DA EUTANÁSIA

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ALESSANDRA CARGNIN
ASPECTOS (CONTROVERTIDOS) DA EUTANÁSIA: CONCEITOS E
CONFIGURAÇÃO
Criciúma, 2004
1
ALESSANDRA CARGNIN
ASPECTOS (CONTROVERTIDOS) DA EUTANÁSIA: CONCEITOS E
CONFIGURAÇÃO
Monografia apresentada à Diretoria de
Pós-Graduação da Universidade do
Extremo Sul Catarinense – UNESC, para
a obtenção do título de especialista em
Tendências Contemporâneas do Direito
Processual.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Graziano
Sobrinho
Criciúma, 2004.
2
DEDICATÓRIA
Ao
meu
esposo
pelo
exemplo,
estímulo e carinho oferecidos, dedico esta
conquista como gratidão.
3
AGRADECIMENTO
Primeiramente a Deus, pela vida e por
ser como sou.
Às
pessoas
indiretamente
que
direta
colaboraram
para
ou
a
elaboração desta monografia, quer na fase
de pesquisa, quer na fase de normatização
técnica.
Ao meu orientador Sérgio Graziano
Sobrinho, pela paciência, compreensão e
disposição nas fases de elaboração e
conclusão desta monografia.
A
incentivo.
minha
família,
pelo
apoio
e
4
RESUMO
A Eutanásia, objeto de estudo do presente trabalho, consiste no agir para apressar a
morte, numa atitude movida por piedade e compaixão. É, assim, morte provocada
por outrem, em uma pessoal que sofre de enfermidade incurável, para abreviar a
agonia muito grande e dolorosa. É tema bastante relevante e complexo. Relevante,
pois diz respeito à morte, esta, inevitável e que atinge à todos. E complexo, pois sus
discussão envolve todos os ângulos possíveis: científico, legal, filosófico, ético, moral
e religioso. Tem-se por objetivo trazer à nuance as controvérsias existentes acerca
da eutanásia, apresentando diferentes opiniões com relação a sua aplicabilidade ou
não. A eutanásia é vista sob ângulos diferentes nos diversos paises. No Brasil a
eutanásia é considerada ilegal, podendo ser configurada como homicídio simples o
privilegiado, dependendo do caso.
Palavras-chaves: Eutanásia, Aspectos Éticos, Morais, Religiosos e Legais.
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................7
2 CONCEITUAÇÃO E ANÁLISE HISTÓRICA DA EUTANÁSIA.............................9
2.1 Conceito..............................................................................................................9
2.1.1 Tipos de eutanásia.......................................................................................... 11
2.2 Definições Correlatas......................................................................................... 14
2.2.1 Vida................................................................................................................. 14
2.2.2 Morte................................................................................................................16
2.2.3 Ética.................................................................................................................18
2.2.4 Moral................................................................................................................18
2.2.5 Bioética........................................................................................................... 20
2.2.6 Biodireito..........................................................................................................21
2.2.7 Distanásia........................................................................................................21
2.2.8 Ortotanásia.......................................................................................................22
2.3 Histórico da Eutanásia....................................................................................... 22
3 ANÁLISE DA EUTANÁSIA SOB O PRISMA RELIGIOSO, ÉTICO E MORAL....28
3.1 Aspectos Éticos e Morais................................................................................... 28
3.2 Aspectos Religiosos............................................................................................34
3.2.1 Religião budista............................................................................................... 35
3.2.2 Religião Islâmica............................................................................................. 35
3.2.3 Religião judaica............................................................................................... 36
3.2.4 Religião cristã.................................................................................................. 36
6
4 PRECEITOS JURÍDICOS PENAIS.......................................................................38
4.1 Direito Penal Comparado................................................................................... 38
4.1.1 Espanha.......................................................................................................... 38
4.1.2 Uruguai.............................................................................................................39
4.1.3 Holanda........................................................................................................... 39
4.1.4 Austrália.......................................................................................................... 41
4.1.5 Estados Unidos............................................................................................... 43
4.2 Direito Penal Brasileiro.......................................................................................44
4.2.1 Atual anteprojeto de Lei do Código Penal brasileiro....................................... 45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 52
7
1 INTRODUÇÃO
A presente monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em
Tendências Contemporâneas do Direito Processual da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, traz como tema a eutanásia e seus aspectos controvertidos.
É inquestionável que a morte constitui o núcleo do drama existencial do
ser humano, razão pela qual o tema apresenta-se sempre atual, apesar de ser
objeto de estudo e controvérsias desde os primórdios da civilização greco-romana.
Historicamente a eutanásia serviu para justificar a execução de velhos
doentes, pessoas com deformações e holocaustos (à exemplo do praticado pelos
nazistas na Alemanha), como forma de “higienização social”, atitude totalmente
desprezível e desumana.
Tais pensamentos, hoje em dia, já se encontram superados e a
preocupação é pela salvaguarda da qualidade de vida das pessoas. Atualmente, a
preocupação é proporcionar uma “morte digna” (apesar de os opositores da
eutanásia temerem novo holocausto com a legalização desta), principalmente em
função do aparato tecnológico à disposição da medicina, que propicia a manutenção
do paciente indefinidamente, de forma artificial.
Neste sentido, muitos procedimentos médicos, em vez de curarem ou
8
propiciarem benefícios aos doentes, têm apenas prolongado o processo de morte.
A vitória da ciência trouxe, assim, muita alegria e esperança, mas, ao
reverso, também se constatam o sofrimento de muitos doentes, a angústia dos
familiares e o conflito ético e moral entre os médicos.
E, a cada novo avanço da medicina e da tecnologia a ela aplicada, os
defensores da vida e detratores da eutanásia municiam-se de novos argumentos
para justificar seu posicionamento.
Desta feita, analisando-se a matéria em estudo, verifica-se que a sua
discussão implica a abordagem ética, moral, religiosa e legal.
Utiliza-se, no presente trabalho, o método indutivo, através da pesquisa
bibliográfica.
No Capítulo Primeiro far-se-á uma apreciação conceitual do instituto,
análise histórica, bem como a conceituação de definições como a palavra vida,
morte, ética, moral, bioética, biodireito, distanásia e ortotanásia, essenciais para a
elucidação do tema.
No Capítulo Segundo procurar-se-á analisar a eutanásia sob o prisma
religioso, ético e moral, demonstrando os diferentes posicionamentos das quatro
grandes religiões mundiais, quais sejam, budismo, islamismo, cristianismo e
judaísmo, e opiniões éticas e morais de estudiosos do tema, juristas e médicos.
No Capítulo Terceiro analisar-se-á a eutanásia frente aos preceitos legais,
comparando o instituto com outras legislações e, ao final, discorrendo sobre a
eutanásia frente à nossa legislação pátria.
9
2 CONCEITUAÇÃO E ANÁLISE HISTÓRICA DA EUTANÁSIA
2.1 Conceito
Segundo a obra dicionário jurídico de Magalhães e Malta1, eutanásia seria
o ato de tirar a vida de outra pessoa para evitar-lhe sofrimentos inúteis.
O termo Eutanásia vem do grego e pode ser traduzido como "boa morte"
ou "morte apropriada". O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua
obra "Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado às doenças
incuráveis"2.
Etimologicamente o vocábulo é formado por duas palavras gregas: eu,
que significa bem, boa ou ainda beleza, e thanatos, equivalente a palavra morte.
Em sua origem, a palavra eutanásia significava, então, morte doce, morte
sem sofrimento. Morte doce, sem sofrimento, não significa morte provocada ou
morte antecipada.
Portanto, na conceituação originária, a eutanásia não significava a morte,
mas os cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do
1
MAGALHÃES, Humberto Piragibe, MALTA, Cristóvão Piragibe Tostes. Dicionário Jurídico. Rio de
Janeiro, Edições Trabalhistas S.ª, p. 338.
2
GOLDIM, José Roberto. Breve Histórico da Eutanásia. Disponível na Internet no endereço:
http://www.Bioetica. Ufrgs.br/euthist.htm, acesso em 23/10/2004.
10
doente e outros meios de controle da dor. Também considerava-se uma medida
eutanásica a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia.
O termo eutanásia é muito amplo e pode ter diferentes interpretações. Um
exemplo de utilização diferente da que hoje é utilizada foi a proposta no século XIX,
pelos teólogos Larrag e Claret, em seu livro "Prontuários de Teologia Moral",
publicado em 1866. Eles utilizavam eutanásia para caracterizar a "morte em estado
de graça"3.
O conceito originário da significação de eutanásia foi modificado, e,
atualmente, nas palavras de BORGES apud SANTOS4, “em vez de deixar a morte
acontecer, a eutanásia, no sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a” .
Atualmente, fala-se em eutanásia quando ocorre a morte movida pela
piedade, pela compaixão em relação ao doente. A eutanásia verdadeira é a morte
provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença incurável. Se a doença
não for incurável, afasta-se a eutanásia que, diante do Código Penal, pode ser
considerada homicídio simples, privilegiado
ou até qualificado, dependendo do
caso.
