se casados fossem, “salvo contrato escrito entre os companheiros” 98 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 551 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 153 100 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 451 101 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 538 99 45 E ainda Maria Berenice Dias102 destaca: “A singeleza com que a lei refere á possibilidade de os conviventes disciplinarem o regime de bens, facultando a elaboração de contrato escrito, denota a ampla liberdade que têm os companheiros de estipularem tudo o que quiserem, não só questões de ordem patrimonial, mas também de ordem pessoal. Causa, no mínimo, certa estranheza o fato de o Código Civil, com relação ao casamento, dedicar ao regime de bens nada menos do que 50 artigos e às questões patrimoniais na união estável singelas duas palavras: contrato escrito (CC 1.725).” Em suma, os bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável pertencem a ambos os companheiros, devendo ser partilhados, em caso de dissolução, com observância das normas que regem o regime da comunhão parcial de bens. “Artigo 1.726 – A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.” Este artigo é elucidado por Rizzardo103: Ao que se depreende, basta um requerimento assinado pelos conviventes, onde se formaliza a pretensão, relatando a existência da união estável, como ordenam os provimentos emitidos pelas Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados. Embora a omissão de maiores dados, nesse pedido deve-se inserir a qualificação completa dos pretendentes, o estado civil, a meação da convivência, a sua duração, a capacidade civil, a existência ou não de filhos, a ausência de impedimentos e até a titularidade ou não de bens. O mesmo autor ainda esclarece: De sorte que alguns elementos mínimos insta que venham inseridos no instrumento, de modo a inferir a viabilidade da conversão e se veja, na convivência do casal, o animus de constituir uma unidade familiar. Conveniente se anexe declaração 102 103 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 158 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. p. 914 46 assinada por testemunhas, que atestem a duração da convivência por algum tempo. Se há filho comum, resta evidente a realidade do relacionamento, não se justificando a colocação de algum óbice quanto à pretensão, desde que impedimentos de ordem matrimonial não se apresentem. De outro modo assevera Cahali104, que “falha, e muito, o legislador em não estabelecer critérios, os requisitos, as formalidades e os efeitos desse pedido, tornando, assim, inócua a previsão, ao fazer subsistir, nesse contexto, o conturbado ambiente normativo sobre o assunto, desenvolvido pelos tribunais mediante portarias e provimentos, no exercício da Corregedoria dos Cartórios de Registro Civil, e às vezes conflitantes entre si.” Consoante a este pensamento, manifesta Gonçalves105: “Na prática continuará sendo mais simples as pessoas casarem diretamente do que converterem sua união estável em casamento. Por tal motivo, o Projeto de Lei n. 6.960/2002 propõe nova redação para o aludido artigo 1.726 do Código Civil, visando aperfeiçoa-lo, nestes termos: “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante requerimento de ambos os companheiros ao Oficial do Registro Civil de seu domicílio, processo de habilitação com manifestação favorável do Ministério Público e respectivo assento” “Artigo 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” Se partirmos do conceito etmológico da palavra concubinato, temos que ela descende do vocábulo latino concubinatus, us, que, então, já significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as, bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama106. 104 CAHALI, Francisco José Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 538 105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 566 106 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 457 47 Nesse sentido, Azevedo107 emana que o artigo 1.727 do novo Código Civil refere-se separadamente dos demais artigos a concubinato, mostrando que, neste, existe cometimento de adultério quando do relacionamento de um homem ou de uma mulher casados com quem não é seu cônjuge. Destaca ainda que certamente esse artigo trata do concubinato impuro ou adulterino, já que as pessoas que estão impedidas de casar-se, por estarem separadas judicialmente ou de fato (mas não divorciadas), estão excluídas dessa situação concubinária impura, não tendo qualquer relacionamento coabitacional com seu cônjuge. É importante reiterar que o legislador do Código Civil optou por distinguir claramente o que se entende por união estável e por concubinato, não podendo mais essas expressões ser utilizadas como sinônimos, como no passado. O termo concubinato fica reservado, na forma do artigo 1.727, às relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, o que não é também uma expressão muito precisa. Trata-se da união impura ou adulterina108. Como conclui Cunha Pereira109: “com a evolução do pensamento construtor da doutrina sobre o direito concubinário, podemos dizer que concubinato não adulterino é união estável e o adulterino continua sendo o concubinato propriamente dito.” Portanto, é importante distinguir a união estável de concubinato, nessas respectivas compreensões, pois há conseqüências jurídicas diversas em cada um dos institutos. No concubinato podem ocorrer os efeitos patrimoniais de uma sociedade de fato, sem que existam outros direitos dedicados exclusivamente à união estável, tratada muito proximamente como se matrimônio fosse110. 107 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 462 108 VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 453 109 PEREIRA, Rodrigo da Cunha Apud VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 452 110 VENOSA, Silvio de Salva. Direito Civil: direito de família. p. 452 48 2.2 NATUREZA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL Para se entender a natureza jurídica do concubinato e do casamento de fato, é mister recordar a matéria atinente à natureza jurídica do casamento. Sem entrarmos na análise das várias doutrinas que procuram explicar essa natureza, inclinamo-nos pela que considera o casamento um contrato de Direito de Família111. Assim, já fizemos ver que esse peculiaríssimo contrato matrimonial, aperfeiçoando-se com o consenso dos nubentes, é o marco inicial da família de direito, que se instala sob a égide das normas de ordem pública, limitadoras e protetoras da atuação dos esposos em sua convivência112. Por essa razão, principalmente, de excluir-se do conteúdo econômico é que esse contrato difere de todos os que se aninham no âmbito obrigacional, embora guarde com estes estreita semelhança, acudindo-se dos princípios básicos do direito contratual113. Sentindo bem essas características, pode-se dizer, conceituando-o que o casamento é um contrato solene, regulado por normas de ordem pública, no âmbito do Direito de Família, pelo qual um homem e uma mulher, criando, com ele, sua sociedade conjugal, submetem-se a um complexo de direitos e deveres, entre si e entre eles e seus filhos, de ordem pessoal e patrimonial114. 111 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 253 112 MONTEIRO, Washington de Barros. Contrato de casamento, sua extinção e renúncia a alimentos na separação consensual. p. 47-49. 113 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 253 114 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 254 49 Diante das características do casamento, ressalta Villaça115 quanto ao concubinato: Ora, a seu turno, o concubinato, até que se concretize no casamento de fato, sob registro, guarda características semelhantes, pois, embora sem ser solene, é um contrato no mais das vezes verbal, ou escrito, às vezes ungido com ato religioso, pelo qual um homem e uma mulher, criando sua família de fato, submetem-se a uma convivência, gravada de direitos e deveres jurídico-morais, entre si e entre eles e seus filhos, de ordem pessoal e patrimonial. Essa convivência duradoura ou coabitação, que é essencial no casamento e no concubinato, mostra-se por um estado possessório, em que os conviventes, casados ou não, vivem juntos, respeitando-se como marido e mulher ou como meros companheiros. Se puro o concubinato, em nada difere do casamento, senão pelas formalidades legais. Estas, entretanto, não fazem a união de sentimentos, sem que estes realmente existam de fato. Ao lado do dever coabitacional, nasce, ainda, do contrato de casamento o dever de fidelidade e do de concubinato o dever de lealdade, como também existe o dever de mútua assistência, em ambas as contratações, todos recíprocos. Este, compreendendo a assistência material e imaterial116. É importante o estado de convivência harmoniosa, de posse recíproca dos cônjuges e dos concubinos, para que exista união forte e duradoura. Se qualquer desses deveres faltar aos cônjuges e aos concubinos, ou se houver injúria entre eles, a união tende a dissolver-se, apurando-se os haveres dos conviventes, de direito ou de fato. 115 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 255. 116 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 255 50 Mostra-se a natureza contratual do casamento e do concubinato, pois, da mesma forma que aquele, este pode resolver-se, rescindirse ou resilir-se, extinguindo-se assim. Ainda, juntamente com os deveres entre cônjuges e concubinos, do casamento e do concubinato, pode surtir a prole, com os normais, e naturais, deveres dos pais de guarda-la, de educa-la e de alimenta-la. Com o advento da Constituição de 1988, entende-se que a competência para resolução das situações contratuais advindas do casamento ou do concubinato seja do Juízo de Família. Também expressa a Lei n.º 9.278, de 10.05.1996, em seu artigo 9º: “Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça”117. 2.3 CONCEITUAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ‘União Estável’ passou a constituir uma denominação oficial, utilizada em diplomas que trataram e tratam do assunto, constando na Constituição Federal, nas Leis n.ºs 8.971, de 29.12.1994, e 9.278, de 13.05.1996, e no Código Civil de 2002. O significado é facilmente perceptível. A palavra ‘união’ expressa ligação, convivência, junção, adesão; já o vocábulo ‘estável’ tem o sinônimo de permanente, duradouro, fixo. A expressão corresponde, pois, à ligação permanente do homem com a mulher, desdobrada em dois elementos: a comunhão de sentimentos e a comunhão material; e a relação conjugal exclusiva de direitos e deveres inerentes ao casamento118. A juridicização oficial da união estável veio com a Constituição Federal de 1988, rezando o artigo 226, § 6º: “Para efeito da proteção 117 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 257 118 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. p. 885 51 do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”119. A Lei n.º 8.971, de 29.12.1994, no artigo 1º e em seu parágrafo único, constitui-se no primeiro diploma a fornecer elementos para caracterizar a união de fato. Estabelecia o artigo 1.º “a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele vivia há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n.º 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade120”. E o parágrafo único. “igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva”. O conceito de união estável no novo Código Civil, nos molde do caput do artigo 1.723, é o mesmo conceito, constante do artigo 1º da Lei n.º 9.278/96, em que se apresentam seus elementos essenciais. Veja-se então o artigo 1º: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. A união estável não abarca a união homossexual, pois, por conceituação constitucional, que se projetou no artigo 1º da Lei n.