O ser humano - Moodle

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E. Kant e a ética do dever
Introdução à filosofia moral de Kant
Kant recebeu de Jean-Jacques Rousseau a ideia de que todos os seres humanos são
capazes de distinguir o bem do mal, pelo que todos são chamados a cumprir o seu
dever. O iluminismo influenciou também a maneira como Kant encara a razão.
Antes de mais, ela deve ser submetida a uma crítica que circunscreva os seus
limites de possibilidade. É, todavia, esta instância - razão - que distingue o ser
humano do animal, conferindo-lhe a capacidade de pensar por si mesmo. O
iluminismo representa, para Kant, a saída do Homem da sua menoridade, de que
ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento
sem a orientação de outrem.
Servir-se da sua própria razão é ser autónomo e, portanto, livre. O certo, porém, é
que, ao sobrevalorizar a razão, o iluminismo fez uma crítica à religião, o que
conduziu ao cepticismo e a um estado de incredulidade. Não foi apenas a religião
que sofreu este abalo. Também a moral viu serem abalados os seus fundamentos,
porque ela baseava-se, em grande parte, na religião.
Perante este cenário, Kant pretende mostrar que o fundamento da moral pode
efectivamente ser encontrado fora da religião, mas que a religião não é inútil ou
desprovida de sentido. Pelo contrário, existe toda uma esfera que escapa às
capacidades da razão. Como tal, Kant quis preservar a fé, mas sem negar o
exercício da razão.
O ser humano
O ser humano é um ser marcado por uma dualidade: é, por um lado, um ser
sensível, isto é, um ser da Natureza, condicionado pelas suas disposições naturais,
que o levam à procura do prazer e à fuga da dor. Este aspecto primário define o
egoísmo que preside à vertente animal do ser humano. Por outro lado, é um ser
racional, isto é, alguém capaz de se regular por leis que impõe a si mesmo. Tais
leis revelam a sua autonomia, tendo a sua sede na razão. São leis morais que o
levam a praticar o bem, em detrimento dos seus caprichos e interesses individuais.
Assim, o ser humano é um ser dividido entre a sua inclinação para o prazer e a
necessidade de cumprir o dever. Tanto se pode deixar arrastar pelos seus instintos,
como determinar-se pela razão.
Ao contrário do animal, que está determinado a agir desta ou daquela maneira, o
ser humano possui uma margem de liberdade, podendo agir de acordo com
princípios que impõe a si mesmo. Só podemos, portanto, falar em moralidade se
considerarmos que o ser humano é um ser livre. É essa liberdade que lhe confere
dignidade.
A boa vontade
Kant faz da boa vontade a condição de toda a moralidade. Sendo governada pela
razão, a boa vontade é boa pelo seu próprio querer. A moralidade é concebida
independentemente da utilidade ou das consequências que possam advir das
acções. Estamos perante uma ética não consequencialista. Ter saciado a fome a
trinta pessoas ou apenas a uma é irrelevante para aferir a moralidade destes actos.
Tudo depende da intenção com que as acções em causa foram realizadas. Ora, a
intenção é o que caracteriza a vontade. A uma boa vontade corresponde uma boa
intenção. A invenção moral só é conhecida pela consciência do indivíduo.
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O dever
A vontade é boa quando age por dever. O conceito de dever contém em si o de boa
vontade, como diz Kant. O dever será uma necessidade de agir por respeito à lei
que a razão dá a si mesma. Mas, antes de nos referirmos a essa lei, é preciso ter
em conta o seguinte: uma acção pode ser conforme ao dever e, no entanto, não
ser moralmente boa. A pessoa pode agir de acordo com o dever, mas movida por
interesses egoístas. É o caso da atitude daquele comerciante que é honesto para
comos seus clientes apenas ter mais lucros. Ele não engana, não rouba, não viola
as leis. Exteriormente, a sua acção está de acordo com o que deve ser feito. Mas,
ao fazer tudo isso a fim de promover o seu próprio negócio, este comerciante não
agiu moralmente bem. A sua acção foi apenas um meio para atingir um fim
pessoal. Segundo Kant, não agiu por dever e portanto não agiu moralmente bem. O
valor moral de uma acção reside na intenção. Daí que seja importante distinguir
moralidade de legalidade. Se a moralidade caracteriza as acções realizadas por
dever, a legalidade caracteriza as acções que estão em conformidade com o dever,
mas que podem muito bem ter sido realizadas com fins egoístas. Segundo Kant, é,
portanto, o sentimento do dever, o respeito pela lei moral, que nos deve
determinar a agir.