A eutanásia, no conceito atual, também chamada de “morte piedosa”, nas
palavras de SANVITO apud CAMON5, constitui-se em uma “ação ou omissão que,
por sua natureza, ou nas intenções, busca a morte, com o objetivo de eliminar toda
dor (seja física ou psicológica)”.
Da análise desta definição de eutanásia, surge intrínsica a noção de que
a morte por eutanásia é uma morte não natural, ou seja, é causada conscientemente
3
GOLDIM. (op. cit.) Breve Histórico da Eutanásia. [on-line]
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org). Biodireito. Ciência da vida, os novos desafios. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 1997, p. 285.
5
CAMON, Valdemar Augusto Angerami (Org.). A Ética na Saúde. São Paulo: Pioneira Thomson,
2002. 66 p.
4
11
por motivo de piedade ou compaixão. É preciso um causador, portanto.
Desta verificação surge a questão que importa ao direito penal, uma vez
que designará o responsável pelo ato: a quem cabe a responsabilidade de tal ação?
Entre os que admitem a eutanásia como medida de alívio do sofrimento desmedido
de paciente desenganados, ainda que a iniciativa deva advir do próprio paciente ou
de seus familiares (no caso de inconsciência), o realizador do ato deveria, sempre,
ser um profissional médico, indivíduo preparado psicologicamente para enfrentar a
morte e capacitado, tecnicamente, para ministrar as drogas letais respectivas.
Portanto, de maneira geral, entende-se por eutanásia quando uma
pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, debilitada ou
em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria justificada como uma forma de
evitar um sofrimento acarretado por um longo período de doença.
2.1.1 Tipos de eutanásia
Historicamente, a palavra eutanásia admitiu vários significados. As
interpretações diferenciadas que se davam para a palavra eutanásia, fez com que
surgissem várias propostas de classificação desta. Chegou-se a associar a
eutanásia, inclusive, com a eugenia, que seria o processo de melhorar a espécie,
mediante a eliminação dos menos aptos6.
Neste sentido, destaca-se do texto de FRANCISCONI e GOLDIM7
classificação proposta na Espanha, por Ricardo Royo-Villanova, em 1928:
6
ASÚA. L.Jiménez de. Liberdade de Amar e Direito a Morrer: Tomo II Eutanásia e Endocinologia.
Belo Horizonte: Mandamentos. 2003.p. 44.
7
FRANCISCONI, Carlos F. e GOLDIM, José R. Eutanásia Disponível na Internet no endereço
www.bioetica.ufrgs.br/eutanasi.htm, acesso em 10/11/2004.
a
12
1) Eutanásia súbita: morte repentina;
2) Eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e
progressivo do envelhecimento;
3) Eutanásia teológica: morte em estado de graça;
4) Eutanásia estóica: morte obtida com a exaltação das virtudes do
estoicismo;
5) Eutanásia terapêutica: faculdade dada aos médicos para propiciar um
morte suave aos enfermos incuráveis e com dor;
6) Eutanásia eugênica e econômica: supressão de todos os seres
degenerados ou inúteis.
7) Eutanásia legal: aqueles procedimentos regulamentados ou consentidos
pela lei.
Ainda segundo a doutrina de FRANCISCONI e GOLDIM supra citada, no
Brasil, também em 1928, o Prof. Ruy Santos, na Bahia, propôs que a eutanásia
fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a ação:
1) Eutanásia-homicídio: quando alguém realiza um procedimento para
terminar com a vida de um paciente.
-Eutanásia-homicídio realizada por médico;
-Eutanásia-homicídio realizada por familiar;
2) Eutanásia-suicídio: quando o próprio paciente é o executante.
Extrai-se ainda da doutrina acima citada, a classificação proposta em
1942, pelo Prof. Jiménez de Asúa:
1) Eutanásia libertadora, que é aquela realizada por solicitação de um
paciente portador de doença incurável, submetido a um grande sofrimento;
2) Eutanásia eliminadora, quando realizada em pessoas, que mesmo não
estando em condições próximas da morte, são portadoras de distúrbios
mentais. Justifica pela "carga pesada que são para suas famílias e para a
sociedade";
3) Eutanásia econômica, seria a realizada em pessoas que, por motivos de
doença, ficam inconscientes e que poderiam, ao recobrar os sentidos,
sofrerem em função da sua doença.”
Atualmente, a classificação proposta pelos autores Francisconi
e Goldim8 é a seguinte:
8
Ibidem, Eutanásia. [on-line].
13
Quanto ao tipo de ação:
1) Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do
paciente, por fins misericordiosos.
2) Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma
situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou
pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o
sofrimento.
3) Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma
conseqüencia indireta das ações médicas que são executadas visando o
alívio do sofrimento de um paciente terminal.
Quanto ao consentimento do paciente:
1) Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma
vontade do paciente.
2) Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do
paciente.
3) Eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o
paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela.
No artigo de BORGES apud SANTOS9, a autora faz menção a
classificação proposta por Miguel Ángel Nuñeez Paz:
a) eutanásia ativa: é a “realização de um comportamento de ajuda à morte
para suprimir ou paliar os sofrimentos do paciente”. O autor divide a
eutanásia ativa, conforme a intencionalidade do autor, em direta e indireta;
b) eutanásia direta: neste caso “ a ação visa ao encurtamento da vida
mediante atos positivos, diante de um largo processo doloroso considerado
insuportável e de prognóstico infausto, ou seja, que encontra em fase
terminal”;
c) eutanásia indireta: a eutanásia indireta contém um efeito duplo: “o de
encurtar a vida, ainda quando seu principal objetivo seja o de aliviar os
sofimentos”;
d) eutanásia pura ou genuína: encontra-se dentro da eutanásia indireta e
“consiste na ajuda a morrer, ou melhor, no morrer sem produzir
encurtamento da vida, utilizando meios paliativos que mitigam o sofrimento
do enfermo”;
e) eutanásia passiva: é a “omissão do tratamento em que se empregam
meios que contribuem para o prolongamento da vida do paciente quando
esta já apresenta uma deterioração irreversível ou uma enfermidade
incurável em fase terminal”. A eutanásia passiva pode consistir tanto na não
iniciação do tratamento quanto na suspensão do tratamento já iniciado.
Verifica-se que, atualmente, rechaça-se e exclui-se do significado da
palavra eutanásia a concepção antiga de que a mesma compreenderia a eugenia,
ou seja, a eliminação de raça, mediante a eliminação de indivíduos inaptos (velhos,
doentes mentais, pessoas com deformações [...].
9
SANTOS. (op. cit.) p. 289.
14
As classificações acima nos deixam claro que o pensamento atual tende à
conceituação da eutanásia de forma conscienciosa,
racional e humanitária, na
medida em que intenciona a melhoria de qualidade de vida das pessoas.
Averigua-se, por fim, que a eutanásia passiva - quer nos parecer -,
corresponde à ortotanásia, a qual será objeto de estudo mais adiante.
2.2 Definições Correlatas
2.2.1 Vida
A análise da abrangência da palavra “vida” é de extrema importância, uma
vez que reflete no próprio objeto do presente trabalho, qual seja: o direito à vida.
Na acepção comum, vida é :
[...] o estado de atividade funcional, peculiar aos animais e vegetais;
existência, tempo decorrido entre o nascimento e a morte; origem. Conjunto
de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao
contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantém em
contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o
metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a
10
reprodução e outras
Sua conceituação, todavia, é de exemplar dificuldade, pois depende do
ponto de vista e da intenção do conceituador. Pode-se descrevê-la biológica,
jurídica, filosófica e até poeticamente, enfim, das mais variadas formas, todas válidas
e complementares umas das outras.
10
GARCIA, Maria. Limites da Ciência: A Dignidade da Pessoa Humana. A ética da
responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. p. 161.
15
Juridicamente, NORONHA11 não chega a ponto de conceituar a palavra
vida, mas deixa clara sua posição sobre seu valor ao arguir que a vida, ainda que
dolorosa ou sofredora, há de ser sempre respeitada.
Nas palavras de GARCIA12, “vida com as conotações e especificidades da
área propriamente jurídica, é um bem a ser protegido pela normação da conduta
humana e assim, a Constituição consagra a garantia à “inviolabilidade do direito à
vida” (art. 5º, caput)”.
A conservação e garantia da vida humana também encontram-se
amparadas pelo art. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 10
de dezembro de 1978), que versa: todo homem tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal.
Ainda sob a análise legal, nosso Código Civil, em seu art. 4º, já garante os
direitos do nascituro, mas não aponta indicativo do início da vida.
O art. 30 da Resolução nº 01 do CNS- Conselho Nacional de Saúde
define nascimento vivo como sendo a expulsão ou extração completa do produto da
concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tenha
sido ou não cortado o cordão, esteja ou não despendida a placenta. Trata-se,
portanto, do nascimento, mas não da vida intra-uterina.
