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LUCAS HEUSNER SILVEIRA
O DESVIO DE FUNÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO: SEU CONTROLE E AS
DECISÕES DOS TRIBUNAIS
Ijuí (RS)
2010
1
LUCAS HEUSNER SILVEIRA
O DESVIO DE FUNÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO: SEU CONTROLE E AS
DECISÕES DOS TRIBUNAIS
Monografia final do Curso de Graduação
em Direito objetivando a aprovação no
componente curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
DEJ – Departamento de Estudos Jurídicos.
Orientador: MSc. Aldemir Berwig
Ijuí (RS)
2010
2
3
Dedicatória
Dedico este trabalho a todos que de uma forma
ou outra me auxiliaram e ampararam-me
durante estes anos da minha caminhada
acadêmica, principalmente meus pais, pois sem
eles não conseguiria chegar até aqui.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, pela vida,
força e coragem e a Jesus, meu Senhor.
A minha família pelo amor, carinho e
afeto
em
todos
os
momentos,
principalmente aos meus pais, Valdir e
Leonora, pelo despreendimento pessoal a
meu favor e por sempre acreditarem que
eu seria capaz de conquistar essa vitória.
A minha namorada Daniele pela
paciência em ter que ser privada muitas
vezes de minha atenção pelo escasso
tempo que passamos juntos em virtude
dos estudos.
Ao meu orientador Aldemir Berwig,
que me surpreendeu pela sua dedicação
e rápida disponibilidade em atender-me
quando necessário.
Aos colegas de trabalho do Setor de
Fiscalização da Prefeitura Municipal de
Panambi, pela luta conjunta por um
serviço público eficiente.
A todos que colaboraram de uma
maneira ou outra durante a trajetória de
construção deste trabalho, meus sinceros
agradecimentos!
5
“Porque ao homem que usa bem o que lhe dão,
será dado mais, e terá grande quantidade. Mas
do homem que é infiel, até mesmo a pouca
responsabilidade que tem será tirada.”
Jesus Cristo,
Evangelho de Mateus, capítulo 25, versículo 29
6
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do que é, e de
como ocorre o desvio de função no serviço público. Aborda brevemente os aspectos
teóricos sobre cargos e funções públicas e de como se dá o ingresso no serviço
público. A partir da definição do que é o desvio de função, apresenta quais são as
formas do controle dessa ilegalidade e quem pode usar dos mecanismos
apresentados. Ao final, apresenta algumas das mais recentes decisões jurídicas
sobre o tema, apontando como pensam e decidem os magistrados nacionais e
regionais e quais são as tendências que regularão o serviço e a administração pública
brasileira.
Palavras-Chave: Direito Administrativo.
Administrativo. Controle Judicial.
Desvio
de
Função.
Controle
7
ABSTRACT
This term paper analyses what it is and how the deviation of public functions
take place. It briefly considers the theoretical aspects of public positions and
functions and how the admission to public service is done. Starting with the definition
of what the deviation from function is, it states the forms of control of this illegal
situation and who can use the mechanisms presented. At the end it shows some
recent legal decisions about the subject, pointing out how the national and regional
judges think and make decisions and what the tendencies that will regulate Brazilian
public management and service are.
Keywords: Management law. Deviation from function. Management control. Legal
control.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................9
1 ASPECTOS TEÓRICOS DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO E DO CARGO
PÚBLICO...................................................................................................................11
1.1 Definição de cargo e função pública............................................................... 11
1.2 Aspectos procedimentais para a investidura em cargo
público.......................................................................................................................14
1.2.1 Concurso público............................................................................................14
1.2.2 Livre nomeação...............................................................................................16
1.3 O desvio de função............................................................................................17
1.4 Motivos que levam ao desvio de função..........................................................20
2 O CONTROLE DO DESVIO DE FUNÇÃO.............................................................22
2.1 A autotutela na Administração Pública............................................................22
2.2 Controle pelo Tribunal de Contas.....................................................................26
2.3 Controle pelo Judiciário....................................................................................28
3 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DO DESVIO DE FUNÇÃO..............32
3.1 Análise da jurisprudência no TJ/RS.................................................................32
3.2 Análise de jurisprudência no STJ.....................................................................36
CONCLUSÃO .................................................................................................. ........41
REFERÊNCIAS ................................................................................................ ........43
9
INTRODUÇÃO
O serviço público é muito importante para o Estado gerir as suas atividades e
prestá-las à população, que depende do exercício estatal para que o ambiente social
possa ser organizado, harmonioso e que atenda ao bem comum, sendo sempre
agradável a todos.
O Estado, porém, é uma criação jurídica e estática, ou seja, por si só não
pode prestar os serviços, necessitando de pessoas que ajam em nome dele. Essas
pessoas físicas que exercem um múnus público são denominadas genericamente de
funcionários ou servidores públicos. Para ingressarem como agentes do Estado, são
necessários alguns requisitos, sendo um exemplo o ingresso através de concurso
público, procedimento que seleciona as pessoas mais capacitadas para exercerem
as funções públicas.
Ao ingressar no serviço público, cada servidor recebe atribuições próprias,
que são descritas em lei, sendo que podem exercer aquelas funções decorrentes de
seus cargos. Acontece, porém, que o que ocorre na prática não funciona de forma
perfeita como na teoria. O que vemos no serviço público, em especial no nosso
estado brasileiro, que é a área geográfica abrangida pelo presente trabalho, é um
constante desvio do previsto em lei, isso não só no tema constante dessa
monografia como em várias outras áreas em nosso Estado, como as políticas
sociais. Tudo isso acaba gerando assim uma incerteza jurídica, responsável por
afetar às pessoas diretamente envolvidas e como consequência toda a população
que indiretamente acaba sendo prejudicada pela má prestação do serviço público,
que deve sempre buscar a qualidade e a excelência.
10
Daí a necessidade de tratar o tema com bastante propriedade e cuidado, para
que possa ser diagnosticado os desvios de funções existentes no serviço público e
atacá-los com as soluções jurídicas existentes e disponíveis, não só ao alcance dos
poderosos, mas , pelo contrário, ao alcance do mais simples cidadão.
Na presente análise e estruturação do tema, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial, de forma a garantir a logicidade da pesquisa, que se
divide em três capítulos.
No primeiro capítulo, são discutidos os aspectos teóricos que envolvem o
exercício da função e do cargo público, buscando a definição dos conceitos jurídicos
que os envolvem, explicando como se dá o acesso aos cargos públicos, quais as
regras legais que os regulam, como são verificadas as atribuições de cada servidor
e quando é que ocorre o desvio de função.
Seguindo o tema, o segundo capítulo aborda as três formas de como pode
ser feito o controle do desvio de função, atacando diretamente o problema
encontrado. Esse controle, como se verá, pode ser feito através da própria
administração, denominado de autotutela; através dos Tribunais de Contas e
também pelo próprio Poder Judiciário, que dentre todos é o mais procurado para
tratar do tema em questão, principalmente quando o servidor público que está no
desvio de função quer receber pecuniariamente aquilo que lhe é devido legalmente,
agora pacificado em súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por último, são analisadas no terceiro capítulo algumas jurisprudências, que
são decisões dos Tribunais, tanto do STJ como do Tribunal de Justiça do Estado Rio
Grande do Sul (TJ/RS), onde veremos o que está sendo levado a juízo e quais as
soluções propostas por nossos juízes.
11
1 ASPECTOS TEÓRICOS DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO E DO CARGO PÚBLICO
O Estado para funcionar necessita de pessoas, agentes, que realizem as
atividades estatais, afinal o “Estado” em si é uma criação jurídica que não tem vida
própria. Essas pessoas que representam o Estado e que trabalham para que as
funções legais conferidas a ele sejam cumpridas, são os chamados agentes
públicos. Mas não é qualquer pessoa que pode tomar para si a prerrogativa de
exercer atividades em nome da Administração Pública. Para poder agir é necessário
que determinada pessoa física seja investida na função de servidor público e para
que isso ocorra ela precisa passar por uma seleção, conhecida como concurso
público ou ser nomeada pelos agentes políticos que detém determinada
competência.
1.1 Definição de cargo e função pública
A Administração Pública constitui-se em um conceito jurídico que, somente
pode agir e produzir efeitos concretos na vida da população, através de pessoas
físicas, que agirão em nome do Estado.
