Livro Fundação Cidade Mãe.indd

Propaganda
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA
Mesa Diretora
Presidente
MARCELO NILO
Primeiro vice-presidente
LEUR LOMANTO JÚNIOR
Segundo vice-presidente
ADERBAL CALDAS
Terceiro vice-presidente
CARLOS UBALDINO
Primeiro secretário
J. CARLOS
Segundo secretário
ELMAR NASCIMENTO
Terceiro secretário
ÁLVARO GOMES
Quarta secretária
MARIA LUIZA LAUDANO
Chefe da Assessoria de Comunicação Social
PAULO BINA
Assessor para assuntos de cultura
DÉLIO PINHEIRO
Copyright by Edileide Antonino, Maria Célia Couto Vigas e
Maria de Fátima Peixoto
Direitos desta edição reservados à
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA BAHIA
PRODUÇÃO EDITORIAL
EDITORES: Paulo Bina e Délio Pinheiro
ASSESSOR EDITORIAL: Gelson Barbosa Santana
AUTOR: Equipe do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe
REVISÃO: Elane Braz e Vivian Antonino
PRODUÇÃO GRÁFICA E EXECUÇÃO: Bira Paim - VB art editora
Agradecimentos
Agradecemos a todos que colaboraram e colaboram direta e indiretamente para
a concretização de um Projeto que nasceu da demanda dos educandos atendidos nas
Empresas Educativas, o que foi decisivo da escolha do curso de especialização em Psicopedagogia até a implementação do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade
Mãe em 2005.
Expressamos gratidão e carinho aos que acreditaram, apoiaram e apóiam a intervenção psicopedagógica na Fundação através da implantação do Núcleo de Psicopedagogia: Maria Célia Couto Vigas, integrante da equipe idealizadora, principal incentivadora e com seu empenho e dedicação é a responsável em tornar o Projeto realidade;
Iara Farias e Sydney Nely, ex-presidentes da Instituição, pela confiança na equipe e na
proposta de trabalho apresentada; a Ana Paula Dorea Santos presidente em exercício
da FCM, pelo apoio na continuidade das ações do núcleo e na edição do presente
livro, significando o reconhecimento e a credibilidade do trabalho desenvolvido pelas psicopedagogas; Ana Ariel Pereira Novais, secretária da Gerência de programa e
Projetos Especiais, por ter incorporado a causa do Núcleo e defender a importância do
atendimento psicopedagógico, colaborando para o bom andamento de nosso trabalho.
Á Isa Croesy, Pedagoga/psicopedagoga e assessora chefe da ASSEG da FCM pela cola-
boração nas ações do Núcleo de Psicopedagogia FCM.
Às psicopedagogas que atuam e às que passaram pelo Núcleo de Psicopedagogia,
agradecemos pelo empenho na superação da dificuldade de aprendizagem dos educandos, em especial Cristiane G. Nunes, que esteve presente na elaboração do projeto
e em nossas primeiras ações. Ao educador Júlio Sacramento Cardoso, responsável
pela criação da logomarca no Núcleo de psicopedagogia, que simboliza “um abraço
à construção do conhecimento”, nossos agradecimentos, que estendemos a todos os
educadores, subgerentes das Unidades, gerentes; enfim, a todos os profissionais que
abraçaram o atendimento psicopedagógico e desenvolvem um trabalho de equipe em
prol do desenvolvimento integral do educando. A todos os parceiros que conquistamos ao longo dos anos o nosso “muito obrigada”:
Associação Brasileira de psicopedagogia- Seção Bahia, que desde o início vem nos
apoiando, principalmente nas capacitações dos educadores e da equipe de psicopedagogas ministradas pela presidente, Sra Débora Pereira; assim como pelos convites
para apresentações de nossa experiência na Fundação Cidade Mãe no I e II Fóruns de
Psicopedagogia do Nordeste;
Vereador Odiosvaldo Vigas, pelo movimento em prol da legalização da profissão em
Sessão especial realizada na Câmara dos Vereadores de Salvador, na inserção da psicopedagogia na rede municipal de ensino, e em publicações no Diário Oficial do Município
divulgando a importância da psicopedagogia na luta para a redução do índice de repetência e de evasão escolar e pela busca de patriocínio para a edição do Livro.
Especial agradecimento ao Presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, deputado
Marcelo Nilo, pela viabilização da publicação deste livro.
A Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da Prefeitura de Salvador, Faculdade de Tecnologia e Ciências e demais Instituições que disponibilizam
profissionais em capacitações que contribuem para o nosso crescimento profissional
através de desenvolvimento de temas pertinentes às nossas ações.
Às instituições que ao longo dos anos vem recebendo nossos encaminhamentos
para a realização de atendimento interdisciplinar tão pertinente e necessário.
Enfim, agradecemos de modo especial aos nossos educandos pela confiança. Vocês são: razão e motivação de nossas ações.
Maria de Fátima Barbosa Peixoto
Psicopedagoga, Integrante da equipe idealizadora
e Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia
Introdução
O presente o livro propõe apresentar ao leitor o trabalho desenvolvido pela Fundação Cidade Mãe nas comunidades da Cidade de Salvador (Roma, Saramandaia,
Coutos, Pau da Lima, Canabrava, Bairro da Paz, dentre outras), através das ações desenvolvidas pelo Núcleo de Psicopedagogia. Traz temas pertinentes à prática psicopedagógica e da educação em geral, contribuindo para o estudo de técnicas de atuação,
comportamentos e patologias que interferem na aprendizagem, questões que envolvem família, escola e sociedade no processo de ensino-aprendizagem.
A Fundação Cidade Mãe – FCM foi criada no bojo da municipalização das políticas de atendimento à criança e ao adolescente, assumindo compromisso de seguir as
determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da lei nº 5045
de 17 de agosto de 1995, passando a ser uma entidade com personalidade jurídica de
direito público, vinculada à Prefeitura Municipal de Salvador, através da Secretaria de
Trabalho, Ação Social e Direitos do Cidadão, e que há 15 anos vem trabalhando para a
superação do quadro de desigualdade social.
A Fundação compreende a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, a
educação como uma prática de liberdade, além do respeito à individualidade dos que
são protagonistas e que estão em processo de desenvolvimento pleno da cidadania.
Por ter como eixo principal a Formação para a Cidadania procura construir com
os educandos uma compreensão de si e de seu papel na sociedade, fortalecendo os vínculos familiares e comunitários, através da sua proposta pedagógica que complementa
a educação formal dos educandos.
A sua intervenção possui duas frentes de trabalho: política de proteção básica
atendendo crianças e jovens de 08 a 23 anos e Política de Proteção Especial em Média
e Alta Complexidade com crianças e adolescentes de 08 a 17 anos.
A intervenção preventiva ocorre fundamentalmente nas Empresas Educativas localizadas em Saramandaia, Pau da Lima, Coutos, e Roma, e nas Unidades em Parceria
do Bairro da Paz, Cristo é Vida, Canabrava e AABB Comunidade através de oficinas
culturais, de caráter lúdico pedagógico, como artes visuais, dança, capoeira, esporte
e lazer, música e teatro, além das oficinas de iniciação profissional - manutenção e
operador de computador, mensageiro, costura industrial, horta /jardinagem, educação
ambiental e assistente de cabeleireiro.
Já o trabalho na área de proteção especial acontece nas Casas de Acolhimento Noturno - Oxum e D. Timóteo, ambas destinadas a crianças e adolescentes em situação
de rua; o Espaço Cidadania Solidária onde são encaminhados as crianças e os adolescentes até 14 anos durante o dia com o intuito de desenvolverem atividades lúdicas pedagógicas onde se busca a reconstrução do vínculo familiar. Outro trabalho na citada
área é realizado na Central de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto para acolher
e acompanhar adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade
assistida, reparação de danos e prestação de serviços à comunidade.
Ainda na mesma linha de proteção especial a Fundação Cidade Mãe possui a Casa
de Acolhimento Sam e Jô, que tem como objetivo assegurar às crianças e adolescentes
do sexo feminino, vitimas de exploração sexual para fins de tráfico, maus tratos violência doméstica, o acolhimento institucional provisório e a proteção necessária para
a garantia dos direitos estabelecidos pelo ECA e nos princípios do Plano Nacional de
Convivência Familiar e Comunitária, e o Abrigo José Peroba que promove o acolhimento institucional de 40 crianças e adolescentes.
A Fundação Cidade Mãe pelo seu caráter inovador acreditou na proposta da criação do Núcleo de Psicopedagogia, que, inicialmente, em 2005 implantou um projeto
piloto na Parceria AABB Comunidade, para atender a demanda de educandos que
apresentassem dificuldades de aprendizagem, propiciando diagnóstico e atendimento
psicopedagógico com procedimentos individuais e/ou em grupo para crianças e adolescentes atendidas pela Instituição.
Vinculado a Gerencia de Programas e Projetos Especiais desde sua implantação
o atendimento psicopedagogico vem apresentando resultados significativos, o que
propiciou a ampliação do serviço de forma gradativa e a partir de 2008 encontra-se
disponibilizado em todas as Unidades Educativas da Fundação Cidade Mãe, atendendo 100% dos educandos encaminhados para o Núcleo de Psicopedagogia, totalizando
assim, 8.404 atendimentos entre os anos de 2005 a 2009.
Dentre os principais objetivos do Núcleo de Psicopedagogia, destacamos:
Realizar atendimento psicopedagogico, através de diagnóstico e tratamento de
problemas de aprendizagem e atraso escolar para as crianças e adolescentes;
Despertar no educando o desejo e o prazer de aprender;
Colaborar para a redução do índice de repetência e evasão escolar;
Garantir a inserção social e o exercício da Cidadania aos educandos e seus familiares a partir de seu desenvolvimento cognitivo;
Desenvolver trabalhos integrados que envolvam a família, a escola e a sociedade,
acerca de questões relevantes que permeiam a aprendizagem.
Ao longo desse período o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Psicopegogia da
FCM vem mostrando a importância das ações desenvolvidas pela equipe e os avanços
observados nos educandos através dos registros de acompanhamento psicopedagógico implantados nas Unidades. Isto posto, a equipe de profissionais do Núcleo sentiu-se
motivada a sistematizar as experiências vividas em cada Unidade Educativa.
A apresentação dos artigos que compõem este Livro possui temas pertinentes à
prática diária da psicopedagogia e relatos de experiências significativas, êxitos e os
desafios enfrentados desde a implantação do Núcleo.
Ana Ariel Pereira Novais
Maria de Fátima Barbosa Peixoto
Meyre Russi Cardoso Soares
Maria Célia Couto Vigas
Sumário
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA E INSERÇÃO SOCIAL.....................................13
Flaviane Farias Sudário Pereira
Mª de Fátima Barbosa Peixoto
BRINCAR E APRENDER: DUAS ARTES, UM CAMINHO ....................................23
Ana Rita Santana de Araújo
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA PARA A PSICO
PEDAGOGIA...................................................................................................................29
Laudiceia Vaz de Queiroz
PSICOPEDAGOGIA: UMA ESCUTA AO JOVEM EM CUMPRIMENTO DE
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ....................................................................................37
Edileide Maria Antonino da Silva
PSICOPEDAGOGIA “UMA VIA” PARA OS ADOLESCENTES EM CUMPRI
MENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO....................47
Jucélia de Jesus Machado
Layne Lisboa e Silva
Rita Matos
Sandra Carla O. Santos
UM OUTRO OLHAR: AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM .............................55
Margareth S.Cerqueira
FAMÍLIA X ESCOLA ...................................................................................................63
Patrícia Rodrigues da Conceição
TERAPIA COMUNITÁRIA: INSTRUMENTO DA ESCUTA DA PSICOPEDA
GOGIA ........................................................................................................................ 111
Edileide Maria Antonino da Silva
Maria Célia Couto Vigas
TDAH, UM CASO DE CARÊNCIA DE ATENÇÃO ............................................. 121
Maria Jane Argolo C. Branco
UM NOVO APRENDIZADO, UM OLHAR NEURODIDÁTICO ...................... 133
Lêda Lisboa Cosme
Fundação Cidade Mãe
1
Atuação psicopedagógica
e inserção social 1
Flaviane Farias SudarioPereira 2
Maria de Fátima Barbosa Peixoto 3
1.1 - Primeiras palavras
A escrita deste artigo constitui uma iniciativa de reflexão sobre a atuação do psicopedagogo em espaços de aprendizagem, cujo público alvo são jovens (crianças e
adolescentes) em situação de risco pessoal e social. Neste texto, compreende-se que é
impreterível que a práxis psicopedagógica com jovens em situação de vulnerabilidade,
tenha como eixo principal a formação para a cidadania plena. Posto isto, cabe a indagação: Como a psicopedagogia pode ser um efetivo instrumento de inserção social,
garantindo a estes jovens, a autoestima, a alegria, o gosto ou o desejo pela aprendizagem? Na tentativa de obter uma resposta, no decorrer deste artigo realizar-se-á uma
síntese acerca da experiência do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe.
O Núcleo de Psicopedagogia como ampliação das ações da Fundação Cidade Mãe,
surge para atender à demanda de dificuldade de aprendizagem, realidade de parte
significativa dos educandos, propiciando diagnóstico e atendimento psicopedagógico
com procedimentos próprios desta área de conhecimento, de modo individual e/ ou
em grupo para crianças e adolescentes atendidas pela Instituição.
Historicamente o ensino de qualidade e o conseqüente sucesso escolar sempre foi
privilégio de poucos em detrimento da maioria da população. Diante deste fato, neste
texto, parte-se do pressuposto de que a psicopedagogia é uma área de estudo atual e
necessária para o enfrentamento da inclusão perversa disfarçada sob o discurso da
universalização do ensino e da educação para todos.
Artigo apresentado ao Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe no ano de 2010.
Pedagoga (UCSAL), psicopedagoga (UFBA), mestranda educação (UFBA) e professora da SECULT.
3
Socióloga (UFBA), psicopedagoga (UFBA), Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe e professora da SEC.
1
2
13
Ação Psicopedagógica
As políticas educacionais têm se voltado para a ampliação da oferta escolar.
Schilling (2009, p.9) afirma que “[...] conseguimos nestes últimos anos, pela primeira
vez em nossa história, que praticamente todas as crianças sejam acolhidas no ensino
fundamental”. Portanto, o acesso ao ensino, é um fato indubitável e, sobretudo condizente com o discurso democrático; contudo, cabe averiguar sob quais condições este
acesso tem sido ofertado, haja vista que também é fato que a conjuntura atual apresenta uma vasta demanda de sujeitos implicados com o baixo rendimento escolar. De
acordo com as estatísticas divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatistica):
[…] observa-se que ainda há um percentual considerável de crianças com
defasagem de aprendizado para a idade. Por exemplo, a idade adequada
para a alfabetização é em torno de 6 anos, porém 7,8% das crianças chegam
aos 9 anos de idade sem saber ler e escrever [...] em termos absolutos, havia
cerca de 270 mil crianças nesta situação. Mais da metade delas, cerca de 167
mil residia na região Nordeste, onde o percentual de crianças analfabetas é
bastante alto, 15,8%. (INDICADORES SOCIAIS, 2009, p.138)
Conforme a síntese dos Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE no ano de 2009,
há 2,1 milhões de crianças que não sabem ler, e, desse total, quase 90% estão na escola. A maioria dos estudantes atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia da Fundação
Cidade Mãe, integra, ainda, este percentual. Muitos vivenciam carências sócio-econômicas, residem com a família e estão matriculados na escola.
O exercício de pensar sobre o trabalho psicopedagógico voltado para o atendimento do “sujeito” que vivencia situações adversas e coexistentes ao processo de aquisição
do conhecimento requer conceituar e situar a psicopedagogia enquanto saber científico; nesta trilha, respaldadas em estudiosos da área, como por exemplo, BOMBONATTO (2008), BOSSA (2000), PARENTE (2000), nas linhas subseqüentes discorreremos,
de forma sucinta, sobre a origem desta área de estudo.
1.2 - Em busca de um conceito e de um lugar
A Psicopedagogia é uma área de conhecimento recente voltada para o atendimento
de crianças/ adolescentes (e por que não adultos?), que por razões diversas, apresentam dificuldades na aprendizagem.
Recente no país, a Psicopedagogia completa a terceira década de existência
14
Fundação Cidade Mãe
no Brasil e sexta na Europa, mas continua em busca de identidade, em meio
a discussões, entrelançando teoria e prática para lidar com o ato de aprender. (BOMBONATTO, 2008, p. 70)
A priore, esta área de conhecimento, surge marcada por um olhar organicista e
“patologizante” acerca da dificuldade de aprendizagem, com o objetivo de “reeducar”
as crianças “ditas deficientes”. Posteriormente, passou a focar nas variáveis (meio social, fatores psíquicos, etc) que interferem no processo de aprendizagem. A partir deste
foco, primordial passou a ser a investigação da etiologia dos problemas de aprendizagem, dos fatores implícitos e explícitos vinculados a este processo. Desta forma, o
espaço de atuação do psicopedagogo, que no princípio limitava-se às clínicas, se “estendeu” às instituições escolares.
De acordo com pesquisa bibliográfica sobre o histórico evolutivo da psicopedagogia, a mesma “nasce” no continente Europeu, na França, precisamente no século
XIX. Conforme Bossa (2000), as práticas psicopedagógicas iniciais foram realizadas
por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, psicanalistas e
pedagogos. Esta atuação se expandiu por diferentes países, chegando à Argentina,
tornando-se neste país uma atividade bastante conhecida e exercida, também, na rede
pública de ensino.
Sob a influência do país latino-americano supracitado, a Psicopedagogia surge no
Brasil, por volta de 1970;
No final da década de 70 e inicio da de 80, a Psicopedagogia importada da
Argentina [...] se apresenta como resposta aos anseios de profissionais que
buscavam estabelecer pontes entre as vertentes de formação e atuação, nos
campos da Educação, da Psicologia e da Psicanálise. (PARENTE, 2000, p.20)
Na década de 80 foi criada a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), com
sede em São Paulo; e atualmente, o desafio da Psicopedagogia no Brasil é concluir o
processo de regulamentação da profissão e ampliar seu espaço de atendimento.
Tratando-se de um campo de estudo em vias de reconhecimento legal; porém reconhecida pela sociedade brasileira; tornou-se impreterível que o psicopedagogo sustente e exerça sua práxis de forma eficiente no que se refere à minimização e/ou superação
das dificuldades que o ser humano apresenta durante a aprendizagem na sua trajetória
de vida e em qualquer situação, posto que:
15
Ação Psicopedagógica
Apesar de não ser uma profissão regulamentada no Brasil, a Psicopedagogia
foi legitimada por diversos setores da sociedade, sendo aceita por segmentos que compõem a educação básica e trouxe como conseqüência a ampliação de seu alcance social. (BOMBONATTO, 2008, p. 73)
Retomando a questão reflexiva proposta inicialmente, pode-se responder que o
psicopedagogo contribui para a inserção social dos jovens em situação de risco pessoal
e social ao trabalhar com as habilidades apresentadas pelos mesmos e ao possibilitar
o reconhecimento do potencial que eles possuem, mas que muitas vezes foram negligenciados nos mais diversos ambientes, como por exemplo, na escola, no bairro, na
família, etc. Vejamos a seguir, uma síntese de como esta contribuição ocorre a partir
do atendimento realizado pelo Núcleo de Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe.
1.3 - Abrangência e limites do atendimento psicopedagógico na
Fundação Cidade Mãe (FCM).
Os contextos de atuação do psicopedagogo são amplos... O mesmo pode exercer
uma práxis preventiva, clínica e ainda como pesquisador. A ação preventiva tem lugar
garantido nas Instituições de ensino; a clínica por sua vez foca no aspecto “curativo” e
enquanto pesquisador contribuirá para o reconhecimento da profissão. Os ambientes
podem ser além da escola, um hospital, uma empresa, um espaço dialógico; no nosso
caso é a Fundação Cidade Mãe, a partir da implantação do Núcleo de Psicopedagogia
no ano de 2005.
Criada no bojo da municipalização das ações políticas de atendimento à criança e
ao adolescente, assumindo o compromisso de seguir as determinações do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, a FCM ao longo de sua história tem desenvolvido
uma ação educativa voltada para o atendimento de crianças e adolescentes que se encontram em vulnerabilidade social; seu objetivo é possibilitar a promoção do exercício
pleno da cidadania. Nessa perspectiva o Núcleo de Psicopedagogia, surgiu com o propósito de contribuir com o desenvolvimento integral destes jovens.
O trabalho realizado pelo Núcleo de Psicopedagogia fundamenta-se nos estudos
dos teóricos, Piaget, Wallon, Vygotsky, entre outros, que contribuem primordialmente
para a compreensão dos problemas de aprendizagem. Piaget, biólogo de formação e
psicólogo que estudou o desenvolvimento cognitivo, oferece instrumentos que ajudam
a compreender não apenas o desenvolvimento da inteligência mas, também o compor-
16
Fundação Cidade Mãe
tamento e a personalidade do sujeito.
Vygotsky, psicólogo russo, elaborou uma teoria do desenvolvimento intelectual,
sustentando que todo o conhecimento é construído socialmente no âmbito das relações humanas. O médico/psicólogo Henri Wallon, por sua vez, contribue com sua ênfase no papel da emoção no desenvolvimento do sujeito e propõe o desenvolvimento
intelectual dentro de uma cultura mais humanizada; o mesmo percebe a pessoa como
um todo e considera os aspectos emocionais no ambiente escolar.
As crianças e adolescentes que são atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia, na
sua grande maioria, são jovens que tem os aspectos emocionais comprometidos, a auto-estima baixa e que não são acolhidos pela instituição familiar nem tampouco pela
instituição escolar. São sujeitos que vivem em situação financeira desfavorável, com
uma alimentação inadequada e desprovida de direitos básicos, como por exemplo: a
saúde, ao lazer, ao ensino de qualidade, entre outros. Em contrapartida, esses jovens,
encontram-se inseridos num universo marginalizado que os tornam vulneráveis à criminalidade e à inserção no mundo do consumo e/ou do tráfico de drogas.
Tendo em vista o contexto social descrito acima; o Núcleo de atendimento psicopedagógico entende que há um desafio a ser alcançado: ser efetivo instrumento de
inserção social. Numa perspectiva walloniana, o Núcleo utiliza a afetividade como recurso de aproximação e mediação; desta forma contribui para o desenvolvimento do
aprendizado e auxilia no que diz respeito aos aspectos emocionais e cognitivos.
Vale salientar que, o exercício de aproximação e mediação entre os sujeitos (psicopedagogo x sujeito-aprendente) é permeado, inicialmente, por muita rigidez e pelo
sintoma “não preciso estar aqui”... Contudo, no transcorrer das sessões, percebe-se a
diluição da resistência inicial por parte do sujeito em atendimento e uma conseqüente
elevação da autoestima. A respeito deste fato, COVRE (2007) compartilha:
De forma parecida, na clinica do social encontro a mesma rigidez a ser
elaborada. Inúmeros adolescente desvalidos, quando “fogem”, dizem: não
preciso do abrigo, da oficina, contudo depois de horas ou dias, geralmente regressam ao abrigo, pedindo para ficar. Eles têm de “suportar” alguma
“família”, precisam de um Outro para se refletir (e ser olhado). Precisam
outrar-se para existir (...) Existimos, lembrando Freud e Lacan, pelo desejo
do Outro. [...] (COVRE, 2007, p. 51)
Durante a prática psicopedagógica, outro recurso relevante é a escuta sensível, pois
é neste momento que é possível perceber as demandas e os entraves apresentados pelo
17
Ação Psicopedagógica
sujeito. A psicopedagogia absorve da psicanálise a modalidade da escuta porque compreende que o discurso do sujeito pode revelar a sua verdade, a sua subjetividade, o
que lhe falta e, sobretudo a sua querência4 . Neste percurso, compreendemos que:
A interpretação do discurso não pode ser feita sem levar em conta o nível
da realidade, pois é a realidade é a prova; sem levar em conta a dimensão do
desejo, que é a sua aposta; sem levar em conta sua modalidade simbólica,
que lhe dará sua paixão” (PAÍN, apud FERNANDEZ, 1991, p.233)
A utilização dos jogos, da mesma forma que a escuta mencionada, é um instrumento que ajuda no enfrentamento das dificuldades, possibilitando novos conhecimentos e o desenvolvimento de diversas habilidades. Durante o manejo deste recurso,
é oportuno ressaltar que:
A maneira como uma criança brinca ou desenha reflete sua forma de pensar
e sentir [...] mostrando, quando temos olhos para ver, como está se organizando frente a realidade, construindo sua história de vida, conseguindo
interagir com as pessoas e situações de modo geral. A ação da criança ou de
qualquer pessoa reflete enfim sua estruturação mental,o nível de seu desenvolvimento cognitivo e efetivo emocional. (OLIVEIRA, BOSSA, 1994, p.23)
O momento do jogo permite desenvolver no sujeito o pensamento lógico formal,
trabalhar a ansiedade, desenvolver a autonomia, aprimorar a coordenação motora, aumentar a atenção e a concentração, desenvolver a criatividade, compreender noções de
limites, a compreensão no que concerne ao respeito, à ética, etc.
A hora do jogo psicopedagógica supera a dicotomia testes projetivos – testes
de inteligência, e principalmente ajuda a observar em seu operar, aqueles
aspectos que tradicionalmente foram estudados de forma isolada e somente
em seus produtos (através dos testes de performance, de psicomotricidade,
de maturidade visomotora, de dominância lateral, etc.). A hora do jogo permite observar a dinâmica da aprendizagem. (FERNÁNDEZ, 1991, p 168).
As crianças e adolescentes que são atendidos pelo Núcleo de Psicopedagogia da
Fundação Cidade Mãe, à medida que vivencia situações de aprendizagem significativas revelam seu potencial intelectual, bem como as dificuldades que se apresentam
no seu processo de ensino-aprendizagem... É neste revelar e neste desnudar que os
Esta terminologia foi empregada no sentido de elucidar que os jovens que atendemos, como todos os outros, também querem... Querem um
ensino de qualidade, atenção, acolhimento, oportunidades iguais... Enfim, querem ser cidadãos
18
Fundação Cidade Mãe
mesmos são estimulados, reconhecidos, acolhidos e desta forma elevam a autoestima,
o desejo e o prazer pelo aprender.
Através dos jogos, do desenho, da escuta, entre outros recursos, os jovens evidenciam as suas experiências, relatam o seu contexto, falam de si. Utilizando-se dos recursos supracitados, o psicopedagogo elabora hipóteses acerca das possíveis causas
concernentes às dificuldades de aprendizagem, bem como planeja estratégias de intervenção. Neste viés, o mesmo apresenta outros caminhos possíveis a serem seguidos e
outras experiências a serem vivenciadas pelos jovens; para tanto, a atuação psicopedagógica precisa ser, sempre, bem direcionada no sentido de contribuir para que cada
um, a partir de suas especificidades, aprenda a aprender, aprenda a ser, a conhecer, a
fazer, a conviver e desenvolva a sua autonomia.
A prática psicopedagógica exige do profissional conhecimento interdisciplinar que
possibilite compreender as particularidades do aprender e do desenvolvimento integral do sujeito. Dada à amplitude de seu quadro teórico, a Psicopedagogia uma vez
fundamentada em áreas como a Medicina, Pedagogia, Fonoaudiologia, Neurologia,
Psicologia, Psicanálise, dentre outras, apresenta um corpo teórico específico fortificado e articulado que possibilita compreender como as pessoas aprendem diante das
experiências vivenciadas no seu cotidiano.
Ciente de seus limites de atuação, atentando para uma práxis em parceria com outros profissionais, realizando os devidos encaminhamentos que se fizerem necessários,
o psicopedagogo deve ser um profissional habilitado para atuar junto à aprendizagem humana, observando as dimensões (desiderativa, heurística, relacional, cognitiva, dentre outras) do sujeito aprendente; entretanto, tratando-se da experiência na
instituição mencionada (FCM), uma das principais dificuldades perpassa pela inexistência de uma rede devidamente estruturada para realização de um atendimento
interdisciplinar.
Um dos cruciais problemas para a prática psicopedagógica voltada para o atendimento de jovens em situação de risco pessoal e social, tem sido a negligência da família e da escola, bem como o fato de ambas não terem urgência em sanar o problema
diagnosticado. Diante disto, o nosso atendimento não se limita a apontar a causa ou
as causas capazes de justificar a não aprendizagem; corroborando Fernández (1991, p.