Teologicamente, a “vida” é entendida como propriedade divina, somente
estando temporariamente aos cuidados do homem. Todavia, o pensamento
moderno tem demonstrado uma tendência para a dessacralização da vida,
admitindo-se o homem como verdadeiro protagonista da vida e não mero
administrador da propriedade de Deus.
Cientificamente, a “vida” é explicada de forma mais racional, admitindo-a
11
12
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, v.2, 1986. p. 20.
GARCIA. (op. cit.). p. 162.
16
como um dom recebido, mas pugnando pela tarefa humana de valorizá-la ao
máximo, qualificando-a, sobretudo.
Inobstante as mais variadas conceituações acima demonstradas, resta
claro que todas admitem a vida com um bem precioso, fundamental, que merece ser
respeitado, cuidado e valorizado. Neste sentido, poder-se-ia afirmar que a vida física
é um bem básico, fundamental, mas não absoluto, que deve ser preservada a todo
custo.
2.2.2 Morte
Tal qual a problemática da conceituação da vida, o termo morte também é
de difícil conceituação. Pergunta-se: O que é morte? É este um conceito
eminentemente médico ou deve ser contextualizado dentro de variáveis sócioculturais?
Na definição da obra Vocabulário Jurídico13, morte provém do latim
“mors”, “mortis”, significando o fim da vida, sendo que exprime, geralmente, a
cessação da vida do animal ou do vegetal.
A medicina também apresenta dificuldades na conceituação da morte,
principalmente diante da hoje corriqueira prática de transplantes de órgãos e diante
da tecnologia mais avançada para a leitura das reações corpóreas dos pacientes.
Assim, o antigo conceito de que morte seria a cessação completa permanente das
funções vitais já não prospera.
13
SILVA. De Plácido. Vocabulário Jurídico. Tomo III. 3. ed. São Paulo: Forense, 1973. p.1038.
17
A doutrina de MORAES14 especifica que a morte ocorre em vários níveis,
quais sejam:
a)
morte focal, traduzida, por exemplo, por um pé que gangrena ou uma
vesícula biliar que necrosa. É morte parcial e leva à mutilação do corpo.
b)
morte cardíaca, corresponde à parada definitiva do coração. É o que
se pode chamar morte cartonial. Trata-se de conceito antigo.
c)
morte cerebral, conseqüente a curto período de anóxia, levando ao
amolecimento cortical difuso. Três minutos de falta de ventilação são
suficientes para decorticar um paciente que terá, daí em diante, apenas vida
vegetativa, ou seja, ficará inconsciente, mas respirando e com o coração
batendo. Estará definitivamente desligado da vida exterior.
d)
morte encefálica, quando todos os comandos da vida se interrompem
e se instala o silêncio encefálico. Não emana impulso de nenhum centro
nervoso. Trata-se da morte real; é o diagnóstico científico da morte.
e) morte biológica ao término da rigidez cadavérica, em que toda catepsina
ativa pela anóxia determinou a autólise: o processo termina, para todo o
organismo, em 24 horas após a morte cardíaca.
Verifica-se que a medicina criou condições especiais que possibilitam a
manutenção artificial do funcionamento dos órgãos vitais,
provocando uma
mudança no clássico conceito de morte, que a conceituava como o momento em
que o coração pára. Nas palavras de MORAES15, “A reversibildade da parada
cardíaca impede de se fixar nela o ponto básico do diagnóstico da morte. A ciência
transferiu, assim, para o silêncio encefálico a caracterização da morte real - e ela
ocorre quando se dá a extinção de toda atividade bioelétrica do encéfalo”.
Neste diapasão, a morte encefálica é ainda mais abrangente que a morte
cerebral, pois envolve, além do cérebro, os centros de controle de respiração.
Portanto, a caracterização da morte como sendo a cessação das
atividades cerebrais é de vital importância para o estudo da eutanásia, já que grande
parte das aplicações desta dão-se em pacientes terminais em estado “vegetativo”,
com mínima atividade cerebral, sem chances de reversão do quadro clínico.
14
MORAES, Irany Novah,. Erro Médico e a Justiça. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p. 332.
15
Ibidem. p. 347.
18
2.2.3. Ética
A conceituação de ética também é de extrema importância, uma vez que
o proceder da eutanásia envolve, além do julgamento legal, também o moral e ético.
Extrai-se da doutrina de GARCIA16:
Ética, do grego ethos, caráter, é o estudo dos conceitos envolvidos no
raciocínio prático: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, a virtude, a
liberdade, a racionalidade, a escolha. Deriva de ethos, que também significa
costume e, por isso, a ética foi definida com freqüência como a doutrina dos
costumes, sobretudo nas correntes de orientação empirista.
No dizer de CASTRO FILHO apud SANTOS
17
: “Ética (do latim ethica e
do grego ethiké) é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana
suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal”.
A ética caracteriza-se pela sua generalidade, permitindo-nos uma visão
total do homem como ser social, criador, histórico e transformador, envolvendo uma
série
de
conceitos,
como
liberdade,
necessidade,
valor,
consciência,
responsabilidade.
Caracteriza-se na excelência no agir, na arte do bom, no que faz bem à
sociedade, podendo ser entendida como a ciência do comportamento do homem em
sociedade. Estuda atos e fatos humanos, conscientes e voluntários, que afetam
outros indivíduos (e a si próprio), grupos sociais ou a sociedade, como um todo.
2.2.4 Moral
Etimologicamente, o vocábulo moral tem origem no termo latino moris,
16
17
GARCIA. (op. cit.) p. 228.
SANTOS. (op cit.) p. 348.
19
que significa costume18.
Enquanto os problemas éticos caracterizam-se por sua generalidade, os
problemas morais reportam-se à vida cotidiana, com práticas diferentes, já que são
entendidos como conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer do
modo absoluto, para qualquer tempo e lugar, quer para grupo ou pessoas
determinadas.
Extrai-se dos ensinamentos de Maria Celeste Cordeiro Leite Santos,
citada por CASTRO FILHO apud SANTOS19:
Os termos moral e ética não são considerados perfeitamente sinônimos.
Por moral entende-se um sistema de normas de conduta que visam regular
a ação humana. Do latim mos, moris que também significa uso, costume,
maneira de viver. Já a palavra ética, de origem grega, procede de ethos,
que significa lugar onde se habita, morada. Aponta esta palavra para a
concepção de lugar privilegiado que tem o homem e que o distingue e
qualifica. Nas línguas latinas, não possuímos um termo específico para nos
referir a esse sacrário que cobiça a moralidade. Utilizamos a idéia de
consciência que não representa totalmente o mesmo. Posteriormente, a
palavra ethos adquiriu a concepção de modo de ser, caráter. É também
entendida como um conjunto de argumentações pelas quais damos um
fundamento às normas morais, isto é, justificamos sua realidade e seu
caráter obrigatório (O equilíbrio do pêndulo. A Bioética e a lei. Implicações
médico-legais. São Paulo: Ícone Editora, 1998, p. 30).
Ressalta-se que a moral e ética, cada qual a sua maneira,
possuem o mesmo objeto de estudo, qual seja, os atos e a conduta humana em
geral. Todavia, enquanto a ética é concernente ao campo filosófico, a moral revelase relativa ao campo prático, já que pode ser descrita como um apanhado ou
conjunto das normas de conduta de uma determinada sociedade, embasada na
cultura e valores vigentes.
18
19
Ibidem p. 349.
Idem ibidem. p. 349.
20
2.2.5 Bioética
No artigo de CASTRO FILHO apud SANTOS20, extrai-se o conceito de
bioética de Reich (Warren t. Reich), citado pela professora Maria Celeste: “É (...) o
estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados
da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e
princípios morais”.
O progresso das ciências médico-biológicas trouxe inquietações de ordem
prática e filosófica, uma vez que o homem, criador e sujeito desse processo
evolutivo, poderá esbarrar nos limites éticos e jurídicos, o que, aliás, é próprio da
condição humana. Desta forma, a bioética surge como pesquisa de soluções para o
conflito de valores no mundo da intervenção biomédica.
Tendo em vista os avanços tecnológicos médico-farmacológicos já é
possível retardar o envelhecimento e a morte. O que se espera é que todo esse
processo seja colocado em benefício do ser humano, independentemente de raça,
situação sócio-econômica e política. Cabe, desta forma, ao direito estabelecer
normas para estas ações, impondo limites, porém, sem travar a ciência, buscando o
equilíbrio. Desta forma, o que se pretende é a busca do equilíbrio entre bioética e
direito.
Neste passo, a matéria em estudo (eutanásia), por tratar diretamente do
direito à vida, é matéria de profundo interesse da bioética, na busca de soluções e
subsídios técnicos e filosóficos ao Direito, através do que se passou a chamar
Biodireito, como ver-se-á a seguir.