No entanto, há que se ter claro que a administração pública pressupõe bem
mais do que um simples amontoado de pessoas. Para Marçal Justen Filho (2006, p.
578), a administração pública tem natureza institucional, o que pressupõe sim, um
conjunto de pessoas, no entanto, estas pessoas devem estar atuando de modo
organizado, permanente e contínuo, seguindo regras específicas e comprometidas
com a promoção de valores fundamentais. Tal estrutura tem no conceito de função
um dos seus pilares de organização.
De acordo com Creuz et al. (2010, p. 1), a análise da origem do termo função
pode ajudar a esclarecer o seu significado. Para os autores, o conceito de função
vem do latim (functionem), derivado de functio (radical function), que significa
função, execução, cumprimento, atividade, e de functus, que é particípio passado de
fungi, que por sua vez significa executar, cumprir, desempenhar.
12
A idéia de função, assim, envolve atividade, ação. Consequentemente,
“função pode ser entendida, também, como a delimitação da natureza e do raio de
ação (ou execução) de tarefas por parte do prestador de serviços (empregado,
funcionário, servidor público, etc.).” (CREUZ et al., 2010, p. 1).
Ademais do próprio significado do termo, no Direito Administrativo, função
sempre é ligada “ao conjunto de atividades a serem desempenhadas pelo servidor
público, que deverão estar explicitadas, ordenadas, especializadas e coordenadas,
de modo a suprirem a necessidades operativas do serviço público.” (MOREIRA
NETO, 2006, p. 288, grifo do autor).
Partindo da definição de função, passamos a analisar a categoria daqueles
que exercem as funções públicas e são investidos nos cargos públicos. Nesse
sentido, Moreira Neto (2006, p. 283), define que
São servidores públicos, no sentido amplo, todos os indivíduos que estão a
serviço remunerado das pessoas jurídicas de direito público: União,
Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios, estes, quando existentes,
e das respectivas autarquias, incluídas as fundações públicas com natureza
autárquica.
Já para Justen Filho (2006, p. 582), servidor público pode ser uma expressão
utilizada em acepção ampla, que costuma ser aplicada para os agentes relacionados
com o Estado por vínculo jurídico de direito público, neste caso, seu conceito irá
abranger tanto os servidores públicos civis, quanto os militares.
O mesmo autor define que,
Os servidores públicos estatutários ou com cargo público são aqueles cuja
relação jurídica com o Estado é subordinada a regime jurídico de direito
público, caracterizado pela ausência de consensualidade para sua
instauração tal como para a determinação de direitos e deveres. (JUSTEN
FILHO, 2006, p. 591).
Dessa forma, depreende-se, de forma simplificada que servidores públicos
são aqueles que exercem cargos ou funções dentro das estruturas da administração
pública, ou, como define Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2003, p. 433), “são
servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao
13
Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e
mediante remuneração paga pelos cofres públicos”.
Nesse sentido, importante destacar a contribuição do professor Hely Lopes
Meirelles (2000, p. 386-387), para quem a função pública exercida pelo servidor
pertence ao Estado, e não àquele que a exerce. Por esta razão, o Estado tem
liberdade para suprimir ou alterar cargos e funções, sem que isso represente
nenhuma ofensa aos direitos de seus titulares. O mesmo raciocínio pode ser
implementado quando falamos de cargos públicos.
A idéia de cargo público está ligada à idéia de lugar, significando o lugar que
deverá ser ocupado pelo servidor na administração pública. Esses lugares são
criados e determinados por lei, com denominação, funções e remunerações
próprias. (MOREIRA NETO, 2006, p. 288).
A Lei 8.112 de 1990, Estatuto dos Servidores Público Federais define, no seu
art. 3º, cargo público como, o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas
na estrutura organizacional que devem ser cometidas à um servidor.
No mesmo sentido, para Justen Filho (2006, p. 593),
Cargo público é uma posição jurídica criada e disciplinada por lei, sujeita a
regime jurídico de direito público peculiar, caracterizado por mutabilidade,
por determinação unilateral do estado e por inúmeras garantias em prol do
ocupante.
Quanto a esta questão, o cargo público caracteriza-se por possuir natureza do
vínculo jurídico estatutário, ou seja, como define Mello (2010, p.256-257)
[...] o Estado, ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais
impeditivas, deterá o poder de alterar legislativamente o regime jurídico de
seus servidores, inexistindo a garantia de que continuarão sempre
disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso. Então,
benefícios e vantagens, dantes previstos, podem ser ulteriormente
suprimidos.
Tomando em vista o regime jurídico da investidura do indivíduo, se podem
diferenciar duas espécies de cargos públicos. Há os cargos de provimento efetivo,
14
cujo ingresso se dá mediante concurso, e existem os cargos em comissão, que são
definidos como de livre nomeação e exoneração.
Justen Filho (2006, p. 596-597) muito bem estabelece que, cargo público de
provimento efetivo é “aquele sujeito a regime jurídico próprio no tocante à
exoneração e futura inativação, cujo provimento é condicionado ao preenchimento
de requisitos objetivos, usualmente avaliados mediante concurso público”.
Nesse sentido, passamos a analisar de forma mais aprofundada a forma de
investidura em cargos públicos de servidores públicos ocupantes de cargos públicos
de provimento efetivo.
1.2 Aspectos procedimentais para a investidura em cargo público
Segundo Justen Filho (2006), a função pública consiste em um conjunto de
atribuições e responsabilidades, e poderá ser exercida de duas formas:
a) por servidores contratados temporariamente para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público conforme estabelece o art. 37, IX da
Constituição Federal de 1988 (CF/88);
b) por servidores ocupantes de cargo efetivo para exercer funções de
natureza permanente de confiança, as quais se destinam apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento, nos termos do art. 37, V da CF/88.
Passaremos a ver como ambas a formas são tratadas pela doutrina, dividindo
o ingresso no serviço público através de concurso e a partir da livre nomeação.
1.2.1 Concurso público
Como decorrência do regime jurídico de provimento efetivo, a CF/88
condicionou a investidura em cargo efetivo ao pressuposto do concurso público,
composto por provas ou por provas e títulos.
15
Portanto, a investidura em cargo ou emprego público de provimento efetivo
depende de aprovação prévia em concurso público, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei. Tal disposição está
consta do artigo 37 da CF/88, que trata da Administração Pública, e que assim
dispõe:
Art. 37
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista
em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em
lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº. 19, de 1998).
O concurso público objetiva assegurar que a seleção dos titulares de cargos
de provimento efetivo oriente-se pelo princípio da impessoalidade. A escolha,
segundo Moreira Neto, refletirá as virtudes e capacidades individuais revelados na
avaliação objetiva, segundo critérios predeterminados de virtuosidade física e
capacidade intelectual, definindo como a “institucionalização do sistema de mérito e
a sacralização da impessoalidade na administração de servidores públicos.”
(MOREIRA NETO, 2006, p. 293).
Justen Filho (2006, p. 598), ao refletir sobre concurso público, define tal
instituto como:
Concurso público é um procedimento conduzido por autoridade especifica,
especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio,
norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da legalidade, da
publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais
capacitados para serem providos em cargos públicos de provimento efetivo
ou em emprego público.
Nesse sentido o concurso público, formalmente considerado, vem a ser um
procedimento declaratório de habilitação individual à investidura. Tal procedimento
deve obedecer, como bem lembra Justen Filho (2006, p. 601), a um ato inicial de
convocação de interessados, o edital, ao qual irão se vincular todos os atos
posteriores do certame, e se consuma através da realização de provas ou provas e
títulos, de acordo com a natureza e com a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista na lei. Importante destacar que não é permitido ao regulamento, ao
16
edital ou a qualquer ato administrativo criar outras condições de acesso que não
estas definidas em lei.
Diante dessas situações, Di Pietro (2003, p. 442), observa que fica explicada
a razão de ter o constituinte, no artigo 37, II da CF/88 exigido concurso público só
para a investidura em cargo ou emprego de provimento efetivo. Nos casos de
função, a exigência não existe porque os que a exercem ou são contratados
temporariamente para atender às necessidades emergentes da Administração, ou
são ocupantes de funções de confiança, para as quais não se exige concurso
público.