º 9.278/96 e no artigo 1.723 do novo Código Civil, é a convivência “entre o homem e a mulher”121. A união estável é também, a convivência pública, contínua e duradoura122. Na obra de Bittencourt que encontramos o conceito mais preciso e jurídico, considerando a união estável, à época nominada como concubinato, em dois sentidos: um amplo ou lato e outro estrito. No primeiro, 119 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. p. 885 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. p. 885 121 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 437 122 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p 437 120 52 configura-se como a “união estável, no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si pelo matrimônio... É a forma primitiva das uniões sexuais estáveis; é o estado intermédio entre a união fugaz e passageira e o matrimônio, consortium omnis vitae”. No segundo, “é a convivência more uxório, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher..., a união de fato, implicando não somente relações sexuais, mas também a prolongada comunhão de vida”123. Monteiro124 afirma que “o concubinato consiste na união entre o homem e a mulher sem casamento ou, de maneira mais simplificada é a ausência de matrimônio para o casal que viva como marido e mulher”. Oliveira e Muniz125 ensinam que: As expressões concubinato ou união livre designam a situação de vida em comum de casais não casados. A maioria dos autores que escrevem sobre esta matéria formula a idéia de que o concubinato apresenta as aparências do casamento. Como o casamento, o concubinato é mais uma comunhão de vida em que dominam essencialmente relações de sentido e de interesses de vida em conjunto que se estendem ao campo econômico (...). Bittar126 também opta pelo termo concubinato para designar união estável. Ressalta, todavia, que só o concubinato puro, ou seja, aquele onde não existem impedimentos matrimoniais para o casamento, é que se ajusta ao conceito de união estável ou permanente referido na Constituição Federal de 1988 e em relação ao qual “se instituiu regime jurídico compatível com a evolução sofrida pela sociedade”. 123 BITTENCOURT, Edgard de Moura. O concubinato no Direito. Vol. II Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda, 1969, 2ª ed. P. 105 e 106 124 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. p. 18 125 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa e MUNIZ, Francisco José Pereira. Direito de família (direito matrimonial). Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 76 126 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 201 53 Azevedo127 expressa: “casamento de fato ou união estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato”. Azevedo128 ainda explana que: “a união estável sempre foi casamento de fato. Na união estável, a liberdade dos conviventes é maior, porém vivem como se fossem marido e mulher, mas sem o serem, em verdade. Não existe o estado conjugal, mas meramente o convivencial ou concubinatário”. Gomes129 menciona que por “família natura se entende hoje o grupo familiar que não se constitui pelo casamento mas por união livre, tanto na formação como na dissolução. Tal é o concubinato, no qual a mulher é quaseesposa e tem o título simpático de companheira, já convertido em nomen júris, e que provém de causas diversas (...)” De acordo com a manifestação acima, Pires130 prefere a utilização do termo companheira para qualificar a mulher que faça parte da união estável: (...) o termo mais elevado e de maior conteúdo, com o qual o varão designa a mulher, é companheira, traduzindo uma ligação honesta e estável. É o nome que se dá à mulher unida por longo tempo a um homem, como se fosse sua esposa, ou o designativo à concubina honesta e de sólida ligação, que é respeitada no meio social da condição de esposa. Na realidade, como bem observou Cahali131, “o importante é que pouco importa a terminologia adotada pelo legislador, estudioso ou julgador. O importante é que se identifique a existência de união estável em todos os seus contornos, ao fito de ampará-la juridicamente”. 127 AZEVEDO, Álvaro Villaça. União estável antiga forma do casamento de fato. São Paulo, RT, 1994, p. 701 128 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. p. 270 129 GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 177 130 PIRES, Maria da Graça Moura de Sousa Soromenho. O concubinato no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 8. 131 CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. p. 47 54 2.4 CARACTERÍSTICAS De acordo com disposições legais definidoras da união estável, pode-se sintetizar como requisitos, em acepção ampla, porque tanto servem para caracterizar a união estável, como constituem pressupostos necessários ao seu reconhecimento como entidade familiar, os seguintes elementos de ordem objetiva e subjetiva: Convivência, ausência de formalismo, diversidade de sexos, estabilidade, continuidade, publicidade, unicidade de vínculo, objetivo de constituição de família e Inexistência de impedimentos matrimoniais. Esclarece Veloso132 que, “malgrado a tônica da união estável seja a informalidade, não se pode dizer que a entidade familiar surja no mesmo instante em que o homem e a mulher passam a viver juntos, ou no dia seguinte, ou logo após. Há que existir, aduz, uma duração, a sucessão de fatos e de eventos, a permanência no relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação”. 2.4.1 Convivência Euclides de Oliveira133 explana que conviver vem do latim cum vivere, viver com, significa manter vida em comum, como decorrência da união que se estabelece entre pessoas interessadas na realização de um projeto de vida a dois. Importa em comunhão de vida, situação símile à de pessoas casadas. Também se amolda ao conceito de companhia, que deriva do latim cum panis, isto é, que partilha do mesmo pão servido na mesa comum. Em maior extensão, compreende-se a convivência como situação de uso da mesma cama e mesa, em vista da coabitação que lhe é imanente. De convivência vem o adjetivo “conviventes”, que a Lei 9.278/96 adota para o homem e a mulher nessa espécie de família de fato, 132 VELOSO, Zeno Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 539 133 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 123 55 servindo de sinônimo a “companheiros”, denominação usada na Lei 8.971/94, e reavivada no Novo Código Civil, art. 1.724 (dentre outros). O texto legal cinge-se à menção de convivência como requisito primeiro à união estável, mas não acrescenta o dever de coabitação dos companheiros, ou vida em comum no mesmo domicílio. Isto significa que os companheiros não ficam obrigados a manter a convivência, podem afastar-se a qualquer tempo, desconstituindo a união de cunho familiar, independente de autorização judicial. Neste segmento Gonçalves esclarece que a convivência “more uxório” é mister de uma comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, em situação similar à de pessoas casadas. Envolve a mútua assistência material, moral e espiritual, a troca e soma de interesses da vida em conjunto, atenção e gestos de carinho, enfim, a somatória de componentes materiais e espirituais que alicerçam as relações afetivas inerentes á entidade familiar. O artigo 1.723 do Código Civil não se refere expressamente à coabitação ou vida em comum sob o mesmo teto, porém tal elemento constitui uma das mais marcantes características da união estável, até porque, como enfatiza Zeno Veloso134, “essa entidade familiar decorre desse fato, da aparência de casamento, e essa aparência é o elemento objetivo da relação, a mostra, o sinal exterior, a fachada, o fator de demonstração inequívoca da constituição de uma família”. Gonçalves135 pondera que “pode acontecer, todavia, que os companheiros, excepcionalmente, não convivam sob o mesmo teto por motivo justificável, seja por necessidade profissional ou contingência pessoal ou familiar. Nesse caso, desde que, apesar do distanciamento físico, haja entre eles a affectio societatis, a efetiva convivência, representada por encontros freqüentes, mútua assistência e vida social comum, não há como se negar a existência da entidade familiar”. 134 VELOSO, Zeno Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 540 135 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 541 56 Euclides de Oliveira136 ainda elucida que excepcionalmente, porém, pode configurar-se união estável de pessoas que não convivam sob o mesmo teto, preferindo manter moradias distintas, em locais diversos, como admitido para caracterização do concubinato pela Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal. Muitas vezes se justifica esse modus vivendi, por contingências pessoais, razões de trabalho e outras circunstâncias impeditivas de residência uma. Mas é sempre indispensável que, não obstante esse distanciamento físico dos companheiros, subsista entre eles efetiva convivência, isto é, encontros freqüentes, prática de interesses comuns, viagens, participação em ambientes sociais e outras formas de entrosamento pessoal que possam significar uma união estável. Como acentua Veloso137, “se o casal, mesmo morando em locais diferentes, assumiu uma relação afetiva, se o homem e a mulher estão imbuídos do ânimo firme de constituir família, se estão na posse do estado de casados, e se o círculo social daquele par, pelo comportamento e atitudes que os dois adotam, reconhece ali uma situação com aparência de casamento, tem-se de admitir a existência de união estável”. A tendência parece ser mesmo, como assinala Cunha Pereira, “a de dispensar a convivência sob o mesmo teto para a caracterização da união estável, exigindo-se porém, relações regulares, seguidas, habituais e conhecidas, se não por todo mundo, ao menos por um pequeno círculo”. Esse tem sido, com efeito, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça 138 : “Não exige a lei específica (Lei n. 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato a união estável. Diante da alteração dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros 136 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 124 137 VELOSO, Zeno Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 541 138 Resp 474.962-SP, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU, 1º-3-2004. 57 residindo em locais diferentes. O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento”. 2.4.2 Ausência de Formalismo A união estável é tipicamente livre na sua formação. Independe de qualquer formalidade, bastando o fato em si, de optarem, homem e mulher, por estabelecer vida em comum. Na menção de Coltro139, assinalando que a união de fato se instaura “a partir do instante em que resolvem seus integrantes iniciar a convivência, como se fossem casados, renovando dia a dia tal conduta, e recheando-a de afinidade e afeição, com vistas à manutenção da intensidade”. Ainda que, tal modo de relacionamento afetivo apresente uma aparente vantagem, por não oferecer dificuldade para a sua eventual dissolução, bastando o mero consenso dos interessados, por outro lado cede passo, como ressalta Euclides de Oliveira140, à dificuldade de prova que lhe é inerente, por falta de documento constitutivo Na união estável basta o mútuo consenso dos conviventes, que se presume do seu comportamento convergente e da contínua renovação pela permanência. Exige-se a repetição dos encontros e a intimidade crescente que, por vezes, evolui a namoro, podendo se direcionar, então, à solução da vida em conjunto quando não desejada a sua formalização por meio de casamento. Euclides de Oliveira141 salienta aí substancial diferença entre união estável e casamento. Neste exige-se solenidade própria mediante atos preparatórios de habilitação e o momento consumativo da celebração. Nada disso se aplica à união estável, salvo quando se pretenda convertê-la em casamento, mas, ainda assim, com diminuição do rigor formal por dispensa da atuação do celebrante. 139 COLTRO, Antônio Carlos Mathias. A união estável: um conceito? Direito de Família – aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: RT, vol. 2, p. 37. 