20
SANTOS, (op. cit.) p. 351.
21
2.2.6 Biodireito
O Biodireito é o ramo do Direito destinado a promover as alterações e
regulamentações legais oriundas dos descobrimentos e das pesquisas científicas.
Cabe ao biodireito a busca de soluções para o constante avanço da biotecnologia,
sempre amparada nos valores e princípios morais, sociais e éticos vigentes.
Neste sentido, a tarefa do legislador, e do Direito como um todo, é
promover alterações neste modelo arcaico, mantendo a legislação atualizada e
vigilante, buscando a valorização da dignidade humana, utilizando-se da bioética
como instrumento para alcançar tal objetivo.
2.2.7 Distanásia
É palavra de origem grega, cujo prefixo dys tem o significado de “ato
defeituoso”, significando, assim, a distanásia o prolongamento exagerado da morte
de um paciente. O termo pode também ser empregado como sinônimo de
tratamento inútil21. É empregado no sentido de prolongamento exagerado da morte
de um paciente terminal, submetendo o mesmo a um grande sofrimento.
É expressão de obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia,
sem a devida atenção em relação ao ser humano.
Em hospitais de países mais desenvolvidos existe uma consciência muito
mais lúcida de limite, em nível de investimento tecnológico na fase final da vida. Em
alguns casos, como certos hospitais norte-americanos, coloca-se na cabeceira do
leito do doente irrecuperável indicações como DNR, (Do not ressuscited)
21
PESSINI apud CAMON. (op. cit.). p. 76.
22
significando “não ressuscitar”, NTBR (Not to be ressuscited), significando “não ser
resssuscitado”, entre outros22.
Assim como a eutanásia, a distanásia como obstinação terapêutica
passou a se tornar um grande problema ético na medida em que o progresso
técnico-científico começou a interferir de uma forma decisiva nas fases finais da vida
humana. O avanço tecnológico permite a manutenção da vida do paciente quase
que indefinidamente, exigindo, essa novidade, grande reflexão ética.
2.2.8 Ortotanásia
Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta, sendo “orto”
sinônimo de certo e “thanatos”, morte. Significa o não prolongamento artificial do
processo de morte, além do que seria o processo natural, feito pelo médico23.
A ortotanásia ocorre quando o doente já se encontra em processo natural
de morte, condizente com a morte encefálica, havendo uma contribuição no sentido
de deixar que esse estado se desenvolva no seu curso natural.
A ortotanásia configura-se na hipótese mais aceita pelos médicos, juristas
e religiosos.
2.3 Histórico da Eutanásia
Em alguns povos pretéritos, como entre os celtas, o desígnio eugênico
(processo de seleção de raças mediante a eliminação dos menos aptos)
completava-se com propósito eutanásico.
22
23
Ibidem. p. 77.
BORGES apud SANTOS. (op. cit.). p. 287.
23
Neste sentido, os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos
matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os
doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas
narinas e a boca obstruídas com barro e atirados ao rio para morrerem. Na Bíbilia
encontra-se a passagem sobre a luta entre filisteus e israelitas, quando o rei Saul, de
Israel, gravemente ferido, tentou o suicídio honroso, lançando-se sobre a própria
espada e, sem morrer, pediu a um amalecita que lhe tirasse a vida (Samuel ,
Capítulo 31, versículos 1 a 13)24.
A discussão filosófica e legal, acerca dos valores sociais, culturais e
religiosos envolvidos na questão da eutanásia vem desde a Grécia antiga. Platão, no
terceiro livro da República patrocinou o homicídio dos anciãos, dos débeis e dos
enfermos25.
Contrariamente às idéias do pensador acima citado,
Hipócrates,
condenava tal prática. No juramento de Hipócrates consta: "eu não darei qualquer
droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma
deste tipo”26. Desta forma a escola hipocrática se já se posicionava contra o que
hoje tem a denominação de eutanásia e de suicído assistido.
A discussão sobre o tema prosseguiu ao longo da história da humanidade
com a participação de Martinho Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On
suicide - Sobre suicídio), Karl Marx (Medical Euthanasia – Eutanásia Médica) e
Schopenhauer. No século passado, o seu apogeu foi em 1859, na então Prússia,
quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o
Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se
24
GOLDIM (op. cit.). Breve Histórico da Eutanásia. [on-line]
ASUA. (op. cit.). p.32.
26
GOLDIM. (op. cit.) [on-line]
25
24
tornaram incompetentes para solicitá-la.
No século XX, esta discussão teve um de seus momentos mais
acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de exemplos de
relatos de situações que foram caracterizadas como eutanásia, pela imprensa leiga,
neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos. No Brasil, na
Faculdade de Medicina da Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses
foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Na Europa, especialmente,
muito se falou de eutanásia associando-a com eugenia, que consistia na justificativa
para a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças
consideradas indesejáveis. Nestes casos, a eutanásia era, na realidade, um
instrumento de "higienização social", com a finalidade de buscar a perfeição ou o
aprimoramento de uma "raça", nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito
para terminar com a própria vida.
Na Inglaterra, no ano de 1931, foi proposto pelo Dr. Millard, uma lei para
Legalização da eutanásia voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara
dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para o
modelo holandês. Durante os debates, em 1936, o médico real, Lord Dawson,
revelou que tinha "facilitado" a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína.
O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código
Penal (art. 37, do Capítulo III), através da possibilidade do "homicídio piedoso".
Estudos indicam que a legislação supracitada possivelmente seja a primeira
regulamentação nacional sobre o tema, salientando que tal legislação continua em
vigor até o os dias atuais. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol,
proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia.
Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanásia, com o
25
objetivo inicial de eliminar as pessoas que tinham uma "vida que não merecia ser
vivida". Este programa materializou a proposta teórica da "higienização social"27.
Em 1954, o teólogo episcopal Joseph Fletcher, publicou um livro
denominado "Morals and Medicine" (Moral e Medicina), onde havia um capítulo com
título "Euthanasia: our rigth to die" (Eutanásia: nosso direito de morrer). A Igreja
Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "lei
de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em 1957, aventou a
possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário pela
utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores
insuportáveis. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é
diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução
contrária a eutanásia.
Em 1973, a Dra. Geertruida Postma, médica holandesa, foi julgada por
eutanásia praticada em sua mãe, com uma dose letal de morfina. A mãe havia feito
reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada por homicídio, com
uma pena de prisão de uma semana (suspensa) e liberdade condicional por um ano.
Neste julgamento foram estabelecidos os critérios para ação do médico.
O Vaticano, em 1980, divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde
existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento considerado
fútil.
Em 1981, a Corte de Rotterdam revisou e estabeleceu os critérios para o
auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério
da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem
27
ibidem. [on-line]
26
torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais.
Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no
Código Civil da Califórnia. Neste mesmo ano a Igreja Católica, através de uma Carta
do Papa João Paulo II aos bispos, reiterou a sua posição contrária ao aborto e a
eutanásia, destacando a vigilância que as escolas e hospitais católicos deveriam
exercer na discussão destes temas.
Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que
possibilita
formalmente
a
eutanásia.
Meses
após
esta
lei
foi
revogada,
impossibilitando a realização da eutanásia na Austrália.
Em 1996, foi proposto um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei
125/96), instituindo a possibilidade de realização de procedimentos de eutanásia no
Brasil, contudo, a sua avaliação nas comissões especializadas não prosperou.
Em maio de 1997 a Corte Constitucional da Colombia estabeleceu que
não haveria responsabilização criminal para o que tirasse a vida de um paciente
terminal que tivesse dado seu claro consentimento. Dita posição estabeleceu um
grande debate nacional entre as correntes favoráveis e contrárias. Vale destacar que
a Colombia foi o primeiro país sul-americano a constituir um Movimento de Direito à
Morte, criado em 1979.
Em outubro de 1997 o estado do Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o
suicídio assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de
comunicação, como tendo sido autorizada a prática da eutanásia.
Em novembro de 2000 a Câmara de Representantes dos Países Baixos
aprovou, com uma parte do plenário se manifestando contra, uma legislação sobre
morte assistida. Esta lei apenas torna legal um procedimento que já era consentido
pelo Poder Judiciário holandês. A repercussão mundial foi muito grande com forte
27
posicionamento do Vaticano afirmando que esta lei atenta contra a dignidade
humana.
A história, desse modo, mostra-nos uma série de fatos envolvendo a
eutanásia, que acabam repercutindo nas incessantes discussões e tentativas de
aplicação do instituto até os dias atuais.
28
3 ANÁLISE DA EUTANÁSIA SOB O PRISMA RELIGIOSO, ÉTICO E MORAL
3.1 Aspectos Éticos e Morais
A análise ética e moral da eutanásia é objeto de estudo da bioética,
como já visto em tópico anterior. Neste sentido, far-se-á uma abordagem da
eutanásia frente aos quatro princípios éticos básicos da bioética, quais sejam: o
princípio da autonomia, da não-maleficência, da beneficência e o da justiça28.