1.2.2 Livre nomeação
Além dos cargos públicos de provimento efetivo, existem os servidores
públicos que exercem as denominadas funções de confiança, e os cargos em
comissão.
Como se pode verificar, a CF/88 tomou por princípio a investidura dos
agentes por meio de concurso público. Como exceção, a mesma Constituição
Federal estabeleceu que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos
previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento, conforme determina o art. 37, V da CF/88.
Dessa forma, é claro que constitui-se em regra, a contratação após aprovação
em concurso público, sendo a instituição de cargos comissionados e funções de
confiança são exceções, limitadas ao exercício de atribuições que efetivamente
exijam relação de confiança entre o agente e o Chefe do Poder contratante.
Mello (2010, p. 305-306, grifo do autor), para distinguir cargos em comissão
de cargos de provimento efetivo, define a primeira categoria da seguinte forma:
“aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de
17
confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode
exonerar ad nutum, isto é, livremente quem os esteja titularizando”.
De acordo com Moreira Neto (2006, p. 294), os cargos em comissão existem
na Administração Pública sendo providos por livre nomeação, podendo ser providos
por qualquer pessoa que cumpra com os requisitos legais. Esses cargos devem ter
a função de chefia, direção e assessoramento, assim como também as funções de
confiança. A diferença entre eles é que essas só podem ser exercidas por servidores
ocupantes de cargo efetivo.
Nos dois casos, é o Chefe do Executivo ou dirigente de entidade
constitucional ou legalmente autônoma quem possui a competência de prover os
cargos em caráter discricionário, temporário e precário.
1.3 O desvio de função
Definidas as categorias de servidor público, função, cargo e formas de
provimento, passa-se a analisar de forma mais aprofundada o desvio de função,
tema deste trabalho.
Pode-se definir, de acordo com Creuz et al. (2010, p. 2), desvio funcional,
como
a majoração in pejus da prestação de serviço do trabalhador (público ou
privado), o qual se vê obrigado a suportar serviços além dos contratados; ou
seja, o prestador de serviços assume função diversa da pactuada
sujeitando-se, contudo, à percepção da mesma renda salarial. Temos, pois,
que o desvio funcional não pode ser tido como prática regular, sendo
condenável.
Nestes termos, pode-se considerar também que, o servidor público que atua
de modo diverso das funções constantes da descrição de seu cargo, por exigência
ou ordens diretamente advindas de sua chefia, deve perceber a remuneração devida
pelas funções exercidas.
Em síntese, pode-se considerar que o chamado desvio de função, ou
“disfunção”, é a atribuição ao servidor de outros serviços que não os inerentes ao
18
seu cargo, bem como a ocupação de um posto de trabalho diferente daquele que
havia sido objeto de contratação. No caso específico dos servidores públicos, das
mais diversas esferas, pode-se afirmar que um número muito grande de situações
que caracterizam desvio de função existem dentro das esferas e estruturas
administrativas. (VICTORIO et al., 2010, p. 1).
Importante destacar que o tratamento diferenciado dado a alguns servidores,
através do exercício de função diversa daquela para a qual foi admitido caracteriza
grave violação aos princípios constitucionais da administração pública. Claro é que
todos têm o direito de receber da Administração Pública o mesmo tratamento, se
iguais. Se iguais, nada pode, em tese, discriminá-los, nem privilegiá-los. Impõe-se
aos iguais, um tratamento impessoal, igualitário ou isonômico. Princípio este
norteador dos atos e comportamentos da Administração Pública. (VICTORIO et al.,
2010, p. 1).
Conforme depreende-se da leitura do art. 37, II da CF/88, a regra
constitucional é que o servidor público exerça as funções que são inerentes ao seu
cargo ou emprego, ou seja, aquelas que estejam presentes na descrição de
atribuições, e que seu acesso se dê mediante regular processo de concurso público.
Portanto, lícito concluir que a prática do desvio de função é proibida no serviço
público, uma vez que o agente público só pode fazer o que está previsto em lei e
normas dela decorrentes, estando seus atos vinculados ao que dispõem o estatuto e
atribuições do cargo que ocupa.
Esta afirmação vem fundamentada no princípio da legalidade administrativa,
que é composto da lei, da moralidade e do interesse público, esses princípios dos
quais a Administração Pública é obrigada a observar, sob pena de se não fazê-lo
contrariar a CF/88.
Sobre o principio da legalidade, Meirelles (2000, p. 82, grifo do autor)
estabelece que,
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa
que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se
19
pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Persistindo na análise dos princípios administrativos, cabe destacar nesse
sentido, o princípio da moralidade dos atos praticados pela administração. Posto que
o ato deve não só obedecer à lei mas está imbuído da própria moral, entende-se que
nem tudo que é legal é moralmente justo.
Segundo o conceito de Meirelles (2000, p. 84, grifo do autor):
A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom
administrador”, que, [...] usando de sua competência legal, se determina,
não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum. Há que se
conhecer, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto [...].
Já de acordo com Mello (2010, p. 119, grifo do autor):
[...] a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de
princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito,
configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação,
porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do
art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente,
os chamados princípios da lealdade e boa-fé, [...].
A partir da análise dos princípios administrativos acima identificados, têm-se
claro que o desvio de função vai de encontro ao objetivos que os mesmos tem para
o exercício das funções públicas.
Sobre a questão do desvio de função, a Lei 8.112/90 estabelece no seu Título
IV – do Regime Disciplinar, Capítulo II, Das Proibições, art. 117, incisos XVII e XVIII,
algumas questões relevantes à análise:
CAPÍTULO II
Das Proibições
Art. 117 Ao servidor é proibido:
[...]
XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa,
exceto em situações de emergência e transitórias;
XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o
exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho.
20
Do que se infere do artigo legal citado, chega-se a conclusão que a
autoridade que delega aos seus subordinados atividades não compatíveis com os
seus cargos, precisam ser responsabilizadas de forma clara e objetiva. (VICTORIO
et al., 2010, p. 2).
1.4 Motivos que levam ao desvio de função
O Estado, como órgão maior da nossa organização social, deveria ser o
primeiro a não empregar no seu dia a dia, práticas condenáveis no campo de seus
servidores, como o desvio de função, zelando, inclusive, por uma empregabilidade
socialmente justa, que pressupõe com condições de emprego ou de um emprego
em condições. A Administração Pública deveria colocar em prática preceitos
basilares, como o da garantia de estabilidade a seus servidores, baseado num
contrato válido e sólido, que compreenda as devidas garantias de formação
adequada aos funcionários, remunerado de acordo com a vida real do país que
governa motivante e estimulante. (COSTA; BITTENCOURT, 2010, p. 6).
Sabendo o que é o desvio de função, a investigação de suas causas requer
um estudo e uma análise mais profunda do tema. Para Costa e Bittencourt (2010, p.
7), uma das causas notáveis pelo desvio da função é o descontentamento daqueles
que, desviados de suas funções almejam no novo posto, além do status
diferenciado, salários melhores, o que normativamente não ocorre, por outro lado,
frustrando o servidor que recebe como colega o “desviado da função” e que,
consequentemente, não passou pelo crivo do concurso público para exercer àquelas
novas atribuições.
Pode ser motivo do desvio de função, além do exposto acima, pressões
exercidas pelo administrador público, tanto por interesses pessoais como também
por interesses políticos. Sabe-se que no serviço público muitas vezes o servidor não
possui os mesmos ideais partidários do Administrador público, que é escolhido
através do sufrágio popular. Não é raro que sofra em algumas ocasiões
perseguições, e uma das atitudes do Administrador é fazer com que o servidor atue
fora da área de sua competência, geralmente em serviços que não digam
diretamente a importantes áreas de interesses administrativas, onde o funcionário
21
não tenha poder de decisão ou mando, como por exemplo, fazer com que um
contador realize apenas serviços administrativos, não atuando diretamente na
contabilidade do ente público.
Outro caso em que com frequência ocorre o desvio de função é diante da
necessidade de diminuir os custos da Administração. Um exemplo muito claro é o
seguinte: a Administração precisa de um engenheiro para fazer projetos, mas há a
necessidade de realizar concurso público para que seja contratado o profissional.