A lei moral
Agir por dever exige um conhecimento das regras, das normas, a que se tem de
obedecer. Que regras são essas? Ora, Kant não se preocupa em inventariar um
conjunto de regras concretas. Pelo contrário, procura o fundamento de todas as
regras, ou seja, usando um exemplo, não se trata de saber se devo mentir ou não
devo; trata-se de encontrar o que está na base da minha opção pela mentira ou
pela honestidade. É por isso que Kant distingue máximas de leis morais. As
máximas são os princípios subjectivos da acção, os princípios concretos segundo os
quais agimos. São consideradas pelo sujeito como válidas apenas para a sua
vontade. As leis morais, por sua vez, são objectivas, isto é, são consideradas como
válidas para a vontade de todo o ser racional, enunciando a forma como se deve
agir.
Neste sentido, podemos afirmar que só a máxima que se possa tornar uma lei
universal é que possui valor moral, isto é, se a máxima se puder universalizar, se
puder ser válida para todos, ela converte-se em lei moral. Escreve Kant: "Age
apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se
torne lei universal."
Assim, a fórmula kantiana não nos diz para agirmos desta ou daquela maneira, não
nos dá o conteúdo da lei, apenas nos indica a forma como devemos agir. Este é o
princípio moral fundamental, um mandamento incondicional, assumindo a forma de
um imperativo categórico.
O que é um imperativo categórico? Kant distingue imperativo hipotético de
imperativo categórico. Enquanto aquele apresenta uma acção como meio para
alcançar determinado fim (por exemplo, "estuda, se queres tirar boas notas"), o
imperativo categórico indica que a acção é necessária e boa em si mesma,
independentemente dos fins que se possam alcançar com ela.
Mas o imperativo categórico pressupõe que existem fins absolutos. Um fim absoluto
é representado pela pessoa humana. Ao contrário das coisas, que têm um preço, a
pessoa possui um valor único, possui dignidade. Por conseguinte, não deve ser
tratada como uma coisa, o que lhe retiraria dignidade. Nesse caso, o imperativo
categórico adquire outra formulação: Age de tal maneira que uses a humanidade,
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tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente
como fim e nunca como meio.
A liberdade
Cada indivíduo, enquanto ser racional, é autor das leis que impõe a si mesmo. A lei
moral, universalmente válida, tem origem na razão. Sendo assim, cada indivíduo é
legislador e responsável por aquilo que faz. A moralidade pressupõe, portanto, a
autonomia da vontade. Numa palavra, pressupõe a liberdade. E em que medida é
que o indivíduo é autónomo? Autonomia face a quê? É autónomo na medida em
que é capaz de agir independentemente das leis da natureza. De facto, na natureza
tudo se encontra determinado. As leis físicas expressam esse determinismo. Em
contrapartida, no reino moral existe a liberdade. O ser humano é livre sempre que
se submete às leis da sua própria razão. Nesse caso, não somos livres quando
fazemos aquilo que nos apetece, mas sim quando cumprimos o nosso dever, ou
seja, quando nos submetemos à lei moral que existe em nós.
Assim, o ser humano é habitante de dois mundos: o da natureza e o da moralidade,
o do determinismo e o da liberdade. Se deve agir, é porque pode agir. Além disso,
o valor moral da acção não reside nas consequências, mas sim na intenção. Daí a
proposta kantiana traduzir uma ética deontológica. Centrando-se no dever e na
racionalidade, é uma ética formal, uma vez que não indica regras concretas do agir,
antes a sua forma, e é também uma ética que não se baseia na busca da felicidade,
antes na realização da lei moral.
FREITAS,
Horácio.
E.
Kant
e
a
ética
do
dever.
Disponível
<http://filomoniz.blogs.sapo.pt/14052.html>. Acesso em: 19 ago. 2016.
Fonte
em:
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