Mielomeningocele - Luzimar Teixeira

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Mielomeningocele
AUTOR:
Brena Guedes de Siqueira Rodrigues
Fisioterapeuta
Contato: [email protected]
Conceito:
Segundo Lucareli (2002), esta é uma das formas de disrafismo espinhal, ocasionada por uma falha de fusão
dos arcos vertebrais posteriores e displasia (crescimento anormal) da medula espinhal e das membranas que a
envolvem. As meninges vão formar um saco dorsal, o qual no seu interior contém líquido e tecido nervoso,
provocando uma deficiência neurológica (sensitiva e motora) abaixo do nível da lesão, que podem gerar
paralisias (principalmente flácidas) e hipoestesias dos membros inferiores.
Incidência:
SMITH apud SHEPHERD (1998) afirma que graças à queda na incidência de patologias como a poliomielite e a
tuberculose osteoarticular, a mielomeningocele assume hoje o segundo lugar, ficando atrás apenas da paralisia
cerebral, como responsável por deficiências crônicas do aparelho locomotor em crianças. A incidência varia em
média um indivíduo afetado para cada mil nascimentos, embora possa haver uma variação de uma região para
outra. Por exemplo, é muito mais freqüente em países anglo-saxônicos, onde a incidência pode ultrapassar de
quatro indivíduos afetados para cada mil nascimentos, em determinadas regiões.
Etiologia:
A maioria dos autores considera que a mielomeningocele tem etiologia desconhecida. Porém, estudos mais
recentes fazem uma associação entre a patologia e alguns fatores. Dentre eles:
Fatores Genéticos:
Esta patologia é mais freqüente em indivíduos de raça branca, com menor ocorrência nas raças negra e
amarela. Outro fato importante é que casais que já possuem uma criança portadora de mielomeningocele
possuem um risco maior de gerarem outra criança portadora dessa patologia;
Fatores Ambientais:
Indivíduos pertencentes a um mesmo grupo étnico que migraram para outro continente, apresentaram em seus
descendentes uma incidência diferente dessa patologia, quando comparados ao local de origem;
Fatores Nutricionais:
Mulheres que receberam complementação vitamínica com ácido fólico, apresentaram uma incidência muito
menor de filhos portadores de mielomeningocele.
Anatomia Patológica:
Medula e Raízes Nervosas:
A medula espinhal pode se encontrar presa na parte inferior
do canal vertebral, fazendo com que as raízes nervosas
passem horizontalmente pelos buracos de conjugação, ao
invés de se dirigirem para baixo. Isto pode causar uma série
de
deficiências,
dentre
elas:
hiperreflexia,
paresias
musculares, diminuição de sensibilidade. Geralmente, as
alterações acontecem abaixo do nível do tumor formado pela
mielomeningocele.
Vértebras:
O defeito nas vértebras encontra-se nas lâminas e processos
espinhosos, de forma que eles não se fundem na região
posterior da vértebra, podendo, inclusive, estar ausentes.
Pele:
A área da lesão não se encontra revestida por tecido cutâneo normal. No entanto, a área de tumoração é
rodeada lateralmente e na base por cútis normal. A superfície pode apresentar ulceração ou tecido granuloso.
Cérebro:
A maior manifestação a nível de cérebro (mais de 80% dos casos), se dá sob a forma de hidrocefalia, que é
resultado de uma estenose do aqueduto de Sylvius ou bloqueio do fluxo cefalorraquidiano entre o quarto
ventrículo e o espaço subaracnóideo do cérebro, provocando dilatação dos ventrículos cerebrais, com
conseqüente aumento da cabeça.
Manifestações Clínicas:
Os sintomas da mielomeningocele dependem da localização e do grau de extrusão da medula espinhal. As
alterações neurológicas geralmente manifestam-se através de alterações motoras, sensitivas, tróficas e
esfincterianas (CAMBER, 1988).