Como os gastos com a realização de concurso público são altos e o salário de um
engenheiro é elevado, a Administração resolve achar outro servidor que realize tal
tarefa. Após muito analisar, descobre-se que existe um rapaz, servidor público
concursado no cargo de Assistente Administrativo que há pouco concluiu o curso
superior de Engenharia. Por que não transferí-lo para o setor de Engenharia e
colocá-lo a fazer os projetos necessários? O próprio servidor poderá ficar contente,
afinal poderá praticar o que aprendeu na universidade, além da Administração, que
contará com os serviços de um profissional habilitado e precisará pagar apenas o
salário de um Assistente Administrativo, muito aquém do salário de engenheiro.
Porém, há claro desvio de função, agindo o ente público na ilegalidade.
Por fim, cabe aqui ressaltar mais um exemplo constante na prática do serviço
público. O servidor é concursado no cargo de Operário e realiza trabalhos externos,
muitos deles considerados pesados e que exige muito esforço físico. Como é
correligionário do Prefeito Municipal, consegue uma “vaguinha” no setor de Compras
da Prefeitura. Outro abuso claro de ilegalidade administrativa, onde ambas as partes
ficam contentes: uma por passar a exercer serviços considerados leves e a outra por
não precisar pagar um salário mais alto, contratando um Comprador para o setor
referido. Além dessas, várias outras situações fáticas poderiam ser descritas e
exemplos dados sobre desvio de função, porém os colacionados já são suficientes
para exemplificar o assunto.
22
2 O CONTROLE DO DESVIO DE FUNÇÃO
A Administração Pública sempre deve realizar seus atos pautados no
interesse público, levando em conta os critérios da legitimidade e da legalidade.
Tudo o que fugir desses critérios merece ser corrigido ou anulado, conforme cada
situação. O controle administrativo pode ser feito de várias formas, entre elas o
controle pela própria administração, também conhecido como autotutela, o controle
pelo Tribunal de Contas, que não pode ser confundido pelo controle legislativo e,
ainda, o controle pelos órgãos do Poder Judiciário. Neste capítulo abordaremos
esses três tipos de controle e suas aplicações.
2.1 A autotutela na Administração Pública
A Administração Pública tem não só o poder como o dever de controlar os
próprios atos quando eivados de ilegalidade ou abuso de poder, qual seja, por
exemplo, no caso do desvio de função, assunto tratado aqui. Esse tipo de controle
exercido pela própria Administração faz parte do que a doutrina denomina de
controle interno, sendo diferente das demais formas de controle que serão
analisadas, que já fazem parte do tipo de controle externo, ou seja, aqueles
exercidos pelo Tribunal de Contas ou pelo Poder Judiciário. A importância que esse
tipo de controle tem no serviço público e, em decorrência disso, na sociedade, é
retratado de forma clara por Odete Medauar (2009, p. 388) que afirma
O controle interno visa ao cumprimento do princípio da legalidade, à
observância dos preceitos da “boa administração”, a estimular a ação dos
órgãos, a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões
no atendimento do interesse público (controle de mérito), a verificar a
proporção custo-benefício na realização das atividades e a verificar a
eficácias de medidas na solução de problemas.
Justen Filho (2006, p. 754) define esse controle administrativo interno como a
“verificação, desenvolvida no âmbito do próprio Poder, da legalidade e da
oportunidade dos atos administrativos produzidos pelos seus órgãos e autoridades.”
Da mesma maneira, Diógenes Gasparini (2008, p. 948) entende que
é o exercício pelo Executivo e por órgãos de administração do Legislativo e
do Judiciário sobre suas próprias atividades administrativas, visando
23
confirmá-las ou desfazê-las, conforme sejam, ou não, legais, convenientes,
oportunas e eficientes [...] Ademais, realiza-se para avaliar a legalidade e o
mérito dessas atividades.
O controle pode ser exercido tanto pela própria autoridade que praticou o ato
ou medida como pelos seus superiores que tomarem conhecimento da ilegalidade.
O primeiro caso é classificado doutrinariamente como autocontrole, sendo que
Ocorre espontaneamente ou mediante provocação, neste último caso em
decorrência de recurso administrativo – pedido de reconsideração – ou
abaixo-assinado, denúncia de ilegalidade etc. Como efeito imediato do
autocontrole advêm ou a manutenção da medida, ou a revogação, a
anulação, e, no caso de operações materiais anunciadas ou realizadas,
novas medidas visando a suspendê-las ou a corrigir efeitos danosos que
tenham causado. (MEDAUAR, 2009, p. 394).
Porém nem sempre esse controle será exercido pela própria autoridade que
deu causa a ilegalidade em questão, pelo contrário, se ela já exerceu sua
competência de modo arbitrário, não será quem apontará o erro e buscará corrigí-lo.
Isso ocorre com frequência nos exemplos dos casos em que um chefe de setor
utiliza servidor público em funções diferentes das investidas na nomeação. É claro
que não será o próprio mandante que regularizará a situação. Tem-se então aí o
segundo tipo de controle, denominado de hierárquico. No desvio de função ele é
exercido posteriormente, quando o agente público já está realizando a atividade que
não a legal. Na prática, os superiores não se preocupam se algum ou alguns dos
servidores estão nessa situação, mesmo quando noticiados pelos próprios
servidores que reclamam que estão sofrendo coação no livre exercício de suas
funções, apenas cumprindo o seu dever de fiscalização hierárquica quando os fatos
são noticiados na imprensa ou trazidos à tona pela população. Por isso, muito
importante são os movimentos que lutam pela moralização do serviço público e a
cobrança aos agentes políticos eleitos pelo sufrágio popular.
Mesmo com o pensamento de que não irá resolver a situação, todo o agente
administrativo que tiver conhecimento do exercício do desvio de função, caso não
tenha competência para desfazer o ato ilegal, tem a responsabilidade de levar ao
conhecimento da autoridade hierarquicamente superior os fatos verificados para que
seja tomada a devida providência, qual seja a determinação para que o servidor
retorne às funções de origens e desempenhe o seu cargo de forma legal (JUSTEN
24
FILHO, 2006, p. 756). Moreira Neto (2006, p. 565, grifo do autor) acrescenta ainda
que
No que concerne à ação dos servidores públicos, no desempenho de seus
respectivos cometimentos, esse dever está implícito em sua investidura,
obrigando-os não somente a agir de acordo com a lei, como a atuar
obrigatoriamente no controle da legalidade de sua aplicação, apontando sua
violação, onde e quando for o caso, e corrigindo-a quando competentes
para fazê-lo.
Esse controle interno tem uma grande importância na esfera do poder em que
ocorre. Ele pode ser exercido de forma prévia, contemporânea ou posterior aos atos
administrativos (JUSTEN FILHO, 2006), porém nunca pode deixar de haver a
referida fiscalização. Por mais que pareça estar em ordem as relações funcionais
dentro de determinado órgão, nunca é demais o cuidado em verificar se os
servidores estão realmente desempenhando as funções que lhe são atribuídas no
Estatuto ao qual estão subordinados. Quando o controle for permanente, os desvios
diminuirão consideravelmente e por esse motivo a Constituição Federal de 1988
previu a criação de órgãos dentro dos próprios Poderes ao determinar
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma
integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
[...]
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e
eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e
entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos
públicos por entidades de direito privado;
[...]
Cada poder cria então um órgão de controle interno responsável por estar
constantemente verificando as situações em que ocorrem irregularidades, auxiliando
os gestores públicos fazendo apontamentos e levando os casos ao conhecimento da
autoridade então capacitada para regularizar a situação.
Justen Filho (2006, p. 756) pormenoriza a função imposta aos determinados
órgãos ao afirmar que
Nesse caso, o órgão dotado de competência específica realiza uma tarefa
de fiscalização permanente e contínua, para detectar eventuais
irregularidades e prevenir desvios ou ilegalidades. Esses órgãos não são
investidos de superioridade hierárquica sobre os demais, o que significa
ausência de competência para, em nome próprio, desfazer atos reputados
como viciados. Esses órgãos são investidos de poder de representar às
25
autoridades competentes (inclusive àquelas externas à Administração
Pública) sobre a ocorrência de ações ou omissões reputadas viciadas.