140 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 125 141 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 125 58 Por ser informal, mais fácil se mostra a união estável que o casamento, no momento de sua constituição, e também na sua dissolução, que também pode efetuar-se por mero consenso dos interessados, enquanto o casamento exige intervenção judicial para que se dissolva (separação judicial para dissolução da sociedade conjugal; divórcio, para dissolução de vínculo). Embora não exigível instrumentação escrita, parece de todo recomendável que a constituição da união estável seja formalizada por meio de um contrato de convivência entre as partes, que servirá como marco de sua existência além de propiciar regulamentação do regime de bens que venham a ser adquiridos no seu curso. 2.4.3 Diversidade de Sexos Por assemelhação com a figura do casamento, a união estável somente tem reconhecimento constitucional e legal quando decorra do relacionamento entre homem e mulher. Assim está disposto na Constituição Federal de 1988, art. 226, § 3.º, com expressa menção á união estável entre “homem e mulher”. A exigência se repete na Lei 8.971/94, cujo art. 1º menciona “a companheira comprovada de um homem...”. Também explícita a Lei 9.278/96, no art. 1.º ao apontar convivência “de um homem e uma mulher”. E o Novo Código Civil repete as mesmas expressões, no art. 1.723, apontado o requisito da heterossexualidade para configuração da união estável. Em consonância ao parágrafo anterior, Azevedo142 destaca: Desde que foram conferidos efeitos ao concubinato, até o advento da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, sempre a Jurisprudência brasileira teve em mira o par andrógino, o homem e a mulher. Com a Constituição Federal, de 05.10.1988, ficou bem claro esse posicionamento, de só reconhecer, a união estável entre o homem e a mulher, conforme o claríssimo enunciado do § 3º do seu artigo 226. 142 AZEVEDO, Álvaro Villaça Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 543 59 Por entender como da essência do casamento a heterossexualidade, a doutrina tem classificado na categoria de ato inexistente a união que se oficialize entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, Pereira143, lembrando a universalidade do conceito: Embora nenhum texto o proclame, o matrimônio assenta no pressuposto fático da diversidade de sexos. Em todo o tempo. Em todas as civilizações. Em todos os sistemas jurídicos. É uma condição de tal modo evidente que dispensa a referência legislativa. Se falta a diversificação, por ausência de elementos identificadores, ou por ocultação da verdadeira condição pessoal do cônjuge, a cerimônia realizada nada mais é do que uma aparência de casamento. A jurisprudência tem reconhecido tão somente a existência de sociedade de fato, entre sócios, a indicar direitos de participação no patrimônio formado pelo esforço comum de ambos, e não união livre como entidade familiar. Desse modo, a união de duas pessoas do mesmo sexo, chamada de parceria homossexual ou união homoafetiva, por si só, não gera direito algum para qualquer delas, independentemente do período de coabitação144. 2.4.4 Unicidade de Vínculo Como é próprio da união formalizada pelo casamento, também na união estável exige-se que o vínculo entre os companheiros seja único, em vista do caráter monogâmico da relação. Havendo anterior casamento, ou subsistindo anterior união estável, não podem os membros participar de união extra, que seria de caráter adulterino ou desleal, por isso não configurada como entidade familiar. A referência aos integrantes da união estável, tanto na Constituição como nas leis especiais e no Novo Código Civil, é feita sempre no 143 144 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p. 85. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 543 60 singular. A Lei 9.278/96, art. 1.º, até exagera no emprego do artigo definido “um homem e uma mulher”, de modo a restar claro o afastamento de uma segunda união paralela, simultânea, não reconhecível como entidade familiar por constituir poligamia145. Euclides de Oliveira146 ainda acrescenta: “Assim, a relação de convivência amorosa formada à margem de um casamento ou de uma união estável, caracteriza-se como proibida, porque adulterina, no primeiro caso, e desleal no segundo”. Com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, começando as duas pessoas a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento transforma-se em uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade147. A fidelidade dá ensejo à presunção da sociedade de fato. Daí se apresentar o pensamento de Lourenço Dias148: “O elemento essencial dessa união é a fidelidade, a dedicação monogâmica, recíproca, vivendo em more uxório, em atitude ostensiva de dedicação, em laços íntimos”. Refoge ao modelo de união estável, portanto, a ligação adulterina de pessoa casada, sem estar separada de fato do seu cônjuge. 2.4.5 Estabilidade – Duração A adjetivação da união como “estável”, para Euclides de Oliveira149, traduz a idéia de que seja duradoura, sólida, com certa permanência no tempo, ainda que não definitiva. Por isso a conceituação legal de união estável 145 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 127 146 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 127 147 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 150. 148 DIAS, Adahyil Lourenço Apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. p. 891. 149 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 130 61 como “duradoura”. Uma vez que a estabilidade pressupõe certa duração temporal, conclui-se que não existe união estável nos casos de relacionamento fugaz, passageiro, efêmero ou eventual. O relacionamento deve ser duradouro. Vale dizer, não são simples encontros esporádicos e amorosos que alçarão o relacionamento à categoria de entidade familiar. A durabilidade é uma qualidade que só será sentida através do nível de tensão dos laços mantidos entre os companheiros. Se vivem juntos, partilham uma vida a dois em todos os momentos (bons e ruins, viajam juntos etc., ter-se-á grande probabilidade de a união ser reconhecida como duradoura150. Não mais se exige tempo mínimo de convivência, que a Lei 8.971/94 estabelecia em cinco anos (salvo no caso de haver prole, em que o prazo poderia ser menor). A revogação desse dispositivo deu-se com a nova conceituação de união estável trazida pela Lei 9.278/96, em que apenas menciona a exigência de convivência duradoura, sem limitação de prazo. Da mesma forma restou assente no citado art. 1.723 do Novo Código Civil151. Embora o novo diploma não tenha estabelecido prazo algum para a caracterização da união estável, pondera Veloso152: O que não se marcou foi um prazo mínimo, um lapso de tempo rígido, a partir do qual se configuraria a união estável, no geral dos casos. Mas há um prazo implícito, sem dúvida, a ser verificado diante de cada situação concreta. Como poderá um relacionamento afetivo ser público, contínuo e duradouro se não for prolongado, se não tiver algum tempo, o tempo que seja razoável para indicar que está constituída uma entidade familiar? Para alguns autores seria razoável exigir-se um prazo mínimo de convivência, entendendo outros que poderia ele ser de pelo menos 150 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 187 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 130 152 VELOSO, Zeno Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 545 151 62 dois anos de vida em comum, por analogia com as disposições constitucionais e legais relativas ao tempo para concessão do divórcio. No entanto, não parece correto, como adverte Euclides de Oliveira 153 : o engessamento temporal de uma relação amorosa que pode subsistir durante alguns meses ou anos, consolidando-se na linguagem do poeta, como “definitiva enquanto dure”. Não se quer dizer, com isso, que seja irrelevante o tempo de convivência. Apenas se ressalva que a lei não diz quanto tempo, mas um mínimo haverá de ser exigido para que se verifique a estabilidade da união. Deverá, portanto, o juiz, em cada caso concreto, verificar se a união perdura por tempo suficiente, ou não, para o reconhecimento da estabilidade familiar, perquirindo sempre o intuito de constituição de família, que constitui o fundamento do instituto em apreço. 2.4.6 Continuidade Para que a convivência possa ser alçada à categoria de união estável faz-se necessário que, além de pública e duradoura, seja também “contínua”, sem interrupções (Código Civil, artigo 1.723). Diferentemente do casamento, em que o vínculo conjugal é formalmente documentado, a união estável é um fato jurídico, uma conduta, um comportamento. A sua solidez é atestada pelo caráter contínuo do relacionamento. A instabilidade causada por constantes rupturas desse relacionamento poderá provocar insegurança a terceiros, nas suas relações jurídicas com os companheiros154. Nessa concepção acrescenta Euclides de Oliveira155: “A estabilidade da união exige que, além de duradoura, seja contínua, sem interrupções ou afastamentos temporários que lhe desnaturem a própria essência da vida em comum”. 153 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 130 154 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 546 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 130 155 63 O mesmo autor ainda explana: “O caráter contínuo da relação atesta sua solidez, pela permanência no tempo. Lapsos temporais, muitas vezes com repetidas idas e vindas, tornam a relação tipicamente instável, desnaturando sua configuração jurídica”. Nesse sentido acrescenta Oliveira156: A continuidade é característica decorrente da durabilidade. Contínua significa sem intervalos. Vale dizer, um relacionamento marcado por intensa conflituosidade, em que os interessados de tempo em tempo separam-se, unem-se, para pouco tempo depois separarem-se novamente, num eterno ciclo sem fim, não é estável aos olhos da Constituição nem da Lei. Comparativamente ao casamento, verifica-se que a união estável se fragiliza na sua constituição, perdendo substância no caso de romperse o elo de convivência entre homem e mulher. 2.4.7 Publicidade Exige o artigo 1.723 do código Civil, para que se configure a união estável, que a convivência, além de contínua e duradoura, seja “pública”. Não pode, assim, a união permanecer em sigilo, em segredo, desconhecida no meio social. Requer-se, por isso, notoriedade ou publicidade no relacionamento amoroso, ou seja, que os companheiros apresentem-se à coletividade como se fossem marido e mulher (more uxório). Relações clandestinas, desconhecidas da sociedade, não constituem união estável157. Há de ser pública a convivência na união estável, isto é, de conhecimento e reconhecimento no meio familiar e social onde vivam os companheiros. Não é preciso que eles proclamem, festejem ou solenizem a vida em comum. 156 157 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 187. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 544 64 Nessa faceta acrescenta Oliveira158: “Casais não precisam se expor para ter reconhecida sua notoriedade. Basta que as pessoas do seu ambiente e do seu convívio possam atestar a vida em comum a dois. Assim, em especial, basta que os parentes de ambos os companheiros, seus amigos e colegas de trabalho, pelo menos, tenham conhecimento da relação.” Na união estável, ainda que iniciada sem alarde, preciso é que o modus vivendi dos companheiros se evidencie socialmente como se fossem marido e mulher. Seu comportamento deve ser apreciado nesse enfoque, como se casados fossem, ainda que se saiba que a união é informal159. Realmente, como um fato social, evidencia Azevedo160: A união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, junto aos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem. Diz o povo, em sua linguagem autêntica, que só falta aos companheiros ‘o papel passado’. A publicidade denota a notoriedade da relação no meio social freqüentado pelos companheiros, objetivando afastar da definição de entidade familiar as relações menos compromissadas, nas quais os envolvidos não assumem perante a sociedade a condição de “como se casados fossem”. 