39), “o que tentamos encontrar é a relação particular do sujeito com o conhecimento e
o significado do aprender”. Assim, em todo momento, valendo-se da ética, atentamos
para não rotular no sujeito em atendimento, problemas que podem ser da escola ou
19
Ação Psicopedagógica
da própria família.
Diante do exposto, compreende-se, que a psicopedagogia, enquanto instrumento
efetivo de inserção social precisa exercer uma práxis em parceria com as mais diversas
áreas do conhecimento e que é impreterível a existência de uma rede de profissionais
que compartilham com a idéia de que:
O aluno que não consegue aprender é a singularidade que cobra um espaço
de realização que lhe foi negado, ou rejeita o lugar de “fracasso” que lhe foi
dado. É aquele que denuncia uma exclusão na escola-reflexo, muitas vezes,
da exclusão que também sofre na sociedade – ou a sua inclusão nesse lugar
de fracasso. Sua singularidade é, pois, o resultado de uma história de exclusão/inclusão, que marca a sua trajetória de “ser social”, que não está desatrelada de sua trajetória enquanto “sujeito”. (SOARES, 1999. p.20)
Neste itinerário, o psicopedagogo ao lidar com o sujeito aprendente, utiliza-se do
olhar e da escuta clínica, possibilitando a conscientização de que diversas questões
estão implícitas no não aprender, reconhecendo o jovem em situação de risco social e
pessoal como um sujeito biopsicossocial marcado por uma falta.
1.4 - Considerações finais
Sabe-se que hoje, a Psicopedagogia vem construindo seu corpo teórico principalmente por meio da integração entre Psicanálise e Epistemologia Genética, que tentam
explicar os problemas de aprendizagem que podem surgir no decorrer da trajetória
escolar de uma criança.
Ao refletir sobre o desenvolvimento cognitivo e a construção do conhecimento,
detectando o que pode estar ocorrendo com o sujeito aprendente de uma maneira
mais profunda e singular, objetivando alcançar o cerne das questões que, por ventura
venham impossibilitar a sua aprendizagem; a psicopedagogia ao longo de sua história
tem se fortalecido com o desafio de aprimorar sua atuação e de ampliar seu atendimento em progressão exponencial.
A busca pelas causas do não aprender e da forma como cada sujeito aprende é o
caminho percorrido pela psicopedagogia para, através da mediação possibilitar que
os sujeitos em processo de aprendizagem possam transpor os limites que os rodeiam,
ao favorecer a construção de habilidades que propiciam a superação de limites, sejam
de ordem cognitivo, emocional, familiar ou educacional. Posto que, ao desencadear o
20
Fundação Cidade Mãe
desenvolvimento da autonomia, da criatividade/curiosidade e principalmente ao despertar o desejo em aprender e a elevação autoestima os alunos trilharão caminhos com
menos dificuldades em questões relacionadas à aprendizagem como em qualquer tipo
de atividade.
Em última instância, esse artigo não pretendeu encerrar uma discussão sobre o
tema aqui discorrido,nem tampouco apontar situações determinantes do problema
de aprendizagem, mas objetivou contribuir para uma reflexão em torno da atuação
psicopedagógica compromissada com o exercício da aprendizagem consciente e do
desenvolvimento do sujeito como um todo, em todas as suas dimensões e relações
sociais, sobretudo daqueles em situações de risco social e pessoal.
1,5 - Referências
ALVES, Maria Dolores Fortes; BOSSA, Nádia. Psicopedagogia: em busca do
sujeito autor. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.
asp?entrID=809> Acesso em Mar. 2010.
BOMBONATTO, Quézia. O que está por vir: Revista Ciência e vida: Psique edição
especial. São Paulo. n 2, p. 68-74. Ed. Escala. 2008.
BOSSA, Nádia. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática.
2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. Aprendizagem/Formação, narcisismo e cidadania-em-constituição. In: PINTO, Silvia Amaral de Mello. (Coord.). Psicopedagogia
Um portal para a inserção social. 3 ed. Petrópolis. RJ: Vozes, 2007, p. 49 – 56.
FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência aprisionada. Trad. Iara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
OLIVEIRA, Vera Barros.; BOSSA, Nádia. (Orgs.). Avaliação psicopedagógica da
criança de zero a seis anos. Petrópolis: Vozes, 1994.
PARENTE, Sônia Maria B. A. Pelos Caminhos da Ignorância e do conhecimento:
Fundamentação Teórica da Prática Clínica dos Problemas de Aprendizagem.São Pau-
21
Ação Psicopedagógica
lo: Casa do Psicólogo, 2000.
SOARES, Jacy. O avesso da pedagogia: retomando o discurso da subjetividade pela
via da psicanálise. Salvador, EDUFBA, 1999.
SCHILLING, Flávia. Indisciplina, violência: debates e desafios. Revista educação:
violência e indisciplina. São Paulo. n. 1, p. 6-17. Ed. Segmento. 2009.
Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população
brasileira 2009. IBGE. Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/arquivos/indicasociais2009.pdf> acesso em Abr. 2010.
22
Fundação Cidade Mãe
2
Brincar e aprender:
Duas artes, um caminho
Ana Rita Santana de Araújo 1
Brincar é um hábito saudável, e aprender, um ato necessário. Desde a mais tenra
idade, a criança brinca e aprende, e o lúdico, que faz parte das atividades essenciais da
dinâmica humana, estará presente em todas as fases do seu processo de desenvolvimento, contribuindo na construção de novos saberes.
A expressão lúdico tem sua origem na palavra latina ludus, que significa jogo. A
infância é a fase em que a criança apresenta necessidade de se movimentar, de brincar,
de competir. É brincando que ela se diverte, constrói seu conhecimento e aprende a
se relacionar com outras pessoas. Através das brincadeiras, desenvolve-se o senso de
companheirismo, pois quando a criança tem contato com o meio, a aprendizagem
torna-se algo mais prazeroso e significativo. Segundo Maluf (2009, p.8), brincando
individualmente ou em grupos, vivemos experiências que enriquecem a nossa sociabilidade e a nossa capacidade de nos tornarmos mais criativos.
O jogo é uma das mais importantes atividades da infância, pois a criança necessita
brincar, jogar, criar e inventar para manter seu equilíbrio com o mundo. Segundo Piaget (1967), citado por Campos (2006).
...o jogo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para
desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e moral. Através dele se processa a construção de conhecimento, principalmente nos períodos sensório-motor e pré-operatório.
Piaget (1945) também afirma que, durante o processo de desenvolvimento da
criança, são construídas quatro estruturas de jogos: a de exercício, de regras, simbóli1
Pedagoga formada pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de
Curitiba- FACINTER, e Gestão Educacional - Universidade Salvador – UNIFACS, Gestora da Rede Municipal de Salvador; Psicopedagoga da
Fundação Cidade Mãe.
23
Ação Psicopedagógica
co e de construção. Assim, a criança aprende a conviver, a ganhar e a perder, a esperar
a vez, elevando a autoestima, desenvolvendo relações de confiança consigo mesmo e
com os outros, motivando assim seu desejo de aprender.
As brincadeiras e os jogos despertam a atenção e a curiosidade, e é muito bom
quando estes brinquedos podem explorar mais que o lazer, sendo elementos enriquecedores na promoção da aprendizagem, pois é no jogo que a criança encontra apoio
para superar possíveis dificuldades para aprender. Quando joga, além do sentimento
de alegria e motivação, ela exercita sua coordenação motora por controlar simultaneamente movimentos manuais e visuais; tem estimulado o seu crescimento, o desenvolvimento da fala e da escrita, a organização do pensamento, o levantamento de
hipóteses nos lances ou jogadas, potencializando sua percepção que, por conseqüência, a auxilia na superação de obstáculos tanto cognitivos quanto emocionais, além de
propiciar um ambiente agradável, envolvente e de descontração.
A criança está o tempo todo aprendendo e a aprendizagem resulta da interação
entre estruturas e o meio que necessita ser compreendido. Nas atividades lúdicas, a
criança constrói relações e esquemas que permanecem além do prazer que esta aprendizagem possa proporcionar. Sabendo que toda criança gosta de brincar, no âmbito
educacional o lúdico tem se apresentado como um dos recursos metodológicos bastante utilizados pelos professores como facilitador do processo ensino-aprendizagem.
Os métodos tradicionais estão cada vez menos atraentes, e sendo a escola a instituição
responsável direta pela educação formal, esta deve ser para o educando um espaço
agradável, alegre, impulsionador da interatividade, do diálogo aberto e, enfim, um lugar cuja intenção seja motivá-lo ao aprendizado.
A nova geração de educandos sente a necessidade de participar, questionar e atuar
mais como seres que precisam desenvolver suas potencialidades; não aceita passivamente e sente-se incomodada com aulas meramente expositivas e com conteúdos desarticulados. Pensar uma prática pedagógica a partir de atividades lúdicas nos conduz
a pensar em transformações efetivas nesse contexto, considerando que esse instrumento viabiliza e favorece a aquisição do conhecimento em perspectivas e dimensões
que perpassam o desenvolvimento do educando na promoção da aprendizagem.
A educação pela via da ludicidade propõe-se a uma nova postura existencial, cujo paradigma é um novo sistema de aprender brincando inspirado
numa concepção de educação para além da instrução (SANTOS, 2001, p.
53) .
24
Fundação Cidade Mãe
Segundo Lopes (2005, p 23), é muito mais fácil e eficiente aprender por meio de
jogos, desde o maternal até a fase adulta. O jogo em si já possui componentes do cotidiano e o envolvimento desperta o interesse do aprendiz, que se torna sujeito ativo
do processo. Brincando e jogando, a criança aplica seus esquemas mentais à realidade
que a cerca, aprendendo-a e assimilando-a. Maluf (2009, p.11) afirma que as brincadeiras proporcionam converter crianças em adultos maduros, com grande imaginação
e autoconfiança.
2.2 - O jogo como recurso didático
Aprender brincando deveria ser uma proposta de todos aqueles que adotam dinâmicas como estratégia para tornar mais interessante e significativa a sua forma de
ensinar. É importante que o espaço de aprendizagem seja de desenvolvimento da criatividade, responsabilidade, senso crítico e autonomia. Embora o jogo seja um recurso
didático importante e indispensável no processo de ensino-aprendizagem, cabe a ressalva que este não deve ser o único nem ter um fim em si mesmo, pois a boa aprendizagem se dá em um ambiente onde há iniciativa, discussão, troca de experiências e
socialização do conhecimento.
Além das atividades comuns previamente planejadas pelo professor para sua rotina diária em sala de aula, o jogo se apresenta como mais um dos instrumentos de
trabalho na promoção desse processo. Todavia, é preciso que haja uma definição e
uma experienciação antecipada por ele de qual jogo será adotado, quando será utilizado e que objetivo deseja atingir na aplicação de tal recurso, pois todo jogo tem como
característica principal o desafio e assim sendo, este deve ser instigado a fim de desenvolver nos educandos várias de suas habilidades, elevando o interesse, o entusiasmo,
a participação e, sobretudo, o aprendizado, não esquecendo que o lúdico além de ser
uma importante ferramenta de progresso pessoal é também de alcance de objetivos
institucionais.
2.3 - A pedagogia da fundação cidade mãe
A proposta sócio-educativa da Fundação Cidade Mãe, dentre muitas de suas ações
voltadas para atender crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, visa a oferecer
oficinas culturais e cursos profissionalizantes que promovam, dentre outros objetivos,
25
Ação Psicopedagógica
o desenvolvimento físico, cultural e educacional à comunidade assistida.
Os educandos matriculados nas oficinas culturais de artes, de dança, teatro, esporte, capoeira entre outras também recebem apoio pedagógico nas áreas do conhecimento de Língua Portuguesa e Matemática, na FCM denominadas aulas de Comunicação,
Números e Cálculos. As atividades realizadas neste apoio apresentam-se diferentes
daquelas comumente desenvolvidas em sala de aula das escolas formais. A prática pedagógica aplicada baseia-se na utilização de dinâmicas, atividades lúdicas com jogos,
músicas e brincadeiras que estimulam a integração, socialização e a aprendizagem de
forma prazerosa. É importante ressaltar as mudanças significativas no processo de
construção do conhecimento dos educandos quando descobrem potencialidades até
então ainda não despertadas.
Além dessas ações e, buscando construir uma equipe multidisciplinar que acolha,
eleve a auto-estima e ofereça condições de melhoria no desenvolvimento cognitivo e
intelectual desses educandos, a FCM tem constituído um núcleo de psicopedagogia
que atua nas empresas educativas e nas casas de acolhimento. A prática psicopedagógica aplicada tem auxiliado crianças e adolescentes a superarem suas dificuldades, viabilizando e otimizando o processo de aprendizagem. As atividades realizadas nas sessões
de atendimento, tanto no processo de avaliação quanto na intervenção, utilizam-se de
jogos educativos que atraem e despertam o interesse, a atenção e a participação individual e/ou em grupos dos educandos da instituição.
A adoção dos jogos educativos dá-se através do diagnóstico realizado de cada educando. Tendo-se conhecimento da dificuldade apresentada em cada um deles, faz-se a seleção do jogo que melhor contribua na superação do problema diagnosticado.
É interessante dizer que muitas dessas dificuldades estão diretamente relacionadas à
construção das habilidades básicas ainda não bem desenvolvidas no processo de educação formal.
Visando a aprimorar e enriquecer a qualidade dos atendimentos prestados, a FCM
está implantando brinquedotecas em suas unidades educativas que muito auxiliarão
nos trabalhos educacionais oferecidos. É notório que os jogos clássicos como dominó,
dama, ludo, trilha, quebra-cabeça, lego, da memória, senha, entre outros, aguçam a
curiosidade, a competitividade, a percepção, a coordenação motora, o desafio, o raciocínio lógico e rápido dentre outros aspectos e, assim sendo, contribui no processo
de construção de uma aprendizagem que se torna mais significativa quando alicerçada
em atividades lúdicas e prazerosas. Os jogos de regras, por exemplo, são excelentes
26
Fundação Cidade Mãe
aliados da aprendizagem matemática. Segundo Macedo (1997, p 134), o jogo de regras
possibilita à criança construir relações quantitativas ou lógicas: aprender a raciocinar,
a demonstrar e a questionar o como e o porquê dos erros e acertos.
Embora os jogos didáticos inventados sejam bastante utilizados, criar e confeccionar jogos também aparece como ações desafiadoras e com caráter positivo para os
educandos. Essa prática vem sendo difundida entre profissionais de educação e tem
trazido resultados satisfatórios.
“Os professores precisam estar cientes de que a brincadeira é necessária e que traz
enormes contribuições para o desenvolvimento da habilidade de aprender e pensar”.
( CAMPOS, 2006 ). A ludicidade caminha de forma gradativa para um dia, possivelmente, consolidar-se como uma metodologia coadjuvante para a prática educativa
docente em todos os níveis e modalidades de ensino.
2.4 - Considerações finais
Considerando que cada ser humano tem o seu tempo e ritmo próprios de aprendizagem e que nem toda dificuldade apresentada para aprender pode ser classificada
como distúrbio, a psicopedagogia irá diagnosticar quais problemas estão contribuindo
no baixo desempenho escolar do educando, impedindo que o seu processo de aprendizagem se desenvolva de maneira efetiva.
Muitos são os fatores que contribuem no processo de construção do conhecimento. Em alguns casos as dificuldades de aprendizagem diagnosticadas estão relacionadas às habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo. Nesses casos, a psicopedagogia,
através da realização de atividades e utilização de instrumentos variados, trabalha as
habilidades que precisam ser desenvolvidas. Todos os recursos disponíveis que auxiliem na elevação do desempenho escolar são essencialmente importantes e, sabendo-se que a criança aprende mais e melhor quando o ambiente é prazeroso e favorável,
as dinâmicas, as brincadeiras, as músicas, os brinquedos e os jogos aparecem como
instrumentos facilitadores dessa aprendizagem.
Nas sessões de atendimentos psicopedagógicos da FCM, a utilização de jogos sempre se apresenta como principal atrativo para os educandos. Em todos os casos se
observa a elevação do grau de atenção e de concentração; estabelece-se uma interação
e integração mais efetiva entre os participantes e, principalmente estimula o desenvolvimento do raciocínio lógico, rápido e dinâmico, implicando numa aprendizagem
27
Ação Psicopedagógica
prazerosa e mais significativa.
Nesse contexto, faz-se interessante ressaltar o quão é indispensável a utilização de
recursos ludodidáticos enquanto ferramenta importante no processo de aprendizagem, sobretudo no ambiente escolar, quando este apresenta-se para o sujeito como um
espaço interativo imprescindível para o seu crescimento intelectual e social
2.5 - Referências
CAMPOS, Maria Célia Rabello Malta. A importância do jogo no processo de
aprendizagem. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp. Acesso no dia 20 de fevereiro de 2006.
LOPES, Maria da Glória. Jogos na educação: criar, fazer, jogar. 6a. ed. São Paulo,
Cortez, 2005
MACEDO, Lino de. Quatro cores, senha e dominó: oficina em uma perspectiva
construtivista e psicopedagógica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997
MALUF, Ângela Cristina Munhoz. Brincadeira para sala de aula. 8a. Ed., Rio de
Janeiro: Vozes, 2009
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal,5a Ed. Rio de Janeiro: Record,2001.
28
Fundação Cidade Mãe
3
Contribuições da psicogênese da língua escrita para
a psicopedagogia
Laudiceia Vaz de Queiroz
3.1 - Introdução
Atuando como Psicopedagoga na Fundação Cidade Mãe, não diferente da situação
atual da educação do nosso país, nos deparamos com jovens com defasagem idade/série, em séries que não correspondem ao conhecimento que deveriam ter construído. A
maioria deles tem extrema dificuldade no processo de aquisição da leitura e da escrita
e, por isso, muitos são acompanhados psicopedagogicamente.
A partir da teoria de Emília Ferreiro , passamos a compreender melhor esses jovens, desse modo intervindo de forma mais eficiente. Antes, porém, de discorrer um
pouco sobre a sua teoria, Psicogênese da Língua Escrita, e relatar um dos casos em
que ela foi de extrema importância, farei um breve passeio na história da alfabetização
brasileira para que nos situemos no contexto de quando essa teoria começou a ser
aplicada em nosso país.
Segundo a análise de Mortatti , as décadas finais do século XIX foram divididas em
quatro períodos, caracterizados pela disputa da hegemonia de determinados métodos
de alfabetização; e, por causa dessas disputas, a cada período existiu uma nova tradição sobre ensinar a ler e escrever conforme a seguir é descrito.
1º período - A metodização do ensino da leitura -- compreendido entre 1876 e
Pedagoga formada pela UCSAL, com especialização em Psicopedagogia Clínica e institucional - UNEB, 2007, Pesquisadora do LEG (Laboratório
de Epistemologia Genética) UFBA.
2
Emilia Ferreiro nasceu na Argentina em 1936. Doutorou-se na Universidade de Genebra, sob orientação do biólogo Jean Piaget, cujo trabalho
de epistemologia genética (uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança) ela continuou, estudando um campo
que o mestre não havia explorado: a escrita. A partir de 1974, Emilia desenvolveu na Universidade de Buenos Aires uma série de experimentos
com crianças que deu origem às conclusões apresentadas em Psicogênese da Língua Escrita, assinado em parceria com a pedagoga espanhola Ana
Teberosky e publicado em 1979. Ferreiro é hoje professora titular do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional,
da Cidade do México, onde mora.
3
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo / 1876-1994)
1
29
Ação Psicopedagógica
1890 -- o centro da discussão eram os métodos sintéticos e analíticos e a eles eram
atribuídos o sucesso ou fracasso da alfabetização.
2º período - A institucionalização do método analítico, compreendido entre 1890
a 1910. Este método alcança o nível das normatizações, devido à urgência de alfabetizar a população brasileira na recente República. Querelas sobre um consenso do método analítico contribuíram para uma nova tradição que passou a considerar tal método
como “a nova bússola” para o ensino da leitura e da escrita.
3º período - A alfabetização sob medida – compreendido entre 1890 e 1970. Neste
período, temos a grande Contribuição de Lourenço Filho, que traz uma nova forma
de ver o sujeito no processo de aprendizagem a partir de novas bases psicológicas,
afirmando que “(...) as crianças diferentemente aprendem segundo suas condições peculiares, e que essas condições deverão ser conhecidas”. Lourenço Filho despreocupa a
escola em relação a método de ensino, pois acreditava-se que os problemas de fracasso
escolar nesse período estão ligados à exagerada importância dada ao método de ensino (sintático ou analítico).
Mortatti enfatiza que nesse período houve uma grande produção das cartilhas, que
eram formuladas baseadas em um ecletismo metodológico devido às discussões em
torno de qual método adotar (sintético ou analítico). Por esta razão, generalizou-se o
uso das cartilhas com os chamados métodos mistos.
4º período - Construtivismo e desmetodização – Inicia-se no final da década de
1970. Então chegamos a nossa atual Emilia Ferreiro, embasada no construtivismo
Piagetiano. Ela centra-se em quem aprende e o como aprende a língua escrita (lecto-escritura).
3.2 - Psicogênese da língua escrita
A pesquisa apresentada por Ferreiro teve um grande impacto na didática da alfabetização e fez com que percebêssemos que a aprendizagem da leitura e da escrita passa não só pela escola, mas também pelo contexto social. Com essa pesquisa, a didática
atual passou a considerar que o sujeito cognoscente pensa a escrita como um sistema
de representação de seus usos.
Outro ponto, mostrado pela pesquisa, foi o das falácias do currículo oculto das
crianças de classes econômicas mais elevadas que, na sua maioria, não tinham dificuldades na construção da lecto-escrita. A pesquisa apontou, mais uma vez, desvendando
30
Fundação Cidade Mãe
esse currículo oculto e ressaltando a influência do contexto social, que a criança que
convive com pessoas de baixíssima escolaridade costuma ter idéias mais primitivas
sobre a escrita.
O maior impacto da pesquisa se deu diante da seqüência de idéias nomeadas, por
Emília Ferreiro, de hipóteses, nas quais ela mostra, de forma fascinante, que as crianças constroem hipóteses e depois são obrigadas a reinventá-las e assim vão se aproximado da escrita convencional.
Apesar dessa pesquisa, muitas escolas ainda consideram a aquisição da lecto-escrita como algo mecânico, bastando apenas adquirir a técnica para decifrar o texto; vêem
a escrita como uma transcrição gráfica da língua oral.
Podemos fazer uma analogia da proposta da Psicogênese da Língua Escrita com
o processo de aquisição da linguagem oral: os interlocutores (adultos) da criança não
ensinam as sílabas, palavras ou frases sem significados para que aprendam a falar, mas
textos orais ligados a situações que ela, de algum modo, é uma integrante participativa.
3.3 - Uma história de superação
Este caso relatado é de atendimento realizado a uma criança de uma das unidades
da Fundação Cidade Mãe. A criança foi encaminhada para avaliação psicopedagógica
pela professora da oficina com a queixa de dispersão e dificuldades de aprendizagem.
A menina, com 10 anos, que aqui nomearemos T, freqüenta a escola desde 6 anos de
idade, quando iniciou sua vida escolar em uma creche. Freqüentava uma classe do 1º
ano do ensino fundamental pela terceira vez e não demonstrava entusiasmo ao falar
da escola. Residia com a mãe e havia visto o pai pela ultima vez quando tinha 6 anos.
A mãe tinha 39 anos e dizia não saber ler e escrever e tinha o sonho da filha se tornar
“alguém na vida”. Essa criança fazia parte de uma classe desfavorecida economicamente na qual a linguagem escrita não é elemento fundamental.
Na avaliação psicopedagógica, foram observados aspectos ligados ao lado emocional, à lecto-escrita e ao conhecimento lógico-matemático. A criança demonstrou-se
colaboradora nas atividades propostas, porém, quando se tratava de escrever ou ler,
usava as expressões como “não sei”, “não consigo” e “não posso”. Escrevia poucas palavras, mostrando pensar a hipótese pré-silábica da escrita; não conseguia ler e constantemente apresentava ansiedade e vontade de fugir da atividade, o que provavelmente
prejudicava sua aprendizagem.
31
Ação Psicopedagógica
Em relação à linguagem oral, apresentou coerência, interagindo sem dificuldades,
embora em alguns momentos necessitasse de incentivo para complementar suas respostas monossilábicas.
T. apresentou dificuldades de atenção e concentração nas atividades que envolviam a leitura e a escrita, embora mantivesse o foco nas demais.
Demonstrava um vínculo familiar positivo e manifestava o desejo de aprender para
atender às expectativas da mãe. Apresentava uma auto-estima extremamente comprometida, desistindo com muita facilidade de algumas atividades e uma profunda
insegurança no outro. Parecia acreditar de forma veemente no seu desconhecimento,
provavelmente por medo de errar e ser julgada.
Considerando a avaliação desenvolvida, T. encontra-se no estágio cognitivo compatível com sua idade cronológica, a qual se denomina operatória concreta. Em função
desses motivos, T. foi encaminhada para um acompanhamento psicopedagógico com
objetivo de organizar seu modelo de aprendizagem e dar-lhe apoio para superar as
dificuldades apresentadas utilizando todo seu potencial.
A intervenção psicopedagógica se deu semanalmente. Iniciou-se com a investigação sobre o que ela sabia sobre a escrita, usando recursos didáticos como: jogos,
quebra-cabeça, livros e outras atividades. Atuei como intérprete dos modos de participação dela nas atividades lingüísticas e não-linguísticas orais e gráficas, que estão
ligadas à escrita. E como nos aponta a Psicogênese da Língua Escrita, é dessa observação e interpretação que se constrói uma mediação e uma participação no aprender
da criança. A partir da compreensão sobre o aprender dela, deram-se as intervenções.
Nas sessões, eu lia histórias, e ela sempre pedia mais. Depois solicitava que ela falasse da parte que mais lhe chamou atenção; em outra sessão, pedia que ela recontasse
oralmente, pois se pedisse para que escrevesse ela ficava ansiosa e queria dar fim à
atividade, dizendo-se cansada, com sono ou algo semelhante.
Após algumas sessões, comecei a perceber uma mudança na sua auto-estima. Trocara as expressões de desânimo por de auto-confiança, como: “eu já sei” e começara
a se arriscar, ainda que muito timidamente na escrita, que eu notara ser pré-silábica,
mas não para classificá-la neste grupo, mas para sabermos qual era a sua hipótese
sobre escrita.
Com jogos, brincadeiras – algumas delas propostas por T – a exemplo: qual poderia ser o nome para um irmão ou uma irmã que ela tanto queria ter, que ela sempre
chegava com novos nomes e sorria depois que eu lhe pedia que escrevesse para que
32
Fundação Cidade Mãe
não esquecêssemos os nomes e no final fizéssemos uma votação para a escolha de
um. Realizei intervenções, escrevendo ao lado de sua escrita de forma convencional e
colocando questões que a ajudassem avançar. Essa brincadeira foi repetida por várias
vezes.
Através da Psicogênese da Língua Escrita, compreendemos que a idéia infantil de
que a escrita representa os nomes dá-se ao fato de fazer uma ligação das expressões
lingüísticas com pessoas do mundo real.
No mês de julho, ela constituiu para si própria a hipótese silábica da escrita, bem
estruturada e com valores sonoros convencionais. Ela estava convencida de que cada
sílaba falada correspondia a uma letra e, sendo considerada a hipótese da exigência
mínima de caracteres dentro da normalidade no processo de aquisição de escrita, continuava escrevendo com um pouco mais de letras do que escreveria se pudesse optar.
Em uma determinada sessão de acompanhamento, ela quis expressar “Jô” e escreveu “opu”, não aceitando a forma convencional da escrita. Tal palavra era um dos nomes que gostaria que tivesse seu possível irmão. Compreendi que ela estava defendendo sua hipótese sobre a escrita da quantidade mínima de caracteres, e o monossílabo
estava sendo uma violação ao seu princípio lógico sobre a escrita, que diz que a letra é
parte e a palavra o todo; segundo sua hipótese, o monossílabo seria escrito com uma
letra só, violando sua lógica da variedade mínima de caracteres.
Pôde-se observar grandes progressos de T.: passou a falar da escola com empolgação e demonstrava uma auto-estima elevada em relação ao início de nossos contatos.
No mês de novembro, ela constituiu para si mesma a hipótese silábica alfabética da
escrita. T. não usava mais uma letra por sílaba de forma sistemática, já escrevia algumas palavras, utilizando-se de duas letras para cada sílaba.