A autoridade competente então terá o dever de consertar os vícios
verificados, buscando sempre retornar o servidor ao estado anterior legalmente
válido, para que o Estado cumpra com o princípio da legalidade imposto pela nossa
Carta Magna, em seu art. 37.
Um questionamento pode ser feito: se o servidor público souber que está
agindo em desvio de função, como pode fazer para ter a sua situação regularizada
dentro da administração? Qual o instrumento que utilizará para ter os seus direito
respeitados?
Um deles é o direito de petição. O art. 5º, inc. XXXIV, da CF/88, dispõe:
São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder; [...].
Depreende-se do texto constitucional que qualquer pessoa pode representar
e peticionar aos Poderes Públicos, independentemente se tem ou não interesse na
causa. Esse direito tem o seu nascimento na Inglaterra, em plena Idade Média, e
nas palavras de Gasparini (2008, p. 949) “é o direito que toda pessoa tem, perante a
autoridade administrativa competente de qualquer dos Poderes, de defender seus
direitos ou o interesse coletivo”.
No caso do servidor público em desvio de função, ele simplesmente traz ao
conhecimento da autoridade superior que está agindo fora de suas atribuições,
pedindo que o seu direito seja respeitado. Formalmente, não se exige nenhum
requisito especial para fazer esse pedido, devendo porém ser de forma escrita,
assinada e dirigida à autoridade competente para tomar conhecimento do abuso que
lhe está sendo cometido.
Doutrinariamente esse direito é dotado de eficácia, e a autoridade à que foi
peticionado deverá respondê-lo, pois “a negativa em fornecer informações à
sociedade sobre a condução das atividades administrativas e políticas apenas pode
26
ser justificada como exceção absolutamente extraordinária.” (JUSTEN FILHO, 2006,
p. 757).
No seu silêncio caberá mandado de segurança, controle esse realizado pelo
judiciário, que será analisado adiante e poderá ensejar
[...] responsabilização política e jurídica, configurando conduta abusiva,
violadora do sistema democrático, constituindo-se em sério indício de
irregularidade. Afinal, o administrador que atua de modo compatível com o
direito não tem motivos para deixar de prestar contas de seus atos nem de
responder a qualquer pleito que perante si seja apresentado. (JUSTEN
FILHO, 2006, p. 758).
Se mesmo reclamando administrativamente, o servidor público não ter o seu
requerimento atendido, poderá levar o seu pleito ao conhecimento judicial, buscando
através desse controle externo a solução para a sua lide e o ressarcimento
financeiro das atividades desviantes porventura exercidas.
2.2 Controle pelo Tribunal de Contas
Um dos controles que a Administração Pública sofre externamente é o
exercido pelo Tribunal de Contas, que pode ser em âmbito federal, estadual e
municipal, sendo que no último caso, os Tribunais de Contas Municipais, só existem
em solo nacional nas cidades-capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. (MEIRELLES,
2000, p. 647).
Primeiramente traremos a definição legal e doutrinária sobre os Tribunais de
Contas e posteriormente quais as suas atribuições e como pode controlar o desvio
de função no serviço público.
Nossa Carta Magna traz em seu art. 70, no capítulo I do título IV, que trata do
Poder Legislativo, em seção destinada à fiscalização contábil, financeira e
orçamentária, que essa fiscalização será exercida pelo Congresso Nacional. O art.
71 e seus incisos afirmam que o Congresso contará com o auxílio do Tribunal de
Contas da União discriminando quais as competências exercidas por ele. Os
Tribunais de Contas dos Estados, Distrito Federal e municípios dispõem das
mesmas prerrogativas a atribuições, por força do art. 75 da CF/88.
27
Apesar de serem tratados na Constituição dentro do capítulo do Poder
Legislativo e estruturados de maneira semelhante ao Poder Judiciário, os Tribunais
de Contas são órgãos independentes e autônomos. Justen Filho (2006, p. 763)
afirma que “não há qualquer vínculo de dependência hierárquica ou funcional entre o
Tribunal de Contas e qualquer outro Poder”. Isso ocorre para evitar que outros
Poderes venham a interferir nos serviços e organização dos Tribunais de Contas,
que tem a missão precípua de exercer o controle externo, na modalidade de
fiscalização, nos próprios órgãos executivos, legislativos e judiciários, não podendo
estes intervir na existência, desempenho e atribuições daqueles. Essa fiscalização
externa diz respeito, conforme o art. 70 da Constituição, “à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncias de receitas”.
Como atribuições, os incisos do art. 71 da CF/88 arrolam como competência
do Tribunal de Contas: I – apreciação de contas anuais do presidente da República;
II – julgar as contas dos administradores públicos; III – apreciar a legalidade dos atos
de admissão de pessoal e concessões de aposentadoria; IV – realizar inspeções e
auditorias; V – fiscalizar as contas nacioanais de empresas supranacionais; VI –
fiscalizar a aplicação de recursos; VII – prestar informações solicitadas pelo
Congresso Nacional; VIII – aplicar sanções em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidades de contas; IX – assinar prazo para sanar ilegalidades; X – sustar a
execução de ato impugnado; XI – representar sobre irregularidades ou abusos
apurados.
Os seus membros serão nomeados dentre brasileiros que tenham mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; com idoneidade moral e
reputação ilibada; com notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e
financeiros ou de administração pública e mais de dez anos de exercício de função
ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos acima descritos.
Os Tribunais de Contas podem receber denúncias, seja de qual pessoa for,
ou de partido político, sindicato ou associação de quando existir algum tipo de
desvio de função. Podem fiscalizar a realização de concursos públicos e de como
estão sendo feitas as nomeações dos servidores e se os mesmos estão sendo
28
inseridos nas funções e exercendo as atribuições que lhe são devidas. Como
descreve Justen Filho (2006, p. 766):
O Tribunal de Contas exercita competência extremamente relevante a
propósito da admissão, a qualquer título, de pessoal na Administração direta
e indireta (ressalvado o provimento de cargos em comissão). Cabe-lhe
examinar a regularidade dos atos de admissão.
Quando verificado que realmente ocorre o desvio de função, tem o Tribunal
de Contas a atribuição de apontar o erro e dar prazo para que a autoridade
competente corrija a situação:
O Tribunal de Contas dispõe do poder de assinar prazo para as autoridades
administrativas corrigirem defeitos de ilegalidade. Se, no prazo estipulado,
não forem adotadas as soluções cabíveis, o Tribunal de Contas poderá
determinar a sustação de seus efeitos – se não se tratar de contrato.
(JUSTEN FILHO, 2006, p. 766).
Assim, a Administração está submetida a esse controle realizado pelos
Tribunais de Contas, podendo até mesmo sofrer sanções pelas ilegalidades
cometidas.
2.3 Controle pelo Judiciário
O outro tipo de controle da administração pública é aquele realizado pelo
Poder Judiciário. Primeiramente, cabe deixarmos claro o caráter de inércia desse
Poder, ou seja, o Judiciário só age quando for provocado, não podendo instaurar um
processo de ofício mesmo que para analisar a validade ou não de algum ato
administrativo.
Diógenes Gasparini (2008, p. 967) conceitua o controle jurisdicional da
Administração Pública como sendo:
[...] o controle de legalidade das atividades e atos administrativos do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário por órgão dotado do poder de
solucionar, em caráter definitivo, os conflitos de direito que lhe são
submetidos.
Como se pode deduzir, o Judiciário só conhece da causa quando ela lhe for
submetida por algum interessado juridicamente. Diferente do controle próprio da
29
administração ou daquele exercido pelos Tribunais de Contas, o controle
jurisdicional tem caráter repressivo, agindo quando algum ato já produziu ou ainda
está produzindo os seus efeitos, qual seja no caso em tela, quando o desvio de
função está sendo exercido pelo servidor público. Quem solucionará o problema,
quando invocado, serão os juízes e Tribunais do Poder Judiciário, que “desempenha
atividade de fiscalização propriamente jurídica, na acepção de que se trata de
verificar a compatibilidade dos atos administrativos com as normas jurídicas.”
(JUSTEN FILHO, 2006, p. 761).