2.4.8 Objetivo de Constituição de Família Além dos requisitos de ordem objetiva, a união estável exige o elemento anímico, intencional, consistente no propósito de formação da família, conforme expressamente consta de sua conceituação legal. Esse propósito se evidencia por uma série de elementos comportamentais na exteriorização da convivência more uxório, com o 158 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 188 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 132 160 AZEVEDO, Álvaro Villaça Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 545 159 65 indispensável affectio maritalis, isto é, apresentação em público dos companheiros como se casados fossem e com afeição recíproca de um verdadeiro casal. São indícios veementes dessa situação de vida à moda conjugal a mantença de um lar comum, freqüência conjunta a eventos familiares e sociais, eventual casamento religioso, existência de filhos havidos dessa união, mútua dependência econômica, empreendimentos em parceira, contas bancárias conjuntas, etc...161 Euclides de Oliveira162 esclarece que a comunhão de vida entre os companheiros traz similitude com a característica da sociedade conjugal originada do casamento, que está muito bem sinalizada com essa configuração no artigo 1.5111 do Novo Código Civil brasileiro. Significa uma estreita convivência com troca de sentimentos e interesses de vida em conjunto, de cotidiana renovação, em somatória de componentes materiais e espirituais que se resumem no afeto inerente à entidade familiar. Nesse contexto enquadram-se a assistência emocional recíproca entre os conviventes, a colaboração nas empreitadas comuns, o esforço no mútuo sustento, o compartilhar de mesa e de leito, aqui se chegando à prazerosa entrega sexual em clima de carinho, atenção e gestos de amor, indispensáveis ao desenvolvimento digno da personalidade e do caráter das pessoas e à realização do sonho de uma feliz comunhão de vida. Sobre a convivência more uxório e sobre a intenção de constituir família, manifesta-se Gama163, dizendo que os companheiros devem dispensar “tratamento respeitoso, afetuoso, carinhoso, compreensivo, de maneira recíproca...” além do que deve haver intenção deles em se unirem “cercados de sentimentos nobres, desinteressados, com pureza d’alma, congregando amor, afeição, solidariedade, carinho, respeito, compreensão, enfim, o germe e o alimento indispensáveis, respectivamente, à constituição e mantença da família”. 161 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. 133 162 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 135 163 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. São Paulo: RT, 1998, p. 172. 66 À míngua de um sentimento forte e sincero de demonstração recíproca de afeto em que ambos os companheiros tenham o firme propósito de se unir para constituírem uma família, gozando da felicidade e também dos momentos difíceis que uma vida familiar traz, a união não se caracterizará como estável164. 2.4.9 Inexistência de Impedimentos Matrimoniais O § 1º do artigo 1.723 do Código Civil veda a constituição da união estável “se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521”, ressalvado o inciso VI, que proíbe o casamento das pessoas casadas, se houver separação judicial ou de fato. Assim, não podem constituir união estável os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta, ou seja, sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado, observando-se que o vínculo de afinidade resulta tanto do casamento como da união estável, como dispõe o art. 1.595, caput; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, os colaterais até o terceiro grau inclusive, e o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra seu consorte165. Os impedimentos baseados no interesse público e com forte conteúdo moral, que representam um obstáculo para que uma pessoa constitua família pelo vínculo do casamento, são aplicáveis, também, para os que pretendem estabelecer família pela união estável. Quem não tem legitimação para casar não tem legitimação para criar entidade familiar pela convivência, ainda que observe os requisitos do caput do artigo 1.723 do Código civil166. Para Euclides de Oliveira167, cumpre observar, no entanto, que os requisitos pessoais constantes da Lei 8.971/94, ao indicar que os companheiros sejam homem e mulher solteiros, separados judicialmente, 164 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. p. 192 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 544 - 545 166 AZEVEDO, Álvaro Villaça Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 548 167 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento; antes e depois do novo código civil. p. 137 165 67 divorciados ou viúvos, impedem o reconhecimento de união estável de pessoas casadas e ainda não separadas judicialmente, mesmo que separadas de fato. O mesmo autor ainda constata que na Lei 9.278/96, não se repetiu essa disposição relativa á qualificação pessoal dos companheiros. Sua conceituação de entidade familiar apenas refere a união duradoura entre “um homem e uma mulher”, com os requisitos de que seja pública, contínua e com o intuito de formar uma família. O que se há de extrair dessa nova disposição legal, portanto, é que efetivamente não subsiste, para configuração da união estável, o impedimento relativo à participação de pessoa casada, quando separada judicialmente, ou, também, quando separada de fato do seu cônjuge. As disposições do novo ordenamento civil fazem eco, portanto, ao dominante entendimento exegético das leis vigentes, na doutrina pátria e bem assim na jurisprudência de nossos tribunais, dando maior abertura ao reconhecimento da união estável para abranger as situações de pessoas casadas e ainda não divorciadas, porém com a sociedade conjugal desfeita por separação judicial ou de fato. 68 CAPÍTULO 3 CONTRATO DE CONVIVÊNCIA 3.1 DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA 3.1.1 Do contrato Não se pode falar em contrato de convivência sem antes se delinear brevemente o conceito de contrato na sua forma pura e simples. Etimologicamente o contrato vem do latim "contractu", significando "trato com". Representa a combinação de interesses de pessoas sobre determinada coisa. Juridicamente, tem-se o contrato como uma espécie de negócio jurídico, pois o mesmo se forma pelo concurso de vontades em torno de um "objeto".168 Para se entender melhor essa classificação, deve-se buscar na Teoria do Negócio Jurídico a sua fundamentação. Orlando Gomes 169 acrescenta que: [...] o contrato é uma categoria jurídica que está a se alargar no próprio campo do Direito Civil; além de ser fonte de obrigações, na sua função tradicional atribuída no Direito Romano, opera, em alguns sistemas jurídicos, na esfera das relações reais, constituindo e transferindo direitos reais. Admite-se, demais disso, que o contrato não é apenas constitutivo de obrigações, mas também modificativo e extintivo. 168 AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das Sociedades. 35a edição, revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1995. 169 a GOMES, Orlando. Contratos. 17 edição. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 14 69 Corroborando as palavras de Gomes, segue Caio Mário 170, afirmando que: [...] o fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que em conformidade com a ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito é a criação de direitos e obrigações. Diante do exposto, chega-se a definição de contrato como um "ato bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações". 171 Disso pode-se concluir que o contrato é todo acordo de vontades destinado a constituir uma relação jurídica de natureza patrimonial e eficácia obrigacional. Constitui-se de acordo de vontades, pois há necessidade de convergência das pretensões sobre um mesmo objeto; é uma relação jurídica porque envolve partes distintas e suas manifestações têm repercussão no Direito. É de natureza patrimonial, pois o objeto para onde convergem as pretensões possui um valor pecuniário, ou seja, mensurável economicamente e, por fim, de eficácia obrigacional porque envolve direitos e deveres de ambos os pólos da relação, podendo o Estado obrigar a parte inadimplente ao cumprimento do acordo de vontade pactuado. 3.1.2 Conceito de Contrato de Convivência O Código Civil de 2002 manteve a possibilidade, prevista anteriormente no artigo 5º da Lei n.º 9.278/96, de os companheiros celebrarem contrato escrito que disponha de forma contrária, afastando o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725) e adotando, por exemplo, regime semelhante ao da comunhão universal ou da separação absoluta, ou estabelecendo novas regras. 170 a PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume III. 10 edição. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 02. 171 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. 70 Contrato de convivência, segundo Cahali172, “é o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação por eles constituída”. Esse contrato, segundo o autor mencionado, Não reclama forma preestabelecida ou já determinada para sua eficácia, embora se tenha como necessário seja escrito, e não apenas verbal. Assim, poderá revestir-se da roupagem de uma convenção solene, escritura de declaração, instrumento contratual particular levado ou não a registro em Cartório de Títulos e Documentos, documento informal, pacto e, até mesmo, ser apresentado apenas como disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente, desde que contenham a manifestação bilateral da vontade dos companheiros”. Aliás, ainda complementa o mesmo autor, qualquer acordo, convenção, disposição ou manifestação, expressados pelas partes, ainda que a união estável e seu efeito patrimonial não tenham sido o objeto único ou principal do negócio jurídico que as contém, valerá como “contrato de convivência” enquanto instrumento ou pacto eficaz para traçar o destino dos bens adquiridos durante a relação, valendo apenas a identificação do elemento volitivo expresso pelos sujeitos. Kich173 esclarece que “o contrato de convivência, segundo a classificação dos contratos é: bilateral; oneroso; formal; típico (nominado); pessoal; comutativo; paritário; de execução continuada; principal; com um misto de obrigações positivas e negativas. Pode ser feito por escrito público ou escrito particular.” 172 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55 e 56. 