Antes do conhecimento da Psicogênese da Língua escrita, se pensava que as crianças que faziam escrita dessa forma “comiam” letras e precisavam ser encaminhadas
para tratamento. Porém, podemos observar que elas não comem, e sim acrescentam.
Propus atividades desafiadoras que no início ela achava difíceis, por não saber
resolvê-las imediatamente. Criei, então, situações para que pudesse avançar usando o
conhecimento que já construíra.
Apesar de toda a conquista de T. no processo de aquisição da escrita, a professora comunicou à mãe que T., por não estar escrevendo convencionalmente, não seria
aprovada para a série subsequente. Observamos que isso abalou a mãe e conseqüentemente a filha também. Percebi que, com essa posição, a escola não avaliou o processo
33
Ação Psicopedagógica
de T. e sim seu produto final, não valorizando nem mesmo sua grande contribuição
para as conquista da criança.
Com a permissão da mãe, fomos conversar com a professora, que nos recebeu
muito bem. Mostramos as atividades de T., como ela tinha evoluído na construção
da escrita e que a escola tinha grande participação nesse processo. Refletimos sobre a
reprovação, que poderia interferir tanto no processo da aquisição da escrita, que estava
quase concluído, como também na sua auto-estima. A professora comprometeu-se
em, posteriormente, reavaliar a situação e disse que depois informaria sua decisão.
Após alguns dias, a professora comunicou a mãe de T. que, ao realizar o estudo
do caso, percebeu evolução da aluna e aprovar-lhe-ia para série seguinte, ressaltando
que, como ela iria acompanhar a turma, continuaria sendo sua professora. Percebemos
uma grande alegria em T. e sua mãe ao nos trazer o resultado final da escola. A nossa
satisfação maior foi acompanhá-la em seu processo e presenciar a escola revendo sua
posição e reconhecendo a evolução dessa criança na aquisição do conhecimento.
3.4 - Considerações finais
Uma grande contribuição de Ferreiro, além de desvendar o caminho percorrido
para aquisição do processo da lecto-escrita, foi mostrar a importância do ambiente
alfabetizador, que deve ser ambiente favorável a várias interações com a língua escrita,
interações mediadas por pessoas capazes de ler e escrever. Ferreiro também apontou
que a diferença no desempenho escolar inicial das crianças pobres e das de classes
média não tinha relação com nenhum déficit, indicou que toda criança entra na escola
com hipóteses sobre a escrita, e que enquanto a de classe média tem hipóteses mais
elaboradas, as de classe baixa tem hipóteses primitivas sobre a escrita. Isso aumenta a
responsabilidade das escolas públicas em garantir esse ambiente alfabetizador, em vez
de deixar essas crianças à margem das circunstâncias favoráveis de aproximação com
a escrita.
3.5 - Referências
34
Fundação Cidade Mãe
FERREIRO, Emilia. Passado e Presente dos Verbos Ler e Escrever/ Emília Ferreiro
Tradução de Claudia Berrlinerr – 2.ed – São Paulo, Cortez,2005. – (Coleção Questões
da Nossa Época; v.95)
Com todas as letras / Emília Ferreiro: tradução de Maria Zilda da Cunha Lopes: retradução e cortejo de textos Sandra Trabuco Valenzuela – 11. Ed. – São Paulo: Cortez,
2003. Biblioteca da Educação – Série 8 – Atualidades em educação – v. 2)
FERREIRO, Emilia. Alfabetização em Processo. São Paulo: Cortez, 1996.
FERREIRO, Emilia. Psicogênese da Língua Escrita / Emília Ferreiro e Ana Teberosky; Tradução de Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. – Porto Alegre : Artes Médicas, 1985.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo /
1876-1994). São Paulo: Editora UNESP: CONPED, 2000.
LEMLE, Miiriiam. Guia Teórico do Alfabetizador – 17. Ed. – São Paulo: Àtica,
2007.
TEBEROSKY, Ana. 1948 Psicopedagogia da linguagem escrita / Ana Teberosky ;
tradução de Beatriz Cardoso:prefácio Cláudia Lemos. – 9 ed. – Petrópolis, RJ : Vozes,
2001.
35
Fundação Cidade Mãe
4
Escuta psicopedagógica: uma caminho para o
jovem em cumprimento de medida sócio-educativa
Por: Edileide Maria Antonino da Silva 1
4.1 - O objetivo...
...primário da pesquisa que deu origem a este artigo constituiu-se na necessidade
de se verificar o alcance e conseqüências da escuta psicopedagógica dada ao sujeito em
cumprimento de medida socioeducativa na Cidade de Salvador. Cabe, neste instante,
conceituar medida sócio-educativa e como ela é definida e aplicada a jovens infratores.
4.2 - Medidas socioeducativas...
...e Medidas de Proteção são instrumentos previstos no ECA - Estatuto da Criança
e do Adolescente, cujo objetivo maior é reforçar e assegurar os direitos já garantidos na
Constituição da República Federativa (1988). Tais medidas têm a finalidade de efetivar
os direitos e defender o cumprimento dos deveres da criança e/ou do adolescente em
situação infracional, ou seja, que demandam medidas punitivas ou educativas pela
prática de atos contrários à Lei. As imposições dadas a estes menores têm caráter pedagógico, social, psicológico e preventivo e são definidos por juízes e promotores da
Infância e Juventude de acordo com a gravidade e circunstância do ato delituoso; neste
caso, para a aplicação da medida são também levados em conta a condição pessoal do
adolescente, suas referências familiares e sociais, sua personalidade e, principalmente,
a sua condição de cumprir tal medida.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de dois tipos básicos de
medidas: as não privativas de liberdade e as privativas de liberdade. O primeiro modelo citado se constitui em advertência, reparação do dano, PSC (Prestação de Serviços à
Comunidade) e L.A. (Liberdade Assistida). Para cumprimento da PSC, cabe ao técni-
1
Pedagoga formada pela UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER; pesquisadora
do GEPE-RS (Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social) UNEB; integrante do grupo de estudos em Psicanálise da ELBA
– Escola Lacaniana da Bahia; Psicopedagoga e Terapeuta Comunitária da Fundação Cidade Mãe.
37
Ação Psicopedagógica
co que acompanha o jovem fazer contatos com instituições ou empresas contratantes
e acompanhar todos os trâmites do processo até que o jovem inicie, cumpra e conclua
sua medida. Na medida de L.A., o técnico, neste caso uma psicopedagoga, acompanha
o menor recebendo suas visitas semanais, orientando-o, certificando-se de sua vida
escolar e procurando inseri-lo em atividades extra-escolares que o ajudem em seu desenvolvimento cognitivo, psicológico, emocional e social. Aos poucos os encontros do
jovem com a psicopedagoga, que acontece nas Unidades Educativas, vão se tornando
mais espaçados, porém regulares.
O segundo modelo de medida socioeducativa citado é o de privação de liberdade;
neste, o jovem é acolhido em uma instituição de cunho educativo e lá permanece sob
orientação de diversos profissionais pelo tempo determinado em juízo. Em Salvador,
este tipo de medida é cumprida na CASE – Comunidade de Atendimento Socioeducativo de Salvador, que se localiza no bairro Tancredo Neves.
4.3 - O objeto...
...desta pesquisa foi uma clientela composta por jovens em cumprimento de L.A. e
PSC, encaminhados para o atendimento de técnicos sociais da Fundação Cidade Mãe
(FCM), no caso um grupo de psicopedagogos. A amostra aqui trabalhada foi composta de 15 jovens entre 16 e 18 anos, moradores da região que circunda o bairro de
Canabrava, estendendo-se até Cajazeiras, onde os atendimentos foram realizados. Os
atos infracionais cometidos pelos jovens da amostra circularam desde assalto a ônibus,
mini-ônibus, agressão física, tráfico de drogas, assalto a mão armada, homicídio e estupro. Nestes adolescentes com histórico de delitos recorrentes, percebeu-se profunda
carência de escuta e de apoio, caracterizada pela falta de comunicação com a família.
Assim sendo, o atendimento dispensado a estes jovens teve cunho psicopedagógico e
foi embasado na prática psicanalítica, proporcionando escuta sensível e possibilitando
o estabelecimento de vínculos.
4.4 - O olhar diferenciado...
...provoca-nos o interesse em verificar, aqui, a efetividade e alcance da intervenção
realizada pela psicopedagoga a partir de um olhar psicopedagógico e psicanalítico sobre a fala do sujeito, constatando se a relação estabelecida com o jovem em situação de
cumprimento de medida foi beneficiada pela escuta sensível.
38
Fundação Cidade Mãe
4.5 - Escutar...
...segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2000, p.195), é o ato de “perceber,
entender (os sons) pelo sentido da audição”. Ouvir, no entanto, é um outro significante,
podendo ser traduzido como o ato de “tornar-se ou estar atento para ouvir; prestar
atenção para ouvir alguma coisa”. Assim, segundo Antonino e Fonseca, a escuta é
[...] uma das condições humanas que permite que duas pessoas entrem em
contato, uma com a idéia da outra, devendo, deste modo, dar-se de maneira
atenta para que o conteúdo possa ser internalizado e não apenas ouvido2 .
Sobre a escuta, em seu texto Entre nós e fitas dos afetos, parte do trabalho realizado sobre a relação professor-aluno, cujo título é O real, o simbólico e o imaginário da
docência na contemporaneidade, Ornellas (2000, p.83) diz que
Escutar é dar sentido ao mundo que cerca o aluno. Ao escutar os ditos e os
não-ditos, produzimos e ampliamos o mundo das coisas; a escuta da fala
do outro é, na verdade, um diálogo dentro de nós mesmos na busca das
falas que nos constituíram e nos constituem. Escutar e falar fazem parte do
processo educativo...
A escuta, neste trabalho realizado, teve um enfoque no valor das palavras e não
apenas na decodificação de uma ação sonora, buscando dar sentido ao mundo que
cerca o adolescente atendido. Mais do que escutar a fala, ouviu-se cada jovem atendido
por meio de uma escuta diferenciada e fundada no conceito compreendido da psicanálise, na tentativa de reconhecer tanto o dito quanto o não dito nas palavras.
4.6 - Sobre o atendimento psicopedagógico...
...vale aqui ressaltar que há um elo profundo entre esta prática e a teoria psicanalítica. O atendimento PSICOPEDAGÓGICO DISPENSADO aos adolescentes encaminhados à FCM é uma prática que propõe a fala e escuta entre dois sujeitos, sendo que
um vive sua situação de conflito. Os jovens sujeitos deste atendimento não o fazem por
desejo próprio, como já foi citado; eles vêm encaminhados por uma vara de justiça,
o que já torna o atendimento, a princípio, algo punitivo. Partindo desta situação concreta, aqui será analisada a relação sujeito-técnico desde o primeiro encontro e como
2
Artigo escrito para a disciplina Educação e Psicanálise do curso de Mestrado em Educação e Contemporaneidade – UNEB. A importância da
escuta. Abril de 2010. Não publicado.
39
Ação Psicopedagógica
a teoria psicanalítica contribuiu e instrumentalizou o profissional para a realização
deste trabalho.
4.6 - O núcleo de psicopedagogia da fcm e a cmse...
...estabeleceram uma parceria para a realização destes atendimentos. O Núcleo de
Psicopedagogia da Fundação Cidade Mãe, da Prefeitura de Salvador, tem como objetivo atender a crianças que possuem dificuldades de aprendizagem matriculadas nas
oficinas das unidades educativas. Após devida capacitação, parte do grupo de psicopedagogas que atendem neste núcleo foi designado para acompanhar uma demanda
reprimida da Central de Medidas Socioeducativas por um período limitado, período
este suficiente para elaboração desta pesquisa aqui apresentada.
4.7 - A clientela atendida...
...é composta por jovens encaminhados pela 2ª Vara da Infância e Juventude. Eles
vêm para a Unidade Educativa onde se dá o atendimento e, na sua totalidade, são
oriundos de famílias em situação de vulnerabilidade sócio-econômica, ou seja, que
vivem sob a falta de recursos básicos à sobrevivência e, sobretudo, em um meio familiar cujas relações são difíceis, permeadas por violências de diversos tipos. Diante
da falta e de situações vivenciadas por estes jovens, percebe-se que nem sempre eles
caminham ao lado de uma família, encontrando-se, diversas vezes, à margem desta. O
que esperar de uma criança ou adolescente que cresce e se desenvolve em um ambiente
hostil, privado de atenção, palavras e abraço? Do conceito conhecido de família, qual é
realmente a realidade familiar destes jovens? Que suporte têm estas famílias para cumprir seu real papel? Até que ponto esta família tem suas necessidades básicas atendidas
pelo poder público, tal como consta na Lei? O que ela recebe de educação e saúde para
estar em condição de educar filhos e se educar simultaneamente, dentro de um padrão
de dignidade humana mínima? São as respostas a estas questões que mobilizaram a
prática adotada no desenvolvimento dos atendimentos aos jovens. De acordo com Lima Melo3 (2000)
É notório o fato de que a maior parte da violência e dos maus tratos contra crianças são cometidos por aquelas famílias de menor condição social.
Na maior parte das vezes, não há estrutura familiar estabelecida... [...] pois,
como já dizia o mestre Tobias Barreto: “A dor da fome é maior do que a dor
3
Sírley Fabiann Cordeiro de Lima Melo - Texto inserido no Jus Navigandi nº 45 (09.2000). Elaborado em agosto de 2000.
40
Fundação Cidade Mãe
moral”. Dessa forma, a criança se desenvolve em ambiente pouco propício à
honestidade e ao discernimento.
O baixo nível de educação propicia um baixo padrão de vida. É gritante a desigualdade social na cidade de Salvador, o que promove a divisão dos grupos em excluídos
e beneficiados, promovendo situações que acentuam cada vez mais as diferenças, engrossando o número de atendimentos desta Central (CMSE)4 .
Para aqueles jovens cuja referência familiar não é algo positivo, o atendimento recebido do técnico da CMSE teve caráter bem diferenciado, pois eles foram sempre
recebidos com cordialidade e respeito, percebidos como pessoas com necessidade de
escuta e não apenas como adolescentes em conflito com lei. Buscou-se construir com
os mesmos uma relação permeada pelo respeito e confiança, propondo a partir daí a
efetivação de um trabalho positivo. Vale aqui lembrar a fala de um deles: “... a senhora
não tem medo de mim, não vê que eu sou um “pivete”. Acho até que nem sou mais
pivete, sou um rapaz como os outros que estudam aqui. ”5
4.8 - O primeiro encontro...
...nada tem de romântico, neste caso. Mas é, de qualquer forma, a primeira vez... ...e
a “primeira vez a gente nunca esquece”. É a partir desta “primeira vez” que se definem
os encontros seguintes e o tipo de relacionamento a ser implementado. A estratégia
utilizada por esta técnica/psicopedagoga foi a empatia, cujo objetivo era estabelecer
algum tipo de laço neste primeiro atendimento. O atendimento inicial exigia do jovem
uma postura correta, no caso tratando-se mesmo da postura física: coluna ereta, olhar
direto e na mesma altura, ombros erguidos e a solicitação de escuta atenciosa. Neste
caso, a escuta era a do sujeito e de seu responsável que, obrigatoriamente, o acompanha neste primeiro momento. Após uma apresentação e a solicitação da postura informada era estabelecido com o atendido e seu responsável um “combinado”, ou seja, um
conjunto de normas e regras nas quais se definiam horários, justificativas para faltas
ou atrasos, comportamento esperado dentro da unidade no período de atendimento e
fora dela, em sua vida social. Era sempre um encontro difícil, pois o sujeito chegava em
uma posição de defesa e com um discurso pronto, revelando não estar disposto a con-
Central de Medias Sócio Educativas
Nas Unidades da FCM, são oferecidos cursos culturais e profissionalizantes a jovens das comunidades do entorno que estejam matriculados e
freqüentando escola, mas sempre jovens em situação social desprestigiada financeiramente.
4
5
41
Ação Psicopedagógica
tribuir e “mais uma vez expor sua vida para pessoas que em nada lhe vão ajudar” e que
nem mesmo o identificam pelo nome. O familiar presente também traz um discurso
preparado: o jovem é mais uma vítima da polícia ou de bandidos. E a fala do técnico,
neste primeiro momento também é padronizada:
“...meu objetivo é reinserir você na escola, num ambiente de trabalho que lhe respeite e mostrar para as pessoas que já lhe atenderam desde a sua chegada aqui, até
este momento, o que tem de valoroso em você”. Esse é, de fato, o primeiro impacto no
relacionamento que se inicia. Impacto positivo. E, em encontros semanais, é proposto
ao jovem falar sem medo de repressão ou denúncia, sendo livre para discorrer sobre
seus desejos, seus medos, seus sonhos, suas faltas. É neste momento que se transpõe o
primeiro obstáculo, pois o sujeito percebe que o caráter do atendimento é de cuidado
e proteção, não mais de rancor social e punição, sendo esta uma estratégia adequada
para a aproximação e conquista de uma possibilidade de trabalho tranqüilo.
Ao se sentir acolhido e visto como de fato se revelou e não simplesmente pelo
que consta nos relatórios técnicos e sentenças constantes na pasta com seu encaminhamento, o jovem percebe que existe desejo real de ajuda por parte do técnico do
atendimento. Alguém que o vê além do ato infracional cometido, que o percebe independente do lugar de onde vem e do que já fez; isso provoca, automaticamente, o
estabelecimento de uma relação positiva. Inicia-se aí, suponho, o processo de transferência, conceito de psicanálise a seguir definido.
4.9 - A transferência...
...segundo Freud, é uma inevitável ‘necessidade’ para a psicanálise (ZIMERMAN,
1999, p. 332). Em se tratando de educação, da relação professor – aluno, muitos autores concordam que o professor é uma pessoa em quem o aluno pode reeditar impulsos
e fantasias. De acordo com Kupfer (2000)
...um professor pode tornar-se a figura a quem serão endereçados os interesses de seu aluno porque é objeto de uma transferência. E o que se transfere
são as experiências vividas primitivamente com os pais (p. 88).
Sobre o mesmo tema, Ornellas (2000) diz que é um fenômeno observado na relação professor aluno quando o segundo autentica ao primeiro o saber sobre a saída dos
seus impasses no processo do aprender.
42
Fundação Cidade Mãe
Observa-se que professor e aluno, movidos pelo saber, enredados na incompletude, buscam um desenho na relação para, possivelmente, fazerem
uma caminhada dentro e fora da sala de aula, na busca do ato de ensinar e
aprender (p.83).
Cabe aqui, então, discorrer um pouco sobre o conceito de transferência. Este é,
sem dúvida, um conceito fundante dentre os conceitos da psicanálise; em muitos dos
seus estudos e conferências, Freud mostra o quanto é importante em todo e qualquer
processo de psicanálise. Em uma de suas obras,6 este autor descreve um fenômeno comum na relação entre médico e paciente, quando o paciente se empenha em mostrar
amabilidades e valores pessoais que possam impressionar o analista. Freud descreve
este como um campo fértil para que o trabalho analítico cresça, observando que o paciente traz à sessão uma grande quantidade de lembranças e as associa a fatos recentes
em um trabalho de interpretação importante que resulta em uma melhora rápida e
significativa do quadro. Freud também mostra que pode ocorrer o contrário: desinteresse pelo analista e pela análise. Ele observa que esta é uma ação recorrente entre os
analisantes e que também caracteriza a transferência.
No caso da relação professor-aluno acontece também esta reedição ou repetição de
sentimentos, que podem ser em relações de afeto positivo ou mesmo de hostilidade,
também como uma base de afeto. Ora, se o professor não traz em si razão para estimular tais sentimentos em relação ao aluno, nada mais é senão o fenômeno tão discutido
por Freud: a transferência. De certa forma, o aluno esvazia o sentido do professor para
que ele assuma a forma que é conveniente para seu desejo inconsciente. Isso reveste
o professor de poder, um poder que pode ser utilizado para influenciar o aluno de
acordo com seu modo de ser e ver o mundo, transferindo significado para seu aluno,
mesmo que de forma inconsciente.
Nos atendimentos realizados com os jovens da CMSE chegados à Unidade Educativa de Canabrava, da FCM, a transferência foi esclarecida aos sujeitos e aproveitada
de forma a beneficiar o encaminhamento da recuperação e reinserção deles no meio
social. Orientada pela psicanálise, a conduta deste trabalho não perdeu de vista o seu
foco: o sujeito; vale lembrar que a técnica/psicopedagoga durante o atendimento foi
evocada espontaneamente pela maioria dos jovens como “professora”, sendo que dois
inicialmente a chamaram de “tia” e três de “doutora”.
6
Transferencia, 1996. conferências
43
Ação Psicopedagógica
Em nenhum dos jovens foi encontrado qualquer tipo de resistência a partir do
segundo encontro; apesar de uma história de crimes recorrentes, em cada um dos sujeitos atendidos pode se revelar uma criança carente de escuta e atenção, à procura de
abraço familiar, de limites ditados de forma clara pelos seus educadores, de apoio e até
mesmo de críticas e sanções. Foi possível ouvir destes jovens que em atos delituosos
agrediram igrejas, que seu desejo real era ver o que se passava ali dentro dos templos
onde nunca puderam entrar, dadas as suas condições de miserabilidade; de alguns
que agrediram e feriram colegas na escola, que seu desejo maior era que o professor
um dia lhes dirigisse a palavra sem a intenção de machucá-los; de outros que, para se
firmarem nos grupos aos quais pertenciam, precisavam passar por provas que também
achavam absurdas e desnecessárias, mas que realizavam porque esta era a única forma
de fazer parte de uma “família” e ser aceito e respeitado, mesmo que a família fosse um
grupo de rua. Foi possível e doloroso perceber que cada uma dessas crianças atendidas e escutadas nas suas mais íntimas verdades tinham medo da vida, vergonha de si
próprios e um desejo enorme de serem iguais e igualmente respeitados pelo próximo.
4.10 - Os outros encontros...
...foram constituídos de momentos de escuta, de espaço para fala, choro e desabafo. Impossível, nesta prática, não constituir laços; impossível, neste lugar de ouvinte
atenta, impedir que o sujeito à sua frente não realize uma atitude de transferência,
enxergando na técnica/psicopedagoga aquele familiar que tanto desejou e viveu a falta;
impossível, também, por momentos não ser, nesta relação transferencial, o carrasco
que lhe privou de carinho, que lhe impingiu dor e sofrimento e que, ainda assim, ele
quis tanto conquistar e ter ao lado. Impossível não ser objeto do amor e do ódio desse
sujeito que teve sua vida interditada exatamente no momento de florescer.
Quando se proporciona a estes jovens, tão privados na vida, alguns momento de
prazer e ludicidade, devolvendo-lhes o direito de entre quatro paredes, mesmo que
haja lá fora um vigilante uniformizado, ser um pouco da criança que um dia foram ou
quiseram ser, automaticamente se lhes oferece um ombro e um abraço. E é assim que
se procede este estabelecimento de laços quando, entre uma sessão de escuta e outra,
se proporciona ao jovem uma sessão exclusiva para que possa montar um quebra-cabeças, jogar com pega varetas e até mesmo colorir desenhos infantis. Sessões também exclusivas para se trabalhar com alguns as dificuldades matemáticas, de escrita ou
leitura. Sessões de atendimento que diziam a cada um daqueles meninos: “você é um
44
Fundação Cidade Mãe
sujeito importante, portador de direitos e deveres, e nós queremos ver você caminhar
de cabeça erguida, coluna ereta, olhando nos olhos dos outros com respeito, ombros
firmes e fortes”.
As ferramentas fornecidas àqueles jovens em cada sessão foram as necessárias para
que buscassem lá dentro de si, nos recantos que nem sabiam existir, doses maciças de
auto-estima e confiança para, com estas, poderem construir o respeito.
4.11 - A reinserção...
...destes jovens nos meios sociais de origem é possível se lhes forem dadas novas ou
mesmo uma primeira oportunidade. Mas, a esta altura, há que se conviver com meninos de braços tatuados, rostos repletos de adereços e marcas, respostas secas e curtas,
corações desconfiados e inseguros. Jovens com marcas do passado tão próximo, mas
recuperados em sua auto-estima e autoconfiança e, até mesmo, na confiança no outro,
por meio da prática da escuta. Uma escuta que concebe a subjetividade constituída
através dos vínculos e laços construídos com o outro, enfatizando os componentes internos, subjetivos e intrapsíquicos do sujeito que, neste caso, encontra-se em processo
de reconstrução enquanto ser cognoscente que é.
4.12 - A conclusão da pesquisa...
...se deu com o término do período da medida socioeducativa, ao fim de cerca de
18 meses, não sendo finalizada ao mesmo tempo para cada um. No entanto, dos 15
sujeitos atendidos, todos ingressaram numa vida de relativa normalidade dentro dos
seus padrões familiares. Os que haviam cumprido medidas de PSC tiveram um resgate
da auto-estima mais acelerado, pois foram aceitos em meios de trabalho sem serem
rotulados ou rejeitados; deram continuidade aos estudos e alguns foram inseridos no
mercado de trabalho informal. Dos que cumpriam medida socioeducativa de L.A.,
90% está inserido em alguma igreja de cunho evangélico, apresentando mudança radical, inclusive na aparência física. As tatuagens dos braços são cobertas pelas mangas
compridas, as da alma estão aos poucos perdendo a cor. Os relatos e depoimentos
deles trazem sempre uma valorização ao fato de terem podido ser autênticos com a
técnica/psicopedagoga que, ao longo dos 18 meses, lhes ouviu.
A transferência de afeto gera uma forma de responsabilidade tanto com o outro
quanto consigo mesmo. Percebemos que por este processo é facilitada a transformação
do sujeito e a possibilidade de sua reinserção no meio social. É na transferência que
45
Ação Psicopedagógica
técnico pode de fato operar positivamente. Em nossa prática não julgamos o jovem,
não damos conselho, mas buscamos fazer surgir nele o desejo de crescer de forma
valorosa e positiva, fazendo-o perceber que deve buscar no outro o consentimento
e a autorização, para assim ter seu pertencimento e sentir-se cidadão de fato na sua
condição de sujeito em eterna busca da completude. A ordem é instrumentalizá-lo de
afetos, pois só se reconhece aquilo que um dia já se conheceu.
4.13 - Referências
ANTONINO, E. M. e FONSECA, L. A importância da escuta. Artigo não publicado/no prelo.
FERREIRA, A.B.H. Dicionário da Língua Portuguesa, ano 2000, p.195.
FREUD, S. (1996). Conferência XXVII: Transferência. In S. Freud. Conferências
introdutórias em psicanálise (Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Parte
III, pp. 433-448). Rio de Janeiro: Imago.
KUPFER, C. Freud e a Educação: o mestre do impossível. SP, Ed.Scipione, 2000.
Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993 (1993 07 de dezembro). Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS. Brasília, DF: Presidência da República.
Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990 13 de julho). Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA. Brasília, DF: Presidência da República.
ORNELLAS. M. de Lourdes Soares. O real, o simbólico e o imaginário da docência
na contemporaneidade. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 81-88, jul./dez. 2008.
MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1645>. Acesso em: 25 abr. 2010.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1999.
46
Fundação Cidade Mãe
5
A Psicopedagogia “uma via” para os adolescentes
em medidas socioeducativas em meio aberto
Jucélia de Jesus Mahado
Layne Lisboa e Silva
Sandra CarlaOliveira Santos
Rita Magalhaes de Matos
5.1 - Introdução
Várias são as expressões empregadas para referir-se ao efeito desejado do trabalho
com a criança e o adolescente em conflito com a lei que esteja em cumprimento de medidas sócio educativas, particularmente em privação de liberdade: reinserção social,
readaptação, ajustamento social, integração à família e sociedade.
O Estado, a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
- , justifica essas medidas como sendo “uma chamada à responsabilização dos jovens”,
em virtude da transgressão cometida. Tal pensamento entra em sintonia com a concepção assumida pelo ECA, de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos.
Nesta perspectiva, lê-se no seu artigo 4º que.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de deixá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (Brasil, 1990, p. 23).
É importante a ressalvar que somente os adolescentes – indivíduos entre 12 e 18
anos de idade – são passíveis de cometerem o ato infracional, entendido como a transgressão das normas estabelecidas, do dever jurídico, que em face das peculiaridades
que os cercam, não pode se caracterizar enquanto crime. Não cabendo-lhes responsabilização penal, lhes são impostas a aplicação de medidas sócio educativas, cujo obje-
47
Ação Psicopedagógica
tivo visa menos a punição e mais a tentativa de reinserção social, bem como o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Entende-se que o reconhecimento de que a obediência a regras mínimas é essencial para o convívio social, e que, portanto, requer a responsabilização do adolescente
quando ele desenvolve condutas transgressoras desses padrões. Neste sentido, reitera-se a concepção de Leonardo Barbosa, quando este defende que “o processo de desenvolvimento do adolescente passa pela aprendizagem de um posicionamento crítico e
responsável em relação às suas condutas” (Barbosa, 2002, p. 10).