Esse controle é limitado ao exame de legalidade do ato ou da atividade
administrativa. O servidor que está sendo prejudicado invoca então o Poder
Judiciário para que examine a causa e verifique se realmente existe ilegalidade,
sendo que a decisão tomada por esse órgão reverstir-se-á de caráter definitivo,
aplicando o direito à situação concreta, tornando julgada a coisa.
Doutrinariamente, pode-se dividir o controle jurisdicional em controle abstrato
e controle concreto. O controle em abstrato seria aquele previsto na nossa
Constituição destinado às hipóteses de declaração de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, o que não nos cabe detalhar nesse
trabalho. Por outro lado, o controle em concreto “é aquele destinado a compor um
conflito de interesses, envolvendo pretensão exercitada por determinado sujeito e
resistida ou não satisfeita por outrem.” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 768).
Justen Filho (2006, p. 768, grifo nosso) segue classificando o controle em
concreto, agora em duas outras modalidades fundamentais: o controle atinente ao
direito subjetivo e o relacionado com o interesse jurídico. Este se concretiza de
modo independente da existência ou não de algum tipo de relação jurídica entre as
partes conquanto aquele
[...] trata-se da invocação da tutela jurisdicional para proteger faculdades
determinadas e precisas, asseguradas ao sujeito por participar de uma
relação jurídica específica e que representam uma vantagem
(usualmente patrimonial) em seu benefício.
30
E é aí que se insere o desvio de função, vez que a relação jurídica é
específica, tratando-se de uma relação entre a Administração e seu servidor, legal,
por haver previsão de suas atribuições em lei e por fim patrimonial, pois envolve
retribuição pecuniária pelo serviço prestado, como veremos mais pormenorizado no
próximo capítulo, que tratará do exame de casos concretos de desvio de função já
decididos por nossos Tribunais.
A CF/88, em seu art. 5º, inc. XXXV dispõe que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Esse princípio “assegura
a proteção judiciária como garantia dos direitos reconhecidos pelo ordenamento e
como garantia contra a ameaça de lesão de direitos.” (MEDAUAR, 2009, p. 404).
Vemos aí que o Judiciário tem o dever de apreciar as causas que são levadas até
sua presença, sendo esse princípio importante para a existência de um Estado
Democrático de Direito.
A questão que podemos extrair do princípio e do texto legal acima citado, é se
há a necessidade ou não de esgotamento da via administrativa antes de ingressar
com a causa em juízo. Medauar (2009, p. 404) pacifica a questão da seguinte
maneira:
Uma das conseqüências extraídas do princípio da proteção judiciária situase na regar da não exigência de exaustão prévia da via administrativa para
que se possa ingressar em juízo. Assim, quem sofrer lesão a direito ou
estiver sob ameaça de lesão a direito, advinda de atividade da
Administração, não é obrigado a interpor recurso administrativo primeiro,
para depois, decidindo este, ajuizar uma ação.
Colocando no caso prático: quando o servidor público se encontrar em desvio
de função e, exercendo o direito de petição, levar a sua causa à autoridade
administrativa superior, não há a necessidade de se esgotar os recursos
administrativos ou esperar a boa vontade do administrador em apreciar o pedido
para que ingresse em juízo, levando ao judiciário a sua pretensão.
O
controle
jurisdicional
pode
trazer
várias
conseqüências
para
a
administração, podendo citar como mais comuns (MEDAUAR, 2009, p. 408): a)
31
suspensão de atos ou atividades; b) anulação; c) imposição de fazer; d) imposição
de se abster de algo; e) imposição de pagar e f) imposição de indenizar ou ressarcir.
Para o servidor que exerce sua função em desvio, o reconhecimento de sua
pretensão poderá trazer como visto acima: a) suspensão de suas atividades no
cargo desviante; b) anulação de algum ato que porventura tenha exercido na função;
c) reintegrar-se ao cargo ao qual foi investido; d) abstenção de exercer a função
desviante; e) receber as diferenças de vencimentos (como veremos adiante); e f)
receber indenização ou ressarcimento por exercer outras funções.
32
3. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ACERCA DO DESVIO DE FUNÇÃO
Nossos Tribunais já vem há tempos decidindo causas e mais causas
relacionadas ao desvio de função no serviço público. O direito está em constante
mutação, aperfeiçoando-se para dirimir os conflitos sociais da melhor forma possível
e de tanto ser provocada a jurisdição e de várias mudanças ocorrerem no tempo, o
Superior Tribunal de Justiça acabou lançando recentemente a Súmula 378 que
dispõem sobre o assunto em comento. Nesse capítulo, analisaremos a referida
súmula e o que levou a essa decisão, como também como o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul (TJ/RS) vem tratando o desvio de função no serviço público.
3.1 Análise de jurisprudência no TJ/RS
A Quarta Câmara Cível do TJ/RS vem julgando os casos de desvio de
função dos servidores públicos e vem dando recentes decisões sobre o assunto.
Para entendermos quais os fundamentos jurídicos e legais que embasam os
acórdãos, faremos a análise de dois deles que foram decididos muito recentemente,
sendo que o primeiro é a Apelação Cível nº 70034926873 que teve o seu julgamento
no dia quinze de setembro de dois mil e dez e o segundo a Apelação Cível nº
70033060914 que teve o julgamento datado em vinte e dois de setembro do mesmo
ano.
O primeiro acórdão versa sobre recursos de apelação que foram interpostos
pelo servidor público e pelo Município de Marau. O servidor ingressou na justiça de
primeiro grau com uma ação em desfavor do município, fazendo além de outros
pedidos, o de receber diferenças salariais que lhe seriam devidas por ter exercido os
cargos de motorista, telefonista e auxiliar de administração, enquanto que o cargo no
qual foi concursado seria o de auxiliar de serviços gerais. A ementa do acórdão é a
seguinte:
APELAÇÕES CÍVEIS. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE MARAU. (...)
APELO DO RÉU. (...)
MÉRITO. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DO CARGO DE
TELEFONISTA EM DESVIO DE FUNÇÃO. (...) EXERCÍCIO DO CARGO
DE MOTORISTA EM DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS
DEVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. (...) EXERCÍCIO DO CARGO DE
33
AUXILIAR DE ADMINISTRAÇÃO EM DESVIO DE FUNÇÃO. SENTENÇA
MANTIDA. Comprovado o exercício de atividades de maior
complexidade que o cargo de Auxiliar de Serviços Gerais, faz jus, o
servidor, a diferenças salariais. (...)
APELO DO AUTOR. CEDÊNCIA DO DEMANDANTE NO CARGO DE
AUXILIAR DE SERVIÇOS GERAIS PARA O INSS. DESVIO DE FUNÇÃO.
INOCORRÊNCIA. (...)
REJEITARAM AS PRELIMINARES, DERAM PROVIMENTO EM PARTE
AO APELO DO MUNICÍPIO E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO
DO AUTOR. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2010a, grifos do autor).
A relatora foi a eminente desembargadora Agathe Elsa Schmidt da Silva,
que em seu relatório descreveu parte da sentença de primeiro grau que assim
decidiu:
Ante o exposto julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido ajuizado
por [...] em face de MUNICÍPIO DE MARAU, para condenar o requerido no
pagamento ao autor de:
[...]
d- diferenças salariais entre os cargos de auxiliar de serviços gerais e
motorista, com reflexos em férias com 1/3 e décimo terceiro salário, no
período de 01/06/2001 a 31/12/2002.
[...]
f- diferenças salariais entre os cargos de auxiliar de serviços gerais e
auxiliar de administração, com reflexos em férias com 1/3 e décimo terceiro
salário, no período de 01/01/2003 a 31/05/2005.
[...]
(RIO GRANDE DO SUL, 2010a, grifos do autor).
Referiu ainda em seu relatório (Rio Grande do Sul, 2010a) que o autor da
ação em suas razões de apelação pediu a reforma parcial da sentença para receber
as “diferenças salariais referentes ao 1º período laborado no cargo de auxiliar de
administração junto ao INSS”, enquanto que o município réu também em suas
razões de apelação sustentou no mérito que não foi comprovado que o servidor
trabalhou na atividade de telefonista e ainda que “as atividades exercidas no Centro
Municipal de Saúde se coadunaram com a função de auxiliar de serviços gerais para
a qual é concursado, não havendo desvio de função, conforme testemunho [...]”.