Concernente ao princípio da autonomia, este está intimamente ligado ao
conceito de dignidade humana. Parte do princípio de que o ser humano é capaz de
deliberar livremente sobre sua condição e seus objetivos pessoais, prezando pela
autonomia de suas decisões.
Tal autonomia pressupõe a conjugação de dois fatores: liberdade no
sentido de isenção de qualquer influência e volitividade (no sentido da capacidade
de querer e agir intencionalmente).
Tais características acima citadas, definem que o médico deve respeitar
as crenças e os valores morais de seu paciente, quando presentes as mesmas.
28
GOLDIM, José Roberto. Princípios éticos. Disponível na Internet no endereço:
http://www.bioetica.ufrgs.br/princ.htm, acesso em 24/10/2004.
29
Acerca da análise do conceito de dignidade humana, no Brasil, em
atenção ao princípio constitucional contido no art. 5º de nossa Magna Carta, é o
entendimento de BORGES apud SANTOS 29:
É assegurado o direito (não o dever) à vida, mas não se admite que o
paciente seja obrigado a se submeter a tratamento. O direito do paciente de
não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é consequência da
garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de consciência
(principalmente nos casos de testemunhas de Jeová), da inviolabilidade de
sua intimada e honra e, além disso, da dignidade da pessoa, erigida a
fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º da Constituição
Federal. O inc. XXXV do art. 5º garante, inclusive, o direito de o paciente
recorrer ao Judiciário para impedir qualquer intervenção ilícita em seu corpo
contra sua vontade. A inviolabilidade à segurança envolve a inviolabilidade
à integridade física e mental. Isso leva à proibição, por exemplo, de
intervenções não admitidas pelo paciente em sua saúde física e mental ( ou
mesmo na ausência de saúde completa).
E continua BORGES apud SANTOS 30:
O princípio da não futilidade exige o respeito pela dignidade da vida. O
respeito pela dignidade da vida exige o reconhecimento de que
“tratamentos” inúteis ou fúteis apenas prolongam uma mera “vida biológica”,
sem nenhum outro resultado. Essa não intervenção, desejada pelo
paciente, não é uma forma de eutanásia, com provocação da morte ou
aceleração desta. É o reconhecimento da morte como elemento da vida
humana, é da condição humana ser mortal. É humano deixar que a morte
ocorra, sem o recurso a meios artificiais que prolonguem inutilmente a
agonia. A intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é um
atentado contra a sua dignidade.
O Principio da Não-Maleficência consiste em evitar o dano intencional ao
paciente. É confundido com o princípio da beneficência na medida em que, ao se
evitar o dano intencional, entende-se que já se está visando o bem do outro.
Extrai-se da doutrina de GOLDIM31 a citação do filósofo Hipócrates:
“Hipócrates, ao redor do ano 430 aC, propôs aos médicos, no parágrafo 12 do
primeiro livro da sua obra Epidemia: "Pratique duas coisas ao lidar com as doenças;
29
BORGES, apud SANTOS, (op.cit.). p. 298.
Ibidem. p. 299.
31
GOLDIM, (op.cit.). Princípios éticos. [on-line]
30
30
auxilie ou não prejudique o paciente". (Hippocrates. Hippocratic writings. London:
Penguin, 1983:94).
O princípio da beneficência
pugna pela maximização do bem e
minimização do mal, com relação ao ato médico, buscando o benefício do paciente.
No contexto médico, é, portanto, o dever de agir no interesse do paciente.
Já o princípio da justiça apresenta-se relacionado ao conceito de
isonomia, ou seja, a equidade com relação ao tratamento a ser dispensado aos
pacientes.
Verifica-se, portanto, que discussão acerca da aplicabilidade (ou
inaplicabilidade) da eutanásia estará sempre atrelada ao respeito e obediência às
condições principiológicas acima citadas.
Vários são os argumentos éticos e morais utilizados, tanto para defesa
como para contradição à aplicabilidade da eutanásia.
Um dos argumentos
“pró-vida”, contrários a eutanásia, diz respeito a
nova ênfase da medicina no controle da dor. Contudo, os defensores da eutanásia
contra-atacam esse argumento. Diz o escritor Derek Humphry, citado no texto de
BURGIERMAN32: “É maravilhoso que hoje se consiga controlar a dor de quase todos
os pacientes, mas, mesmo assim, sobram 4% que vão sofrer. Esses têm direito a
uma escolha”.
Outro argumento utilizado contra a eutanásia diz respeito ao avanço da
medicina na melhor compreensão do cérebro. Neste sentido, estudos psiquiátricos
confirmam que a vontade de morrer é resultado de uma depressão que, quando
tratada eficazmente, elimina do paciente tal vontade. Contudo, por mais que se trate
32
BURGIERMAN, Denis Russo. O Direito de Morrer. Revista Super Interessante. Rio de Janeiro:
Globo. v. 15, n.3, março 2001, p. 48.
31
a dor e a depressão, como reverso da moeda, haverão sempre pacientes que
desejarão abreviar sua vida, tendo em vista os muitos exemplos de casos concretos.
Outra crítica com relação à aplicabilidade da eutanásia diz respeito à
consequente modificação do conceito básico do papel do profissional médico como
agente de cura, podendo, a médio e longo prazo, gerar uma natural desconfiança na
relação médico-paciente.
Com relação a esta crítica, importante a explanação do professor e
médico Carneiro do Paraná, citado no artigo de SANVITO apud CAMON33:
Imaginemos a classe médica investida dessa terrível atribuição de matar
legalmente os doentes incuráveis que o solicitassem. A partir desse
momento, a economia de relações entre nós e nossos clientes estaria
profundamente alterada. Por enquanto, o paciente sabe que o médico toma
posição invariavelmente ao lado da vida. Na hipótese da existência legal da
eutanásia, o médico passaria a ser olhado com suspeição, mesmo nos seus
gestos mais inocentes. No médico, o doente veria a figura de seu possível
matador. Eis que muitos pacientes em estado grave, ou que se supõem
nesse estado, passariam a ter receio de um desabafo com seu médico.
Hoje, os pacientes sabem que poderão queixar-se amargamente da sua
doença porque ouvirão sempre uma palavra de consolo. Hoje, o paciente
poderá até tiranizar a família com seu sofrimento. Amanhã, ele temerá que o
médico e a família entrem em acordo para eliminá-lo, porque se podemos
imaginar casos em que a eutanásia viesse a ser solicitada contra a vontade
da família, podemos imaginar também casos em que a eutanásia viria
corresponder mais aos desejos da família do que aos do doente, por pena
ou por motivos menos nobres.
A corrente contrária à eutanásia, argumenta, ainda, sobre o risco de que a
sua legalização possa abrir um precedente que acabe justificando, mais adiante, a
eutanásia não-consentida. Teme, portanto, a facilitação para a oficialidade de atos
como a execução sumária de deficientes e um novo holocausto (à exemplo do
praticado pelos nazistas, na Europa).
A própria posição dogmática atual da sacralização da vida consiste em
forte argumento contra a eutanásia, posição esta não só defendida pelos cristãos
33
SANVITO apud CAMON. (op.cit.). p. 68 e 69.
32
(maioria no Brasil), como por quase todas as grandes religiões, como ver-se-á em
tópico próprio, adiante.
Na análise de que a eutanásia gera a discussão sobre o direito de alguém
por fim à própria vida, para tanto necessitando da ação alheia, indagam os
desfavoráveis à prática se haveria apenas uma faculdade do indivíduo, ou
propriamente um direito juridicamente tutelado, no sentido de que possa ser
coercitivamente exigido. Neste último caso, se alguém desejasse sua própria morte
e não pudesse fazê-lo, poderia invocar a tutela jurisdicional para obrigar outrem a
levar a cabo a ação. E quem teria esta obrigação, prevista em lei? A designação do
profissional médico, teoricamente o mais indicado para a realização do mister,
implicaria na quebra da ética médica baseada na tradição hipocrática, que impõe ao
médico o dever de proteger e preservar a vida humana a qualquer custo. Aceitandose a eutanásia como ato próprio de médico, estes passarão a ter, também, a tarefa
de causar a morte e não só evitá-la e aliviá-la.
Outra questão controvertida, comentada por LANDMANN34, diz respeito, à
corrente que se coloca favorável à eutanásia passiva e contrária à ativa. Manifestase o autor:
Para estes, matar alguém é moralmente pior do que deixar alguém morrer.
Contudo Landmam, assim se manifesta: “Se jogamos uma criança numa
poça d’água e queremos afogá-la, trata-se de um crime cruel. Mas se
vemos uma criança de dias cair numa poça d’água e a deixamos morrer,
será este um crime menos cruel?”