5.2 - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – um avanço!
O ano de 1990 ficou conhecido como o da Desinstitucionalização, marcado pelo
“desmonte do entulho autoritário”. Foram criados pela Constituição Federal diversos
dispositivos legais para inibir as arbitrariedades do Estado sobre o cidadão.
A Constituição impôs a regulamentação do seu artigo 227, com o intuito de proteção aos direitos da criança, do qual se originou o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), abrangendo não só a criança em situação social de risco, mas todas as que se
encontram em fase de desenvolvimento, incluindo os que possuem dezoito aos de idade. A criação do ECA significou a transferência da tutela da criança e do adolescente
para a sociedade civil, através dos conselhos tutelares.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990, contrapõem-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social
sustentada na Doutrina da Proteção Integral. O ECA expressa direitos da população
infanto-juvenil brasileira, pois afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente
como um ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa
em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e adolescência como portadoras
de continuidade do seu povo e o reconhecimento da sua situação de vulnerabilidade,
o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da
família, da sociedade e do Estado, devendo este atuar mediante políticas públicas e
sociais na promoção e defesa de seus direitos.
A adoção dessa doutrina em substituição ao velho paradigma da situação irregular
(Código de Menores – Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979) acarretou mudanças de
referenciais e padrões com reflexos inclusive no trato da questão infracional. No plano
legal, essa substituição representou uma opção pela inclusão social do adolescente em
48
Fundação Cidade Mãe
conflito com a lei.
Assim, convém atentar para definição do termo medida sócio educativa, destacada
no Artigo 12 do ECA, inciso VI, que segundo Liberati (2008) é definida como:
A medida socioeducativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato
infracional praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência,
desenvolvida com a finalidade pedagógico-educativa. (Liberati)
O ECA enumera, ainda, no Artigo 118, § 2º da Lei Federal 8.069, de 13 de julho
de 1990:
A Liberdade Assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais
adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. A
Liberdade Assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a
qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida,
ouvido o orientador, o Ministério Público.
Assim, para que haja uma afetiva aplicação das medidas sócio educativas, é necessário a utilização de métodos pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos, visando, sobretudo a integração do adolescente em sua própria família e na comunidade.
A Fundação Cidade Mãe é uma instituição que tem a missão de acolher crianças e
adolescentes dos segmentos populares que se encontra em processo de exclusão social
em função dos altos índices de desemprego e do acesso limitado à Política Básica, cuja
oferta é muito aquém da efetiva demanda. Ainda assim, a referida Instituição realiza
atividade de caráter preventivo, buscando o fortalecimento do vínculo com a família,
com a escola e a comunidade, além proporcionar aos jovens em cumprimento de medidas uma educação complementar, ela também oferece possibilidades de reintegração ao abraça-los, contribuindo para a eficácia das medidas aplicadas.
Essas medidas são determinadas pelos juízes e, em alguns casos específicos, pelo
Ministério Público, levando em consideração a natureza do ato infracional, seu contexto familiar e comunitário e a história do adolescente. Em seguida, o mesmo é acolhido por técnicos da Central de Medidas que irão avaliar o seu perfil psicológico, as
experiências educacionais e as referências familiares dos adolescentes, encaminhando-os para as empresas educativas da Fundação Cidade Mãe (FCM), dentre outras Instituições apropriadas a garantirem o cumprimento das Medidas Sócio educativas.
Essa Medida Socioeducativa é relevante tanto para o jovem em conflito com a
49
Ação Psicopedagógica
lei quanto para a comunidade. Esta poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento
integral do adolescente. Ao jovem valerá como experiência de vida comunitária de
aprendizado de valores e compromissos sociais. Nesse sentido vale à pena ratificar a
citação de Mário Volpi onde o mesmo lembra que a intervenção educativa da medida,
(...) se manifesta no acompanhamento personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho e / ou cursos
profissionalizantes e formativos.
As medidas educativas têm como objetivo maior adaptar o adolescente à realidade,
tornando-o responsável e propiciando a inserção no universo adulto. Dois aspectos
merecem consideração: em primeiro lugar, a grande contradição é que o que se denomina como realidade comporta um elevado grau de violência social. Na prática, é
como se alguém ordenasse ao adolescente que aprenda a conviver em sociedade segundo determinadas regras, sendo-lhe oferecido como modelo uma sociedade onde o que
impera é uma ausência de referências. Em segundo lugar, a tarefa de educar, formar
um adolescente, exige que se tenha presente não só sua capacidade de aprender mas,
fundamentalmente, seu potencial afetivo, principal condição para que o adolescente
estabeleça laços que possibilitem, no futuro, uma inserção mais criativa na sociedade
5.3 - A “via” da psicopedagogia
Na perspectiva educacional o conhecimento das famílias é de extrema importância
para uma desejável integração entre projetos e demais atividades, aproximando-se da
instituição e favorecendo a aprendizagem mútua, na qual cada pessoa pode trazer uma
experiência, um saber, uma maneira de fazer diferente.
O campo de atuação da psicopedagogia revela que a aprendizagem não é um conceito linear, por isso a intervenção pode se dar em uma área mais atingem todas as outras em movimento. Podemos pensar então que assim como somos atravessados pela
cultura em nosso desenvolvimento, somos também atravessados pela aprendizagem.
Deste modo, ainda que este jovem esteja cumprindo medida socioeducativa, de
acordo com Paín (1985)
50
Fundação Cidade Mãe
É solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos dos sintomas para logo
depois dedicar-se a afiançar os recursos cognitivos que estão diretamente
relacionados a afetividade e a ação.
A definição das ações educativas oficiais cujo objetivo seja produzir novos padrões
de socialização, deve se pautar em uma união dos saberes produzidos pela várias áreas
do conhecimento.
No tocante às ações que se desenvolvem no interior das instituições, com vistas à
ressocialização, se tais ações pressupõem convívio com a família e a comunidade, o
(re) ingresso no sistema escolar ou ainda, o exercício de uma profissão, então se espera
que tais ações de forma eficaz reflitam tal perspectiva socializadora.
Os estudos e as leituras a respeito desta temática têm mostrado as ações dos psicopedagogos que contemplam os aspectos esperados. Assim sendo, a existência de um
planejamento que integre o conjunto das atividades fica clara a partir da observação
de projetos, a exemplo de oficinas, além de atividades físicas, ocupacional, dando possibilidades à formação da criança e do adolescente para a cidadania, como prevê o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O objeto fundamental do psicopedagogo é, pois, ser um facilitador na tarefa educativa, com o desafio de definir um melhor enquadramento quando aparece uma
disfunção no seu modelo de aprendizagem. Ser mediador nos conflitos intergrupais,
intragrupais ou intrainstitucionais facilita a comunicação e permite transformar os
conflitos em problemas sobre os quais podem fazer uma reflexão.
Considera-se que outro dos principais objetivos dessa função é restabelecer a capacidade de simbolizar que permita pensar e pensar-se, frente às situações conflitivas
que se produzem numa instituição como em todo ser vivo, tanto quando provem de
conflitos intensos como do contexto social mais amplo que, neste fim de milênio, é tão
turbulento.
5.4 - Um relato de experiência
É fundamental criar-se um vínculo entre o adolescente, a família e o orientador,
o que levará a um relacionamento adequado e construtivo, mostrando-se proveitoso
para todos os envolvidos.
Em consonância com os artigos 118 e 119 do já citado Estatuto da Criança e do
51
Ação Psicopedagógica
Adolescente, a psicopedagoga Layne Lisboa e Silva, da Fundação Cidade Mãe – FCM,
traz o relato a cerca do atendimento do menor, O adolescente J.L.S 13 anos, autor de
ato infracional, em cumprimento de Medida Sócio Educativa L.A (liberdade Assistida), acompanhado pela CMSE- Central de Medidas Sócio Educativa. Em seguida
serão apresentadas algumas reflexões e ações com relação, acredita-se, a mais positiva
das medidas sócio-educativas: a liberdade assistida.
5.5 - O atendimento ao jovem
Durante a entrevista inicial na presença da sua genitora, este deixa transparecer no
decorrer uma imaturidade ao descrever os fatos demonstrando certa infantilidade, foi
possível perceber ser este um jovem facilmente influenciado, deixando transparecer
que não tinha consciência das conseqüências do seu ato e dos riscos deste. Porém
demonstrava o tempo inteiro um arrependimento e uma vontade de colaborar com a
medida de reparação a qual foi lhe dada a Liberdade Assistida.
No curso do cumprimento da medida foi encaminhado para Unidade Educativa
da Fundação Cidade Mãe - Roma, matriculado na oficina de artes e apoio pedagógico, e deveria permanecer freqüentando a escola formal cursando a 5ª série do Ensino
Fundamental.
A priori houve uma resistência do adolescente em freqüentar os cursos culturais e
até mesmo o apoio feito pela instituição, nesse momento J.L.S. foi encaminhado para
atendimento psicopedagógico, onde após alguns atendimentos para diagnostico pode-se perceber que o mesmo apresentava baixo rendimento escolar, cuja causa poderia
ser a baixa auto-estima, por conta da aplicação da medida.
Foi então solicitado que sua genitora comparecesse ao atendimento para que juntas
pudéssemos ajudá-lo a aceitar melhor o cumprimento da medida, a qual era de fundamental importância para sua formação.
Durante um ano freqüentando assiduamente atendimento psicopedagógico o adolescente mostrou avanço significativo na sua condição escolar o que conseqüentemente melhorou a sua auto-estima. Vale salientar que o acompanhamento e o comprometimento da sua família (mãe e irmão) foram de fundamental importância não só
para ele como para sua família. E que o mesmo hoje já foi liberado do cumprimento
da medida.
52
Fundação Cidade Mãe
A respeito do relato acima, é bom que se diga que uma medida bem executada, em
meio fechado ou aberto, está fadada a produzir novos cenários e novas possibilidades
aos adolescentes e, consequentemente às suas famílias. A aplicação da medida sócio-educativa de liberdade assistida visa a superação das dificuldades, em paralelo com a
evolução das fases do desenvolvimento cognitivo, físico, mental e afetivo, possibilitando ao adolescente o exercício da cidadania.
É sine qua non estabelecer, durante o processo de acompanhamento do adolescente, vínculo com o mesmo e com sua família. Os adolescentes e sua família são atendidos pelo psicopedagogo uma vez por semana, pelo período mínimo de seis meses. Ele
é orientado a frequentar escola, freqüenta oficinas na instituição de apoio e, quando
possível e necessário, é encaminhado aos programas comunitários e educacionais.
5.6 - Algumas reflexões
A Psicopedagogia auxilia no enfrentamento da exclusão e na luta pela não exclusão
através de orientação e ação pontual sobre as situações já existentes e na prevenção
destas. O psicopedagogo, portanto, faz uso de seu papel articulador para colaborar
no enfrentamento das dificuldades que o processo de ressocialização possa trazer, auxiliando os adolescentes em conflito com a lei a repensar seus valores e crenças com
relação a seus atos, bem como auxiliar os pais a pensarem sobre as dificuldades de seus
filhos e perceberem quais as reais causas das ações infracionais por eles cometidas.
Cabe ainda ao profissional conhecer o real potencial da criança e do adolescente a
ser ressocializado e as possibilidades que o meio possui para estimular este potencial,
por meio de saídas metodológicas não excludentes. Sob este olhar que a Psicopedagogia possibilita, é também necessária uma reflexão sobre o contexto sócio-político. É
preciso, assim, repensar sobre o papel do profissional da educação na questão da ressocialização. O Direito à educação é um direito fundamental previsto na Constituição
Federal e contemplado pelo ECA. Para além da instrução e alfabetização, o acesso à
educação de qualidade deve se configurar como porta para o acesso à plena cidadania.
Torna-se ainda mais necessária quando se trata de criança e/ou adolescentes em conflito com a lei, que hoje cumprem algum tipo de medida sócio educativa.
Educar enquanto sinônimo de ressocializar, no cumprimento de medidas sócio
educativa, como as em meio aberto, aqui abordada, a educação, reitera-se, assume
um papel ainda mais relevante para estes que urge reaprender conceitos e reformular
53
Ação Psicopedagógica
perspectivas, tornando-se um desafio especialmente complexo, e com urgência de ser
enfrentado.
São significativos os avanços para o cumprimento do que determina o Estatuto da
Criança e do Adolescente no atendimento sócio educativo. Entretanto, muito ainda
há que ser conquistado para a consolidação de todos os direitos previstos para essas crianças e adolescentes. A Psicopedagogia, como uma das áreas responsáveis pela
aprendizagem, tem contribuído sobremaneira neste contexto; contudo, tem muito a
aprender e muito a contribuir.
5.7 - Referências
BARBOSA, L. A. de A. (2002). A formação do educador e o adolescente em conflito com a lei. Belo Horizonte: CPP-Consultoria em Políticas Públicas. [On line] http://
www.portalcpp.com.br.
LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da criança e do adolescente. 2ª Ed.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre, Artes Médica, 1985.
VOLPI, Mário. O adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1997.
54
Fundação Cidade Mãe
6
Um outro olhar:
Afetividade e aprendizagem
Margareth S.Cerqueira 1
“(...) sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava
enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o
seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria
de um luxo radioso de sensações.”
Eça de Queiroz, O primo Basílio
6.1 - Introdução
O ser humano aprende e evolui segundo seus pressupostos e fundamentos. A questão fundamental é: como se estabelece esse processo e quais variáveis podem contribuir ou atrapalhar seu desenvolvimento?
Constata-se a desigualdade existente entre os sujeitos e como cada um aprende.
Habilidades como a audição, a visão, a coordenação viso motora, a capacidade de se
orientar espacial e temporalmente, a atenção, a memória e outras são pré requisitos
para que a aprendizagem formal possa se efetivar. Não basta, contudo, ter somente
desenvolvida tais capacidades, a aprendizagem depende também de fatores genéticos,
neurológicos, orgânicos, psicológicos, cognitivos, pedagógicos e sociais. A aprendizagem é como uma dialética entre fatores internos do sujeito e as influências externas,
aí incluídas a família, a escola e o meio social nos quais ele está inserido; sabe-se que
os sujeitos não nascem “tábula rasa2 ”, sem conteúdo ou conhecimento; afinal, desde o
Pedagoga formada pela...., especialista em Psicopedagogia pela...., Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe.
Tabula rasa (do latim, “folha em branco”]) se refere à tese epistemológica que fundamenta a corrente filosófica chamada empirismo. Para o
filósofo inglês John Locke (1632-1704), todas as pessoas ao nascer o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressões nenhumas, sem conhecimento algum. Então todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. (http://pt.wikipedia.
org/wiki/Tabula_Rasa)
1
2
55
Ação Psicopedagógica
nascimento apresentam consideráveis conteúdos internos. É com essa capacidade que
o homem se apropria do objeto do conhecimento e se torna responsável pelas modificações e transformações do mundo.
Não sendo “tábula rasa”, o contato do meio externo com os conteúdos do inconsciente coletivo forma o inconsciente pessoal e o Ego, que têm a função de ressignificar
os conhecimentos.
6.2 - A afetividade
Segundo Ferreira (1999, p.62), a afetividade significa o conjunto de fenômenos
psíquicos manifestados sob forma de emoções ou sentimentos e acompanhados da
impressão de prazer ou dor, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de
alegria ou tristeza. Na literatura encontra-se, eventualmente, a utilização dos termos
afeto, emoção e sentimento, aparentemente como sinônimos. Já a afetividade é utilizada com uma significação mais ampla, referindo-se às vivências dos indivíduos e às
formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas. Engloba sentimentos
(origem psicológicas) e emoções (origem biológicas). A afetividade desempenha um
papel fundamental na constituição e funcionamento da inteligência, determinando os
interesses e necessidades individuais.
Almeida (1999, p.50) nos diz que a afetividade, assim como a inteligência, não aparece pronta nem permanece imutável. Ambas evoluem ao longo do desenvolvimento:
são construídas e se modificam de um período a outro, pois, à medida que o indivíduo
se desenvolve, as necessidades afetivas se tornam cognitivas.
6.3 - Processo de ensino e aprendizagem
A relação com a mãe (primeiras palavras, gestos...) é na verdade a primeira aprendizagem da criança, e se constrói assim seu estilo particular de aprender; que sofrerá
modificações à medida que a esta se relaciona com outros contatos.
Para Bossa (2000,p.18),
[...] o sentido das aprendizagens é único e particular na vida de cada um,
e [...] inúmeros são os fatores afetivos emocionais que podem impedir o
investimento energético necessário às aquisições escolares.
56
Fundação Cidade Mãe
A afetividade, em cada um de seus estágios, quer dizer as emoções, o sentimento e
a paixão, pressupõem o desenvolvimento de certas capacidades em que se revelam um
estado de maturação. Observa-se que, quanto mais habilidade se adquire no campo da
racionalidade, maior é o desenvolvimento da afetividade.
Portanto, as aprendizagens ocorrem, inicialmente, no âmbito familiar e, depois, no
social e na escola.
Existem fatores que interferem na aprendizagem impossibilitando o fluxo normal
do processo de aprender. Tais fatores podem ser internos, de ordem orgânica ou psicológica, ou externos, ligados à metodologia de ensino, às condições sócio-econômicas e
ainda ao vínculo que o sujeito estabelece com o educador, pais e sociedade.
Assim, o afeto explica a aceleração ou o retardamento da formação das estruturas.
A aceleração pode ser percebida no caso de interesse e necessidade do indivíduo; e o
retardamento, quando a situação afetiva é obstáculo para o desenvolvimento intelectual da criança.
6.4 - O olhar de cuidador
O psicopedagogo é um profissional preparado para a prevenção, diagnóstico e o
tratamento dos problemas de aprendizagem. Através do diagnóstico, identifica-se a
causa do problema com testes, atividades pedagógicas, provas projetivas e jogos, entre outras. Na Fundação Cidade Mãe o profissional de Psicopedagogia atua no atendimento de crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem, inscritos nas
oficinas das diversas unidades, buscando melhoria das suas condições no processo
aprendizagem, num trabalho que visa também a valorização da auto estima do sujeito
aprendente.
De acordo com Carlos Byington “[...] não se pode ensinar utilizando somente o
pensamento [...]”. Isso confirma que deve ser cultivada uma sintonia com os aspectos
afetivos-emocionais para que a aprendizagem se desenvolva adequadamente, afinal
ninguém aprende e apreende sem afeto, sem desejo e sem curiosidade. Neste caso,
é importante criar um vínculo afetivo, valorizando o que a criança ou adolescente já
saiba, ao tempo em que se colocam regras e limites.
Reflexões envolvendo os temas Educar e Cuidar neste momento voltaram à tona.
Segundo Neide de Aquino Noffs (2003, p. ),
57
Ação Psicopedagógica
cuidar implica em identificarmos o que as pessoas sentem, pensam, o que as
fazem autônomas, independentes, felizes, saudáveis. Educar significa propiciar situações de aprendizagem capazes de contribuir para o desenvolvimento de diferentes habilidades cognitivas, assim como de ser e estar em
uma postura de respeito, aceitação, confiança e solidariedade.
Alguns teóricos, como Piaget, ressaltando o afeto, e Jorge Visca, indicando o lúdico, servem de base para o atendimento psicopedagógico. É através dessas duas vertentes que se desenvolve, na FCM3 , o trabalho de acompanhamento com as crianças e
adolescentes, buscando a parceria família – escola.
6.5 - Um caso de dificuldade de aprendizagem - E a afetividade?
Aqui relatarei um caso de atendimento na Unidade de Saramandaia, FCM. O sujeito do atendimento será chamado de “A”. Trata-se de uma adolescente de 13 anos, que
cursava, no momento, a 2ª série do Ensino Fundamental e participava da oficina de teatro. Segundo a educadora, “A” não consegue acompanhar a leitura dos textos, embora
seja uma jovem falante, desprendida e de fácil comunicação. Iniciado o atendimento
psicopedagógico, facilmente se estabeleceu o vínculo entre ela e a psicopedagoga.
Na avaliação psicopedagógic, constatou-se na jovem uma característica de agressividade, auto-desvalorização, além do medo intenso de errar e não corresponder às
expectativas. Entende-se que a função do psicopedagogo é investigar todas as variáveis
possíveis existentes no processo de aprendizagem, a fim de orientar as famílias para a
resolução de conflitos, inclusive de natureza afetivo-emocional, por isso tais aspectos
foram levados em consideração para a construção do diagnóstico. Tornou-se, então,
urgente a necessidade de uma investigação do histórico de “A”, sendo de imediato solicitada a presença da família para uma entrevista de anamnese. A mãe compareceu à
entrevista e relatou sobre as várias repetências na escola e a dificuldade da jovem em
aprender a ler; relata que isso a “faz perder a paciência e bater” na filha, “pois trabalha
e não tem tempo para ela”4 .
De fato, a família está perdendo sua capacidade de oferecer a socialização primária
e todo o cabedal de conhecimento, seja prático ou afetivo, implícito neste convívio.
“A” não encontra na família o estímulo necessário para sua aprendizagem, o incentivo
3
4
Fundação Cidade Mãe
Palavras da mãe de “A”.
58
Fundação Cidade Mãe
para seu desejo. A família não pode oferecer aquilo que, de fato, não conhece. O trabalho a ser realizado por “A” deve passar não somente pelo sujeito que consideramos,
a princípio, como portador de algum obstáculo pára aprendizagem. Constatamos aqui
que, antes de tudo, devemos trabalhar com a família, oferecendo suporte para que
possa compreender e auxiliar a jovem “A” no desenvolvimento de suas capacidades.
“Trabalhar” esta família não significa alfabetizá-la, letrá-la ou dotá-la de conhecimentos acadêmicos, mas mostrar-lhe as necessidades básicas de crianças e jovens, e de
seres humanos de um modo geral, no tocante à afetividade. É abraçar esta família para
que ela saiba o que é abraço e possa, assim, estender o mesmo gesto para seus filhos,
removendo deste modo alguns obstáculos postos no desenvolvimento afetivo, social e
cognitivo destes jovens.
A intervenção foi iniciada paralelamente com a jovem e a família, no sentido de
fortalecer ambas nas suas habilidades, visando construir competências para aprender
e também para educar. Com a mãe trabalhou-se jogos e dinâmicas que reforçam a
auto estima e o reconhecimento dos valores intrínsecos na relação familiar; realizou-se
entrevistas e dinâmicas de sensibilização, levando a família a perceber que o aprender
é reforçado pelo desejo e pela necessidade de responder positivamente ao que os pais
esperam; para “A”, aprender seria presentear a família com seu aprendizado, mas dar
este presente estava sendo algo que ela duvidava se ia ou não agradar.
Com a jovem, trabalhou-se a auto estima e a valorização do ambiente familiar, buscando assim auxiliá-la na construção de suas competências. Dizer que foi tudo muito
simples e fácil, não é possível. Houve um período de recusa não só da família como
da própria jovem, objeto do atendimento, mas aos poucos a conquista se concretizou.
“A” demonstrou interesse em aprender, em mostrar à família que podia aprender, aos
educadores e a mim, psicopedagoga que a auxiliou nesta travessia.
A escuta sensível, o olhar atento e o acolhimento afetivo facilitaram o bom resultado neste caso. A ação Psicopedagógica tem esse alcance e, segundo Sara Paim (1996),
seu foco central é possibilitar o “reencontro do sujeito com o anseio pelo saber [...]”.
Para “A”, o ponto crucial era se constituir como sujeito dentro da sociedade e, principalmente, dentro de sua família.
Perceber que esta jovem pode, ao longo de quase um ano de trabalho, recuperar
a auto estima e o desejo de ser admirada por aqueles que a cercam foi um registro de
avanço no meu trabalho. E, como ouvi de uma colega há algum tempo, ser psicopedagogo é ajudar a retirar as pedrinhas que estão no caminho do aprender; vejo neste
59
Ação Psicopedagógica
caso uma pedrinha que foi retirada e que abriu caminho para o desenvolvimento de
uma nova pessoa.
6.6 - Considerações finais
Quando se assume que o processo de aprendizagem é social, o foco desloca-se para
as interações e os procedimentos: o que se diz, como se diz, o que se faz, como se faz.
Conforme o indivíduo vai se desenvolvendo, as trocas afetivas vão ganhando complexidade. Demonstrar atenção às suas dificuldades e problemas são maneiras bastante
refinadas de comunicação afetiva. Nesse sentido, pode-se concluir que trocas afetivas
positivas não só marcam positivamente o objeto do conhecimento, como também favorecem a autonomia e fortalecem a confiança dos indivíduos em suas capacidades e
decisões.
Vale ressaltar que em muitos momentos o lugar de psicopedagoga recebe aportes
da formação como professora. É mesmo a partir desse intercâmbio que se percebe a
importância de um diálogo ampliado e que certamente aparece em alguns momentos
do trabalho.
Como a aprendizagem é um processo contínuo e a afetividade tem um papel imprescindível nesse caminhar, o meio deve proporcionar relações em que sejam trabalhados os afetos prazerosos e desprazerosos do sujeito, buscando seu equilíbrio nesta
ambivalência de afetos naturais no ser humano, e que favorece as aprendizagens significativas em todos os ambientes em que ele se desenvolve.
Favorecer a quebra das dificuldades de aprendizagem passa pelo caminho que percorre a família, a criança e a escola: os três ambientes devem ser investigados e trabalhados conjuntamente, pois desta forma atinge-se o objetivo esperado: fortalecer a
auto estima e favorecer a aprendizagem.
6.7 - Referências
ALMEIDA, A.R.S. Emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.
BYINGTON, C.A.B. A construção amorosa do saber: o fundamento e a finalidade
da pedagogia Junguiniana. São Paulo: Religare, 2003.
60
Fundação Cidade Mãe
BOSSA. N.A. Dificuldade de aprendizagem. O que são? Como tratá-lo? Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
FERREIRA, A.B.H. Novo Aurélio XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3 ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
NOFFS, Neide de Aquino. Psicopedagogia na rede de ensino: a trajetória institucional de atores-autores. São Paulo: EDITORA 2003.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1990.
VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1987.
PAIM, Sara. Subjetividade e objetividade: relações entre desejo e conhecimento.
São Paulo: CEVEC, 1996.
61
Fundação Cidade Mãe
7
Família x escola: o mito
Constatamos na nossa ação educativa que a grande maioria das famílias dos alunos matriculados na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental,
ou seja, crianças entre 6 e 10 anos de idade das escolas da rede municipal, localizadas
na periferia de Salvador, não participam ativamente do processo escolar. Essas famílias
entregam à escola a responsabilidade total sobre a formação não só intelectual como
emocional e psicológica da criança.
Com o objetivo de investigar a importância da família no processo de aprendizagem escolar, buscamos estudar o contexto social e sua influência na práxis pedagógica
das Séries Iniciais do Ensino Fundamental na rede municipal da periferia de Salvador,
observando mais precisamente como esta influência atua no aluno da terceira série,
com idade entre 8 e 10 anos, ou seja, dentro do período pré-operatório e operacional
concreto do seu desenvolvimento cognitivo.
Sabemos que educar é um processo complexo que envolve todo o contexto em que
o indivíduo está inserido. Escola e família são as instituições que estão mais explicitamente envolvidas, não diminuindo assim todos os outros meios, fatores positivos ou
negativos, mas fortemente influenciadores.
Percebe-se que à escola é atribuída a responsabilidade de construir e corrigir, saindo a família completamente de cena. E é nesse ponto que nos questionamos: sem a
(inter) ação e a parceria com a família, pode a instituição escolar suprir todas as necessidades educacionais do indivíduo? Existe uma linha demarcando territórios distintos
de cada uma dessas instituições?
Sabemos que o processo educativo acontece de maneira efetiva quando a família e
a escola atuam paralelamente e que o trabalho da escola só se completa com o da família; sendo assim, questionamos primeiramente: Por que a (inter) ação da família com a
escola ainda é um mito? O que falta para que estas duas instituições possam caminhar
paralelamente, se o objetivo de cada uma se funde em um só, que é educar e preparar
63
Ação Psicopedagógica
para a vida social os mesmos sujeitos?