Levando-se em consideração que a mielomeningocele manifesta-se na grande maioria dos casos a nível da
região lombossacra (L5-S1), os sintomas mais relatados na literatura, segundo Shepherd (1998), são:
Paralisia flácida;
Diminuição da força muscular;
Atrofia muscular;
Diminuição ou abolição dos reflexos tendíneos;
Diminuição ou abolição da sensibilidade exterioceptiva e proprioceptiva;
Incontinência dos esfíncteres de reto e bexiga;
Deformidades de origem paralíticas e congênitas e;
Hidrocefalia (acomete 100% das crianças com mielomeningocele torácica; 90% das lombotorácicas; 78%
das lombares; 60% das lombossacras e 50% das sacrais, segundo Diament, 1996) .
Além desses sinais, podem ainda surgir outras manifestações secundárias a mielomeningocele, como:
Úlceras de decúbito, já que há perda de sensibilidade, má nutrição da epiderme e o paciente passa muito
tempo na mesma posição (acamado ou em cadeira de rodas);
Alterações vasomotoras graves;
Osteoporose e com ela, fraturas;
Atraso do desenvolvimento mental, físico e psíquico, devido a incapacidade da criança de se locomover e
explorar seu ambiente e relacionar-se com outras crianças;
Contraturas dos tecidos moles e;
Deformidades ósseas, devidas a falta de oposição à ação dos músculos, da gravidade e da postura.
Também podem ser constatadas uma série de outras anomalias congênitas associadas, como:
Luxações da coxo-femural;
Pé eqüinovaro;
Presença de hemivértebras;
Lábio leporino;
Fenda palatina;
Malformações cardíacas e;
Malformações das vias urinárias.
Prognóstico:
O prognóstico da mielomeningocele está ligado ao nível da lesão, isto é, quanto mais alta for a lesão (nível da
paralisia), pior será o prognóstico relativo a morbidade e mortalidade. Ele pode tornar-se ainda pior se houver
hidrocefalia, deformidades da coluna ou ainda lesões adicionais somadas ao quadro (STOKES, 2000).
Diagnóstico:
Pode ser feito ainda intra-uterinamente pela ultra-sonografia ou pelo elevado nível de alfafetoproteína (AFP),
que é a proteína circulante no início da vida fetal e encontra-se aumentada quando as membranas e superfícies
vasculares sangüíneas fetais estão expostas e o tubo neural aberto.
Exames Complementares:
Radiologia Simples:
Geralmente o raio X da coluna tem como finalidade a avaliação do grau de escolioses e cifoses, além de
detectar anomalias ósseas nos corpos das vértebras e lâminas;
Tomografia Computadorizada (TC):
É muito utilizada para identificar as malformações anatômicas dessa patologia e;
Ressonância Magnética (RM):
Também se mostra de grande valia para a verificação de anormalidades na coluna vertebral e na medula
espinhal, além de orientar o tratamento (ROWLAND, 1997).
Tratamento:
Muitos são os problemas decorrentes da mielomeningocele, os quais não podem ser considerados
isoladamente. Portanto, faz-se necessário a integração de uma equipe multidisciplinar, composta por médicos,
cirurgiões ortopédicos e neurológicos, fisioterapeuta, psicólogo e assistente social. É importante que os
profissionais trabalhem de forma harmoniosa com a criança e seus pais, que são de fundamental importância
para o bom andamento do tratamento.
Tratamento Cirúrgico:
No caso de mielomeningocele a cirurgia torna-se inevitável. É realizada para o fechamento da lesão e
normalmente solicitada até 48 horas após o nascimento, já que acredita-se que isso possa reduzir ao mínimo o
risco de infecções e novas lesões medulares, as quais o paciente está suscetível. Consiste em técnicas
microcirúrgicas que buscam a reconstituição anatômica da medula espinhal e a preservação da maior
quantidade possível de tecido nervoso funcionante. Após isso, as costas devem ser cobertas com uma
compressa úmida e estéril para que o saco formado pela dura-máter se epitelize (SHEPHERD, 1998 e STOKES,
2000).
É importante que a hidrocefalia, se presente, seja tratada simultaneamente, pois caso contrário, uma vez
fechada a lesão, haverá aumento da pressão intracraniana, podendo levar a um extravasamento de LCR e não
cicatrização da lesão. Normalmente ela é tratada com a implantação de um shunt ventrículo-peritoneal, cujo
objetivo é drenar o LCR do ventrículo lateral para o peritônio, onde será reabsorvido.