173 KICH, Bruno Canísio. Contrato de convivência (concubinato – “Union de Hecho”). .2ª ed. Campinas, São Paulo: Agá Júris Editora, 2001, p. 132 71 O autor Veloso174 manifesta: Os protagonistas da união estável estão autorizados, explicitamente, a celebrar contrato – por escritura pública ou instrumento particular – estabelecendo, por exemplo, que suas relações patrimoniais regem-se pelo regime da separação – excluindo, totalmente, a comunhão – e, que cada companheiro é dono exclusivo do que foi por ele adquirido, a qualquer título; ou que os bens adquiridos onerosamente, durante a convivência, são de propriedade de cada parceiro, em percentual diferenciado; ou que algum bem ou alguns bens são de propriedade de ambos e que outro ou outros, de propriedade exclusiva de um dos companheiros. Adverte Cahali175 que o contrato de convivência não possui, porém, “força para criar a união estável”, e, assim, tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade familiar em razão do comportamento das partes. Vale dizer, a união estável apresenta-se como condicio iuris ao pacto, de tal sorte que, se aquela inexistir, a convenção não produz os efeitos nela projetados.” Por sua vez, sublinha Madaleno176 que o contrato escrito na união informal não tem nem de longe o peso de um contrato conjugal, pois sua eficácia é restrita aos conviventes contratantes. Isso leva à inarredável conclusão de “não ser juridicamente perfeito, definitivo e inoponível o contrato de convivência, mesmo se formado por instrumento público e com sua correlata inscrição em Cartório de Títulos e Documentos”. Nessa trilha, arremata Cahali177: Da mesma forma que a inscrição do instrumento particular em Cartório de Títulos e Documentos, a escritura pública com o conteúdo de contrato de convivência não é oponível erga omnes, inexistindo previsão para tanto, de tal sorte que esse documento 174 VELOSO, Zeno Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 562 175 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 306 176 MADALENO, Rolf. Escritura pública como prova relativa de união estável. Revista Brasileira de Direito de Família, 17/85 177 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 135-136 72 não basta para se impedir o questionamento da união por terceiros, até porque, como visto, a convenção não cria a união estável, e sua eficácia, até para as partes, está condicionada à caracterização da convivência. De nada valerá, destarte, o ajuste escrito e solene se não for acompanhado de uma efetiva convivência familiar entre os companheiros. No tocante ao conteúdo do contrato de convivência, descreve Gonçalves178, ele está circunscrito aos limites das disposições patrimoniais sobre bens havidos pelos companheiros ou por serem adquiridos durante o tempo de vida em comum, bem como, eventualmente à administração desses bens. Como assinala Euclides de Oliveira179, a eficácia do contrato cinge-se ao seu conteúdo adequado, ou seja, “sobre os bens adquiridos ou que venham a integrar o patrimônio isolado de um dos companheiros durante a convivência. Nesses limites, entende-se que o contrato possa determinar o regime de absoluta separação de bens entre as partes ou limitar a separação a determinados bens, em restrição ao regime da comunhão parcial.” Ainda, neste contexto observa Cahali180: O interesse na formalização deste contrato na constância da união é evidente, até mesmo para se conferir segurança à relação, principalmente quando esta passa a se apresentar, no campo afetivo, sólida e estruturada, e quem sabe até com o nascimento de filhos comuns. Mais ainda, passando a existir uma evolução patrimonial que talvez no início da convivência era improvável ou remota, a definição quanto à situação dos bens chega a ser até um fator importante do amadurecimento da relação, como uma etapa que, se bem superada, permite o prolongamento de uma convivência saudável, sem dúvidas ou desconfianças recíprocas. 178 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 563 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 158-161. 180 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 74 179 73 Escreve Euclides de Oliveira181: Em suma, a formalização da vida em comum dos companheiros ou conviventes mediante contrato escrito, ainda que não essencial e com as restrições apontadas, mostra-se recomendável e útil para sinalizar as regras do tempo de vida em comum, especialmente na esfera da formação do patrimônio e sua administração. O instrumento escrito, tanto no início como no término da convivência certamente prevenirá muitos litígios, permitindo o acertamento amigável das relevantes questões resultantes dos efeitos jurídicos da entidade familiar, oriunda da união estável. 3.2 OBJETO E REQUISITOS DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA Como ato jurídico, o contrato de convivência sujeita-se aos requisitos essenciais de capacidade das partes, licitude do objeto e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82 do CC/16; art. 104 NCC). Não há prescrição de forma específica para celebração de contrato dessa espécie, que se perfaz pelo só fato da união entre homem e mulher com a finalidade de constituir família. Mas para a contratação relativa aos efeitos patrimoniais da vida em comum, a lei exige contrato escrito, estando aí, portanto, requisito formal de que não se pode prescindir, sob sujeição das partes ao condomínio sobre os bens adquiridos onerosamente durante a convivência, como dispõe a Lei 9.278/96, artigo 5º, ou ao regime da comunhão de bens, como está expresso no Novo Código Civil, artigo 1.725. Necessário lembrar que o instrumento escrito do contrato é a materialização daquele negócio jurídico. Todo negócio gera efeitos jurídicos. O contrato, se não contrário à lei, é a lei entre as partes182. 181 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável, Comentários às Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, Direitos e ações dos companheiros. 5ªed. São Paulo. Editora Paloma. 2000 p. 60 74 Porém, manifesta Euclides de Oliveira183 que: “o que importa é a manifestação de vontade das partes, bastando que se materialize pela forma escrita, independente do instrumento utilizado, que pode ser particular, embora também não se afaste a possibilidade de adoção de instrumento público.” E ainda o mesmo autor esclarece: Em reforço ao instrumento escrito da avença patrimonial entre os companheiros, convém ressaltar que se mostra da maior utilidade a sua solenização tanto quanto possível, para evitar futuras dúvidas; argüições de nulidade por erro, dolo ou coação, e até mesmo alegações de preenchimento de papel em branco, falsificação de assinaturas e outros vícios invalidantes do ato jurídico. Elucida Cahali184 que: “O contrato de convivência tem sua eficácia condicionada à caracterização pelos elementos necessários, da união estável. A convenção não cria a união estável: esta se verifica no comportamento dos concubinos, não pela vontade manifestada apenas por escrito. Assinala que” a convenção é um regramento patrimonial que não institui a entidade familiar por si só, mas a pressupõe como condição de sua eficácia, estando aqui o símile aos ‘contratos reais’ e não meramente ‘consensuais’.” 3.2.1 Agente Capaz e Objeto Lícito O contrato de convivência, embora com suas peculiaridades é um ato jurídico, na medida em que tem por finalidade “adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos” Neste contexto, a validade do contrato de convivência “requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)”, conforme determinação contida no artigo 82 do Código Civil. 182 KICH, Bruno Canísio. Contrato de convivência (concubinato – “Union de Hecho”). p. 132 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 160 184 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 60 e 61. 183 75 De forma abrangente prevê o artigo 104 do novo Código Civil: “A validade do negócio jurídico requer: I- agente capaz; II- objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III- forma prescrita ou não defesa em lei.” Como primeiro elemento essencial à validade do contrato, encontra-se a capacidade das partes, assim aferida pela aptidão do sujeito à prática dos atos da vida civil. Volta-se a atenção aqui a pessoas incapazes de manifestar a vontade ou de exercer os atos da vida civil, previstas nos artigos 5º e 6º do Código Civil (ou arts. 4º e 5º do novo Codex), mas que estão em condições pessoais de passar a viver, ou já estar convivendo, em união estável, por ser esta, condicio iures à eficácia do contrato. Neste âmbito, esclarece Diniz185: Como todo ato negocial, pressupõe uma declaração de vontade, a capacidade do agente é indispensável à sua participação válida na seara jurídica. Tal capacidade poderá ser: a)geral, ou seja, a de exercer direitos por si, logo o ato praticado pelo absolutamente incapaz sem a devida representação será nulo (CC. art. 166) e o realizado pelo relativamente incapaz sem assistência será anulável (CC, art. 171, I); b) especial, ou legitimação, requerida para a validade de certos negócios em dadas circunstâncias (p. ex., pessoa casada é plenamente capaz, embora não tenha capacidade para vender imóvel sem autorização do outro consorte ou suprimento judicial desta (CC, art.s 1647, 1.649 e 1.650), exceto se o regime matrimonial de bens for o de separação absoluta. A incapacidade pode ser suprida pela representação e assistência nos termos do artigo 84 do Código Civil, e a sua falta vicia o ato jurídico, embora se deva fazer incidir a regra contida no artigo 83 do Codex, segundo a qual “a incapacidade de uma das partes não pode ser invocada pela 185 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 144 76 outra em proveito próprio, salvo se for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum”186. O segundo requisito para a validade do ato é a licitude do objeto. Historicamente, como visto, pela rejeição política, moral e social ao concubinato, a ilicitude do objeto foi motivo para afastar os efeitos de contratos particulares celebrados, impedindo o registro e até mesmo o reconhecimento de firma em documentos desta natureza, tudo a pretexto de representarem “mancebia simulada em matrimônio” ou “casamento por contrato” situação esta definitivamente superada pela Constituição Federal de 1988. Atualmente, permitida a contratação até por expressa previsão no artigo 5º da Lei n. 9.278/96, a licitude do objeto deve ser analisada diretamente pelo conteúdo das várias deliberações contidas no ato jurídico, vale dizer pelo que se contém isoladamente nas disposições estabelecidas pelos conviventes, cada qual analisada separadamente, de tal sorte que o vício de uma não venha necessariamente comprometer a validade da outra e o contrato como um todo (utile per inutile non vitiatur), com aplicação irrestrita do artigo 153 do Cócigo Civil, reproduzido o princípio no artigo 184 do novo Código187. Serão ilícitas, na interpretação adotada pela doutrina e jurisprudência, as condições que venham atentar contra a moral e bons costumes, aqui se utilizando como paradigma não apenas os princípios gerais do direito, como também, e especialmente, as fontes do Direito de Família188. Ainda, nesse teor, explana Diniz189: O negócio jurídico válido deverá ter, em todas as partes que o constituírem, um conteúdo legalmente permitido. Deverá ser lícito, ou seja, conforme a lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública e à moral. Se tiver objeto ilícito, será nulo (CC, art. 166). Deverá ter ainda objeto possível, física ou juridicamente. Se 186 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 101 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 102 188 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 103 189 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. p. 144-145 187 77 o ato negocial contiver prestação impossível, deverá ser declarado nulo (CC, art.s 104, II e 166, II). Deverá ter objeto determinado, ou pelo menos, suscetível de determinação, pelo gênero e quantidade, sob pena de nulidade absoluta. Por fim, quanto aos requisitos de validade do ato jurídico, deve a manifestação de vontade obedecer à forma prescrita, ou não vedada em lei. Ao contrato de convivência impõe-se a forma escrita, pela expressa previsão contida no artigo 5º da Lei n. 9.278/96, não bastando a convenção verbal ou manifestação tácita ou presumida. Reforçando a regra contida no artigo 82, no mesmo Código Civil, está previsto, no artigo 129, que “a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 82)”. Vale anotar que este dispositivo (art. 129) vem reproduzido no artigo 107 do novo Código Civil, reportando-nos, ainda, aos artigos 166, IV, e 104, relativos ao vício na forma do negócio jurídico. A forma escrita é da essência do contrato de convivência, surgindo a discussão a respeito da sua apresentação em Cartório de Títulos e Documentos e/ou necessidade/possibilidade de celebração por instrumento público, com assentamento da escritura ou contrato particular no Registro de Imóveis.190 Neste viés, acrescenta Diniz191: “Às vezes será imprescindível seguir determinada forma de manifestação de vontade ao se praticar ato negocial dirigido à aquisição, ao resguardo, à modificação ou extinção de relações jurídicas. O princípio geral é que a declaração de vontade independe de forma especial (CC, art. 107), sendo suficiente que se manifeste de modo a tornar conhecida a intentio do declarante, dentro dos limites em que seus direitos podem ser exercidos. 