Pudemos perceber que há uma grande desconfiança da família para com a escola
que ela própria escolheu, chegando ao extremo de notarmos reações de ciúmes, como
de houvesse competitividade na ação das duas. Já a escola, esta clama pela ajuda da família, mas vive, no momento atual, a síndrome de achar que todo problema, disfunção
ou desajuste do aluno tem sua origem em problemas de ordem familiar.
Procuramos definir família enquanto um sistema aberto, a maneira como estabelece suas leis e regras e o processo de transformação do seu conceito. É notório que já
não se tem mais um único modelo de família, embora exista um que é considerado
padrão: aquele formado por pai, mãe e filhos. Como ficam, então, aqueles cujo molde
familiar é diferenciado? Como se encaixam dentro da estrutura social?
Neste trabalho lançamos um alerta aos educadores da família e da escola: é urgente
que se faça uma parceria e que as duas instituições possam, juntas, buscar novos resultados.
Procuramos analisar como o contexto social, cultural e econômico influenciam na
formação do sujeito enquanto aluno. Percebemos que o aluno traz as características
do meio familiar em que está inserido. Se estiver em um meio equilibrado, tende a ser
um sujeito seguro, alegre, decidido; quando convive com leitores e adultos que estudam, valoriza a escola, tem interesse por leitura, preserva o ambiente escolar e seus
materiais. Mas se vive um momento de desajuste familiar, dificuldade financeira e /
ou outros problemas, tende a ser um aluno introspectivo ou até mesmo violento; no
entanto, salientamos que isso não é uma regra.
A desestruturação familiar e suas implicações na aprendizagem do aluno foi o que
discutimos a seguir. É fato que os moldes familiares estão em vias de mudança. E
como a criança reage a isso? E o que a escola e a família têm feito para amenizar estas
reações? São questões que permanecem em aberto, já que cada caso deve ser analisado
dentro do seu contexto.
Em seguida falamos do modelo de escola atual e de como os problemas familiares
são projetados ali, causando desconforto e gerando insegurança em todo o meio escolar. Como o sujeito da educação deve ser tratado nesse contexto? É necessário que seja
partilhado com a família não só as queixas, mas também todas as dúvidas, e que não
se rotule ou segregue o sujeito dos seus meios, seja o familiar ou escolar.
Em um capítulo à parte abordamos a interação da família com a escola no processo
de formação do sujeito. Relatamos algumas experiências que consideramos relevantes
64
Fundação Cidade Mãe
antes de iniciarmos a análise discursiva dos dados da pesquisa realizada.
Tecemos, então, nossas considerações e lançamos algumas propostas de ação conjunta entre as duas instituições, colocando, assim, um tijolo a mais na construção de
novas soluções para esta problemática.
7.1 - Metodologia utilizada e breve caracterização da escola e da
amostragem
Realizamos uma pesquisa cujo principal objetivo foi investigar a influência da
família no processo de aprendizagem do educando matriculado na terceira série do
Ensino Fundamental, na rede pública de ensino e residente em bairros periféricos da
cidade de Salvador. Procuramos identificar as interferências exercidas pela família e
pelo lar, de um modo mais amplo, no processo de aprendizagem escolar do educando,
estabelecendo paralelos de comportamento nos dois ambientes, especialmente nos casos em que houve desestruturação do lar.
O trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e de campo, realizada
no período de 30 de maio a 30 de julho de 2003, na Escola Municipal Santa Luzia do
Lobato, que fica localizada no bairro do Lobato, subúrbio ferroviário de Salvador. Recebemos a informação de que a escola foi fundada em 1985, devido à necessidade de
escolas no bairro, através de um convênio firmado com a Paróquia Nossa Senhora das
Dores, que cedeu o prédio composto por 03 salas de aula.
Atualmente, está funcionando em um prédio alugado, ministrando ensino de Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série para uma clientela de aproximadamente 340 crianças e adolescentes, nos turnos matutino e vespertino. Conta com
o apoio de 19 profissionais entre docentes e funcionários. É composta por 07 salas
de aula, 01 sala para direção e secretaria, 01 sala de leitura abastecida com livros fornecidos pelo MEC, 05 sanitários, 01 cantina e 01 área de recreação. As salas de aula
comportam, no máximo, 30 alunos sendo este o limite para cada turma.
Localiza-se numa área carente composta, em sua grande maioria, por uma população de baixa renda, caracterizada pelas diversidades ambientais e sócio-econômicas,
havendo a predominância de profissionais ligados às áreas domésticas e construção
civil, além de vendedores ambulantes nas ruas e trens, muitos deles crianças e adolescentes e uma intensa atividade em oficinas e sucatas. Insere-se, neste contexto, um
clima familiar desestruturado, predominando o descaso e o abandono dos pais numa
65
Ação Psicopedagógica
problemática em sua geografia acidental de morros e encostas e, ao mesmo tempo,
proporcionadora de outras atividades produtivas no nível comercial e de subsistência
como a pesca e a “mariscada“, devido às marés, sendo que a maior parte foi aterrada
no processo de construção do subúrbio ferroviário. É importante salientar que por
causa do crescimento urbano, deu-se a transferência das habitações, antes em torno
das marés (palafitas), para as construções desordenadas que ocasionaram os morros
e encostas. Este reflete o grande fluxo migratório dos moradores em épocas chuvosas
das quais derivam desabamentos, em um dos quais a própria escola foi vítima, motivando assim sua instalação provisória.
Para a realização do trabalho, contamos com a colaboração da direção da escola e
pudemos participar de reuniões de pais e mestres e outras da direção com o corpo docente. Também nos foi facilitado aplicar questionários não só aos alunos, mas também
às famílias, de forma que foi possível somar as informações e estabelecer comparações
entre o que foi dito por todas as partes. Professoras e demais funcionários da escola
contribuíram somando informações para a nossa pesquisa. Assim, tivemos uma visão
mais ampla da situação.
As leis que regem a educação em nosso país passaram por reformas e modificações
que acabaram por dividir esta responsabilidade entre a família e a escola. Enquanto a
Lei nº 5.692/71 deixava a cargo do Estado a responsabilidade com a educação, a nova
LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a Lei nº 9.394/96, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, passa a compartilhar
com a família o dever de educar.
Segundo PAROLIN (2003), família e escola são instituições com objetivos semelhantes e abordagens diferentes. Tanto a família quanto a escola desejam a mesma
coisa: preparar crianças para o mundo. No entanto, a família tem suas particularidades
que a diferenciam da escola, e suas necessidades que a aproximam da mesma. A escola
tem sua metodologia e sua filosofia para educar, mas precisa do apoio da família para
concretizar seu projeto educativo, reafirmando que ambas as instituições, quanto mais
de diferenciam, mais necessitam uma da outra.
A família constitui um sistema, um conjunto de membros individuais, que funciona de acordo com as regras e padrões de interação que transcendem as características
particulares de cada membro. A família é, portanto, um complexo maior que a simples
soma das partes e reflete não apenas os modos individuais de ser, mas acima de tudo,
a maneira como os diferentes membros e subsistemas interagem. Por outro lado, esse
66
Fundação Cidade Mãe
modo de funcionamento global da família influencia os padrões de cada indivíduo.
Como sistema aberto que é, a família está em permanente interação com o seu exterior, que a influencia e é por ela influenciado. A cultura típica de uma sociedade, seus
movimentos evolutivos e involutivos fatalmente vão interferir na vida familiar. Ou
seja, existe um padrão de vida familiar no qual o pai é o provedor da família, enquanto
à mãe cabe cuidar da casa e dos filhos. Seria o caso de, pelo motivo da recessão econômica que se vive atualmente, o pai perder o emprego e a mãe tornar-se a principal
fonte provedora da casa. É bastante provável que essa situação venha a provocar uma
alteração importante no funcionamento do sistema familiar, modificando as relações
entre os subsistemas e os seus padrões de comportamento geral e alterando as relações
com o exterior que, por sua vez, responderá de maneira nova e peculiar.
Um indivíduo é portador, sempre, de uma herança biológica que, em certa medida, o caracteriza e o diferencia dos demais. Mas ele é também, ao mesmo tempo, um
portador e um representante de toda uma história familiar que transcende os limites
da sua própria existência e até mesmo a da sua família nuclear.
Uma família não se perpetua apenas porque produz filhos biológicos, mas especialmente pelo legado cultural que transmite a eles. Deliberadamente ou não, os pais
vão imprimindo, ao longo da vida familiar, uma organização e um modo de funcionamento que vão desempenhar papel primordial na definição das interações intra e
interfamiliares e constituir, em grande parte, o paradigma das relações que os filhos
vão desenvolver nos demais contextos e sistemas dos quais venham a participar. São
os ideais e valores que orientam a vida familiar e os seus modos interacionais que vão
constituir um sistema referencial que a criança atualizará no sistema escolar. E é com
esse referente que a criança vai interagir com seus parceiros no ambiente escolar, tais
como seu grupo de companheiros ou o subsistema da classe, os professores, os orientadores, o diretor e outros.
A família tem sido o nosso centro de atenção por ser um espaço privilegiado para
desenvolvimento e aquisição de conhecimentos e para a solidificação de hábitos relevantes para a vida escolar da criança. Acreditamos na família enquanto base emocional para o desenvolvimento do indivíduo. Segundo REIS(1994,p. ):
É comum ouvirmos referência à “crise familiar”, “conflito de gerações”, “morte da
família”. Ela também suscita polêmicas: para alguns, a família é a base da sociedade,
garantia de uma vida social equilibrada, célula sagrada que deve ser mantida intocável
a qualquer custo. Pra outros, a instituição familiar deve ser combatida, pois representa
67
Ação Psicopedagógica
um entrave ao desenvolvimento social; (...) No entanto, o que não pode ser negado é
a importância da família tanto ao nível das relações sociais, nas quais ela se inscreve,
quanto da vida emocional dos seus membros.”
Assim como cada família estabelece suas leis, normas e costumes, a escola também
é uma instituição que tem definidos seus princípios, objetivos, conteúdos, direitos e
deveres com fins a garantir a transmissão dos conhecimentos e valores construídos ao
longo dos tempos.
Em situações de dificuldades de aprendizagem, professores vêm dando grande ênfase aos obstáculos sócio-afetivos, vinculando-os freqüentemente às relações familiares. Alguns educadores apontam a indiferença, a agressividade e a super proteção dos
pais, a falta de padrões e normas de comportamento e de contato com materiais gráficos, a falta de estímulo, a pobreza e as perdas familiares como responsáveis pelo mau
rendimento do aluno. Estas interferências nos remetem não só a noção de obstáculos
que ocorrem no momento presente, impedindo que a aprendizagem se desenvolva,
mas também às noções de causas psicológicas que ocorreram no seio familiar e que
também poderão interferir na aprendizagem.
Dizemos que o indivíduo está pronto para aprender quando ele apresenta um
conjunto de condições, capacidades, habilidades e aptidões consideradas como pré-requisitos para o início de qualquer aprendizagem. Porém, múltiplos são os fatores
que interferem implicando esse processo, a exemplo dos fatores biológicos, psicológicos, pedagógicos, econômicos e sociais. Assim, nem todos têm as mesmas chances e
isso se dá pela herança cultural ou biológica de cada um, mas os obstáculos podem ser
superados se trabalhados.
O lar é considerado o primeiro ambiente social da criança. Segundo LANE (1981),
ao nascer, a criança necessita de outras pessoas não só para assegurar-lhe a sobrevivência, mas também para mediar a sua relação com o mundo. Desde o seu primeiro
momento de vida, o indivíduo está inserido num contexto histórico que segue o modelo ou padrão de cada sociedade.
A instituição familiar é considerada como a menor unidade social. Nela, a criança
encontrará o apoio, a segurança e construirá as suas primeiras aprendizagens, recebendo os ensinamentos e as orientações básicas importantes para o seu desenvolvimento
e sua educação. Por ser um sistema aberto, a família interage permanentemente com
o seu exterior, ou seja, com o meio ambiente, o que faz com que ambos se influenciem
mutuamente.
68
Fundação Cidade Mãe
A família sempre foi considerada como um elemento fundamental no desenvolvimento do caráter do indivíduo. A ela compete estruturar o sujeito, transmitindo-lhe
valores morais e éticos, normas e crenças. A identificação, individualização e autonomia deste, se construirão na medida em que compartilhe diariamente com pessoas
que lhe dêem carinho, atenção, suporte material para atender às suas necessidades e
oportunidades para discutir sobre assuntos diversos e expor o que sente e o que pensa.
Será através dessas relações familiares que a criança construirá seus primeiros vínculos
e apreenderá o mundo que a cerca.
É natural que os pais desejem o melhor para os seus filhos; desejem que sejam felizes e que se realizem tanto na vida profissional como na vida pessoal. De acordo com
PAROLIN (2003), independente do contexto, todos os pais sempre projetam o sucesso
sobre seus filhos e, na maioria deles, sobre seus estudos. As expectativas da família em
relação à criança estão diretamente ligadas ao contexto sócio-afetivo e cultural. A escola tem grande importância para os pais que, por sua vez, passam a exigir da criança
o compromisso de corresponder através do sucesso incondicional.
Consideramos que o seio da família é o lugar onde se cria o hábito da leitura, da
observação, do estudo e do querer aprender. Quando este é ali desenvolvido e não apenas na escola, a valorização do conhecimento é maior. É grande o significado da ação
dos pais junto aos filhos quando a motivação é ajudá-los em sua educação escolar. O
filho, enquanto aluno, desenvolve o respeito pela escola, pela educação e por sua competência em aprender. Infelizmente, temos que ser realistas e buscar compreender as
razões que levam famílias a, no lugar de ajudarem seus filhos, apenas buscarem culpar
a escola por seu fracasso. Embora saibam da necessidade da educação, poucas são as
famílias conscientes da necessidade de um bom relacionamento entre elas e a escola.
Ainda detectamos em algumas mães reações de ciúmes com relação à professora, ao
conhecimento adquirido na escola e que, muitas vezes, elas atribuem unicamente a si
próprias, do tipo: “Ele aprendeu a ler porque eu ensinei”. Existe, de fato, famílias que
não contribuem, não aceitam agir em parceria com a escola, embora afirmem dar todo
o apoio e ajuda necessária pra a educação do filho. E é por isso que concluímos que a
interação entre a família e escola seja um grande mito. Para desmistificar e tornar realidade esta relação, propomos ações que aproximem de fato as duas agências, pois estas
são instituições que precisam caminhar de mãos dadas, reconhecendo que o ponto
onde se quer chegar é comum às duas.
Uma realidade perceptível entre os educadores de hoje, mas que sem dúvida não
69
Ação Psicopedagógica
é uma realidade obrigatória, é a crença em que a maioria dos problemas apresentados
pelo aluno no cotidiano escolar são decorrências imediatas de prováveis desajustes
familiares.
Segundo AQUINO (2003), “o clichê da desestruturação da instituição familiar tem
servido como mais um conspirador contra o poder do trabalho pedagógico”; e, de
certa forma, passa a ser mais uma justificativa para o fracasso escolar, mesmo que esse
tenha suas raízes nas mais diversas causas. Ele também discute um outro mito que
vivemos dentro da escola que é crença unânime de que o filho de uma boa família é
sempre um bom aluno; filho de uma família de estrutura abalada tende a ser um mau
aluno, independente da experiência escolar que traga. E o respeito à bagagem de cada
um? Às vivências, às aquisições familiares, sociais e escolares?
Vale saber que, no momento atual, o modelo familiar já não é um só, mas existem
vários moldes em processo de construção; é um momento de transição dentro do conceito de família e não necessariamente de desestruturação do conceito.
Com a evolução dos tempos tornou-se impossível manter como único o modelo
de estruturação familiar, que era composto por pai, mãe e filhos. Com o desenvolvimento do sistema capitalista, a mulher ganhou espaço nas fábricas, nos escritórios, no
comércio, na política. A educação das crianças passou a ser “terceirizada”, o casamento
perdeu a estabilidade e, com o advento do divórcio, tudo se tornou ainda mais natural
em termos de novos padrões de família. Na partilha dos bens, entraram os filhos e
novos modelos de família foram surgindo. No entanto, para a escola o aluno será sempre o aluno, sendo indiferente a sua situação social. Então o que está em questão não
é necessariamente a deterioração dos moldes familiares, mas a proposta de educação
para todos, a democratização da escola. E esta tem que ser democratizada mesmo, ao
pé da letra, independente de onde esteja inserida, do tipo de família e da condição
sócio-cultural ou mesmo afetiva de cada um. É importante que haja escolas, vagas suficientes e, principalmente, currículos adequados a cada comunidade, ou seja, um projeto pedagógico próprio para cada unidade escolar e que vise incluir cada indivíduo.
Que não promova as diferenças, mas que também não suponha que os sujeitos sejam
iguais. Cada um é um, e se isso não for enxergado, estará se alimentando a escola que
exclui, segrega e demove os alunos menos favorecidos, em todo e qualquer sentido. A
maior parte das queixas contra as famílias é parte da recusa dos profissionais da educação à premissa da educação escolar.
Pudemos perceber, em nossa pesquisa, que os professores têm sido convocados a
70
Fundação Cidade Mãe
compartilhar e até a solucionar questões absolutamente fora do âmbito escolar, o que
lhes habilita a acreditar que os alunos sofram pela ausência de estrutura familiar, fator
que, comprovadamente, interfere no processo cognitivo. Ainda que os profissionais de
educação estejam corretos em suas conjecturas, não seria o caso de a escola assumir as
funções que são claramente da família. O que é da escola, é da escola; mas o que cabe
à família exclusivamente, que seja resolvido por ela.
O desejo do educador é ver a família cumprindo seu papel de estimuladora na
educação escolar de cada criança. Mas... Qual é o papel da família? Qual é o papel da
escola? Infelizmente, as respostas não são muito claras e precisas; não há uma linha
que demarque as funções de cada uma das instituições em questão. E quando se busca
discutir o tema com pais e professores, as coisas mostram-se ainda mais complexas.
Será que se pode determinar qual das duas tem um papel mais importante? E alguma
tem um papel mais importante?
No mundo atual, repleto de guerras de toda ordem, o que menos se precisa é de
rivalidade entre família e escola, instituições cujos objetivos são comuns no que se
refere a formação dos jovens.
É urgente que estas se unam numa parceria saudável e construtora, já que seus
objetivos giram sempre em torno dos mesmos sujeitos, filhos e alunos. A escola não
pode fazer-se de desentendida diante da realidade familiar atualmente existente: pais
que trabalham e trabalham, filhos criados sob a “supervisão” da televisão, que nem
sempre traz o melhor para a educação, e a ausência de quem possa ajudar nas tarefas
escolares de casa; sabemos que algumas vezes a ajuda até existe, ou melhor, o desejo
de ajudar, que se depara com as limitações de quem está descontextualizado dos novos
paradigmas da educação escolar. E ainda há o mundo enorme de atrativos reais, bem
mais convidativos ao jovem que a tarefa árdua e solitária que é estudar.
É claro que as duas agências, a escolar e a familiar têm papéis intransferíveis, mas
há que se compreender que são complementares, o que conclama, urgente, a formação
dessa parceria. À família cabe a função de estimular para a escola, auxiliar nos exercícios de casa sem, no entanto, fazer pelo aluno. O que ocorre algumas vezes é que
famílias muito ansiosas acabam por dar demais e dar errado, não ficando na criança
nem a percepção do seu interesse em ajudar. Famílias que não sabem orientar, instrumentar ou supervisionar o trabalho; vão e fazem como se fosse o “seu” trabalho. Outro
ponto que percebemos em alguns lares que querem ajudar demais é a cobrança errada
e exagerada; não criam um horário adequado para estudar com seus filhos, não tor-
71
Ação Psicopedagógica
nam o ambiente propício nem dão condições suficientes para que as tarefas propostas
pela escola sejam realizadas a contento. Assim, por conseqüência, não atingem seus
objetivos.
À escola cabe também lançar mão de reuniões que abordem o como ajudar nas tarefas escolares dos filhos, suscitando assim, a participação efetiva da família. E que não
haja inversão de papéis: o que é da escola, que caiba a escola; o que é da competência
da família, que seja realizado por ela. Mas que quando a ação de ambas se fizer necessária, que haja a cooperação, a parceria. Afinal, o objetivo de ambas é comum: formar
pessoas aptas a enfrentarem o mundo e plenamente inseridas em seu contexto social.
7.2 -A influência do contexto social, cultural e econômico na formação do aluno.
O ser humano vive em sociedades, grupos de pessoas que interagem entre si. Para
a criança, o ambiente social em que está inserida é determinante para a formação
da sua personalidade, das características que vão determinar seu modo de pensar, de
compreender o mundo, de ser. Cada sociedade tem uma cultura distinta, seu conjunto
de conhecimentos acumulados com o tempo, maneiras características de pensar, de
agir e reagir, de objetivos e ideais.
Segundo MUSSEN (1975), a socialização é o processo pelo qual o indivíduo adquire as formas de comportamento aceitáveis pelos costumes e pelos padrões de sua
família e de seu grupo social. A família, normalmente a primeira instituição na qual o
sujeito é inserido, tem grande influência na formação de sua personalidade. Influencia,
também, na sua formação social, já que é ela quem decide onde e como a criança vai
viver seus primeiros anos; decide também a hora de inseri-la em um ambiente maior:
a escola. Sabemos que esta “decisão” será tomada de acordo com a formação social,
cultural e econômica de cada família. E esta é uma grande decisão: qual o momento
certo? Qual a escola ideal? Este onde e quando são escolhas fundamentais. Mas será
que toda família percebe que sua atuação, a co-participação, são ferramentas para tornar sua decisão ainda mais acertada?
É notório que grande parte dos pais ou responsáveis buscam salientar os “defeitos”
da escola, o despreparo dos professores e pior: o fazem com grande satisfação, como
se mostrassem as fraquezas do “concorrente”, do opositor. Como se o erro da escola
reforçasse as virtudes e qualidades educadoras da família. Infelizmente, é assim que
72
Fundação Cidade Mãe
muitas famílias vêem a escola, como concorrentes do direito de educar o filho. Por
isso, se faz urgente a necessidade de acordar a família para as necessidades da escola;
educar, ajudar na construção do cidadão é tarefa global, dever de todos, direito de cada
um. Os erros e acertos devem ser discutidos para serem sanados e o meio para isso é
o diálogo e a parceria.
Para a criança, a família e suas atitudes são exemplos a serem seguidos. Assim, se
esta valoriza e impulsiona para cima a escola que escolheu, estará lhe entregando um
sujeito que, de antemão, reconhece o valor da instituição; as famílias que agem desta
forma certamente valorizam o produto do que é realizado na escola, percebido dia-a-dia no filho / educando.
O que fica claro é que a família tem uma representatividade bastante significativa
no processo educacional do sujeito. Quando se faz presente, acompanha e se mostra
preocupada com a aprendizagem, valoriza e estimula a execução das tarefas e, ainda,
oferece recursos diversos para que a aprendizagem se efetive com qualidade, a família
é capaz de despertar no indivíduo o gosto pela leitura, escrita, artes, o interesse constante por descobrir mais e novos conhecimentos.
A influência do lar como habitat da criança, assim como a influência do meio social mais amplo é muito grande, principalmente na primeira infância e na adolescência, quando o desenvolvimento requer um maior cuidado e atenção. A organização
familiar e seus modos interacionais vão construir um sistema referencial que a criança
utilizará no sistema escolar. Considerando a escola como uma extensão do lar, cabe
a ela proporcionar as oportunidades para o bom entrosamento entre os adultos e as
outras crianças, pois desse dependerá a integração entre elas no grupo escolar, assim
como sua maior adaptação ao novo tipo de vida. “A criança passará da educação informal que vinha recebendo do lar, para um sistema formal de estudos, ingressando em
um universo de conhecimentos, de normas disciplinares e de novas relações sociais.”
(DROUET, 2001, p. 213-214)
Os distúrbios provenientes de uma educação familiar mal orientada podem resultar em problemas de aprendizagem. Uma grande parte dos problemas educacionais
infantis continua a se originar no lar. Os ambientes físico e social, o clima emocional e
os níveis cultural, educacional e sócio-econômico da família são aspectos importantes
que devem ser considerados, pois neles podem estar a resposta para muitas dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos educandos no interior da instituição escolar.
Ressaltamos que não é só aí que se pode encontrar as causas para todas as dificuldades,
73
Ação Psicopedagógica
mas também não se deve descartar esta possibilidade, que é igualmente importante.
É relevante que desde cedo as crianças tenham, estabelecidos pelos pais, horários
para as refeições, estudos, repouso e sono, com a finalidade de desenvolver-lhes a noção de responsabilidade. A união, a cooperação e o respeito mútuo são ingredientes
também fundamentais na obtenção de um ambiente físico e social organizado.
A harmonia do casal e tratamento igual dispensado a todos os filhos são elementos muito importantes na criação de um lar equilibrado emocionalmente. As crianças
que se sentem incompreendidas e não amadas tornam-se inseguras. Esta insegurança
reflete-se na aprendizagem e no rendimento escolar.
O nível cultural, educacional e sócio-econômico da família também exerce grande
influência no processo de aprendizagem da criança. Quanto maior o grau de escolarização dos pais, maior será o conhecimento que esses poderão transmitir aos seus
filhos.
A criança, inserida em um ambiente onde a leitura e o acesso a programas culturais
sejam freqüentes, terá oportunidades de ampliar ainda mais os seus conhecimentos.
Em contrapartida, os pais que têm pouca ou nenhuma instrução, só poderão oferecer e
ensinar a seus filhos os conhecimentos práticos muito úteis. Encontramos casos cujos
pais afirmam que mesmo sem escolarização conseguem trabalhar, sustentar família
e ainda comprar televisão. Assim sendo, o pouco que o filho estudar, será suficiente.
Basta que saiba ler e escrever para que possa ser inserido no mercado de trabalho. A
falta de perspectivas e de objetivos dessas famílias que não sonham e sim se acomodam com o pouco que têm, dificulta o trabalho pedagógico em todo o seu desenvolvimento, pois não vendo a educação formal como “escada” para elevar o nível cultural
e educacional da criança, os pais, involuntariamente, geram nesses, conflitos. Neste
caso, quando a educação escolar não é considerada importante pela família ou por um
membro dela, o trabalho da escola é dobrado, porque ela precisa conquistar a confiança e o desejo do aluno.
O nível sócio-econômico da família é outro fator que influi no aparecimento de
problemas de aprendizagem. A família que pertence à classe social alta terá todas as
possibilidades de oferecer boa educação aos seus filhos. As crianças oriundas de famílias de baixa e média classe, mesmo não dispondo de muitos recursos, poderão alcançar altos níveis de desenvolvimento intelectual e serem bem sucedidas nos estudos. Já
as crianças de famílias de classes populares terão maiores dificuldades em ascender.
O fato de pertencerem a essa classe não significa dizer que sejam despreparadas para
74
Fundação Cidade Mãe
aprender, porém, mesmo sendo inteligentes e estudiosas, freqüentarão escolas públicas nem sempre eficientes, além de não terem a oportunidade de leitura de bons livros,
viagens e cursos. Essas terão que desprender de um esforço redobrado.
O ambiente físico e social da escola, os professores e seus programas e métodos são
também elementos causadores de problemas de aprendizagem que precisam ser considerados. Também a estrutura física da escola, assim como a interação entre professores, alunos e demais componentes da comunidade escolar, são elementos importantes
para a adaptação da criança. Um ambiente acolhedor, alegre e descontraído favorecerá
muito o processo de ensino e aprendizagem.
O acompanhamento dos pais no desenvolvimento dos trabalhos pedagógicos é imprescindível. A relação de parceria pais x escola, deve ser estabelecida com o propósito
de contribuir para melhoria das atividades intra e extra escolares, como também na
solução de problemas de aprendizagem.
Segundo SCOZ (1994), quando a criança apresenta problemas para aprender, a
forma com que a família reage pode agravar ou ajudar sua recuperação. O contato com
a família pode trazer informações sobre os fatores que estão interferindo na aprendizagem e apontar os caminhos mais adequados para ajudar a criança.
Família e escola são instituições fundamentais à formação da personalidade do indivíduo. É importante salientar que tanto pais quanto profissionais de educação devem
estar atentos aos distúrbios de aprendizagem apresentados pelo sujeito auxiliando-lhes
na construção de novos conhecimentos.
Não há dúvida de que a influência familiar é decisiva na aprendizagem do aluno.