No voto, a relatora explanou de forma clara qual deve ser a forma de agir da
Administração, corroborando o que já se disse acima sobre o desvio de função:
De início, cumpre ressaltar que a atuação da administração pública deve
pautar-se pelo disposto em lei, não podendo dela se afastar, sob pena de
responsabilização administrativa, civil e penal por conceder direitos sem
amparo legal. (RIO GRANDE DO SUL, 2010a).
34
Assim, deu prosseguimento ao exame do mérito pelo qual apelou o
Município, que não se contentou com a decisão de primeiro grau quanto ao
reconhecimento do exercício do cargo de telefonista pelo servidor em desvio de
função; contra a condenação às diferenças salariais entre os cargos de auxiliar de
serviços gerais e motorista e contra a condenação às diferenças salariais entre os
cargos de auxiliar de serviços gerais e auxiliar de administração, dentre outros. (Rio
Grande do Sul, 2010a).
A relatora deduziu que não existiam razões ao recorrente tendo em vista as
vastas provas testemunhais e documentais que afirmaram que o servidor realmente
atuou em desvio de função, ratificando que
Portanto deve ser mantida a sentença no que diz com a condenação do réu
às diferenças salariais entre os cargos de auxiliar de serviços gerais e
motorista, com reflexos em férias com 1/3 e décimo terceiro salário, no
período [...] (RIO GRANDE DO SUL, 2010a).
Para fundamentar a sua decisão, a eminente desembargadora se utilizou da
Lei Municipal do Município de Marau que trata das classificações de cargos e
funções para dirimir as dúvidas existentes entre as atribuições que eram devidas ao
servidor e as que ele realmente exerceu, confirmando que ele executou trabalhos
estranhos à sua função, em cargos que exigiam maiores especialidades, dando
inclusive padrões de vencimentos superiores ao cargo em que era concursado,
afirmando:
[...] resta comprovado que o demandante exercia atividades de maior
complexidade relativamente ao cargo de auxiliar de serviços gerais que
prevê atividades simples de escritório, entrega de correspondências,
caracterizando o desvio de função como bem consignado pelo Juízo de
primeiro grau. (RIO GRANDE DO SUL, 2010a).
Os demais desembargadores que participaram do julgamento, Alexandre
Mussoi Moreira e José Luiz Reis de Azambuja, seguiram o voto da relatora.
Já o segundo acórdão referido acima, também julgado pela Quarta Câmara
Cível, possui em sua ementa:
35
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO.
RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. POSSIBILIDADE.
(...)
O servidor que desempenha função diversa daquela inerente ao cargo para
o qual foi investido, embora não faça jus a reenquadramento, tem direito a
perceber as diferenças remuneratórias relativas ao período, sob pena de se
gerar locupletamento indevido pela Administração. Entendimento
modificado de acordo com a Súmula 378 do STJ.
Deram parcial provimento ao apelo. Unânime. (RIO GRANDE DO SUL,
2010b, grifos do autor).
Como se pode perceber, o TJ/RS corrobora o entendimento de que quando
há o desvio de função, são devidas ao servidor as diferenças salariais decorrentes,
mas não é possível o reenquadramento do servidor ao cargo em qual exerceu a
função desviante. Para entender melhor a decisão prolatada acima, passemos a
relatar o que se buscava na apelação cível referida.
O acórdão traz como apelante o servidor público e como apelado o Estado
do Rio Grande do Sul, referindo-se a uma ação de cobrança que foi julgada
improcedente. O servidor ingressou na função pública no cargo de agente
penitenciário e alegou que passou a exercer o assessoramento na área jurídica para
a Susepe em vários presídios do estado do RS, nesse modo em desvio de função,
pedindo a condenação do réu a nomeá-lo ao cargo de monitor penitenciário e a
pagar os reajustes salariais. Em primeiro grau, o próprio Ministério Público, após ser
negado o direito ao autor, se manifestou “a fim de que seja reformada a sentença e
deferido o pleito de diferenças salariais decorrentes do exercício do desvio de
função, não devendo ser acolhido o pedido de nomeação ao cargo de monitor.” (Rio
Grande do Sul, 2010b, p. 2).
No relatório, o desembargador relator Alexandre Mussoi Moreira, se
manifestou de forma clara, referindo qual a posição adotada pelo TJ/RS, nas
seguintes palavras:
Seguindo a orientação dos Tribunais Superiores, com o objetivo de dar
maior efetividade às decisões judiciais, e, tendo em vista a Súmula 378, do
STJ, configurado o desvio de função, o servidor tem direito às diferenças
salariais.
Esta Câmara vinha reiteradamente decidindo que o servidor não tinha
direito ao recebimento de diferenças remuneratórias, tendo em vista que o
desvio de função não gera qualquer direito ao servidor que trabalha nessa
condição.
36
Todavia, consoante entendimento pacífico do STJ e com a Edição da
Súmula 378, na hipótese de desvio de função, conquanto não tenha o
servidor direito a ser promovido ou reenquadrado no cargo ocupado, tem
ele direito à sdiferenças vencimentais devidas em decorrência do
desempenho de cargo diverso daquele para o qual foi nomeado. (RIO
GRANDE DO SUL, 2010b).
No mérito, o relator mostra que restaram comprovados através de
documentos que o autor realmente exerceu durante oito anos a função de Monitor
Penitenciário, transcrevendo as atividades precípuas ao cargo que estão arroladas
na Lei Estadual nº 9.228/91 e reconhecendo que foram essas as atividades
praticadas pelo servidor, finalizando o relator que “...não restam dúvidas no sentido
de que o Ente Público organizou quadro de servidores públicos em desvio de
função, sendo que o autor participou de tal grupo.” (Rio Grande do Sul, 2010b, p. 8).
O
voto
do
desembargador
relator
foi
seguido
pelos
votos
dos
desembargadores Ricardo Moreira Lins Pastl e Agathe Elsa Schmidt da Silva, nos
seguintes termos:
Assim, verificado o efetivo desvio de função, são devidas as diferenças
entre as remunerações de Agente Penitenciário (cargo para o qual o
demandante foi nomeado) e o cargo de Monitor Penitenciário, observada a
prescrição qüinqüenal, restando desacolhido o pedido de nomeação ao
cargo de monitor.
[...] para o fim de condenar o réu ao pagamento em favor do autor das
diferenças salariais existentes entre os cargos de Agente Penitenciário
(cargo para o qual o demandante foi nomeado) e o cargo de Monitor
Penitenciário, por todo o período em que laborou em desvio de função [...].
(RIO GRANDE DO SUL, 2010b).
Como referido no relatório do desembargador presidente, o TJ/RS vem
decidindo conforme as Cortes superiores para que haja uniformização de
jurisprudência. Veremos a seguir e para finalizar o presente trabalho, o que o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente sobre o assunto e como
chegou a tal decisão.
3.2 Análise de jurisprudência no STJ
O STJ editou no dia vinte e dois de abril do ano de dois mil e nove, a Súmula
378, julgada pela Terceira Seção. A referida súmula dispõe que: “Reconhecido o
37
desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” (Brasil,
2010a).
Para chegar a essa súmula, o STJ teve várias decisões anteriores que
acabaram virando julgamentos precedentes, culminando com a pacificação do
assunto. Dentre esses julgamentos estão os Recursos Especiais nº 759.802 – RS
(2005/0099310-9) julgado no dia seis de setembro de dois mil e sete e o de nº
1.091.539 – AP (2008/0216186-9), julgado no dia vinte e seis de novembro de dois
mil e oito, dos quais passaremos a análise.
O primeiro Recurso Especial teve como recorrente a União e como recorrido
a servidora pública. Sua Ementa prescreve:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO
FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO À PERCEPÇÃO DAS
DIFERENÇAS SALARIAIS.
[...]
3. Nas ações em que o servidor busca o pagamento de diferenças devidas
a título de desvio funcional, enquanto não negado o direito, prescrevem
apenas as parcelas vencidas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da
ação, nos termos da súmula 85/STJ.
4. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que,
reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais
dele decorrentes [...] (BRASIL, 2010b).