190 191 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 104 - 105 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. p. 145 78 Apenas, excepcionalmente, a lei vem a exigir determinada forma, cuja inobservância invalidará o negócio.” E ainda, observa Gonçalves192: Os requisitos de existência do negócio jurídico são os seus elementos estruturais, sendo que não há uniformidade, entre os autores, na sua enumeração. Preferimos dizer que são os seguintes: a declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto. Faltando qualquer deles, o negócio inexiste. A vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. A manifestação de vontade pode ser expressa (palavra falada ou escrita, gestos, mímica, etc.) ou tácita (a que se infere da conduta do agente). (...) A finalidade negocial ou jurídica é a intenção de criar, conservar, modificar ou extinguir direitos. (...) A idoneidade do objeto é necessária para a realização do negócio que se tem em vista. Verificados os requisitos de validade, ou elementos essenciais do ato jurídico, quer sejam genéricos, quer sejam específicos do contrato de convivência, mostra-se perfeita convenção, apta a produzir os efeitos desejados pelas partes. 3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE FILHOS E ENTEADOS No Direito de Família do Código Civil de 1916, foram mantidas as designações peculiares que conceituavam os filhos legítimos e ilegítimos das Ordenações, graças à influência direta da Igreja nos institutos do Direito de Família. Segundo os preceitos do Cristianismo Católico, somente o casamento eclesiástico poderia garantir a legitimidade do filho. Proibia-se o reconhecimento de filhos adulterinos (havidos à margem do casamento e com infração ao dever de fidelidade) e incestuosos (concebidos entre parentes próximos), embora isso não ocorresse com os naturais (nascidos sem que os pais estivessem casados). Havia, como se nota, 192 GONÇALVES. Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas – Direito Civil, Parte Geral. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 94-96 79 uma “classificação” que enquadrava os filhos nascidos fora do único padrão de família, ou seja, o casamento193. Objetivou o legislador proteger de maneira irrestrita a família legítima. Ao longo dos anos, seguiram-se avanços normativos em torno da filiação. Com visto, a Constituição de 1934, em seu artigo 147, estabelecia que o reconhecimento dos filhos naturais estaria isento de quaisquer selos e emolumentos, sendo que a herança que lhes cabia ficaria sujeita a impostos iguais aos que recaíam sobre a dos filhos legítimos194. Oliveira195 elencou as principais leis que ao longo dos anos, ampliaram os direitos dos descendentes, diante da evolução social que sobrepujava e almejava o reconhecimento dos filhos nascidos fora do casamento, conforme se descreve: O texto constitucional de 1937, em seu artigo 126, facilitou o reconhecimento dos filhos naturais, assegurando-lhes igualdade com os legítimos, impondo-lhes os mesmos direitos e deveres e deveres dos legítimos. Porém, manteve a proibição quanto a legitimação de certos ilegítimos como os adulterinos e incestuosos, também chamados de espúrios. Todas as demais Constituições, a partir de 1937, silenciaram a respeito da igualdade da filiação, o que legitimava a discriminação imposta pelo Código Civil. O Decreto-lei 3.200/41 determinava em seu artigo 14 que, nas certidões de registro civil, não seria mencionada a circunstância de ser legítima ou não a filiação, salvo a requerimento do próprio interessado ou em virtude de determinação judicial. 193 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 251 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 97 195 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 251 194 80 Através da Lei 883/49, manteve-se (art. 1º) a permissão aos cônjuges para reconhecerem a paternidade de filho havido fora do matrimônio, sendo aos filhos garantida ação visando ao reconhecimento da filiação apenas após a extinção da sociedade conjugal. Equipararam-se os filhos nos direitos sucessórios (art. 2º). A Lei 6.515/77 introduziu alteração na Lei 883/49, permitindo o reconhecimento de filho havido fora do matrimônio, durante este, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho e, nessa parte, irrevogável. Novo parágrafo foi acrescentado à Lei 883/49, agora pela Lei 7.250/84, dispondo que, mediante sentença transitada em julgado, o filho havido fora do matrimônio poderia ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato há mais de 5 (cinco) anos contínuos. Pela alteração trazida pela Lei 6.515/77, permitindo o reconhecimento de filho fora do matrimônio, entendeu-se, à época, que a lei não autorizava extensão de suas disposições aos filhos incestuosos, tendo ficado, assim, mantida a discriminação neste particular. Em 1973, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) disciplinou sobre a averbação das sentenças que julgassem ilegítimos os filhos concebidos na constância do casamento e as que declarassem a filiação legítima (art. 29, § 1º, b, Lei 6.015/73). No ano de 1979 era editada a Lei 6.697, que dispôs sobre o Código de Menores, tendo conferido especial atenção à situação do menor irregular. Em 17.10.1989, a Lei 7841 revoga expressamente o artigo 358 do Código Civil, que proibia o reconhecimento dos filhos incestuosos e adulterinos. Essa lei apenas ratificou o que já estava revogado pela Constituição Federal de 1988, que, no artigo 226, § 6º, estabeleceu a plena 81 igualdade entre todos os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, dispondo que todos eles possuem os mesmos direitos e qualificações, ficando proibida quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Após a vigência da novel Constituição, em 13.07.1990, é editada a Lei 8.069/90, que revogou o Código de menores e disciplinou o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulando os direitos fundamentais das crianças (faixa etária até 12 anos de idade) e dos adolescentes (faixa etária após os 12 anos até antes dos 18 anos de idade). Em 1992, foi editada a Lei 8.560, que regula a investigação oficiosa da paternidade. Diante do exposto, manifesta corretamente Pereira196: “O constituinte pôs fim a uma das maiores heresias prestigiadas pelo Código civil, ou seja, à “punição” dos filhos não havidos na constância do casamento, por evento natural em relação ao qual não possuíam nenhuma responsabilidade. Alijou-se, de vez, a diferenciação dos filhos através de expressões discriminatórias (ilegítimo, adulterino, espúrio, incestuoso, etc.)”. E acrescenta, “todos os dispositivos legais que determinavam discriminação dos filhos, perderam, automaticamente, sua eficácia, com a promulgação da Constituição Federal de 1988”. A respeito da importância dos fundamentos da família, em cotejo com os princípios constitucionais, ressalta Fachin197, referindo-se à igualdade entre os filhos: O ponto a que chegou o sistema jurídico, fruto de contínuas alterações, reflete, de um lado, a evolução das idéias e conceitos atinentes à família e à filiação, e de outro, espelha a necessidade de ordenação legislativa que tenha por base os princípios constitucionais, especialmente da igualdade da filiação, e se 196 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Algumas questões de direito de família na nova constituição. São Paulo: RT 639/250, jan./89. 197 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. p. 43 82 inspire numa visão compreensiva da família e dos reais valores a serem protegidos. O Novo Código Civil também inseriu em seu Livro IV – Do Direito de Família, mais precisamente em seu artigo 1.596, a questão da filiação, onde especifica: “Art. 1.596. os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias, relativas à filiação”. Diante do artigo supra, elucida Diniz198: “Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos. Com base nesse princípio, não se faz distinção entre filho matrimonial, não matrimonial ou adotivo, quanto ao poder familiar, direito a alimentos, nome e sucessão. Permite-se o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a “ilegitimidade” ou “espuriedade”. Vedadas estão quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. De modo que a única diferença entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento; logo, só se poderia falar didaticamente em filho matrimonial ou não matrimonial, reconhecido ou não reconhecido, uma vez que tais termos seriam indiferentes”. Enfim, inseriu-se o filho não nascido de relações matrimoniais numa família com os mesmos direitos e os mesmos deveres de qualquer filho advindo de um casamento. Sob a análise do contrato de convivência podem os conviventes dispor sobre filhos e enteados, porém respeitando a ressalva que nos mostra Cahali 199, “considera-se ineficaz ou não escrita cláusula preestabelecendo a guarda definitiva de filhos comuns e/ou regime de visitas imutáveis, em caso de 198 199 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. p. 1299 e 1300. CAHALI,Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p. 220 e 221. 83 eventual futura dissolução da união estável, ou qualquer outra interferência no vínculo paterno-filial.” Diante do exposto fica os conviventes restritos a algumas observações quando forem dispor de filhos no Contrato de Convivência. 3.4 DIREITO PATRIMONIAL E HERANÇA Especial proteção do Estado à família é o que determina a Constituição Federal, no artigo 226, caput. E seu § 3º estende igual preceito à entidade familiar constituída pela união estável entre o homem e a mulher. Essa proteção jurídica ao ente familiar abrange o complexo de direitos de cunho pessoal (respeito e consideração, mútua assistência, criação e educação dos filhos) e os de natureza patrimonial, pela prestação de alimentos, comunhão dos bens havidos durante o tempo de convivência e sua transmissão por sucessão hereditária200. No novo Código Civil são igualmente previstos direitos patrimoniais dos companheiros: alimentos, meação e sucessão, os quais passaremos a analisar. 3.4.1 Alimentos Os alimentos, da mesma forma que os previstos para parentes e cônjuges, na medida das necessidades para viver de modo compatível com a condição social e as necessidades dos reclamantes (art. 1.694); Uma vez configurada a união estável, devem-se mútua assistência os companheiros, como direito-dever inerente à proteção da entidade familiar assim constituída. O dever de assistência entre os companheiros tem previsão no artigo 1.724 do novo Código Civil, conduzindo à necessária obrigação 200 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 165 84 de mútuo sustento. Daí decorre o direito-dever de alimentos, no curso da convivência e na hipótese de ser dissolvida a entidade familiar. Ao lado dessa previsão genérica, o novo Código Civil contempla o direito a alimentos em subtítulo específico, a partir do artigo 1.694. O dispositivo faculta aos parentes, cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social e para fins de educação. Euclides de Oliveira201 esclarece que: A referência à condição social do alimentante significa variação do valor para atendimento das peculiaridades de cada pessoa, conforme o padrão de vida a que se ache habituado. Trata-se de adesão aos denominados alimentos côngruos (compatíveis com a condição social de cada pessoa), com o risco de se tornar impossível a sua aplicação em face da redução de recursos ou do aumento de despesas individuais que usualmente acontecem nas separações. De qualquer forma, a fixação da verba alimentar não pode distanciar-se do cuidadoso exame das necessidades essenciais da pessoa para que mantenha uma vida digna. (...) De outra parte, há que se levar em conta a capacidade econômicofinanceira da pessoa obrigada ao pagamento, para que se fixe a prestação de forma racional e equilibrada, conforme se extrai das disposições dos artigos 1.694, § 1º, e 1.695 do novo ordenamento. Ainda, quanto aos alimentos, subsistem mesmo que a situação de necessidade resulte de culpa de quem os pleiteia. Nesse caso, porém, o valor da prestação corresponderá apenas ao indispensável à subsistência (art. 1.694, § 2º, do NCC). O novo Código Civil traz taxativa disposição no sentido da irrenunciabilidade dos alimentos, abrangendo não só os parentes como também os cônjuges e companheiros, uma vez que a matéria é tratada igualmente em relação a todos eles. Desse teor o seu artigo 1.707: “Pode o credor não exercer, 201 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 174 85 porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Reitera Euclides de Oliveira202 que: “Levado ao pé da letra, esse comando impediria acordos de separação judicial ou de dissolução de união estável contendo renúncia a alimentos em qualquer circunstância, deixando sempre aberta a porta ao necessitado para o reclamo de sua prestação pelo outro que estivesse em melhor situação financeira”. Da mesma forma no Contrato de convivência é ineficaz cláusula que dispõe sobre questões que possam interferir no vínculo paterno-filial no que diz respeito também a alimentos.203 Ou seja, ficam sem amparo legal os conviventes que queiram dispor sobre alimentos devidos aos filhos após a dissolução da União Estável. 