Tratamento Fisioterapêutico:
A meta do fisioterapeuta ao se deparar com uma criança com mielomeningocele ou qualquer outra doença do
tubo neural, deve ser promover o desenvolvimento o mais próximo possível do normal, de acordo com suas
limitações neurológicas, de forma a atingir o máximo de independência possível. Portanto, os objetivos da
fisioterapia podem ser resumidos em: promoção das habilidades físicas que levam a independência, aquisição
da mobilidade independente, seja deambulando ou através de cadeira de rodas e prevenção da instalação de
deformidades.
A anamnese é de suma importância e deve ser realizada tão logo seja possível. Pormenores da gestação, parto
e ocorrência familiar são fundamentais para o conhecimento de intercorrências e outros tipos de malformações
associadas (DIAMENT, 1996).
O tratamento deve começar imediatamente e, segundo Stokes (2000), pode ser dividido de acordo com as
fases da vida do indivíduo:
Período Neonatal:
É importante que o fisioterapeuta realize uma avaliação minuciosa no paciente, principalmente de sensibilidade,
motricidade, postura em repouso, movimentos ativos, anormalidades, deformidades e reflexos. Com isto, ele
será capaz de implementar um programa de atendimento, baseado em movimentos passivos e alongamentos
para manter ou melhorar a amplitude de movimento, manter o trofismo e a força muscular.
O desenvolvimento da criança tende a ser prejudicado pelo tempo que ela é obrigada a permanecer no
ambiente hospitalar, devido as diversas cirurgias as quais pode precisar ser submetida (mielomeningocele,
hidrocefalia, incontinência do aparelho urinário e luxação dos quadris). Logo, seu ambiente e seus movimentos
serão limitados e escassos em estímulos, isto é, a criança com mielomeningocele, assim como as demais,
precisa dos mesmos estímulos para o desenvolvimento de sua percepção e motricidade, os quais não são
encontrados no hospital. Portanto, o fisioterapeuta deve orientar os pais a promoverem esses estímulos,
orientar a mãe a carregar (e como fazê-lo) a criança constantemente, pois assim, está estimulando o controle
cervical que não será conseguido se a criança permanecer a maior parte do tempo sobre o leito.
Nessa fase, as deformidades mais esperadas são o pé eqüinovaro (PEV) e a luxação congênita do quadril. O
PEV da criança com mielomeningocele é tratado da mesma forma que o idiopático, embora precisem de
cuidados especiais por causa da ausência de sensibilidade e má nutrição cutânea. Normalmente usa-se
enfaixamento com bandagens de óxido de zinco, aplicação de talas corretivas e engessamento em série, o que
requer cuidado, já que se trata de paciente com déficit de sensibilidade e má nutrição do tecido cutâneo. A
luxação congênita do quadril também responde bem ao tratamento convencional (uso de órteses de abdução).
Período Pré-Escolar:
Nesse período, uma reavaliação deve ser feita, onde o fisioterapeuta deve pesquisar os grupamentos
musculares ativos (ANEXO A), para que tenha noção de quais músculos poderá se utilizar para promover a
independência dessa criança e quais os recursos que ela precisará para que isso aconteça.
O fisioterapeuta passa a visitar a criança em casa e a contar com o apoio dos familiares, que devem ser
instruídos a realizar mobilização passiva de todas as articulações, a cada troca de fralda, com o objetivo de
manter a amplitude e melhorar a circulação. Quando a criança passa a ter movimentos ativos na parte superior
do corpo e membros superiores, estes devem ser estimulados. A criança, como todas as outras, deve ser
colocada em todas as posições de decúbito dorsal, ventral e sentada, de forma a promover o desenvolvimento
normal
As dificuldades de percepção, função deteriorada da mão e indiscriminação de lateralidade, são responsáveis
também por dificultar a deambulação, portanto, associado a um terapeuta ocupacional, deve implementar
estratégias adequadas para a superação desses déficits.
A posição ortostática também deve ser estimulada, ainda que a marcha não seja atingida, pois diversos são os
ganhos advindos desta conduta, como promoção da independência e da mobilidade, diminuição da ocorrência
de úlceras de pressão, de obesidade e de contraturas.