No seu relatório, o Ministro Arnaldo Esteves Lima colou o acórdão proferido
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que já havia ementado:
[...] 4. Comprovado o desvio funcional, pelo qual a servidora titular do cargo
de agente administrativo desempenhou atribuições inerentes ao cargo de
assistente social, são devidas as diferenças remuneratórias, por todo o
período do desvio, sob pena de locupletamento ilícito da Administração
Pública [...] (BRASIL, 2010b).
O Tribunal manteve a sentença de primeiro grau que julgou procedente a
ação em que a recorrida, servidora pública federal vinculada ao Ministério da Saúde
buscava o pagamento das diferenças de vencimentos entre o cargo de Agente
Administrativo, da qual ela era titular, e o de Assistente Social, que exerceu em
desvio de função de janeiro de 1988 até a sua redistribuição para o Ministério da
previdência, em janeiro de 2001 (BRASIL, 2010b).
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Segundo o relator, restou provado testemunhal e documentalmente pelo
juízo de origem que a servidora realmente exerceu suas atividades em função
desviante, sendo que o próprio Tribunal de origem confirmou a decisão e o STJ não
pode mudá-la pois “infirmar tais fundamentos demandaria reexame do conjunto
probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.” (BRASIL, 2010b). No seu
voto, o Ministro relator utilizando de decisões anteriores do STJ e colacionando
jurisprudências já afirmava que a Corte havia firmado o entendimento de que
quando reconhecido o desvio de função, o servidor tinha direito às diferenças
salariais. Notamos que realmente não demoraria muito para que esse entendimento
fosse sumulado, o que ocorreu dois anos mais tarde que o Recurso Especial ora
analisado. Os outros Ministros que participaram do julgamento, Srs. Napoleão
Nunes Maia Filho, Jane Silva, Feliz Fischer e Laurita Vaz, acompanharam o voto do
Ministro relator.
No segundo Recurso Especial, de nº 1.091.539 – AP (2008/0216186-9),
recorrentes e recorridos foram o Estado do Amapá e a servidora pública, esta última
autora da ação inicial.
A servidora era concursada no estado do Amapá no Cargo de Professora
Classe A, cuja atribuição era ministrar aulas para as turmas de alunos de 1ª a 4ª
séries. Ocorre que em alguns períodos entre os anos de 1996 e 2001, desempenhou
funções típicas de Professora Classe B, cuja atribuição é lecionar para turmas de
alunos de 5ª a 8ª séries. Buscou então na justiça o pagamento das diferenças
salariais que não recebeu do Estado e ao mesmo tempo pediu para que fosse
reenquadrada no Cargo de Professor Classe B.
No relatório (BRASIL, 2010c), a Ministra Maria Thereza de Assis Moura
mencionou que o Juízo de primeiro grau condenou o Estado do Amapá a pagar à
autora as diferenças de vencimentos entre as Classes A e B, com reflexos em férias
e respectivo adicional, gratificação natalina e outras verbas devidas por força de lei,
porém. O próprio Tribunal Federal após as partes recorrerem, manteve a sentença
de primeiro grau em relação às diferenças salariais, porém não reconheceu a
progressão de padrões e o enquadramento da servidora em outro cargo.
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No voto, a Ministra relatora do STJ analisou a questão do desvio de função
e da progressão funcional de maneira muito didática, sendo relevante transcrever o
trecho abaixo:
[...] na hipótese de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito
a ser promovido ou reenquadrado no cargo ocupado, tem ele direito às
diferenças vencimentais devidas em decorrência do desempenho de cargo
diverso daquele para o qual foi nomeado. [...]
Desse modo, considerando-se que cada classe funcional é dividida em
vários padrões, o servidor ocupante de uma determinada classe tem direito
à progressão funcional nos respectivos padrões, que exprimem seu
crescimento funcional na carreira e implicam no aumento de seus
vencimentos.
Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à
promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças
vencimentais decorrentes de exercício desviado, tem ele direito aos valores
correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional,
gradativamente seria enquadrado caso efetivamente fosse servidor daquela
classe, e não aos valores devidos ao padrão inicial. (BRASIL, 2010c).
Por fim, votou a Relatora então dando provimento ao recurso da servidora
pública, voto da qual foi acompanhada pelos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho,
Jorge Mussi, Og Fernandes, Jane Silva, Nilson naves, Laurita Vaz e Arnaldo
Esteves Lima. Da decisão do Recurso Especial em tela, lavrou-se a seguinte
Ementa:
RECURSOS
ESPECIAIS
REPETITIVOS.
ADMINISTRATIVO
E
PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROFESSOR.
DESVIO DE FUNÇÃO. (...) DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO
COM O PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE
OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR CLASSE B. OBSERVÂNCIA
AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
[...]
4. Nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à
promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças
vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores
correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional,
gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela
classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio
constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado [...]
(BRASIL, 2010c).
Como visto, o STJ mudou o entendimento que muitos Tribunais vinham
adotando e com a redação da súmula 378 se dirimiram as dúvidas que porventura
ainda existissem sobre o julgamento do desvio de função. Diante do exposto acima,
notamos que o próprio Tribunal de Justiça gaúcho tem seguido o entendimento
40
adotado pelo STJ e prolatado suas decisões a favor dos servidores que porventura
agiram em desvio de função, reconhecendo que lhe são devidas as diferenças
remuneratórias existentes.
41
CONCLUSÃO
Por fim, após a realização desse estudo monográfico pode-se perceber que o
desvio de função no serviço público ocorre de várias formas, mas pode ser
controlado. Para o bem da Administração Pública brasileira, há vários mecanismos
de combate aos abusos cometidos dentro da esfera administrativa sendo que quem
sai prejudicado não é apenas o servidor, mas a própria população que espera que o
Estado sirva à sociedade de forma transparente e legal.
Todos os servidores ao ingressarem no serviço público possuem garantias e
obrigações que lhe são impostas por lei, para exercerem suas atividades de forma
eficaz. Não importando a forma de ingresso e o cargo que possuem, todos os
funcionários públicos têm suas responsabilidades determinadas para que a máquina
estatal possa funcionar de maneira correta e eficaz. Mesmo assim não é raro existir
as funções exercidas de forma desviante e que mancham a reputação do serviço
prestado pelo Estado.
Por tudo isso, foi muito importante a criação de formas de controle que se
mostram eficazes quando utilizadas para dar um basta aos casos de desvios de
funções existentes. Disso tudo se pode observar que tanto no seio da administração
como externamente através de Tribunais de Contas e pelo Judiciário, as questões
levadas a cabo são resolvidas. Nesse último, as decisões recentes tem demonstrado
que saem ganhando os servidores públicos que recebem seus direitos que foram
abusados de forma retroativa, e até mesmo toda a população do país, que
indiretamente é beneficiada com a organização dentro dos órgãos públicos.
42
O serviço público de qualidade é aquele em que todos os agentes que agem
em nome do Estado estejam desempenhando suas funções da maneira correta, sem
abusos de poder, interesses pessoais ou serviços relapsos. É por isso que a
fiscalização precisa e pode ser feita por todos, tanto na própria esfera administrativa
onde ocorre o desvio de função, como por outros órgãos de controle como Tribunais
de Contas, Judiciário e pela própria população que pode encaminhar suas
reclamações e denúncias aos órgãos competentes.
Além da população ter um serviço público de melhor qualidade, os próprios
servidores que estiverem envolvidos em casos de funções desviantes serão
beneficiados com o cumprimento legal das atribuições que lhe são devidas, pois
poderão exercer seus deveres de forma tranquila e terão os seus direitos
respeitados.
É preciso que haja um engajamento geral de todos os cidadãos do país para
que possamos ter mais eficiência nos serviços prestados à população, afinal esse é
um dos princípios constitucionais da Administração Pública pelo motivo de que quem
está sustentando a máquina pública são aqueles que pagam seus impostos e em
troca recebem os serviços que são prestados pelo Estado.
Quando todos se conscientizarem da importância que tem o respeito às leis
existentes, percebendo que tudo isso trará benefícios de forma geral para toda a
Nação e lutarem pelo fim dos abusos e interesses pessoais na Administração, talvez
poderemos sonhar com o dia em as ilegalidades existentes dentro do serviço público
farão apenas parte da história de nosso país, contadas pelas pesquisas acadêmicas.
43
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