Os filhos de pais extremamente ausentes vivenciam sentimentos de desvalorização e
carência afetiva que os impossibilita de obter recursos internos para lidar com situações adversas. Isso gera desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse,
sérios obstáculos à aprendizagem escolar. A representação que as crianças têm dos pais
também pode influenciar diretamente na sua relação com os professores, na medida
em que há uma transferência de imagens de uns para os outros. A formação de hábitos
de uma criança será sempre o espelho do que ela vivencia em família. Como disse
MACHADO (2001,p.21) em entrevista à revista Nova Escola, “Dois fatores levam uma
criança a gostar de ler: curiosidade e exemplo. Por isso, é fundamental o adulto mostrar interesse.” E é esse interesse pela leitura e pelo estudar percebido na família que
de fato mobilizam o desejo da criança, seja pelo ato natural de imitar os pais ou outros
“modelos” que tenham em casa, ou até mesmo pela pura curiosidade, como disse a
75
Ação Psicopedagógica
professora e escritora citada.
7.3 -Desestruturação da instituição familiar e suas implicações na
aprendizagem
A estrutura familiar é fundamental para a formação social e intelectual do indivíduo. Como já dissemos, a desestruturação do antigo modelo de família que conhecemos e que a sociedade aceita de forma natural, está em claro processo de transformação. É necessário que os reflexos dessa transformação não sirvam de “desculpas” para
encobrir as culpas de outros processos que causam o desajuste do sujeito dentro da
escola, além de ser também necessário considerar as causas de outras ordens que não
sejam as sociais, como as orgânicas, por exemplo. De certa forma, o modelo de família
encontra-se em transição, mas isso não pode ser usado como mais uma justificativa
para o fracasso escolar.
Segundo SCOZ (1994, p.143) e de acordo com nossas constatações, é a falta de
contato com os pais dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem que
representa um grande empecilho para que as mesmas sejam solucionadas; além disso,
é o contato com os familiares que pode fornecer informações para identificação dos
fatores que interferem na aprendizagem e indicar os caminhos mais adequados para
se ajudar a criança em questão. Também torna possível orientar a família para que
seus membros compreendam o quanto as relações familiares podem e influenciam o
desenvolvimento da aprendizagem das crianças.
Reconhecendo que é, muitas vezes, durante a fase das séries iniciais que ocorrem as
separações, ou seja, a desestruturação da primeira forma de lar conhecida pela maioria
das crianças, primamos por observar as implicações desse evento no processo de aquisição de conhecimentos sistematizados ou não. De um modo geral, embora de formas
diferentes, a criança é atingida no campo emocional quando vê sua família assumir um
novo formato. A palavra em destaque é separação e ela nem sempre consegue elaborar
isso. Separar por quê? Quem se separa? Como eu fico? E meus amigos? Meus tios e
primos e avós? Minha escola? Estas são, provavelmente, as questões que povoam a
mente da criança que vive este conflito. É quando ela percebe que este é também um
momento de decisão ou de aceitação. Para este sujeito, embora as coisas parem por
alguns momentos, tudo mais continua: a escola, as aulas, os amigos e a própria vida de
cada um dentro do ambiente familiar conflituoso. Não é regra, claro, mas são muitos
76
Fundação Cidade Mãe
os fatores decorrentes da separação que interferem no desenvolvimento e no comportamento do aluno. Como já dissemos, não é regra de fato; são muitas as famílias
que educam seus filhos em regime de separação, com grandes ausências e profundo
desconhecimento, embora não tenha havido a separação ou desestruturação do lar.
Nas famílias assim fundamentadas, a separação só será sentida se houver queda no
status do sujeito.
Para aqueles que vivem o dilema de escolher com quem ficar ou de ficar com quem
escolheu preterindo o outro, a insegurança pode se refletir no âmbito da escola. Na
maioria das vezes os próprios pais desconhecem o reflexo da situação sobre o filho;
outros, mesmo alertados, resistem à idéia de se considerarem causadores de qualquer
ordem de desajuste, buscando, inclusive, responsabilizar terceiros e até a própria escola por quaisquer “desequilíbrios” no comportamento ou desenvolvimento do aluno.
É comum os pais não acreditarem na escola e, mesmo assim, passarem para ela suas
responsabilidades e culpas, omitindo-se de assumir as conseqüências de seus atos ou
omissões. Existem também casos em que a separação não gera conflito nem trauma; o
diálogo claro estabelecido entre pais e filhos, mostrando a necessidade e as vantagens
da separação, a impossibilidade de manter o casamento, faz com que a criança aceite o
fato, como algo inevitável e natural; claro, se as condições não forem estranhas à relação, nem violentas. Outro caso é aquele cuja vida familiar é permeada por discussões e
atitudes de violência física, e que quando ocorre separação a criança vive um momento
de “alívio” e encontra o equilíbrio, algumas vezes até melhorando seu rendimento e
desempenho escolar.
Segundo PATTO (1990), o desejo que os filhos estudem e tenham sucesso na
aprendizagem escolar está sempre presente no discurso dos pais. É necessário então
que assistam melhor aos filhos durante a separação, dotando-lhes de ferramentas para
elaborarem bem a situação impossível de ser evitada, não permitindo assim que haja
interferência por esta causa no seu equilíbrio e no processo de aprendizagem escolar.
Não sendo assim, a situação, por mais que seja esperada, poderá ocasionar insegurança, gerará conflito e desequilíbrio emocional.
Muitas vezes, é a falta de instrução e conhecimento ou a própria dificuldade sócio-econômica que mantém a família à margem dos problemas de aprendizagem dos
filhos. Algumas vezes há a consciência da dificuldade provocada pela separação, há
também o desejo de ajudar embora faltem os meios, que vão desde as condições de diálogo até a precariedade dos serviços públicos oferecidos, caso a escola indique algum.
77
Ação Psicopedagógica
SCOZ (2001, p.74-75) diz que as crianças que se sentem abandonadas, não amadas, terão, quase sempre, dificuldades para desenvolver um sentimento de identidade
estável e satisfatório. Não possuem autoconfiança e perdem a auto-estima e, por não
acreditarem em suas potencialidades, não conseguem resolver as atividades propostas pela escola. Ao sentirem dificuldades e perceberem possibilidades de fracasso,
abandonam suas tarefas e retraem-se. Deixam de acreditar nos adultos, não procuram comunicar-se com eles para expor seus problemas e buscar soluções que acham,
inclusive, que não existem, iniciando aí a privação da capacidade de comunicação,
impedindo a possibilidade de enriquecimento do seu vocabulário; sua comunicação
fica empobrecida interferindo assim na aprendizagem da linguagem oral e escrita. De
acordo com BLEGER apud SCOZ (1984, p.85), “os vínculos negativos que a criança
desenvolve com os adultos à sua volta certamente interferirão no seu vínculo com o
objeto do conhecimento”.
“Embora o afastamento ou ausência dos pais exerça uma grande influência na
aprendizagem dos alunos, convém observar que esses fatores não devem ser considerados isoladamente” BLEGER apud SCOZ (1984, p.85), ou seja, os ditos problemas
provenientes da desestruturação familiar não podem ser vistos de maneira isolada,
mas dentro de um contexto mais amplo, que envolve a própria organização da sociedade. Há o caso em que a criança não sofre tanto o caso da separação, mas a sua mudança
de status social; algumas vezes fica difícil para ela se admitir filha de pais separados
quando a maioria do seu grupo tem pai e mãe morando juntos, e esta possibilidade
que citamos foi um fato comentado pela professora, falando de sua própria experiência como aluna.
Algumas vezes, no caso da separação, há problemas que são gerados pelo excesso
de zelo e pela superproteção por parte daquele que ficou com o filho. Isso pode resultar
em um baixo limite de tolerância à frustração, uma certa limitação da capacidade de
decidir, agir, fazer por conta e risco próprio; também pode ocasionar falta de iniciativa
e criatividade; mas estes são sintomas que devem estar aliados a outros e que precisam ser bem analisados. Estes aspectos emocionais que limitam o desenvolvimento da
aprendizagem também podem ter outras origens e isso precisa estar sempre bem claro.
A dificuldade na relação familiar é apenas uma delas. Estas dificuldades podem ser expressas por uma rejeição ao conhecimento escolar, em trocas, omissões e distorções na
leitura e na escrita e em não conseguir elaborar cálculos, dentre outras manifestações.
É fato que todas as famílias passam por determinadas dificuldades e problemas em
78
Fundação Cidade Mãe
alguns momentos de sua existência. Algumas resolvem seus conflitos sozinhas, outras
solicitam ajuda a terceiros e em outras, no entanto, instalam-se comportamentos determinados, o que Weiss chama de sintomas, em alguns dos seus membros que retratam a dificuldade de aceitação e até de manutenção do equilíbrio; no entanto, segundo
WEISS (2001), para poder avançar, a (nova) estrutura familiar precisa adaptar-se às
circunstâncias atuais e transformar determinadas normas e padrões de comportamento, buscando superar o desajuste.
No momento de mudança a criança desenvolve resistências e tensões que se manifestam, muitas vezes, através do bloqueio da aprendizagem, desenvolvendo sintomas
diversos através da sua dificuldade de elaborar emocional e psicologicamente a nova
situação.
Tradicionalmente escola e família têm estado afastadas apesar de possuírem freqüentes relações ou interações. É necessário que se crie um clima de relativa “intimidade” entre estes dois sistemas, de forma que a ação de um seja conhecida pelo outro,
visando nada mais que assistir da melhor maneira possível o educando no qual desenvolvem-se as atitudes, ou seja, os sintomas que caracterizam a dificuldade de aprendizagem. A interação entre a família e a escola facilitará a condução do caso rumo a uma
solução, visto que determinar que a causa seja única e exclusivamente proveniente da
desestruturação familiar é um erro. Como citou SCOZ (1994), o caso deve ser visto
num contexto mais amplo e abrangente, ou seja, o que seria um problema familiar
visto rapidamente, numa análise mais detida pode perceber-se ser uma questão social.
7.4 -A escola e a projeção dos problemas familiares no seu âmbito
O processo de ensinar e aprender são fundamentais para o desenvolvimento do
ser humano e para perpetuar a espécie; e os dois processos citados não ocorrem em
apenas um lugar, como se sugere muitas vezes, mas, em todo lugar, principalmente na
família e na escola. A escola traz como seu objetivo principal, ensinar; não importa
qual seja a escola ou em que comunidade esteja inserida. O seu papel social é ensinar,
doutrinar, levar conhecimentos sistematizados, facilitar o aprendizado. À família cabe
o papel de educar, direcionar, disciplinar. Mas é só? As funções serão assim limitadas e
estanques? E se assim são, onde está o conflito? Em nosso trabalho, buscar respostas e
soluções para estes questionamentos têm sido os principais objetivos, cuja meta é despertar os educadores, na escola e na família- para a necessidade de uma co-operação.
79
Ação Psicopedagógica
As ações executadas individualmente por cada uma dessas instituições têm, ou
deveriam ter, o mesmo objetivo: formar cidadãos críticos, aptos e desenvolvidos para
sobreviverem em uma sociedade moderna e competitiva. E para que essas ações resultem positivamente é necessário que haja um intercâmbio de idéias e que as posturas de ambas sejam convergentes. No entanto, embora o discurso da necessidade
da interação entre família e escola esteja em alta, o que vemos, na realidade, é uma
grande divergência de valores, distorções de posturas, acusações e rivalidades. A escola fazendo acusações a estrutura familiar pelos seus fracassos e a família a esperar
que a instituição escolar corrija todas as suas falhas e ausências na educação dos filhos.
O diagnóstico é claro: falta o diálogo entre as duas instituições para que se resulte em
uma parceria, cujo objetivo seria a otimização do exercício de cada uma.
É possível constatar que esta realidade não se aplica apenas a esta ou aquela escola
ou família; independe da classe social ou do contexto em que está inserida. Hoje, a
escola busca a parceria com a família, talvez por vias erradas e, tanto uma quanto a
outra, não podem ser consideradas de forma abstrata, dissociada de suas condições
históricas e socioculturais.
Para que funcione satisfatoriamente, a escola de hoje necessita da participação de
todos os seus usuários, compreendendo este universo como alunos e pais ou responsáveis, na realização das suas propostas e objetivos educativos, devendo esta adesão
culminar em ações efetivas que contribuam para o bom desempenho do educando.
Por meio da educação o homem tem a possibilidade de construir-se historicamente e essa construção ocorrerá sempre de forma organizada. A escola é o locus da educação sistematizada, mas a família, o contexto social do educando, tem grande influência
no seu processo de construção do conhecimento, pois é lá, fora da escola, que o sujeito
passa a maior parte do seu tempo.
No Artigo 4º, inciso VIII, da LDB consta que deverá haver “atendimento ao educando no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Mas, o que se pode
observar em algumas escolas da rede pública de ensino é que estas ainda possuem
muitas deficiências, mostrando-se, muitas vezes por motivo de ordem administrativa,
impossibilitadas de atender o que rege a lei para suprir as carências e necessidades de
sua clientela. O que acontece é que, por falta desse material didático e dessa assistência
citada, o aluno fica, em grande parte do tempo ocioso e propenso a atitudes negativas.
Como lembra PARO (2000, p.13 ), o profissional de educação, mais precisamente o
80
Fundação Cidade Mãe
professor, não tem conseguido fazer muito diante das dificuldades que se apresentam
durante o processo, que vão desde a falta de material escolar até a superlotação das
classes, ou seja, das condições inadequadas de trabalho de um modo mais geral. Há
outro fator ainda: a baixa remuneração que o obriga a trabalhar em duas ou mais instituições, ficando sobrecarregado de atividades e problemas, o que implica diretamente
a qualidade do trabalho desenvolvido.
Diante dos fatos, a escola pública brasileira tem produzido altos índices de reprovação e a evasão tem sido cada vez mais assustadora. Quanto àqueles que conseguem ser
aprovados e permanecer no sistema, o nível de conhecimento que adquirem é, quase
sempre, altamente insatisfatório. A culpa, na maioria das vezes, cai sobre o professor,
acusado de incompetência e de pouco empenho profissional. Sabendo que existe uma
grande gama de profissionais de educação com baixa consciência política, conclui-se
que estes nem percebem que também são vítimas do sistema e, em defesa própria,
põem a culpa unicamente no aluno, acusando-o de não querer aprender. Assim, cria-se um círculo vicioso no qual ninguém tem responsabilidade pela situação, sendo
todos um tanto responsáveis de fato.
Em busca de justificativas para o insucesso do seu trabalho, o profissional “despeja”
no aluno e na sua condição social toda a culpa pelo mau desempenho das duas partes;
esta é uma realidade fática.
Uma das funções mais essenciais da escola é ensinar o aluno a querer aprender,
é despertar nele o desejo de conhecimento; aceitar sua indiferença ou seu fracasso é
negar sua própria condição de escola e isso precisa ser combatido de forma radical.
Porém, nos questionamos: como despertar os profissionais da educação para esta realidade?
Cabe ao professor das séries iniciais implantar no aluno, desde cedo, o desejo de
querer aprender. Segundo PARO (2000, p.14), este é também um valor cultivado historicamente pelo homem e, portanto, um conteúdo cultural que precisa ser apropriado pelas novas gerações, por meio do processo educativo. Por isso, cabe à escola, na
condição de agência encarregada da educação sistematizada, desenvolver esta tarefa.
Já não faz sentido dizer que o aluno não tem interesse, que não quer aprender. A ela
compete modificar a situação ou admitir a responsabilidade por seu fracasso. Esta é
uma de suas maiores responsabilidades: despertar no aluno o desejo de aprender, desafio primordial, do qual dependem todas as demais iniciativas.
Infelizmente, os alunos atendidos pela escola pública, principalmente de escolas
81
Ação Psicopedagógica
localizadas em bairros periféricos, não estão preparados para aprender, falta-lhes referencial para que haja o desejo. E, diante das tantas dificuldades vividas na realidade
escolar, tem-se de compreender que são grandes os obstáculos e maior ainda a deficiência do aluno, tornando-se muito complicado ultrapassá-los. No entanto, tornar
o ensino convidativo e prazeroso é uma necessidade na educação pública brasileira e
talvez não venha sendo feito o suficiente para se alcançar este objetivo, se é que para
alguns isso seja, de fato, um objetivo. Como diz PARO (2002), o aluno precisa ser
“seduzido”, conquistado para o desejo de aprender. É verdade também que há muito
a fazer que não depende exclusivamente da escola, pois não é apenas ali que se formam seus valores, já que apenas um pequeno percentual do seu dia é vivido naquelas
dependências e tem se dado pouca atenção às atividades e as vivências do aluno enquanto está fora dela. Ainda de acordo com PARO (2002), uma postura correta com
relação ao aprender e ao estudar não acontece de uma hora para outra e nem de uma
vez por todas. É um valor cultural que precisa ser permanentemente cultivado. Começa a formar-se desde os primeiros anos de vida e precisa de ambiente favorável para
desenvolver-se e carece de estímulos permanentes durante a infância.
Quando a escola assume o objetivo de implantar no aluno o desejo de aprender,
deve, concomitante a isso, observar que este é um trabalho a ser realizado em parceria
com a família. Precisa ter presente a complementaridade entre a educação escolar e a
educação familiar, buscando formas de dividir com a família sua tarefa de desenvolver
nos jovens desejos e atitudes positivas com relação às atitudes do aprender e do estudar. É imprescindível o estímulo da família; quando o estudante traz de casa a predisposição para estudar, boa parte do trabalho da escola está encaminhado.
É necessário que se encurte a distância entre a escola e a família, e que uma venha
a complementar o trabalho da outra. Sabemos que isso tem sido tarefa árdua, difícil,
mas que não deixou de ser tentado pela instituição escolar em momento algum.
No momento atual, a participação da família na escola não só em colegiados ou
em programas do tipo Amigos da Escola tem-se mostrado urgente. Para que haja uma
mudança de postura da escola em relação ao alunado e seus familiares e que isso seja
positivo, é necessário que se ofereçam ocasiões de diálogo, de convivência, de participação de fato e que se faça um acordo com os sujeitos da educação, alunos e pais,
trazendo-os para o convívio da instituição escolar. A meta é uma só: implantar no aluno o desejo de aprender e na família a consciência da importância da sua participação.
A presença dos pais junto a seus filhos durante o processo de educação escolar
82
Fundação Cidade Mãe
implica um melhor desempenho destes. O sujeito percebe no envolvimento a valorização do que lhe é imposto, pois, sem dúvida, não é sua a decisão de estar ou não
na escola. É necessário acabar com mito de que a função de ensinar é da escola, não
cabendo a família arcar com as responsabilidades que são “apenas” dos profissionais
ali existentes. Quando se trata de aluno de escola particular, há ainda a alegação de
que eles, os responsáveis, pagam para isso e, portanto, são os únicos responsáveis pelo
processo. Ou seja, para muitos, a tarefa de educar é apenas da escola, devendo a família
posicionar-se à parte, observando ainda se tal está sendo feito satisfatoriamente. Sua
presença só vem ser percebida quando o insucesso é detectado.
De fato, apesar de a escola ter funções específicas, isso não a isenta de levar em
conta a continuidade entre a educação escolar e a educação familiar. À família, também, cabe reforçar o trabalho desenvolvido na escola, revertendo isso em seu próprio
benefício, na forma de melhoria da educação dos seus filhos. A interação das duas
instituições só proporcionaria saldo positivo a ambas.
É possível perceber a atuação dos pais no trabalho escolar nos períodos destinados à avaliação. Observamos aí que há ajuda nos estudos, há diálogo (nem sempre de
auxílio, também de pressão) e cobrança. O resultado da avaliação -o instrumento-, as
chamadas provas, dão às famílias ferramentas para avaliar a escola: se o educando foi
bem, a escola é boa; se o resultado foi desfavorável, questionam a qualidade e competência do professor e da instituição. E a efetividade de sua participação?
O sujeito da educação, assim chamado, parece não ser mais que um sujeito passivo
sobre o qual se projetam técnicas e teorias educativas. Nossa visão é que esse sujeito
que interage com diversos sistemas pode assim ser chamado porque, passiva ou ativamente, ele constrói e se constrói a partir de suas relações com o meio em que está
inserido, no qual vivencia, troca e apreende coisas; e isso ocorre nas comunidades das
quais faz parte, principalmente a família e a escola. Para uma o sujeito leva o reflexo
do que vive na outra, suas experiências e suas conclusões. É difícil para ele não permitir que suas experiências escolares sejam reveladas em casa e, mais ainda, que as
suas vivências familiares não se reflitam no seu modo de ser e de agir no ambiente
escolar. É possível ao educador identificar as situações positivas ou negativas que o
aluno vivencia em casa a partir da observação do seu comportamento. A euforia causada pela alegria, pelo prazer é facilmente percebida. O aluno fica agitado, desatento,
falante, inquieto e ansioso para relatar as novidades: vovó que chegou, a bicicleta nova,
o fim-de-semana que chega, a viagem, enfim, as causas podem ser diversas. Já as ex-
83
Ação Psicopedagógica
periências dolorosas, de fundo negativo, são mais difíceis de serem identificadas, mas
são facilmente percebidas. Podem ser denotadas pela mudança de comportamento,
pela indisciplina, pela agressividade no trato com os colegas, o desrespeito à figura
do professor ou do adulto de um modo geral e, de forma mais sutil, pelo retraimento,
a não participação na aula, o isolamento durante as brincadeiras e os próprios distúrbios de ordem orgânica. Estes aparecem mais claramente, como diz FICHTNER
apud SCOZ (1987), psiquiatra que exerce sua atividade em Porto Alegre, no decorrer
de crises situacionais. Estas crises podem ser desencadeadas pelo nascimento de um
irmão, pela perda de um ente querido, em caso de desestruturação do lar, pela troca
de uma professora, mudança de escola, de casa ou outros. Tais crises, devido a perdas
significativas, freqüentemente mobilizam ansiedades depressivas em muitas crianças
e adolescentes ou, em outros casos, mobilizam um alto grau de ansiedade flutuante, o
que dificulta a adaptação às situações novas.
Em casos assim, há uma demanda por um profissional especializado para a condução, de forma que afaste a possibilidade de problemas processuais, geradores da
carreira de fracasso escolar. Uma vez que se estabeleça o fracasso escolar, o aluno poderá manifestar uma série sintomas tais como: hiperatividade, dificuldades perceptuais, baixa tolerância à frustração, autoconceito depreciativo, desmotivação e fuga aos
desafios; ocorre, então, a desadaptação escolar. Por sua conduta anti-social, geralmente
se torna o “bode expiatório” do grupo; por se considerar pouco inteligente, mal comportado e desobediente, estrutura um sentimento de exclusão e diferenciação grupal,
os quais são reforçados por uma atitude real de segregação por parte dos colegas e professores, ou seja, as dificuldades e problemas vivenciados em casa podem ser refletidos
no âmbito escolar; só não são assim claramente revelados nem tão fáceis de associar,
como no caso das experiências positivas. E é necessário que se tenha em mente que
pode não haver uma causa isolada, mas várias.
O baixo rendimento escolar pode ser tanto um sintoma de distúrbio específico da
aprendizagem, como pode ser a expressão de um sistema familiar disfuncional, que
não permite à criança a maturidade necessária para atingir um desempenho satisfatório. A partir do momento em que a família se conscientiza disso, as reações podem ser
de ajuda ou de crítica e inaceitação. A posição da família é, portanto, primordial para
a condução de soluções.
De certa forma concordamos que muitos dos distúrbios de aprendizagem têm sua
gênese na problemática familiar; assim, nos permitimos inferir que a prevenção dos
84
Fundação Cidade Mãe
distúrbios da aprendizagem deveria começar dentro da família, na medida em que o
grupo se constitui num continente das ansiedades infantis e, ao mesmo tempo, funciona como organizador das condutas e comportamento da criança. Em resumo, a família
é a matriz dos pré-requisitos necessários para a aprendizagem e adaptação escolar.
A grande influência da família no desenvolvimento da criança é um fato indiscutível. O meio social, o clima familiar em que está inserida é uma variável decisiva
para o seu processo, especialmente nos casos em que há dificuldade de aprendizagem,
quando os pais devem prover aos seus filhos suporte emocional, informações e conselhos, a fim de encaminhá-los para a aquisição de segurança. Quando se trata de
um ambiente cujo equilíbrio é claro, possivelmente a criança desenvolve posturas de
segurança, facilidade de adaptação às situações adversas, fácil comunicação e relacionamento com o outro. Nestes casos, quase sempre há um bom relacionamento entre
a família e a escola, o que facilita a manutenção da situação. Mas há também o outro
lado da moeda; quando o aluno não vai bem e vem sendo trabalhado pela equipe escolar, as informações que a escola passa para a família a respeito do seu comportamento,
o diagnóstico dado pelo professor, pelo pedagogo ou psicopedagogo, repleto de nomes
técnicos, difíceis e sem sentido para o leigo, pode gerar uma transformação na relação
dos membros dessa família com o sujeito, gerando uma mudança de comportamento
no lar. É um diagnóstico que, muitas vezes, marginaliza a criança da escola e do lar e a
rotula de “criança anormal”.
Existe, sem dúvida alguma, a grande necessidade de interação entre a família e a
escola; as informações devem ser constantes e a parceria uma realidade para se viver
em prol de todos.
A família deve assumir atitudes para reforçar a segurança emocional do filho e
salientar a importância da escola, do contrário, a criança pode desenvolver aversão
por esta, não só pelo fato de viver dificuldades lá dentro, mas também pelas possíveis
relações insatisfatórias com os adultos à sua volta: pais e professores.
7.5 -A (inter) ação e a parceria da família e da escola no processo de
formação do sujeito
Tem sido motivo de grande preocupação por parte dos educadores o baixo rendimento escolar. O grande desafio é descobrir a causa para procurar, de alguma maneira,
amenizar seus efeitos ou saná-las.
85
Ação Psicopedagógica
Na escola pública a reprovação ou a constatação de uma aprendizagem insatisfatória tem sido fato notório, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
As dificuldades em termos de tempo e finanças fazem com que as famílias façam “vistas grossas” para o fato, que pode ter sua origem desde em problemas como distúrbios
e disfunções cerebrais ou até em questões de ordem emocional.
Segundo FINI (1996, p.70), a compreensão do sucesso e fracasso escolar, dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, de dificuldade de alunos, bem como das
responsabilidades do educador, exige uma análise criteriosa e contextualizada. É inútil
trabalhar com as manifestações de dificuldades sem investir na descoberta da causa e,
para isso, todo o contexto precisa ser investigado.
Levando em conta a necessidade de perceber a posição do aluno dentro do ambiente familiar e de como se dá a relação da família com a escola, elaboramos questionários que foram aplicados e analisados, o que discorreremos neste capítulo.
Nossa pesquisa focalizou uma amostra de 31 alunos, todos cursando a 3ª série do
Ensino Fundamental. A professora que trabalha com esse grupo tem formação em
magistério, fazendo atualmente o Curso Superior de Formação de Professores das Séries Iniciais num convênio da Prefeitura Municipal do Salvador e Secretaria Municipal
de Educação com a UNEB ( Universidade do Estado da Bahia). Ela atua 20 horas
semanais na mesma escola e tem cinco anos de experiência em sala de aula, inclusive
com crianças portadoras de necessidades educativas especiais (deficientes auditivas).
A ausência da família na vida escolar da criança tem sido também a sua preocupação;
sente falta do apoio às crianças e à própria escola quando percebe que o seu trabalho,
muitas vezes, não surte o efeito esperado. Declara também que não tem grandes expectativas com relação aos pais, mas tem o desejo de ver seu trabalho dar certo nesta
comunidade, e que percebe no dia-a-dia algum resultado positivo, por menor que ele
seja. Ela declara que a equipe da escola é muito unida, que os membros dividem sempre os problemas em busca de soluções comuns aos grupos, além de contarem com
a ajuda da vice-diretora que é pedagoga habilitada pela UFBA (Universidade Federal
da Bahia) em Supervisão Escolar, a qual, além das suas funções na vice-diretoria, atua
como apoio às professoras nas dificuldades vivenciadas por estas, seja em termos de
aprendizagem dos alunos ou de indisciplina, ou ainda em qualquer situação que se
apresente. Procura orientar e embasar o trabalho realizado pela equipe docente realizando periodicamente reuniões onde se realizam dinâmicas com objetivos específicos, discute-se os problemas e apresentam-se soluções; segundo sua fala “em grupo
86
Fundação Cidade Mãe
resolve-se tudo mais fácil que a sós.”