Período Escolar:
Na idade escolar, segundo Stokes (2000), a criança pode ter preferência por usar a cadeira de rodas, para
facilitar seu deslocamento. Sendo assim, cabe ao fisioterapeuta ensinar à criança as habilidades necessárias
para a independência. Para tanto, ela vai precisar de membros superiores fortes, o que pode ser conseguido
por exercícios de fortalecimento em decúbito ventral ou na posição sentada, juntamente com um programa
esportivo, que pode ser natação e basquetebol em cadeira de rodas. Isso também é importante no tocante a
transferência da cadeira para a cama ou para o vaso sanitário, embora precise se orientado a ter cuidado com a
pele anestesiada. A postura deve ser avaliada constantemente, já que o paciente em fase de crescimento
tende a desenvolver deformidades na coluna, especialmente cifoses e escolioses.
Crianças que optam por usar bengalas ou muletas também precisam de atenção especial. Precisam ser
treinadas, de preferência sobre colchões, como devem se apoiar ao caírem eventualmente.
Outro problema que acomete o paciente com mielomeningocele e pode ser um tormento na idade escolar é a
incontinência do reto e da bexiga, principalmente nos pacientes com lesões lombossacras. Esses pacientes
apresentam incontinência paradoxal ou por transbordamento, isto é, sua bexiga nunca se esvazia
completamente: a urina começa a gotejar quando está cheia e a criança não manifesta sensação. O paciente
maior pode ser treinado, através da compressão manual (compressão para baixo e para trás no baixo ventre),
com o objetivo de favorecer a drenagem vesical O treinamento da evacuação também é bem sucedido,
bastando um treinamento para que a criança seja capaz de evacuar a intervalos regulares.
Adolescência:
Durante esta fase, voltam a tona os problemas com a coluna vertebral, podendo ser necessário o uso de
órteses.
Fase Adulta:
Na fase adulta o fisioterapeuta torna-se apenas um supervisor, pois acredita-se que o paciente já seja capaz de
cuidar de si próprio.
Os maiores problemas podem ser as úlceras de pressão e a obesidade, que podem ser controladas com
orientações.
Órteses:
São elas que vão dar ao paciente a segurança necessária para que ele ganhe confiança e independência para
que seja capaz de se locomover sozinho. Além disso, muitas são utilizadas para a prevenção de deformidades.
Stokes (2000), em seu quadro resumo, mostra quais são as órteses mais indicadas de acordo com o nível da
lesão:
Nível da Paralisia
Equipamento Necessário
Acima de L1
Órtese toracolombar da coluna (OTLCV)
Órtese de joelho-tornozelo-pé (OJTP)
Órtese guia do quadril (OGQ)
Acima de L2
OTLCV
OJTP
Órtese lombossacra (OLS)
Abaixo de L3-L4
OLS
OJTP
Abaixo de L5
OJTP
Abaixo de S1
Órtese tornozelo-pé (OJP)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRAY et al. Anatomia, 3ª Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1971;
GREVE et al. Diagnóstico e Tratamento da Lesão Medula Espinhal. 1ª ed. São Paulo: Roca, 2001;
LONG, Toby M. & CINTAS, Holly Lea. Manual de Fisioterapia Pediátrica. Rio de Janeiro: Revinter,
2001
LUCARELI, Paulo Roberto G. Análise de Marcha em Mielomeningocele. Fisioterapia.com, 2002. Disponível
em: www.fisioterapia.com.br/publicacoes/mielomen.asp. Acesso em: 18 de mar de 2003;
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RASH, Philip J. Cinesiologia e Anatomia Aplicada. 7ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1991;
ROSEMBERG, Sérgio. Neuropediatria. São Paulo: Atheneu: 1998;
ROWLAND, Lewis P. Merritt. Tratado de Neurologia. 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan: 1997;
SHEPHERD, Roberta B. Fisioterapia em Pediatria. 3ª ed. São Paulo: Santos Livraria Editora, 1998;
STOKES, Maria. Neurologia Para Fisioterapeuta. 1ª ed. São Paulo: Editorial Premier: 2000.
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