E continua: “ Se o médico deixa o paciente morrer por razões humanas, ele
se situa na mesma posição moral daquele que dá a outro paciente uma
injeção letal.
O ponto crucial do problema não é matar ou deixar morrer, e sim o término
intencional da vida de um ser humano por outro.
A discussão ganha amplitude na medida em que, os avanços
tecnológicos utilizados na medicina correspondem, atualmente, ao controle da
34
LANDMANN, Jayme. A Ética Médica Sem Máscara. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1985. p.
201.
33
morte.
Biologicamente,
pessoas
podem
ser
mantidas
em
funcionamento
indefinidamente, de forma artificial, sem nenhuma perspectiva de cura ou melhora.
Neste sentido, alguns procedimentos médicos têm apenas prolongado o processo
de morte, em vez de curar ou propiciar benefícios ao doente.
Surge, assim, uma nova classe de pacientes mortos, quais sejam,
aqueles que perderem irreversivelmente as funções cerebrais integrativas e
cognitivas, mas cujas células, tecido e órgãos, com o auxílio do suporte tecnológico,
permanecem vivos e funcionantes.
Diante de tais situações, é necessário que se debata o assunto, levandose em consideração a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia e a própria
consciência da pessoa referente ao desejo de se ter uma morte humana, sem o
prolongamento da agonia por meio de aparatos tecnológicos que, em alguns casos,
revertem em um tratamento inútil.
Na opinião de BORGES apud SANTOS 35:
O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com o direito de
morrer. O direito de morrer dignamente é a reinvidicação por vários direitos,
como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência,
refere-se ao desejo de se ter uma morte humana, sem o prolongamento da
agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito
de morrer. Esse tem sido reinvidicado como sinônimo de eutanásia ou de
auxílio a suicídio, que são intervenções que causam ou antecipam a morte.
Não se trata de defender qualquer procedimento que antecipe ou cause a
morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação.
Para LANDMANN36, não se pode negar ao paciente o direito à sobrevida
ou a uma morte digna, sobretudo se o paciente expressou este desejo antes de ficar
irremediavelmente doente. E discorre:
35
36
BORGES apud SANTOS. (op. cit.). p. 284 e 285.
LANDMANN. (op.cit.). p. 203.
34
Devemos estar atentos contra a leviandade que levaria ao término
indiferente de vidas consideradas expensivas, inconvenientes e terminais;
mas a manutenção da existência a “todo custo” também pode ser uma
atitude falsa. Deixar que a natureza siga seu curso em certas circunstâncias
é reconhecer que existe também o direito de não viver. Mas a decisão final,
quem tem de tomá-la é o doente (quando pode), a família, o médico, de
acordo com suas consciências, e não de acordo com códigos, inúteis no
caso, porque é impossível delimitar com precisão as fronteiras morais e
éticas dessa decisão.
Nós ainda nos debatemos entre os extremos de uma ética que defende o
direito de viver e o direito de morrer. Mesmo nas sociedades avançadas, que não é o
caso do Brasil, o debate é lento e penoso. Diante de tantas divergências e opiniões
acerca do tema, vê-se que é muito difícil para o legislador colocar no texto da lei
todas as situações, muitas delas, inclusive, beirando o transcendental, uma vez que
o problema não é puramente médico-jurídico, mas tem conotações religiosas,
filosóficas, culturais, morais e éticas.
3.2 Aspectos Religiosos
Por tratar a eutanásia acerca da valoração da vida, é incontestável a
participação das religiões neste debate. Não se pode olvidar que o posicionamento
adotado pela religião dominante de cada território tem grande influência na análise
da aplicabilidade ou não da eutanásia. É sabido que as religiões são uma realidade
social e existencial básica, com grande influência sobre seus adeptos, por isso, não
podem seus posicionamentos serem relegados e/ou colocados em segundo plano.
Desta forma, portanto, importante a demonstração do posicionamento de
cada religião sobre o tema, conforme ver-se-á a seguir.
35
3.2.1 Religião budista
Para o budismo, o que importa é conceder ou não à pessoa a
responsabilidade por sua própria vida e destino. A tradição religiosa budista valoriza
sobremaneira a decisão pessoal quanto ao tempo e à forma de morrer. Grande
ênfase é dada ao estado de consciência e paz no momento da morte. Desta forma,
não existe contrariedade ferrenha contra a eutanásia ativa e passiva, que pode ser
aplicada em determinadas circunstâncias e sob certas condições, quais sejam: 1) a
enfermidade é considerada terminal e incurável pela medicina atual e a morte é
iminente; 2) o paciente deve estar sofrendo de uma dor intolerável e severa que não
pode ser aliviada; 3) o ato de matar deve ser executado com o objetivo de aliviar a
dor do paciente; 4) o ato deve ser executado somente se o próprio paciente fez um
pedido explícito; 5) cabe ao médico realizar a eutanásia, caso isso não seja possível,
em situações especiais será admitida assistência de outra pessoa; 6) a eutanásia
deve ser realizada utilizando-se de métodos eticamente aceitáveis37.
3.2.2 Religião islâmica
A doutrina islâmica acentua a confiança em Deus e a obediência à
vontade de Deus, atribuindo todo o poder à Deus e limitando drasticamente a
autonomia da ação humana.
A concepção da vida humana como sagrada, aliada a limitação drástica
da autonomia da vontade humana, proíbem a eutanásia. Neste sentido, os médicos
37
PESSINI, Léo. A Eutanásia na visão das grandes religiões mundiais: Budismo, Islamismo,
Judaísmo e Cristianismo). Revista O Mundo da Saúde. São Paulo: v.23, n.5, p. 321.
36
não devem tomar medidas positivas para abreviar a vida do paciente. Contudo, se a
vida não pode ser restaurada, entende a religião que seria inútil a manutenção do
enfermo em estado vegetativo utilizando-se de avanços tecnológicos.
3.2.3 Religião judaica
A religião judaica é contrária à eutanásia. Baseia-se na crença de que o
conceito de santidade da vida humana significa que a vida não pode ser terminada
ou abreviada, tendo como motivação a conveniência do paciente, utilidade ou
empatia com o sofrimento do mesmo. Contudo, a tradição legal hebraica (Halakhah)
distingue, ente o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o
prolongamento da agonia, que não o é. Neste sentido, estando o paciente em fase
terminal, é lícito a suspensão das manobras de reanimação e também o tratamento
não analgésico. Portanto, a religião proíbe a eutanásia ativa, mas admite deixar
morrer um paciente em certas condições.
3.2.4. Religião cristã
Na Igreja Católica como também em outras tradições cristãs (Adventistas
do sétimo dia, Igrejas Ortodoxas Orientais, Igrejas Batistas, Mórmons, Igreja
Episcopal, Igreja Luterana), existe unanimidade na afirmação da santidade da vida
humana considerada como um dom precioso de Deus, e, por assim dizer, cortá-la ou
abreviá-la
é
sempre
proibido,
bem
como
elastecê-la
artificialmente
e
37
desnecessariamente no processo de morte inevitável não é aconselhável.
Alguns cristãos defendem o sofrimento na hora da morte como uma
oportunidade para que os cristãos se identifiquem com a agonia de Jesus.
A Igreja Católica, modernamente, posiciona-se no sentido de que os
tratamentos médicos inúteis ou os métodos desproporcionados que não fazem mais
que prolongar o processo de morte, não são obrigatórios. Neste sentido, vê distinção
entre matar e deixar morrer (o que, aliás, é questionado por muitos bioeticistas
contemporâneos, que não vêem distinção nenhuma). Entende matar como sendo
qualquer ação ou omissão que visa causar a morte e deixar morrer como a não
aplicação ou descontinuação de um tratamento desproporcional e oneroso de
maneira que a natureza possa seguir seu curso38.
Portanto, defende o posicionamento de que existe uma diferença moral
entre, de um lado, não utilizar um tratamento num paciente terminal quando nada
mais pode ser feito para reverter a progressiva deterioração da vida, e , de outro,
intervir diretamente, para provocar a morte do paciente. No entender da religião,
somente esta última ação é proibida.
Do texto de PESSINI39, extrai-se a declaração da Carta Encíclica
Evangelium Vitae (1995), de autoria de João Paulo II, que coloca o problema da
eutanásia como sendo.
Um dos sintomas mais alarmantes da “cultura da morte” que avança
sobretudo nas sociedades do bem estar, caracterizadas por uma
mentalidade eficientista qua faz parecer demasiadamente gravoso e
insuportável o número crescente das pessoas idosas e debilitadas. Com
muita freqüência, estas acabam por ser isoladas da família e da sociedade,
organizada quase exclusivamente sobre a base de critérios de eficiência
produtiva, segundo os quais uma vida irremediavelmente incapaz não tem
mais nenhum valor.
38
39
ibidem. p. 328
idem ibidem p. 326.