3.4.2 Meação: Regime de bens na união estável Com o novo Código Civil de 2002, a regulamentação está no artigo 1.725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Rizzardo204 interpreta o dispositivo acima: “A regra é a mesma do regime de comunhão parcial: reparte-se o patrimônio formado no curso da união, exceto o proveniente de doação e de sucessão hereditária.” O mesmo autor ainda complementa: “A partilha do patrimônio pelo término da união é uma tradição do direito consuetudinário, tornando-se como parâmetro jurídico à dissolução da sociedade civil ou comercial comum. Resultando efeitos positivos patrimoniais, os bens deverão ser 202 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 179 203 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: p.221. 204 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.910 86 partilhados ao se desfazer o enlace, seja por morte ou por mera dissolução durante a vida.” Nesta ótica acrescenta Silvio Rodrigues205: Assim, os companheiros passam a partilhar todo o patrimônio adquirido na constância da união, como se casados fossem. A forma proposta é mais abrangente que o regime até então vigente, de condomínio sobre o patrimônio adquirido a título oneroso. Passam a integrar o acervo comum, por exemplo, os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior, e o fruto dos bens particulares (cf. art. 1.660). Sobre o enfoque acima disciplinado quanto a questão do condomínio, desmistifica Silva Pereira206: Verifica-se o condomínio quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes. O poder jurídico é atribuído a cada condômino, não sobre uma parte determinada da coisa, porém sobre ela em sua integralidade, assegurando-se a exclusividade jurídica ao conjunto de comproprietários, em relação a qualquer pessoa estranha, e disciplinando-se os respectivos comportamentos bem como a participação de cada um em função da utilização do objeto. E Beviláqua207 justifica: “O condomínio ou co-propriedade é a forma anormal da propriedade, em que o sujeito do direito não é um indivíduo, que o exerça com exclusão dos outros. São dois ou mais sujeitos, que exercem o direito simultaneamente” 205 RODRIGUES, Silvio Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 310 206 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. 4, p. 120 207 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Ed. Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975, v. 3, p. 1093 87 Dias208 avalia: Instala-se a co-titularidade patrimonial ainda que somente um dos conviventes tenha adquirido o bem. O direito de propriedade resta fracionado em decorrência do condomínio que exsurge ex vi legis. Logo, não pode aliena-lo, pois se trata de bem comum. É necessária a concordância do companheiro. A constituição da união estável leva à perda da disponibilidade dos bens adquiridos, revelando-se indispensável a expressa manifestação de ambos os proprietários para o aperfeiçoamento de todo e qualquer ato de disposição do patrimônio comum. Guimarães209 ainda assevera que: “No regime da comunhão parcial, todos os bens amealhados durante o relacionamento são considerados fruto do trabalho comum, adquiridos por colaboração mútua, passando a pertencer a ambos, em partes iguais. Instala-se um estado de condomínio entre o par. Tudo há que ser dividido. A presunção de propriedade do titular aparente no registro não é mais absoluta, e o companheiro é patrimonialmente equiparado ao cônjuge.” Corroborando neste sentido, revela Dias210: Adquirido o bem por um, transforma-se em propriedade comum, devendo ser partilhado por metade na hipótese de dissolução do vínculo. Portanto, quem vive em união estável e adquire algum bem, ainda que em nome próprio não é o seu titular exclusivo. O fato de o patrimônio figurar como de propriedade de um não afasta a co-titularidade do outro. Trata-se de presunção júris et de jure, isto é, não admite prova em contrário, ressalvadas as exceções legais de incomunicabilidade (CC 1.659 e 1.661): bens recebidos por herança, por doação ou mediante sub-rogação legal. No entanto, havendo Contrato de Convivência, Euclides Oliveira211 nos traz: “Ressalva-se possibilidade de contrato escrito entre os 208 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. 3.ed. ver. Atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 154 209 GUIMARÃES, Marilene Silveira. A necessidade de outorga para alienação de bens móveis no casamento e na união estável, segundo o Código Civil de 2002, São Paulo: p. 298 210 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. p. 155 88 companheiros dispondo de forma diversa quanto aos bens havidos durante a convivência e sua administração.“ Tem-se no entendimento de Cahali212 que podem os conviventes estipularem a meação de forma diferenciada atendendo aos interesses e aspirações do casal. Nesta mesma linha a doutrina de Gama213 explicita: “Devese admitir, ainda, que se estipule uma fração ideal distinta daquela estatuída no dispositivo, desde que mediante expressa pactuação.” E ainda Cahali: Confirmando esta possibilidade de fixação diferenciada na participação de bens adquiridos durante a convivência, e acompanhando a dinâmica das relações entre os conviventes, no uso de suas atribuições, a Receita Federal editou a Instrução Normativa n.15, de 6 de fevereiro de 2001, prevendo em seu art. 4º, III, que “na propriedade em condomínio decorrente de união estável, a tributação incide sobre cinqüenta por cento do total dos rendimentos relativos aos bens possuídos em condomínio, em nome de cada convivente, salvo estipulação contrária em contrato escrito”. A menção à regra obtida no art.5º da lei 9.278/96, com a amplitude acima declinada, admitindo a fração diferenciada sobre bens, não foi expressa, mas resta nítida pelo conteúdo de instrução normativa. Nesse sentido, pode-se afirmar que a cláusula prevendo participação diferenciada já está assimilada até mesmo pelo Estado, não devendo encontrar resistência. Por fim, conclui-se que podem os companheiros escolher o regime de bens a adotar na constância da união estável e podem dispor dos bens adquiridos antes e durante a vida em comum, da melhor forma para ambos. 211 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 104 212 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p.226 213 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. O companheirismo, uma espécie de família. p.341. 89 3.4.3 Sucessão A sucessão por morte do companheiro, nos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, em concorrência com os descendentes, ascendentes e colaterais, ou a totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis (art. 1.790). Tocante à sucessão hereditária, observa Euclides de Oliveira214: “O companheiro passa a ter, no novo Código Civil, posição muito inferior ao que lhe garantem as Leis 8.971/94 e 9.278/96. Passa a concorrer com os parentes sucessíveis com parte ideal restrita aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência. E não disporá dos direitos de usufruto e nem de habitação no imóvel que servia de residência do casal.” Com o novo código civil, foi limitada a participação do companheiro na herança, em descompasso com o tratamento mais benéfico dispensado ao cônjuge viúvo. Análoga é a opinião Silvio Rodrigues215 quando expressa: No direito sucessório -, optou o legislador de 2002 por retroceder aos passos dados pela legislação vigente, que praticamente conferia ao companheiro a mesma situação jurídica dos casados. Isso porque restringiu o direito hereditário aos bens adquiridos na constância da união, e, mesmo assim, impôs a concorrência do sobrevivente com descendentes, ascendentes e até colaterais do falecido (art. 1790), retirando-lhe o direito real de habitação e o usufruto vidual, enquanto no novo modelo o cônjuge passa a integrar a primeira classe da convocação, em concorrência com os descendentes, recebendo a integralidade do acervo, na falta destes e de ascendentes (art. 1.829), além de ter sido prestigiado com a qualidade de herdeiro necessário (art. 1.845). 214 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 167-168-199 215 RODRIGUES, Silvio Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. p. 311 90 Euclides de Oliveira216, num exame abrangente da proteção jurídica dispensada à união estável, considera que no campo dos direitos a alimentos (artigo 1.694) e meação (artigo 1.725), o companheiro é tratado em posição de igualdade com a pessoa casada, mas não assim na esfera do direito sucessório. O mesmo autor ainda esclarece: O novo Código sequer inclui o companheiro na ordem da vocação hereditária, limitando-se a tratar de seus direitos nas disposições gerais do Direito das Sucessões. Pelo teor de seu artigo 1.790, o companheiro terá direito a participar da sucessão do outro apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Essa participação dá-se em concurso com os demais herdeiros, ou seja: concorrendo com descendentes do falecido, uma cota-parte igual à dos filhos comuns, ou metade do que receber cada um dos filhos; concorrendo com outros parentes sucessíveis (ascendentes ou colaterais), um terço da herança. E continua interpretando: O direito à totalidade da herança somente é reconhecido em favor do companheiro sobrevivente se não houver herdeiros sucessíveis. Mesmo nesta hipótese, contudo, a sucessão do companheiro restringe-se aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, por força da disposição do caput do artigo 1.790. Quer isto dizer que, se os bens da herança forem particulares do de cujus, nada será atribuído ao companheiro sobrevivente, pois serão herdeiros apenas os parentes sucessíveis, que vão até os colaterais de 4º grau. Ainda na falta desses parentes, nada poderá reclamar o companheiro, quanto aos bens particulares do de cujus, que serão arrecadados como herança jacente, a converter-se em herança vacante, com adjudicação do Município da localização dos bens, ou seja, a herança fica para o ente público beneficiário (Município ou Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou União, 216 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 203-211 91 quando situada em território federal – artigo 1.844 do novo Código Civil). Comentando esses dispositivos, assinala Nery Júnior217 que: “não está claro na lei como se dá a sucessão dos bens adquiridos a título gratuito pelo falecido na hipótese de ele não ter deixado parentes sucessíveis”, por isso concluindo que a herança deve ser atribuída na sua totalidade ao companheiro sobrevivente, antes que ao ente público destinatário da herança jacente”. Sobre os bens comuns, porque adquiridos na vigência da união estável e a título oneroso, o companheiro já tem direito à meação, pelo regime legal da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito (artigo 1.725 do NCC). O direito sucessório está no artigo 1.790 e nos incisos, com o seguinte texto: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns receberá uma cota equivalente à de cada filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, receberá metade do que couber a cada um; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – se não houver parentes sucessíveis, receberá a totalidade da herança”. Nesta linha, questiona Euclides