A direção da escola é de uma professora licenciada em História pela Universidade
Federal da Bahia, há cinco anos atuando em gestão escolar. Durante os seis anos anteriores trabalhou em sala de aula. Ela diz que “o que vem faltando para que possamos
investir mais na solução dos problemas de aprendizagem é a parceria com a família”.
A queixa da escola é a que ouvimos sempre: onde está a família da criança para que
possamos juntos auxiliá-la? Na maior parte das vezes é necessário escutar a família e
traçar um perfil da situação da criança em casa para poder perceber se suas dificuldades têm relação com o ambiente. Muitas vezes fica claro que a causa não está no
ambiente, mas que é de ordem orgânica; mesmo assim, recai a responsabilidade sobre
a família, pois, quando é detectado pelo especialista em Psicopedagogia ou até mesmo
pelo pedagogo, a necessidade de um outro especialista, vem a dificuldade por parte
dos familiares para ajudar neste sentido. Quase sempre os especialistas indicados têm
serviços onerosos e fora do alcance das famílias; quando encontra-se um serviço público, a dificuldade está em conseguir marcar atendimento em tempo útil. Tudo isso
demanda tempo que os pais não têm, despesa com transporte e tantas outras dificuldades não tão difíceis de se imaginar.
Mas, como disse ainda a Diretora da escola, os pais ausentes não são apenas os das
crianças que apresentam qualquer tipo de dificuldade; nem todos os pais dos alunos
com bom desempenho, bom comportamento, estão presentes no dia-a-dia familiar ou
escolar, o que nos mostra que em alguns casos os alunos caminham sozinhos; nestes, o
que chama a atenção é o comportamento rebelde e agressivo de crianças que assimilam
com facilidade, desenvolvem atividades sem problemas e comunicam-se claramente.
Após a análise dos dados, ficou claro que, dentro deste grupo, as famílias estão de
fato ausentes pela necessidade de sobrevivência, pois a jornada de trabalho tem sido
cada vez mais prolongada e a educação das crianças passa a ser secundária, muito mais
por falta de condições dos pais de assistirem seus filhos, que por pouco caso, como
pode parecer.
Fomos procuradas por uma família que desejava saber que tipo de ajuda o psicopedagogo pode oferecer ao aluno indisciplinado, como ela chamou. Mas referia-se à
disciplina em casa, já que pudemos constatar que na escola o aluno não apresentava
nenhuma dificuldade de relacionamento ou que havia queixa de comportamento por
parte da equipe docente. Foi-nos relatado que a criança era privada de brincar com os
amigos e de assistir televisão, com o objetivo de fazê-lo dedicar mais tempo às ativida-
87
Ação Psicopedagógica
des de casa. A mãe, por não ser alfabetizada, vive aterrorizada pelo medo de que seu
filho também não alcance o sucesso escolar, como aconteceu com ela; por isso impõe
que ele estude em tempo excessivo. Por outro lado, ela não se faz respeitar já que traz a
todo o momento o seu sentimento de inferioridade e, de certa forma, ela aceita as críticas e o mau trato do filho por se achar merecedora. Na escola, no entanto, a criança
tem desenvolvimento compatível com o esperado.
A escola tem estado atenta para não estereotipar as famílias, buscando compreender a situação de cada uma para tornar possível estabelecer um paralelo entre as
dificuldades da criança e a situação familiar. Tem também realizado programas que
visam atrair a família para o seu convívio, promovendo reuniões em datas festivas,
comemorações, almoços e outros eventos. Existe naquele espaço a consciência da necessidade de se fazer educação em parceria com as instituições presentes na vida da
criança, já que, mais uma vez lembramos, o objetivo é o mesmo: educar com qualidade
as mesmas crianças.
Desejamos ver pais comprometidos com os processos educativos dos filhos no sentido de motivá-los afetivamente ao aprendizado. O aprendizado formal ou a educação
escolar, para ser bem sucedida não depende apenas de uma boa escola, de bons professores e bons programas, mas principalmente de como a criança é tratada em casa
e dos estímulos que recebe para aprender. Nesse ponto a família é o principal apoio
para a escola, pois o processo de aprender é contínuo e não cessa quando a criança
está fora da escola. Os gestos positivos, as palavras e ações afetivas vindas dos pais ou
de qualquer outro membro da família servirão de estímulo, mas palavras ou ações que
tenham uma conotação negativa são capazes de criar bloqueios e entraves no aprendizado.
Toda criança precisa de limites, mas estes devem ser dados de maneira clara, de
forma que não agridam ou desqualifiquem a criança. Uma criança agredida, seja com
palavras ou ações, além de aprender a agredir, perde uma boa parte da motivação para
aprender, pois seus sentimentos em relação a si mesma e aos outros ficam confusos,
tornando-se inseguras com relação às suas capacidades, e conseqüentemente gerando
uma baixa auto-estima.
7.6 -A influência positiva dos pais leitores
A pesquisa aconteceu através da utilização de questionários, entrevistas e parti-
88
Fundação Cidade Mãe
cipação de reuniões ocorridas na escola. Tentamos, através de perguntas específicas,
formar o perfil do sujeito, pesquisando por meio de questões que puderam nos fornecer subsídios para perceber o tipo de influência que o ambiente familiar exerce sobre
esse aluno.
Acreditando que pais que lêem formam filhos leitores investigamos se a família lê e
qual o tipo de literatura interessa aos pais; tentamos ser mais específicas perguntando
o que estas famílias costumam ler. Constatamos que 9,7% não costuma ler; 48,0% lê
jornais aos domingos, 23,0% apenas lê a Bíblia e 6,4% lê qualquer outra coisa, sendo
que 12,9% declarou gostar de ler livros de romance, revistas, estórias infantis, poesias
e a Bíblia. É importante salientar, que 25,8% dos pais ainda estudam com vistas a concluir a Ensino Médio.
O questionamento relativo a este, feito ao aluno, mostrou-nos que a maioria,
41,9%, só lê os livros escolares ou o que é imposto pela escola; 32,3% lê literatura infantil, romances e outras revistas; 12,9% lê revistas em quadrinhos e 12,9%, jornal. Na
classe, dos que gostam de escrever, 61,0% escrevem cartas e bilhetes, 16,0% redações e
23,0% escrevem seus segredos em diários. Estabelecemos um paralelo e constatamos
a relação entre o questionamento feito aos pais e aquele destinado aos filhos. Notamos
que a família que “dá o exemplo” influencia, ou seja, as famílias que lêem implantam
nos filhos a leitura, seja por propostas diretas, por imitação ou pela facilidade de contato com material de leitura. O fato de ter livros em casa já é positivo para despertar a
curiosidade da criança.
Constatamos ser pequeno o número de pais com hábito, gosto ou desejo pela leitura. Cabe à escola criar um programa de descoberta da leitura a fim de incentivar,
motivar e implantar no aluno o gosto pelo livro. Isso poderá ser feito de forma que
atinja também a família, proporcionando ao grupo leituras leves e prazerosas, com o
objetivo principal de despertar o desejo pelos livros e similares.
Perguntamos também às crianças qual o tipo de programação na televisão que
preferem assistir, com o objetivo de identificar o interesse por programas educativos,
41,9% sinalizaram preferir desenhos e 12,9% novelas, ficando o restante entre programas variados. Entre os pais, 40,0% prefere assistir aos jornais; 16,1% novelas e os
demais ficaram entre programas variados. Para este item, infelizmente, constata-se que
a televisão tem pouca oferta de programas educativos; alguns desenhos têm esta característica, enquanto a maioria tem pouco conteúdo que acrescentem na educação
da criança, alguns até fazem o contrário, promovendo hábito e apreciação por lutas
89
Ação Psicopedagógica
físicas, brincadeiras que têm por objetivo destruir ou matar outros, heróis que têm um
número muito grande de opositores e um sem fim de atitudes repreensivas.
Quando se trata de novelas, o que temos visto no momento também tem sido muito pouco educativo; são exposições de mentiras, traições e outros comportamentos
que não desejamos ensinar às nossas crianças, mas que elas assistem acontecer devido
à falta de tempo e, talvez, condição física dos responsáveis para lhes propor algo melhor. Durante o dia, muitas vezes estão desacompanhados e se estão dentro de casa
assistindo televisão estão entretidos e seguros, bem ”melhor que estarem nas ruas”.
À noite, estando lá, na frente da tv, estão quietos e não “perturbam os pais cansados”
de mais um dia de trabalho e ainda podem estar juntos. E é assim que a televisão vai
educando nossas crianças.
7.7 -Lazer, cultura e educação
A escola deve ser um espaço de valorização tanto da informação, como da formação de seus alunos, dentro de uma vida de grupo. A escola como instituição busca através de seu ensino, que seus alunos possam assumir a responsabilidade por este mundo,
o que ultrapassa os desejos individuais, e esta responsabilidade só poderá advir através
do enlaçamento entre conhecimento e ação, entre o saber e as atitudes, entre os interesses individuais e sociais. A escola irá ampliar o mundo dos alunos, convidando-os
a olhar suas experiências com uma outra lente, que não a familiar, o que alterará os
significados já conhecidos.
A escola pública tem mais fortemente, então, a responsabilidade da apresentação
de conceitos e conteúdos herdados de nossa cultura, pois muitas crianças só terão
acesso a esta herança, através de sua passagem por ela. É necessário que se proporcione
acesso à cultura de maneira igualitária para todos como forma de oportunizar crescimento igual sem que haja privilégios de apenas uma classe social.
Mas, o que fazem nossas crianças durante o final de semana? Estudam? Passeiam?
Na realidade, poucos têm acesso aos programas culturais. Nunca foram ao cinema,
teatro ou museu; 28,9 % brincam na rua, 9,7% assistem TV, 19,4% vão à praia e ao
Shopping, 42,0% não fazem “nada”, mas gostariam de ir aos cinemas, teatros, parques
ou percorrer o centro histórico de Salvador.
São crianças que aprendem na escola o quanto Salvador é rica, como tem história,
mas que não têm oportunidades de conhecer de perto os pontos tão falados em seus li-
90
Fundação Cidade Mãe
vros. Pelourinho, Casa de Jorge Amado, Igrejas de ouro, faróis e muitas outras atrações
da cidade são apenas conhecidas através dos livros escolares ou pelas propagandas
da televisão, o que não significa que não alimentem o desejo de um dia chegar a ver
de perto o que está tão perto; mas, como sempre, o empecilho é a falta de tempo e de
condição financeira para investir no passeio.
Muitos dos pais entrevistados também não conhecem o Centro Histórico de Salvador, os pontos turísticos tão falados. Alguns costumam passar de ônibus por alguns
locais que gostariam de conhecer, mas falta tempo. Outros costumam ir e levar as
crianças, durante os festejos de fim de ano, a alguns lugares onde acontecem eventos
gratuitos, como o Pelourinho e Terreiro de Jesus. O desejo de conhecer, apreciar e fazer
parte da cultura local esbarra, como sempre, na limitação financeira.
Contudo, durante o período de desenvolvimento da pesquisa, fomos informadas
de que a escola estaria participando nos meses de agosto e setembro, de três eventos culturais promovidos pela Secretaria Municipal de Educação. Tais eventos seriam:
A escola entra em cena, com visitas ao Museu Henriqueta Catarino para fazer um
“passeio” no século XIX, conhecendo a história de personalidades que viveram neste
período, assim como suas indumentárias e outros objetos utilizados na época; ao Teatro Diplomata para assistir à peça “História de uma Caixola”, que aborda os temas:
amizade, solidariedade e respeito às diferenças e por fim, ao Centro de Convenções,
numa visita à Bienal do Livro.
Certamente, estes eventos estarão proporcionando a aqueles alunos que ainda não
tiveram a oportunidade de conhecer algum ou nenhum desses espaços, de conhecê-los
e extrair deles o melhor proveito.
Vale ressaltar que a escola recebeu, por parte dessas instituições, documentos de
orientação para desenvolvimento de atividades em classe antes, durante e após as visitas.
Foi possível constatar que tratamos com crianças que têm pouco contato com leitura e cujo sonho maior é (48,2%) ganhar uma bicicleta. Quando se perguntou aos
pais qual o bem de consumo que desejam dar ao filho, deixando claro se tratar de bem
material, a maior parte (84,2%) respondeu que deseja dar “um bom estudo, uma vida
melhor”. Reformulamos a pergunta para: O que gostaria de poder comprar para dar de
presente ao seu filho? 25,0% deseja oferecer uma bicicleta, 16,7% gostaria de dar uma
casa e 8,3% não apresentou nenhuma resposta. No entanto, 50,0% dos entrevistados
disseram que gostariam de comprar um computador, justificando que “daria a ele mais
91
Ação Psicopedagógica
condição de aprender, que facilitaria para depois arranjar emprego”. Para estes pais, o
computador é um instrumento de trabalho imediato. Percebemos que o que almejam
é que o filho tenha emprego e não passe por dificuldades, talvez algumas pelas quais
tenham passado ou venham passando. No entanto, não sonham com o prosseguimento dos estudos para o terceiro grau; a profissionalização dá-se, para estas pessoas, no
ensino médio e alguns nem pensam em tanto. Mas o desejo de que tenham o melhor,
que sejam felizes é igual ao de qualquer pai, não importa a classe social, e todos têm a
consciência da necessidade de escolarização e conhecimento para se entrar com alguma vantagem no tão competitivo mercado de trabalho.
Existe toda uma ideologia que é passada pelos meios de comunicação e até mesmo
através do livro didático, que deixa claro a existência de classes sociais distintas, uma
formada por dominadores, os intelectuais, e outra pelos trabalhadores “inferiores”, que
utilizam a força braçal. É para a elite que existem as viagens, as belas casas, as grandes
lojas, os bons restaurantes, os museus, teatros, cinemas, os prazeres enfim. Para os
outros, apenas o desejo e os planos, os sonhos e muito esforço. Para que sejam dadas
oportunidades iguais a todos, é necessário que se ofereçam condições favoráveis de
aprendizagem e isso pode começar dentro de casa. Sua presença e participação ativa
pode evitar maiores problemas na aprendizagem. Porém, nem sempre está consciente
disso. Ela participa, opina e reclama quando percebe uma crise. Não se dá conta, no
entanto, da sua parcela na produção dos problemas dos quais se queixa, nem de sua
dimensão. Seria necessário clarear as responsabilidades, sem esquecer que o trabalho
com as crianças é, em muitos aspectos, de parceria.
É função da escola fazer um trabalho com os pais que propicie a discussão dos interesses coincidentes, bem como dos conflitantes. Assim, tanto a escola como a família
poderão verificar seu papel no enfrentamento da crise que envolve a todos, ampliando
as preocupações e princípios, que possam unir em alguns pontos, duas instituições tão
complexas.
7.8 -Filhos separados – conflito pessoal
Quando falamos de família, de que família estamos falando? Existem vários modelos de família nos dias atuais. Normalmente, quando ligamos a televisão, vemos
veiculado nos comerciais um modelo, geralmente composto por pai, mãe, um filho e
uma filha, e é este modelo de família, o “nuclear”, que está presente também nos livros
92
Fundação Cidade Mãe
didáticos, como se fosse o único, o correto, o “normal”, e não aquele como a família se
apresenta na realidade, em que o que predomina é a diversidade.
Não foram muitas as instituições que viveram mudanças tão significativas como a
família nos últimos tempos. O seu tamanho se reduziu e ela se tornou menos estável.
No âmbito privado, houve a perda da exclusividade feminina nas funções domésticas,
entrando o homem nesta área antes exclusivamente feminina. Este tornou-se mais atuante na educação dos filhos e até na gestão cotidiana do “lar”.
Considera-se desestruturada qualquer forma de família que não atenda ao modelo
apresentado nas propagandas de margarina, vistas por muitas crianças que não reconhecem ali o seu padrão familiar. Este é o clichê para as famílias das camadas menos
favorecidas: desestruturada, já que se afasta do modelo familiar tido como hegemônico.
O aluno, ao entrar na escola, tem uma família. Qual é esta? De quantas pessoas se
compõe? Isso é variável. Ela pode ser formada por uma nova família constituída por
recente casamento do pai ou da mãe e, ás vezes, a avó é a família que a criança conhece.
Deixa de ser família? Claro que não.
Procuramos verificar como é a família das crianças pesquisadas e contatamos que
48,2% delas são filhos de pais separados, mas que já fazem de parte de uma nova
família. 32,3% moram com pai, mãe e 2 ou 3 irmãos e 19,5% das outras crianças moram com avós ou com apenas a mãe. Isso significa que grande parte dessas crianças
viveu a situação de desestruturação familiar, o que geralmente gera conflito, medos e
inseguranças. São mudanças que ocorrem e que são difíceis de serem compreendidas;
causam sensação de perda e até de culpa, embora a própria criança não possa identificar seus sentimentos. Quase sempre elas não falam do que sentem e resolvem (ou
não) sozinhas os seus conflitos; o reflexo da situação pode ser manifestado nas relações
pessoais na escola, na família, com a aprendizagem e até mesmo com a comunicação.
Constatamos que as crianças que moram apenas com as mães são as mais agressivas e que não utilizam o diálogo como argumento nas suas dificuldades de relacionamento, que não são tão incomuns. São também as mais decididas e autônomas nas
brincadeiras e situações provocadas. Em contato com as mães destas crianças, percebemos um clima de relacionamento nada ameno e com muitas cobranças; a escola
propôs reuniões com as famílias das crianças com baixo rendimento nas avaliações,
sendo a reunião com a presença da criança. O clima foi pesado e expressões de carinho
não foram percebidas, ou seja, o modo de tratar os colegas em sala pareceu mais um
93
Ação Psicopedagógica
reflexo da forma como são tratadas. A forma afetiva de educar sempre dará bons resultados, seja na escola ou no lar. O contrário, no entanto, traz sempre pesados prejuízos.
Quando a família matricula seus filhos na escola, eles são os seus filhos e não os
alunos da escola. E o que a escola recebe, são alunos e não filhos. São instituições diferentes e estas diferenças precisam ser respeitadas se pensamos em parceria. É uma
parceria entre instituições distintas. Se a desejamos eficaz temos de reconhecer as características de cada uma e descobrir as pontes possíveis existentes.
7.9 -Atividades de casa: prazer ou dever?
Na história da escolaridade, em tempos mais antigos, não havia dever de casa: estudava-se em casa e a família era a principal responsável pela aprendizagem das crianças.
As de melhor poder econômico contratavam preceptores, pedagogos para ensinar às
crianças. As lições eram de casa e em casa.
Com o surgimento das escolas, as famílias mantiveram como obrigação acompanhar o desempenho de seus filhos, cobrando-lhes tarefas extra- escolares, isto é, um
tempo de estudo a partir e além do que a escola vinha ensinando.
Com o advento da LDB 5.692/71 e da atual, 9.394/96, que no Título II, art.2º, afirma e reafirma a “educação como dever da família e do Estado”, tendo como finalidade
“o pleno desenvolvimento do educando”, o dever de casa ganhou uma nova forma: é
tarefa da criança, ou seja, do aluno. Tem como objetivo principal contribuir para o
desenvolvimento moral dele, isto é, cumprir com uma obrigação que é sua e assumir
a responsabilidade pela qualidade na realização da tarefa e as conseqüências pela sua
não realização.
Para muitas famílias a hora do dever de casa é, sem dúvida nenhuma, um momento muito difícil por diversas razões. Por conta disso, podem surgir climas desagradáveis e tensões desnecessárias entre os pais e as crianças.
É comum muitas crianças evitarem fazer ou não terminarem as tarefas propostas
para casa, criando um momento ruim para toda a família. Há crianças que choram, se
recusam a fazer, dizem que não sabem, ou ainda, que o que a mãe está falando não é
“igual ao da professora”. Por outro lado, também há crianças que se tornam excessivamente ansiosas e preocupadas em fazer exatamente como a professora pediu.
Muitos pais, mesmo reconhecendo a importância desta atividade, freqüentemente,
acabam se aborrecendo ou perdendo a paciência com tantas exigências, sentem-se
94
Fundação Cidade Mãe
divididos com relação ao cumprimento das tarefas enviadas para serem desenvolvidas
em casa. Outros, no entanto, dão pouca importância ao fato, o que faz com que a criança sinta-se desestimulada. Procuramos pesquisar como se dá a execução das tarefas de
casa no grupo que estudamos, investigando como a família participa na realização das
tarefas de casa. 74,2% dos pais afirmam que auxilia na sua realização, quando 16,0%
diz que só ajuda “quando é necessário”; os demais nunca auxiliam. Estes que auxiliam,
falaram de sua angústia em alguns momentos quando sentem que não têm o domínio
de determinados conteúdos, esclarecendo que há muito estão fora de sala de aula e que
“o ensino não é mais como antigamente, mudou muito”.
A escola trabalha tentando tornar as crianças autônomas nas resoluções de suas
questões escolares, o que não dispensa a ajuda e participação de alguém adulto para
auxiliá-las. Dividir os questionamentos com outros possibilita ao sujeito confrontar
idéias, criar dúvidas e formular hipóteses, sem levar em conta que, para alguns, desenvolver as atividades sem acompanhamento é praticamente impossível, visto que não
estão nem mesmo alfabetizados, embora tenham chegado à terceira série. Quando a
criança tem a ajuda dos pais, ela discute mais, desenvolve melhor o trabalho durante
a aula.
Na nossa concepção de pedagogas atuantes na sala de aula, o processo de assimilação dos conteúdos sistematizados pela escola se dá em três etapas, ou seja, primeiro
há a introdução do assunto, a seguir uma revisão que é feita em casa para, por fim,
ser concluída com a revisão realizada em sala, quando da correção das atividades. Ou
seja, o assunto é abordado, discutido e vivenciado na escola; realizam-se atividades,
construção de hipóteses e textos. Esta é a primeira etapa; a segunda acontece com a
proposta de atividades a serem realizadas em casa, o famoso dever-de-casa, o que leva
o sujeito a rever tudo o que foi trabalhado em sala, sendo que dessa vez com o auxílio
da família ou apenas de pesquisa realizada no próprio livro ou em outros. É um momento muito rico e é lá que surgem as dúvidas, as idéias e novas hipóteses. O terceiro
momento ocorre na sala de aula, durante a revisão do produto que foi trabalhado em
casa. É o momento de socializar as questões, as dúvidas, dividir as hipóteses, buscar
novas questões e soluções. No entanto, a nosso ver, se uma destas etapas é “pulada”, o
processo fica deficiente, incompleto. Para que se complete o que chamamos de ciclo
da aprendizagem escolar, é necessário que todas as atividades para casa sejam realizadas em tempo. A realidade é que, embora as famílias não admitam, dentro do grupo
analisado 50,0% não cumpre o que colocamos como a segunda etapa do processo, ou
95
Ação Psicopedagógica
seja, não trazem as tarefas de casa prontas; para isso, existem as mais variadas desculpas, desde “eu dormi cedo e acordei tarde” até “não tive quem me ajudasse”. Além do
mais, ao se expor o caso aos responsáveis, estes não admitem e colocam em questão a
palavra da professora. A maioria afirma que todas as crianças fazem todos os dias as
atividades propostas para casa.
Dentre os que fazem as tarefas, 51,6% declarou que tem a ajuda dos pais, 3,2%
realiza a atividade só, sem auxílio de adultos, e 45,2% faz com a ajuda de outras pessoas, como irmãos, primos, tios, colegas e professoras de banca (reforço escolar). Vale
ressaltar, que 51,6% dos alunos afirmaram dedicar, apenas, 1 hora do seu tempo para
realização das tarefas escolares; os demais, dedicam, no máximo, 2 horas. É importante também salientar, que 38,7% dizem fazer suas atividades em um ambiente completamente calmo e 61,3% as realiza com TV e som ligados ou barulho de pessoas
conversando.
Segundo a professora da turma, as famílias já foram orientadas para criarem um
ambiente propício para o estudo e realização de tarefas escolares; que seja, preferencialmente em uma mesa, se possível em um ambiente calmo sem interferência de televisão. É bom que a criança tenha, desde o início do ano, uma caixinha com lápis, lápis
de cor, apontador, borracha, cola, tesoura e revistas e jornais para pesquisa; tendo esse
material à mão, garante-se que a criança pouco interromperá o trabalho para ir a busca
de algo. É necessário que se crie um horário determinado para tal, a fim de que faça
parte de uma rotina.
Pudemos perceber que as crianças que possuem o material como foi proposto pela
professora e um horário mais-ou-menos definido, são as que trazem com regularidade
as atividades prontas. Os dados nos mostram que estas crianças que trazem as tarefas
prontas as fazem com ajuda. 74,2% dos pais tem o hábito de verificar diariamente o
caderno e demais atividades desenvolvidas e 25,8% faz a verificação duas ou três vezes
por semana. Quando auxiliadas por outras pessoas, estas crianças declaram que sabem
que quando a mãe ou o pai chegam à noite, olham suas tarefas. Isso cria um compromisso, seja pelo prazer de mostrar a responsabilidade, seja por receio de não cumprir
o que o pai e a mãe esperam e sofrer punição.
O que a professora da turma pesquisada vem tentando implantar no aluno é o
prazer em fazer as atividades propostas, a fim de que o ciclo se concretize e a aprendizagem se efetive de fato. Preparar o aluno para que ele possa resolver as questões de
casa autonomamente requer conquistá-lo para o que além de um dever, deve ser um
96
Fundação Cidade Mãe
prazer, fato pelo qual a professora da equipe entrevistada denominou a atividade de
casa em “prazer de casa”. Segundo ela, inicialmente as famílias estranharam e as próprias crianças chegaram até mesmo a zombar do título de prazer; só após a explicação
da professora foi que entenderam e passaram a encarar naturalmente o nome do que
antes era o “deverzinho de casa”.
Mas, quando as solicitações da professora estão além da possibilidade do aluno,
é natural que ele se considere incapaz. De acordo com FINI (1996, p.74), quando as
experiências de fracasso se sucedem, pode ocorrer uma generalização para outras situações: o aluno fracassa seguidamente em matemática e pode passar a se considerar
incapaz para toda atividade escolar.
É difícil, senão impossível, para o aluno perceber quando a deficiência está no
método ou no professor, o que gera nele a sensação ou certeza que grande limitação
intelectual.
Infelizmente, lidamos no nosso dia-a-dia com pessoas incapacitadas para o trabalho docente, mas esta é uma realidade da qual não podemos nos esquivar. Nos bairros
periféricos, esta é uma das características de grande parte do professorado, por motivos que já discorremos: longa jornada de trabalho, falta de tempo para capacitação e
reciclagem, e muitos outros motivos injustos, inclusive a remuneração baixa.
7.10 -A família na escola: quando?
Quando questionamos às trinta e uma famílias como se dá sua participação na escola 75,0% afirmou que a visita regularmente e 100% afirma que participa de reuniões,
embora a informação da escola seja divergente, havendo, inclusive, famílias que nem
mesmo conhecem a professora do filho. Alguns pais alimentam certa culpa por não
poderem estar mais presentes na vida escolar do filho, esta foi a justificativa que encontramos para que tenham tentado encobrir a verdade, afirmando sua presença. Existe
nestas famílias o desejo de estar presente, de participar; algumas não o fazem pela impossibilidade em termos de tempo; outras, bem sabemos, pela indisposição para sair
de casa e mesmo por não valorizar a instituição escolar. Neste grupo pesquisado está
bem dividida a posição das famílias.
A professora é a pessoa que tem maior contato com o aluno durante o processo
educativo e por isso é muito importante que haja empatia entre eles e entre a professora e a família. Na nossa pesquisa, quando perguntado diretamente todos afirmaram
97
Ação Psicopedagógica
gostar e estarem satisfeitos com a professora e com trabalho realizado por ela; em outros momentos, famílias com filhos com dificuldade de aprendizagem, apresentaram
queixas com relação ao trabalho desenvolvido, dizendo acreditar não estar sendo feito
o máximo e até por suporem que a professora tem preferência um outro aluno, esquecendo do seu filho. No entanto, percebemos que existe um temor em expor opiniões
contra a professora, até por temerem represálias contra as crianças.
Segundo a professora menos de 40,0% das famílias participam das reuniões da
escola, quando o objetivo é discutir o desenvolvimento, comportamento e aproveitamento do aluno; os que participam são aqueles que normalmente estão presentes
na escola quando solicitados e até por iniciativa própria. Estes são os que têm menos
problemas para resolver ou discutir. Quem de fato é necessário na reunião, não comparece. No entanto, quando se trata de festa, a presença é de 95,0%. Mas a professora
insiste em deixar claro que há família de fato presente durante todo o processo; famílias participativas, disponíveis sempre que o assunto é ajudar no desenvolvimento da
criança, e até mesmo só pelo gosto de estar presente na escola do filho.