38
4 PRECEITOS JURÍDICOS PENAIS
4.1 Direito Penal Comparado
Diversos são os posicionamentos adotados por diferentes países que
abordam o tema em sua legislação penal. Vejamos o posicionamento de algum
deles:
4.1.1 Espanha
Na Espanha a eutanásia é crime. Contudo, o país possui uma legislação,
nominada como Lei Geral de Saúde (LGS – Ley General de Sanidad, de 25 de abril
de 1986), cujos aspectos assemelham-se a ortatonásia. Neste sentido, a lei discorre
sobre o consentimento prévio do paciente, que são direitos de todos que lhes sejam
dados, em termos compreensíveis, e a seus familiares, informação completa e
contínua, verbal e escrita sobre seu processo, incluindo diagnóstico, prognóstico e
alternativas de e ao tratamento. A citada lei garante o direito à livre escolha entre as
opções apresentadas pelo médico do caso, sendo previsto o prévio consentimento
39
escrito do usuário para a realização de qualquer intervenção, exceto quando a não
intervenção suponha risco para a saúde pública, quando não esteja capacitado para
tomar decisões, situação em que o direito corresponderá a seus familiares ou
representantes e quando a urgência não permita demora diante do risco de
ocorrerem lesões irreversíveis ou existir risco de morte.
Tem-se, assim, consoante a legislação, que o paciente pode rechaçar um
tratamento, quando em condições de fazê-lo, e optar pelo encurtamento de sua
existência, assemelhando-se à espécie ortotanásia.
4.1.2 Uruguai
O Uruguai foi um dos primeiros países à legislar sobre a eutanásia. O
Código Penal Uruguaio de 1934 tipificou, em seu art. 37, capítulo III, o “homicídio
piedoso”, facultando-se ao juiz
a não aplicação da pena quando presentes os
seguintes requisitos: ter antecendentes honráveis, ser realizado por motivo piedoso
e a vítima ter feito reiteradas súplicas40.
Não há uma autorização para a realização da eutanásia, mas uma
possibilidade do indivíduo agente do procedimento ficar impune, desde que
cumpridas as condições básicas acima estabelecidas.
4.1.3 Holanda
Na Holanda a eutanásia passou a ser considerada legal, a partir de sua
40
BORGES apud SANTOS (op.cit.). p. 301.
40
aprovação em 10 de abril de 2001, com entrada em vigor em abril de 2002. A nova
lei obteve aprovação na Câmara Baixa e no Senado holandês e torna a morte
assistida (eutanásia ou suicídio assistido) um procedimento legalizado nos Países
Baixos, alterando os artigos 293 e 294 da lei criminal holandesa41.
A Eutanásia vem sendo debatida na Holanda desde a década de 1970.
Inúmeras
situações
ocorridas
com
pacientes
e
seus
médicos
geraram
questionamentos quanto aos seus aspectos morais e legais.
Desde 1990 o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica
Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de eutanásia,
ficando o médico fica imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal.
A Lei Funeral (Burial Act) de 1993 incorporou os 5 critérios para eutanásia
e os 3 elementos de notificação do procedimento, o que tornou a eutanásia um
procedimento aceito, porém não legal. Estas condições eximem o médico da
acusação de homicídio42.
Os cinco critérios estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para
a ajuda à morte não punível, por um médico, são os seguintes: 1) A solicitação para
morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado; 2) A
solicitação deve ser bem considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão
clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz
de ponderar estas opções, e deve ter feito tal poderação; 3) O desejo de morrer
deve ter alguma duração; 4) Deve haver sofrimento físico ou mental que seja
inaceitável ou insuportável; 5) A consultoria com um colega é obrigatória.
41
FRANCISCONI, Carlos Fernando, GOLDIM, José Roberto. Eutanásia. Disponível na Internet no
endereço: www.bioetica.ufrgs.br/eutanasi.htm, acesso em 10/11/2004.
42
idem, Eutanásia. [on-line].
41
O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da
Holanda, estabelece 3 elementos para notificação: 1) O médico que realizar a
eutanásia ou suicídio assistido não deve dar um atestado de óbito por morte natural.
Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário; 2) A
autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito; 3) O promotor do
distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico. Seguindo o médico as
5 recomendações o promotor não fará a acusação.
A nova lei autorizadora da eutanásia incorpora algumas novas questões,
tais como a possibilidade de realizar este tipo de procedimento em menores de
idade, a partir dos 12 anos, sendo que dos 12 aos 16 anos a solicitação do paciente
deve ser acompanhada pela autorização dos pais.
Além dos critérios acima citados, já previamente em vigor, foi incluído, o
que estabelece que o término da vida deva ser feito de uma maneira medicamente
apropriada. Em 11 de abril de 2001 o senado aprovou esta mesma lei. Houve
protestos populares contra esta medida, apesar de uma maioria expressiva da
população ter se manifestado favoravelmente a este respeito em pesquisas de
opinião pública. Os novos critérios legais estabelecem que a eutanásia só pode ser
realizada: 1) quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores
insuportáveis; 2) o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer; 3) depois
que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso43.
4.1.4 Austrália
Na Austrália, em alguns territórios, vigeu, no período de 1996 a 1997,
43
FRANCISCONI e GOLDIM. (op. cit.). Eutanásia. [on-line].
42
uma lei que autorizava a eutanásia, nominada Lei dos Direitos dos Pacientes
Terminais. A lei, contudo, foi revogada, embora pesquisas de opinião revelassem
que 74% dos australianos eram a favor da manutenção da lei.
Referida lei estabelecia critérios
e precauções para a permissão de
realização da eutanásia, quais sejam: 1) o paciente faz a solicitação a um médico; 2)
o médico aceita ser seu assistente; 3) o paciente deve ter 18 anos no mínimo; 4) o
paciente deve ter uma doença que no seu curso normal ou sem a utilização de
medidas extraordinárias acarretará sua morte; 5) não deve haver nenhuma medida
que possibilite a cura do paciente; 6) não devem existir tratamentos disponíveis para
reduzir a dor, sofrimento ou desconforto; 7) deve haver a confirmação do diagnóstico
e do prognóstico por um médico especialista; 8) um psiquiatra qualificado deve
atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável; 9) a doença
deve causar dor ou sofrimento. 10) o médico deve informar ao paciente todos os
tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos; 11) as informações sobre
os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado nesta área;
12) o paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida; 13) o
paciente deve levar em consideração as implicações sobre a família; 14) o paciente
deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livre e
voluntariamente; 15) deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a
formalização do desejo de morrer; 16) o paciente deve preencher o certificado de
solicitação; 17) o médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a
assinatura do Certificado de Solicitação; 18) um outro médico deve assinar o
certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para
livremente tomar a decisão; 19) um intérprete deve assinar o certificado, no caso em
que o paciente não tenha o mesmo idioma de origem dos médicos; 20) os médicos
43
envolvidos não devem ter nenhum ganho financeiro, além dos honorários médicos
habituais, com a morte do paciente; 21) deve ter decorrido um período de 48 horas
após a assinatura do certificado; 22) o paciente não deve ter dado nenhuma
indicação de que não desejava mais morrer; 23) a assistência ao término voluntário
da vida pode ser dada.44
4.1.5 Estados Unidos
A eutanásia nos Estados Unidos é considerada ilegal. No ano de 1991,
houve uma apresentação de um projeto de alteração do Código Civil da Califórnia,
para que uma pessoa capaz, em estado terminal, pudesse solicitar e receber ajuda
médica para morrer, buscando-se permitir uma morte digna, tendo sido rejeitada tal
proposta, em plebiscito. A licitude alcançaria apenas médicos.
Em 1996, o juiz Stephen Reinhardt, do 9º Tribunal de Apelação de Los
Angeles, estabeleceu que o suicídio assistido por médico é direito garantido pela
Constituição Americana a todo paciente terminal.
Em 1994, o Estado de Oregon aprovou uma lei sobre Morte Digna,
legalizando o suicídio assistido, estabelecendo os critérios mínimos a serem
atingidos para que uma pessoa possa ter acesso a prescrição de medicamentos e
de informações que lhe possibilitarão morrer. Neste sentido, deverá haver a
confirmação do diagnóstico por outro médico; também poderá ser feita uma
avaliação da capacidade da pessoa que está solicitando o procedimento, a ser feita
por um profissional habilitado.
44
BORGES apud SANTOS. (op. cit.) p. 303-304.
44
4.2 Direito Penal Brasileiro
No Brasil, não há previsão legal para a eutanásia, sendo a mesma
considerada crime.
Face a não previsão legal da eutanásia no Código Penal Brasileiro, a
conduta pode ser encaixada na previsão de homicídio ou auxílio ao suicídio,
cominando pena de reclusão. No Código Penal Brasileiro a eutanásia passiva
(ortotanásia), enquadraria-se como crime capitulado no art. 135, intitulado omissão
de socorro, já que não há menção específica a tal prática em nossa legislação penal.