Oliveira218: Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança com descendentes e ascendentes do falecido, tal como se reconhece também ao cônjuge sobrevivente. Mas não se 217 NERY JÙNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: RT, 2002, p. 600, nota ao artigo 1.790 218 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do código civil. p. 208, 211, 213 92 compreende que o companheiro se sujeite à concorrência dos demais parentes sucessíveis, quais sejam os colaterais até o quarto grau. Trata-se de evidente retrocesso no critério no sistema protetivo da união estável, pois no regime da Lei 8.971/94, o companheiro recebia toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes”. O mesmo autor ainda acrescenta que “essa colocação inferiorizada do companheiro no plano sucessório ainda mais se revela diante dos direitos assegurados ao cônjuge sobrevivente, que tem participação concorrente em maior extensão sobre a totalidade dos bens do autor da herança, na pendência do regime de bens adotado no casamento (arts. 1.829, inc. I, e 1.830), e mantém o direito real de habitação (art. 1.831). Considere-se, ainda, que o cônjuge passa a ser considerado herdeiro necessário (art. 1.845), assim com direito à legítima, o que não se estende ao companheiro.” Euclides Oliveira, ainda adverte: Nada mais se contempla em favor do companheiro além desse discutível e limitado direito de herança. Decai o direito de usufruto não mais previsto no novo ordenamento civil, o que se justifica diante da participação do companheiro (assim como do cônjuge) na herança atribuída aos descendentes e ascendentes. Também desaparece, o direito de habitação em favor do companheiro, muito embora seja previsto para o cônjuge sobrevivente (artigo 1.831 do NCC), que ainda passa a qualificar-se como herdeiro necessário (artigo 1.845 do NCC). Como se verifica, o direito sucessório do companheiro é flagrantemente discriminatório, em comparação com a posição reservada ao cônjuge, nada justificando essa diversidade de tratamento legislativo quando todo os sistema jurídico, à luz da Constituição, recomenda proteção jurídica à união estável, como forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento. 93 Neste prisma Zeno Veloso219, comenta: Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão praticamente equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias que se criaram informalmente, com a convivência pública, contínua e duradoura entre homem e mulher, a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na letra e no espírito, os fundamentos constitucionais. Passando a analisar sob a ótica do Contrato de Convivência preceitua Cahali que220: (...) cláusulas que de qualquer modo alterem a ordem de sucessão hereditária ou a previsão do quinhão da herança necessária, encontram em óbice no Direito das Sucessões, proibindo disposições em contrato de convivência que, por hipótese, venham a destinar a integralidade da herança de um companheiro ao outro, em detrimento de herdeiros necessários” Por fim conclui-se que o Contrato de Convivência não pode beneficiar o companheiro na questão da herança, pois para esta matéria existem normas cogentes que limitam a influência do contrato escrito. 219 VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros, Direito de família e o Novo Código Civil. p. 243. 220 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. p.218 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho procurou-se analisar a união estável de forma ampla, a formação familiar nas diversas culturas, as Constituições brasileiras e suas disposições quanto ao casamento, enfocando detalhada e especificamente a Constituição de 1988 e os impactos que a mesma trouxe na sociedade brasileira, quando resguardou os direitos de muitos que viviam à margem de amparo legal, protegendo outras espécies de famílias, que não só a constituída pelo casamento. Também se destacou as leis que vieram a disciplinar essa nova modalidade de família, incluindo-se o novo Código Civil de 2002, e ainda assinala-se às características que denotam a constituição da entidade familiar denominada união estável. Acrescenta-se, além disso, o conceito de contrato de convivência, bem como seus requisitos, constituição patrimonial e direito de herança aos companheiros, e os direitos dos filhos advindos antes e após a união estável, onde a lei, hoje, contempla a todos sem distinção. Com foco contemporâneo quanto a questão familiar, verificase que houve evolução e abandonou-se os modelos familiares antigos, herdados dos Direitos Romano, Germânico e Canônico, criando-se um novo modelo, real e compatível com os anseios sociais. Promoveu-se uma reviravolta no Direito de Família e os institutos que acreditávamos ser imutáveis transformaram-se: o casamento, a filiação e a chefia da sociedade conjugal. A Carta Constitucional de 1988 revolucionou o Direito de Família, colocando abaixo as estruturas já corroídas pelo tempo, edificando novos pilares, mais sólidos e resistentes, adaptando-se à realidade presente da vida brasileira. Com o advento desta Constituição a união estável foi elevada à condição de entidade familiar, merecendo proteção do Estado em situação similar à família constituída pelo casamento. As constituições anteriores bradavam pela proteção da família, sob a égide do casamento civil, enquanto o povo constituía sua família 95 pelo concubinato puro, sem nenhum amparo legal por parte do Estado. O repúdio expresso ou velado pelas uniões estáveis marcou uma luta de muitas décadas por aqueles que sofriam as conseqüências discriminatórias da opção por esta espécie de família. Reconheceu-se com a Carta de 1988 a realidade social e a importância das chamadas uniões livres, que por muito tempo não foram protegidas pela lei, por serem consideradas uma afronta ao sistema familiar brasileiro, mas que geravam efeitos no mundo jurídico que não podiam mais ser ignorados como havia sido feito em tempos antigos. Ao reconhecer esta realidade em sede constitucional, o legislador avançou significativamente, permitindo que milhares de famílias sem amparo legal anteriormente, encontrassem guarida no novo ordenamento jurídico. Observa-se que normas legais como Código Civil de 1916 respaldavam o papel em que o modelo patriarcal de família dominava, e desempenhava a função de “guardião do patrimônio familiar”. O legislador deste Código preocupou-se em especial com a questão patrimonial familiar, resguardando os direitos de herança somente aos “filhos legítimos”. Diante dos avanços sociais, e o crescimento de “uniões concubinárias” ou “extra-matrimoniais”, o STF cristalizou entendimentos favoráveis à união de pessoas não casadas, onde as Súmulas estabeleceram alguns direitos aos companheiros e seus filhos, até a promulgação da Constituição de 1988 e demais leis que a regulamentaram. As Leis 8.971/94 e Lei 9.278/96 propuseram-se a regulamentar as uniões estáveis até a instituição do novo Código Civil de 2002, que ordenou em cinco artigos as questões relacionadas à união estável, onde disciplina aspectos pessoais e patrimoniais. A Lei 8.971/94 regulou o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, enquanto que a Lei 9.278/96 regulou a união estável, direitos e deveres dos cônjuges, conversão da união estável em casamento e questões patrimoniais. 96 As características que constituem pressupostos necessários ao reconhecimento da união estável como entidade familiar foram amplamente pesquisados, quais sejam: Convivência , Ausência de Formalismo, Diversidade de Sexos , Unicidade de Vínculo, Estabilidade – Duração, Continuidade, Publicidade, Objetivo de Constituição de Família e Inexistência de Impedimentos Matrimoniais, o que demonstra que a união estável contém todos os elementos que constituem o casamento exceto a formalidade. No âmbito jurídico, o contrato de convivência representa o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem a regulamentação quanto aos reflexos da relação, podendo revestir-se da roupagem de documento solene, escritura pública, escrito particular, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade dos companheiros. Verifica-se que o contrato de convivência deve ser elaborado observando-se as normas legais, não podendo abarcar cláusulas que sejam adversas, ou não sejam devidamente regulamentadas pelas leis que amparam a união estável. O contrato de convivência não tem força para criar a união estável, e, assim, tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade familiar em razão do comportamento das partes, podendo ser celebrado a qualquer momento na constância da união estável ou previamente ao seu início. A respeito da constituição patrimonial, o Código Civil emana em artigo 1.725: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”, denotando que em caso de término da união, reparte-se o patrimônio formado no curso da mesma, exceto o proveniente de doação e de sucessão hereditária, onde os companheiros constituíam a co-propriedade dos bens ou o condomínio, ou seja, quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes. Em deferência a legitimidade dos filhos destaca-se que graças à ousadia do constituinte, hoje, os filhos são todos iguais, não 97 comportando mais qualquer distinção, não sofrendo mais com o estigma social da discriminação, e de direitos e deveres, entre filhos, quer ligados pelo vínculo de sangue, quer pelo jurídico da adoção. Da mesma forma, o homem e a mulher encontram-se em pé de igualdade, não se aceitando mais a prevalência masculina, visto que ambos são capazes e iguais perante a lei. Quanto ao direito patrimonial e herança, as questões sobre alimentação e meação parecem estar bem definidas no novo Código Civil, onde se constata que o companheiro é tratado em posição de igualdade com a pessoa casada, mas não assim na esfera do direito sucessório. Quanto à questão da sucessão observa-se que no novo Código Civil, foi limitada a participação do companheiro na herança, em descompasso com o tratamento mais benéfico dispensado ao cônjuge viúvo, portanto, em diversidade de tratamento com a Constituição Federal de 1988 que recomenda proteção jurídica à união estável. Portanto, notável é a Constituição de 1988 que disciplinou a proteção da família, base da sociedade, constituída pelo casamento ou pela união estável. Neste sentido, a afetividade, o amor e os valores humanitários foram amplamente observados pelo constituinte. Hoje, a família, base da sociedade desde os mais remotos tempos, não mais precisa recorrer-se ao casamento para legitimar-se, sendo respeitada e protegida pelo Estado aquela nascida pela livre e espontânea vontade dos conviventes. O casamento continua sendo um ato formal, gerador de efeitos e emanador de direitos e deveres, mas não é mais o requisito fundamental para o surgimento da família. O termo “entidade familiar” deve ser entendido como sinônimo de família. Família e entidade familiar são expressões que, pela Constituição Federal se equivalem. A entidade familiar abrange todas as espécies de constituição de família: casamento, uniões estáveis e famílias monoparentais. Verifica-se que a família é o fundamento essencial da sociedade e do Estado. O ser humano deve estar bem estruturado em sua família, constituída por casamento civil, religioso ou por união estável. O 98 fundamental é que surjam famílias fortalecidas por laços de puros sentimentos, de amor, afetividade, respeito e de responsabilidade. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS AQUINO, Rubim Santos Leão et al. História das Sociedades. 35a edição, revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1995. AZEVEDO, Álvaro Villaça. União estável antiga forma do casamento de fato. São Paulo: RT, 1994. ________. Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. BASTOS, Celso Ribeiro e MARTIN, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Ed. Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975, v. 3. __________, Clóvis. Direito de Família. 7.ed. Edição histórica. Rio de Janeiro, 1976. 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