Desse modo, qualquer pessoa, seja um terceiro, médico ou familiar do
doente terminal, em causando a morte deste último, cometerá o crime de homicídio,
podendo encaixar-se, conforme o caso, a causa de diminuição de pena do § 1º do
art. 121, que prevê:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violente emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
Esse homicídio, mesmo privilegiado, não leva em conta se houve ou não
consentimento da vítima para descaracterizar o crime, sendo analisado apenas
sobre o prisma da relevância do valor social ou moral, ou o domínio de forte emoção,
como estipula o artigo supra citado.
O suicídio assistido ou o auxílio ao suicídio é também ilegal, constituindo
outra forma de crime eutanásico. Neste, um terceiro auxilia o próprio doente para
que este se lhe dê a própria morte. Pune-se quem estimula, induz ou auxilia ou
colabora para que o doente se mate.
45
É o que dispõe o art. 122 do Código Penal Brasileiro:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para
que o faça:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave (...).
Assim, apenas o suicídio não constitui crime. Nem mesmo a tentativa
pode ser punida. Tal posicionamento jurídico baseia-se no entendimento de ser a
vida um direito indisponível, máxima consagrada pela Constituição Federal em seu
art. 5º; e, também, na dignidade humana prevista no art. 1º, inciso III do mesmo
diploma legal.
4.2.1 Atual anteprojeto de Lei do Código Penal brasileiro
O atual Anteprojeto de Lei que altera dispositivos do Código Penal, legisla
sobre a questão da eutanásia em dois itens do artigo 121, cuja redação proposta é a
seguinte:
Homicídio
Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
(...)
Eutanásia
§ 3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente,
descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição á vítima,
e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos,
para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave
e em estado terminal, devidamente diagnosticados:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
Exclusão de ilicitude
§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio
artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e
inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua
impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou
45
irmão.”
45
SKLAROWSKY, Leon Frejda. A eutanásia no Brasil. Disponível na Internet no endereço:
http://www.jusnavegandi.Doutrina.AeutanasianoBrasil.htm, acesso em 10/11/2004
46
O Anteprojeto distingue, portanto, dois tipos de eutanásia: a ativa e a
passiva.
O parágrafo 3º do artigo 121, trata da eutanásia ativa, incluindo o
chamado “crime piedoso”, prescrevendo a pena abrandada, de 2 a 5 anos de
reclusão. O comportamento não deixa de ser considerado criminoso, mas é punido
com pena menor. Este dispositivo descreve as condições que autorizam este
enquadramento: se o autor do crime de homicídio for cônjuge, companheiro,
ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à
vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos,
para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em
estado terminal, devidamente diagnosticados. Assim, também goza das benesses da
lei o autor do crime que for pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima.
Averigua-se que a compaixão e a solicitação do doente são componentes
fundamentais, mas este último deverá estar no pleno gozo de suas faculdades, ser
imputável e maior de dezoito anos. Também atenta-se ao requisito de que a doença
deve ser grave e irreversível e apenas o médico pode fazer o diagnóstico.
De outra banda, o parágrafo 4º do artigo 121, trata da eutanásia passiva,
ou também chamada “ortotanásia”, onde há expressa exclusão de ilicitude.
Assim, não é crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial,
se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e
desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge,
companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Neste caso, não há a
possibilidade de pessoa ligada por estreito vínculo de afeição à vítima poder suprir a
anuência. Também aqui a compaixão está presente e dois médicos deverão
certificar a morte iminente e irremediável.
47
Em análise ao anteprojeto citado, conclui-se que a tendência é manter
criminalizada a eutanásia, apenas ocorrendo um abrandamento da pena,
excetuando-se os casos em que o agente deixa de manter a vida de alguém por
meio artificial, ou seja, ligado à aparelhos, desde que previamente atestada por dois
médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do
paciente ou, de parentes.
Tal proposta tem sido alvo de reiteradas e insistentes manifestações de
repúdio, por diversas organizações, entidades ou pensadores, contrários à previsão
legal da eutanásia e, principalmente, à exclusão da ilicitude de tal ato.
Outro óbice que pesa ainda em desfavor da eutanásia, diz respeito à
garantia constitucional à vida, contida no título Direitos e Garantias Fundamentais de
nossa Constituição Federal, sendo consagrado o mais fundamental dos direitos. É
regido pelos princípios constitucionais da inviolabiolabilidade e irrenunciabilidade, ou
seja, o direito à vida não pode ser desrespeitado, sob pena de responsabilização
criminal, nem tampouco pode o indivíduo renunciar esse direito e almejar sua morte.
Contudo, o direito à vida não consiste apenas em manter-se vivo, mas em
se ter vida digna quanto à subsistência. Neste sentido, os entusiastas da eutanásia
questionam como poderia o direito à vida estar ameaçado, quando o indivíduo não
goza do direito à vida em sua plenitude, nem se quer se pode alegar que ele
apresente vida digna, pois não pode usufruir de um nível de vida adequado, estando
privado de sua liberdade e de muitos direitos.
Desta feita, questiona-se se a eutanásia prevista no anteprojeto é mesmo
uma ameaça a inviolabilidade do direito à vida e, ainda, se não estar-se-ia violando
os demais direitos fundamentais, como a liberdade e a dignidade.
Portanto, verifica-se que o debate é bastante aceso e precisa ser
48
rediscutido. Não se pode olvidar a prática da eutanásia no Brasil, como em qualquer
outro país.
Aduz Maria Helena Bromberg, primeira psicóloga a se especializar na
tarefa de preparar pacientes terminais e seus familiares para a morte, citada no
texto de BURGIERMAN46:
Precisamos pensar mais nesse assunto. Temos que nos preparar para
morrer – dizer aos nossos familiares de que forma queremos ser tratados,
que procedimentos médicos queremos e quais não queremos, para quem
deixaremos as coisas de que gostamos. Isto tudo enquanto estamos bem e
com saúde”.
46
BURGIERMAN. (op. cit.) p. 50.
49
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eutanásia, na conceituação atual, consiste no ato de provocar a morte,
movida pela piedade e compaixão em relação ao doente.
É intento que a eutanásia tenha sempre motivação humanística,
rechaçando-se a eutanásia eugênica (eliminação de raças), que consiste em
verdadeiro homicídio.
Junto ao conceito de eutanásia, afigura-se a ortotanásia e distanásia.
A ortotanásia como o não prolongamento do processo de morte, no
sentido de deixar que este estado se desenvolva no seu curso natural. Apesar de
ser figura atípica também em nossa legislação pátria, é instituto de maior aceitação
perante os profissionais médicos e também juristas, estando incluído, inclusive, no
atual anteprojeto de lei, conforme verificado no desenvolvimento do trabalho.
A distanásia, significando o prolongamento exagerado da morte de um
paciente, redundando num tratamento inútil e submetendo-o, muitas vezes, a grande
sofrimento. Tornou-se um problema ético de primeira grandeza, a partir do aparato
tecnológico que interfere de forma decisiva nas fases finais da vida humana. O
instituto não tem receptividade junto ao atual anteprojeto de lei e não possui o
50
enfretamento necessário, sendo que os médicos dividem-se na opinião acerca da
suspensão de tratamentos que prolongam a vida.
Nestes casos extremos, perguntam os que apóiam a legalização da
eutanásia: o que resta esperar? A manutenção artificial da vida já desenganada é,
segundo os mesmos, afronta ainda maior à dignidade humana e ao respeito para
com o paciente e seus familiares.
Neste sentido, no desenvolvimento do trabalho, foi possível demonstrar o
posicionamento favorável ou contrário à eutanásia, bem como às figuras tipificadas
acima. Argumentos favoráveis e desfavoráveis, possibilitam, assim, a reflexão sobre
a complexidade do tema.
O biodireito, como visto, dedicado ao estudo da matéria, é incipiente e
busca, com o auxílio da bioética e das demais ciências, uma solução para o
impasse.
As religiões estudadas, com exceção do budismo - que vê a vida
preciosa, mas não divina, consideram a vida sagrada e, neste sentido, repudiam a
eutanásia.
Legalmente, verificou-se que a prática da eutanásia vem sendo aceita na
Holanda, que possue leis que descriminalizam a eutanásia a partir da observação de
requisitos previamente estipulados.
No Brasil, a discussão é bastante modesta e o tema não é abordado
abertamente. O anteprojeto de lei que tramita no Congresso Nacional, não tem
muitas chances de ser aprovado.
Contudo, a discussão é necessária e mostra-se urgente, pois não há
como olvidar-se às práticas corriqueiras de eutanásia ocorridas nos nossos
hospitais, ainda que não sejam “divulgados” dados à respeito.
51
Neste sentido, o trabalho se presta a uma humilde contribuição para o
engrandecimentos dos debates, ainda longe de serem encerrados, na busca de
soluções melhores e mais justas para o assunto.
52
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