Família e escola são, sem dúvida, fundamentais na formação social do sujeito, pois
ambas são responsáveis pela “transmissão de valores e normas básicas da sociedade”,
como disse BOCK (1996, p.215), ou seja, estas duas podem ser chamadas de agências
socializadoras, embora BOCK afirme que todas as instituições possam, de alguma forma, serem chamadas assim.
Segundo LACAN (1987), “entre todos os grupos humanos, a família desempenha
um papel primordial na transmissão de cultura”. Ela é responsável pelo modelo que a
criança terá em termos de conduta em qualquer ambiente, inclusive dentro da escola.
A família, quase sempre será o espelho para as ações do educando e atitudes positivas
e estimuladoras serão seguidas.
Percebemos que no grupo analisado os alunos que pouco faltam às aulas e que não
deixam de realizar as tarefas de casa são aqueles que têm os pais estudando (25,8%),
que possuem o hábito da leitura ou que tiveram escolarização maior, embora no grupo
a escolarização máxima seja o nível médio. Este é também o grupo que se faz presente
na escola, participando não só das reuniões e eventos promovidos, mas que faz visitas
com o objetivo de acompanhar o comportamento e o desenvolvimento do filho.
O que sugerimos às famílias foi que sejam cuidadosas ao emitirem suas opiniões
sobre o ensino, sobre o seu gosto por esta ou aquela disciplina, a fim de só influenciarem positivamente na formação da opinião dos filhos. Afinal, a família é o primeiro
98
Fundação Cidade Mãe
espelho que a criança usa para se direcionar.
7.11 -Educação x renda familiar
A todo o momento nos remetemos à condição financeira das famílias entrevistadas
como sendo baixa. O fato é que 48,4% desse universo sobrevive com menos de um salário mínimo, 38,7% com um salário e só 12,9% com mais que isso. Levando em conta
o custo de vida em nosso país, sobreviver com um filho com uma renda de R$ 240,00
ou menos, é uma situação de grande dificuldade. Sabemos que existe a Escola Pública,
o Hospital Público, alguns benefícios para os que podem provar que são miseráveis,
mas nada disso chega a complementar dignamente o necessário para a sobrevivência
de uma família, principalmente se lá dentro há uma criança. É patético esperar que
estas famílias possam oferecer lazer, livros, alimentação adequada, atenção devida e
tudo mais que uma criança precisa para crescer segura. A questão é de ordem maior, é
de todo um sistema elitista e excludente que deixa de fora quem não pode pagar pelo
conhecimento, pela saúde, pela vida. Que existem os sonhos, existem, pudemos constatar. Mas que as dificuldades são grandes, também ficou bem claro.
A parte do grupo que vive com a renda mais alta é também a que mantém o casamento estruturado. Deste grupo, 6,5% tem o nível médio completo e mantém o hábito
e apreço pela leitura. Apesar desse baixo percentual, 42,5% das crianças destas famílias
tem rendimento escolar significativo, ou seja, respondem afirmativamente ao que é
trabalhado. Têm desenvoltura no falar e poucos problemas com a leitura, escrita ou
cálculo. No que se refere ao comportamento todas são muito “ativas”, mas estas são
mais fáceis de controlar, segundo a professora, “por conhecerem a diferença entre o
sim e o não”.
É necessário que a escola seja humanizada e cada professora ou professor perceba
que lidar com crianças é como lapidar pedras preciosas: tudo tem que ser feito com
muita segurança, com exatidão e com carinho. O professor precisa amar o que faz e
reconhecer que independente da condição social e financeira de cada um, educá-los é
uma missão; cada aluno, todo aluno precisa do máximo que cada professor pode dar.
E se ele tem desvantagem na sua condição financeira, que seja diferente durante o seu
processo de aquisição de capital cultural; que tenha as mesmas chances que qualquer
outro. Como disse o Pe. Zezinho (Oliveira, J.F.), o que os homens precisam para se
tornarem mais humanos é de escola e de colo. Colo de pai, de mãe e da própria escola.
99
Ação Psicopedagógica
7.12 -Considerações finais
A família e a escola, nos dias atuais, são convocadas a formar uma sólida parceria no processo de construção e de humanização do sujeito. Sabe-se que uma só das
instituições não consegue formar isoladamente e com boas bases a mesma criança; o
desenvolvimento de cada educando ocorre em um meio social marcado pela cultura e
pelo processo histórico em que está inserido.
A dificuldade que encontramos para operacionalizar a parceria entre a escola e a
família impossibilita a fluência do trabalho pedagógico. Cada uma dessas instituições
tem seu papel social, sem que um se sobreponha ao outro, e a parceria só vem a somar
para o aperfeiçoamento para a convivência em grupo.
É na família e na escola que o desenvolvimento da criança acontece, onde se constrói o ser em seus aspectos mais amplos, seja na dimensão física, cognitiva ou psicológica. E como consentir que estas duas caminhem sem que haja a parceria e a cumplicidade?
A família deve estar consciente do seu papel na sociedade e na formação de futuros
cidadãos, assumindo o compromisso tácito de promover e facilitar a educação integral
seja pelas relações com o outro, seja pelo exemplo, já que sabemos que a imitação é
natural quando se trata da aquisição de hábitos familiares.
A presença da família é condição sine qua non na formação do educando em todas
as dimensões, tanto assim que se torna deficiente qualquer tentativa da escola de abrir
mão da sua participação.
Nem sempre, ao escolher a escola, é possibilitado à família fazê-lo de acordo com
os seus anseios e desejos. Embora se deseje sempre o melhor para os filhos, como citou Scoz, algumas vezes há o impedimento do limite das finanças da família. A escola
pública, antes bem qualificada, hoje fica para aquele que não dispõem de recursos financeiros e esta está cada vez mais desqualificada, embora haja várias exceções. Assim,
as famílias “escolhem” a escola desconhecendo sua filosofia, seu projeto e sua administração. E será ali que se completará a educação de sua criança.
É a escola, antes de tudo, a extensão do lar da criança, sua outra família sem, contudo, deixar de respeitar os seus limites e as funções que lhes são específicas. As duas
possuem critérios de funcionamento distintos, mas convergentes, que se cruzam e se
encontram no ponto em que a integração dos seus papéis induz ao processo de formação do ser.
100
Fundação Cidade Mãe
Ensinar a compreender o mundo, a ler através de diversas óticas os acontecimentos
é função não só da escola como da família, cuja parceria é vital e urgente. A ponte entre
o saber sistematizado e a cultura familiar deve ser construída por pais e professores,
família e escola, objetivando ampliar a visão de mundo, fundamentada por valores
morais e éticos que levem à formação integral do sujeito, para que este seja inserido
com sucesso no seu meio social.
Não resta dúvida que a família é o modelo a ser seguido, consciente e inconscientemente. Seus hábitos, seus fazeres, suas concepções são passadas e internalizadas na
criança; a escola entra como complemento e ajuda a moldar os hábitos, costumes e
saberes. Introduz os conhecimentos sistematizados, novos esquemas de conhecimento
e vai, aos poucos constituindo o novo ser.
Não importa qual seja o modelo de família e a relação da criança com seus pais ou
parentes, a escola vai continuar cumprindo seu papel de educar, insinuando-se por
todos os caminhos como ajudadora sempre que descobrir dificuldades, empecilhos ou
desvio. Cada sujeito é um indivíduo dentro do grupo e precisa ser valorizado e respeitado como tal e se seu desempenho corre risco de desequilíbrio, isso será detectado e
avaliado. Buscar essa equilibração da criança deve ser a meta não só da escola como
da família.
Existem questões familiares, como a separação do casal, que são irremediáveis, e se
esse fato deixa marcas na criança, estas sim, são reversíveis e precisam ser trabalhadas,
restaurando o bem estar familiar e a harmonia no grupo escolar da criança.
Com a escola, a família contribui fortemente quando a valoriza, quando estimula
a criança para o aprender e colabora na execução das atividades propostas para casa.
Isso é fundamental para que se crie um clima favorável à parceria.
É no ambiente familiar que se formalizam e estruturam os desejos, os gostos e
hábitos e, se assim é, que possam ser desenvolvidos os melhores quando se referirem à
vida acadêmica das crianças.
A escola em que foi aplicada a pesquisa, embora de pequeno porte e inserida em
um meio de pouco capital cultural, demonstrou valorizar a comunidade e reconhecer
a forte necessidade de trabalhar em conjunto, em parceria com a família. Através de
projetos e eventos ela vem tentando trazer a família para o convívio e a participação
na vida da comunidade escolar, criando momentos de cooperação e ajuda em diversos
níveis.
Independente do padrão cultural ou financeiro, a família sempre espera da escola o
101
Ação Psicopedagógica
suporte necessário para o desenvolvimento e equilíbrio dos filhos; e a escola, independente do seu porte ou do apoio que recebe, desenvolve seu trabalho visando, antes de
tudo, estruturar sujeitos aptos à convivência e ao crescimento pessoal e social.
A proposta da Escola Santa Luzia do Lobato é um incentivo aos pais para a parceria com a escola. Motivar é bem mais simples do que parece. Que se criem programas
atrativos e se reforce a necessidade da sua participação na vida escolar dos filhos. Esta
é uma fórmula para se desenvolver os talentos dos filhos, pois todos os tem.
A criança, além de repreensão no momento certo, também precisa de atenção, afeição e aceitação. Nós acreditamos que cada criança é talentosa, basta que busquemos as
fontes, e incentivemos isto. O elogio é um grande estímulo para o crescimento pessoal.
A família e a escola são parceiros fundamentais no desenvolvimento de ações que
favoreçam o sucesso escolar e social das crianças e adolescentes.
É necessário que se criem estratégias que visem oportunizar vivências que possibilitem o refletir sobre o que fazemos e o que mais podemos fazer pelo desenvolvimento
de nossas crianças em casa e em sala de aula. É necessário que se instrumentalize os
pais para assumirem o compromisso com o caminho percorrido pelas crianças, acompanhado e provocando impactos positivos em suas vidas.
É comum que muitos pais, professores e responsáveis às vezes se sintam ansiosos e
frustrados quando uma criança apresenta dificuldades. Isso é passado para a criança,
o que aumenta ainda mais as suas dificuldades, já que ela não sabe lidar ainda com as
suas frustrações e, menos ainda, com as frustrações do outro.
Cabe a escola e a família fazer do ato de prender uma atividade prazerosa e não
um tormento, como acontece algumas vezes a algumas crianças. Pais e professores devem rever suas posições, seus interesses e reformular suas ações, favorecendo sempre
a criança. Como disse a Psicóloga e especialista em Psicopedagogia Maria Geralda da
Rocha Santos, “é preciso ressaltar que o conhecimento e o aprendizado não são adquiridos somente nos bancos escolares, mas é construído pela criança em contato com o
social, dentro da família, e no mundo que a cerca”.
7.13 -Referências bibliograficas
AQUINO, Júlio Groppa. Escola e família: parceria ou inversão de papéis? –equação
reducionista. Revista da Educação CEAP. A.10, n.39, 2003. Salvador. Centro de Estudos e Acessoria Pedagógica.
102
Fundação Cidade Mãe
BOCK, Ana Mercês, FURTADO, Ana. Psicologias: uma introdução ao estudo da
Psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 1996
DROUET, Ruth Caribe da Rocha. Distúrbios da aprendizagem. 4. ed. São Paulo:
Ática, 2001, p. 207-220.
FICHTNER, Nilo. Distúrbios de aprendizagem – aspectos psicodinâmicos e familiares in Psicopedagogia – o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. SCOZ, Beatriz J.L. et al. (org.) Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
FINI, Lucila D. T. Rendimento Escolar e Psicopegadogia. SISTO, Fermino Fernandes et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
p. 64-76.
Jornada Internacional da Bahia, 3 , 2003, Salvador. R. Preto, SP. Família e Escola
Instituições Parceiras. In PAROLIN, I.C.H. Temas em Educação II- Livro das jornadas.Org. Futuro Congressos e Eventos, 2003.
LACAN, Jaques. Os complexos familiares. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987.
LANE, Sílvia. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1981.
MACHADO, Ana Maria. REVISTA NOVA ESCOLA, nº 145, dezembro de 2001.
Editora Abril, SP. P. 21-23.
SANTOS, Maria Geralda da Rocha. Disponível em <http://ge.rocha.sites.uol.com.
br/>, acesso no dia 25/06/2003.
PARO, Vitor Henrique. Qualidade do ensino: a contribuição dos pais. São Paulo:
Xamã, 2000.
PATTO, M. Privação cultural e educação pré-primária. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1977.
103
Ação Psicopedagógica
REIS, José Roberto Tozoni. Família, emoção e ideologia. LANE, Sílvia M. T.
e
CODÓ, Wanderley. Psicologia Social: o homem em movimento.13. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
SCOZ, Beatriz . Psicopedagogia e Realidade Escolar - O problema escolar
de
aprendizagem. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
WEISS, Maria Lúcia. Psicopedagogia clínica – uma visão diagnóstica de
apren-
dizagem escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.
ANDRÉ, Marli (org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Campinas,
SP:
Papirus, 2001.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. São Paulo:
Mo-
derna, 1996, p. 56-63.
Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
BASSEADAS, Eulália. Intervenção educativa e diagnóstico
psicopedagógico.
3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
LANE, Sílvia M. T. e CODÓ, Wanderley. Psicologia Social: o homem em
mo-
vimento.13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MINAYO, M. C.de Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 8 ed.
Petrópolis,Rj: Vozes,1994.
NOGUEIRA, Maria Alice. Família e Escola - Trajetória de escolarização em
ca-
madas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000.
OLIVEIRA, José Fernandes de (Pe.Zezinho). Em nome dos pais e dos filhos
104
–
Fundação Cidade Mãe
subsídios para uma catequese em família. São Paulo: Paulus, 1996.
SALLES, Vânia. Quando falamos de família, de que família estamos falando? Caderno CRH, n.17. Salvador: Fator, 1992.
SISTO, Fermino Fernandes et al. Atuação psicopedagógica e aprendizagem
es-
colar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
VERHINE, M. Amélia Alves. Pré-escola e fracasso escolar. Salvador: Fator, 1990.
ANEXOS - I
ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS ALUNOS
Nome do entrevistado .......................................................................................................
...............................................................................................................................................
1. Qual é a sua idade? .....................................................................................................
2. Em qual turno você estuda? ........................................................................................
3.
Quantas
e
quais
são
as
pessoas
que
compõem
a
sua
famí-
lia?...............................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................
4. Quais são as pessoas em sua casa que lhe auxiliam nas tarefas escolares?
(
) pai
( ) mãe
( ) irmãos
(
) tios
( ) outros
(
) ninguém
5. Qual o lugar da sua casa que você utiliza para fazer suas tarefas?
(
) sala
(
) quarto
(
) cozinha
(
) outros
105
Ação Psicopedagógica
6. Qual é o horário que você prefere para fazer as suas atividades escolares?
(
) manhã
(
) tarde
(
) noite
7. Quanto tempo você dedica para realização das suas tarefas?
(
) menos de 1 hora
(
) 1 hora
(
) 2 horas
(
) mais de 2 horas
8. Quando você está realizando as suas atividades como está o ambiente ?
(
) calmo
( ) som ligado
( ) barulho de pessoas conversando
( ) tv
ligada
9. Que tipo de leitura você costuma realizar?
( ) romance
( ) jornal
(
) literatura infantil
(
) livros da escola
( ) revista em quadrinhos
10. Que tipo de escrita costuma realizar ?
(
) cartas
(
) bilhetes
(
) redação
( ) diário
(
) outros
11. Como é o seu relacionamento com a professora?
(
) bom
(
) regular
(
) ruim
( ) péssimo
12. O que costuma fazer nos finais de semana?
(
) ir ao shopping
( ) ir à praia
(
) ir ao cinema
( ) ir ao parque
(
(
) assistir tv
) brincar com os colegas no bairro
13. Que tipo de programa de televisão você costuma assistir ?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
14. Que tipo de presente você gostaria de ganhar no momento ?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
15. Você gostaria de passar de ano? Por quê ?
...............................................................................................................................................
106
Fundação Cidade Mãe
ANEXOS - II
ROTEIRO DE ENTREVISTA AOS PAIS
1. Qual o seu grau de instrução ?
(
) Ensino Fundamental até 4ª série
(
) Ensino. Fundamental até 8ª série
(
) Ensino Médio incompleto
(
) Ensino Médio completo
(
) Superior
2. quantas pessoas residem em seu lar?
(
) duas
(
) três
( ) quatro
( ) cinco
( ) mais de cinco
3. Qual a sua renda familiar?
(
) menos de 1 salário mínimo
(
) entre 500 e 1000 reais
( ) 1 salário
(
) 2 salários
4. Em seu lar, qual é a pessoas responsável por resolver os problemas familiares?
(
) pai
(
) mãe
(
)avós
(
) outros ......................................
...............................................................................................................................................
5.
Que
tipo
de
programa
de
televisão
costuma
assis-
tir?...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
6. Que tipo de leitura costuma realizar? ........................................................................
.....................................................................................................................................................
7. Qual foi o critério utilizado para escolher a escola que seu filho estuda ?
(
) por ser próximo da residência.
(
) por não ter outra opção
(
) por receber boas referências
107
Ação Psicopedagógica
8. Como se dá a sua visita à escola?
(
) somente quando chamado (
) regularmente (
) somente no final do ano
9. Quando é convidado a participar das reuniões escolares o que faz?
(
) não participa, pois acha desnecessário
(
) comparece, se não tiver outro compromisso
(
) comparece e participa ativamente emitindo suas idéias e opiniões
10.Qual o seu grau de satisfação com relação a professora de seu filho?
(
) bom
(
) regular
(
) ruim
(
) péssimo
11. O caderno de seu filho é verificado:
(
) todos os dias da semana (
) duas vezes por semana
(
) três vezes por semana
) nunca
(
12. Quando você auxilia seu filho nas tarefas escolares?
( ) sempre ( ) somente quando ele pede ( ) nunca ( tem professor particular)
13. Caso auxilie seu filho nas tarefas, quando não é possível ajudá-lo qual é o seu
procedimento?
(
) deixa a tarefa por fazer
(
) procura estudar o assunto p/ não confundir mais a criança
(
) envia um bilhete para professora explicando a não realização da tarefa
14. Onde costumas passear com seu (sua) filho (a) nos finais de semana?
(
) praia (
) Shopping (
(
) visitar pontos turísticos
) cinema / teatro (
(
) visitar parentes
) parques
( ) outros
15. Que tipo de bem de consumo você gostaria de oferecer ao seu filho?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
16. O que de melhor você é deseja para o seu filho?
...............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
108
Fundação Cidade Mãe
ANEXOS - III
ROTEIRO DE ENTREVISTA À PROFESSORA
Nome....................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
1. Qual a sua formação? .....................................................................................................
...............................................................................................................................................
2. É funcionária efetiva ou presta serviços à escola?
...............................................................................................................................................
..............................................................................................................................................
3. Há quanto tempo atua na área?
...............................................................................................................................................
4. Exerce esta mesma função em outra instituição?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
5. Há quanto tempo trabalha nesta instituição?
...............................................................................................................................................
6. Como ocorre o seu relacionamento com os alunos?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
7. Como ocorre o seu relacionamento com os pais dos alunos?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
109
Ação Psicopedagógica
8. Quantos alunos do seu universo de 31, apresentam dificuldades de aprendizagem?
...............................................................................................................................................
9. Quantos alunos apresentam problemas de indisciplina?
...............................................................................................................................................
10. Quantos alunos não realizam as tarefas de casa com regularidade?
...............................................................................................................................................
11.Quantos pais participam ativamente do processo de aprendizagem do aluno,
procurando saber também quanto ao seu comportamento?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
12. Quantos pais freqüentam às reuniões de pais e mestres?
...............................................................................................................................................
13. Qual a relação que há entre os melhores alunos e a freqüência dos pais na escola? ...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
14. Quantos alunos são repetentes ou bi-repetentes?
...............................................................................................................................................
15. Quantos alunos são filhos de pais separados?
...............................................................................................................................................
16. Existem casos de alguns pais que ainda não compareceram à escola?
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
110
Fundação Cidade Mãe
8
A terapia comunitária como instrumento da psicopedagogia
Edileide Maria Antonino da Silva 1
Maria Célia Couto Vigas 2
8.1 - O que é a terapia comunitária?
“Quando a boca cala, os órgãos falam”
A Terapia Comunitária é uma técnica realizada em grupo em que ocorre uma partilha de experiências de vida, realizada de forma Horizontal e Circular, promovendo a
fala de cada participante e tornando cada um deles o terapeuta do outro e de si mesmo.
O objetivo principal da Terapia Comunitária é trabalhar as dores e as angústias de cada
participante através da fala de cada um; o que se percebe é que por meio da fala e da
exposição das emoções individuais, favorece-se o bem estar e se promove a cura de
situações doentias.
De acordo com Dr. Adalberto Barreto (2005)3 , na terapia, os indivíduos tornam-se
co-responsáveis na busca de soluções e superações dos desafios do cotidiano, em um
ambiente acolhedor e caloroso, porque uma das características da Terapia Comunitária (TC) é ser um ambiente acolhedor, de escuta e de possibilidade de falar e trazer à
tona problemas da vida pessoal e da comunidade.
8.2 - Breve histórico
A Terapia Comunitária foi criada em 1987 pelo Cearense de Canindé, Dr. Adalberto de Paula Barreto. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará
Pedagoga formada pela UFBA, com especialização em Psicopedagogia Clínica - Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER, 2004, Terapeuta Comunitária da FCM – Fundação Cidade Mãe -, Pesquisadora do GEPE-RS (Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação
Social) UNEB, integrante do grupo de estudos em Psicanálise da ELBA – Escola Lacaniana da Bahia.
2
Pedagoga formada pela UNEB, com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional - UNEB, Coordenadora do Núcleo de Psicopedagogia da FCM – Fundação Cidade Mãe - e gerente da GEPE – Gerencia de Programas Especiais da FCM.
3
Dr Adalberto de Paula Barreto estudou ao mesmo tempo medicina, teologia e filosofia
1
111
Ação Psicopedagógica
(UFC), Dr. Adalberto especializou-se em psiquiatria e antropologia na Europa. Professor da Universidade de Medicina do Ceará, iniciou um trabalho de sensibilização dos
seus alunos quanto aos aspectos culturais da medicina, permitindo-lhes “refletir sobre
a riqueza de uma cultura não-acadêmica e os perigos de uma Medicina que exclui não
somente o universo do paciente, mas também o do próprio médico” . Desta forma,
Dr. Adalberto criou a disciplina Antropologia da Saúde, ministrada numa favela, promovendo aos alunos o contato com a teoria acadêmica e, sobretudo, com a prática de
trabalho, o que os colocou em contato não só com os diversos aspectos das patologias,
mas também com a situação de vida dos sujeitos, seus problemas existenciais bem
como com os processos de cura.
Esta experiência favoreceu o desenvolvimento, em 1983, de um programa de pesquisa e educação comunitária que tinha como objetivo promover a relação com os
estudantes universitários e os romeiros4 , o que culminou com a implantação do projeto Quatro Varas, no município Pirambu, no Ceará, levando atendimento a pessoas
em situação de abandono, sofrimento e miséria. Foi a grande demanda por este tipo
de atendimento que levou o Dr. Adalberto a criar o Movimento Integrado de Saúde
Mental Comunitária, o que promoveu a Terapia Comunitária Sistêmica Integrada.
8.3 - Terapia
A palavra TERAPIA vem do termo grego θεραπεία, que significa “servir a Deus”,
ou terapêutica, que significa tratamento para uma determinada doença por meio de
medicina tradicional ou de terapias complementares ou alternativas.
O objetivo de uma terapia é promover cura ou alívio de um estado determinado,
visando a promover uma situação de normalidade a fim de que seja possível o restabelecimento pronto.
8.4 - Objetivos da terapia comunitária
“Quando a boca fala, os órgãos saram.”
Os objetivos da Terapia Comunitária, de acordo com Dr. Adalberto Barreto (2005,
p.39), são bastante amplos e podemos assim enumerá-los:
Romeiros são pessoas que estão em romaria, peregrinação religiosa feita a uma igreja ou local considerado santo para pagar promessas, agradecer, pedir graças ou simplesmente por devoção, muito comuns no Nordeste.
4
112
Fundação Cidade Mãe
1 - Reforço da dinâmica interna de cada indivíduo, levando-o a descobrir valores
ocultos, suas potencialidades, sua autonomia, autoconfiança e sua auto-estima;
2 - Valorização do papel da família e da rede de relações que esta estabelece com
o seu meio;
3 – Promoção e manutenção em cada um do sentimento de união e identificação
com os mesmos valores culturais;
4 - Favorecimento do desenvolvimento comunitário, fortalecendo os laços sociais;
5 – Promoção e valorização das instituições e práticas culturais tradicionais;
6 - Favorecimento da comunicação entre o saber popular e o saber científico e estímulo à participação, ao diálogo e à reflexão, favorecendo tomada de iniciativas para
se tornar sujeito e agente de sua própria transformação.
Desta forma, a TC fortalece não só cada um enquanto indivíduo, mas o próprio
grupo, principalmente quando se discutem as características da comunidade e se reforçam seus aspectos positivos tantas vezes pouco valorizados.
8.5 - Objetivos da terapia comunitária na fundação cidade mãe
O atendimento da Fundação Cidade Mãe (FCM) em oito comunidades da Cidade
de Salvador tem sido fundamental para algumas famílias, principalmente quando tira
das ruas crianças que vivem em situação de risco social. Nas unidades é proporcionado à criança desenvolver atividades culturais, recreativas e de formação profissional,
mas é possível perceber, de forma bastante clara, que se não houver um engajamento
da família com estas unidades educativas, elas próprias deixam de perceber a relevância das atividades para a formação de cada um. E, quando a família não percebe a
importância da atividade educativa extra-escolar que acontece na FCM, automaticamente não cobra nem exige à freqüência dos filhos à mesma, fazendo mais uma vez
esta criança ter tempo ocioso.
O evento da Terapia Comunitária nas Unidades que dão atendimento às crianças
tem objetivos diversos, seja no trabalho com os educandos ou com as famílias, tal
como abaixo está relacionado:
1 - Promoção da auto-estima
2 - Sentimento de grupo (pertencimento)
3 - Resgate da família do educando
4 – Estreitamento de vínculo família-educando-unidade educativa
113
Ação Psicopedagógica
5 – Proporcionar escuta e espaço de fala
O propósito maior é promover o bem estar da família e ressaltar a necessidade de
se manter as crianças nesta jornada ampliada que complementa a atividade da escola.
Busca-se levar à família uma situação de conforto, oferecendo-lhe espaço para desabafo e dando-lhe escuta sensível, para que com isso ela perceba que o crescimento
saudável de seu filho depende também desta intervenção.
Dentre estes propósitos que consideramos relevantes, a TC busca desenvolver atividades de prevenção e inserção social de indivíduos ou grupos que vivem em situação
de crise e sofrimento psíquico, com o objetivo de promover a integração, a construção
da dignidade e da cidadania, evitando assim a proliferação de diversos tipos de exclusão.
8.6 - O papel do terapeuta comunitário
Para ser terapeuta comunitário, é preciso, antes de tudo, que haja o desejo e envolvimento com a comunidade onde se trabalha. Deve estar claro ao profissional que sua
função é promover situações e ações que levem os indivíduos inseridos no grupo a
partilharem suas experiências, criando assim uma rede de apoio aos que expõem suas
dores, suas angústias, ansiedades e dificuldades perante a vida.
Não cabe ao terapeuta agir como psicólogo ou psiquiatra, embora possa ser visto
como tal por algum membro do grupo, mas não é seu papel medicalizar, fazer análise
ou aconselhar. Em situações necessárias, cabe ao terapeuta encaminhar os casos para
seus devidos espaços de resolução, seja no âmbito da saúde, do judiciário ou até mesmo ao apoio cultural.
Conforme Barreto (2005), o terapeuta é como o maestro de uma orquestra regendo, provocando, promovendo vínculos. Numa Roda de Terapia Comunitária (RTC),
um é terapeuta do outro, assim sendo também possível ao terapeuta falar e expor suas
questões em situação de igualdade, sendo um com o grupo e não um para o grupo
(p.47).
8.7 - A quem se destina a tc na fundação cidade mae
Na FCM a terapia comunitária visa a atender aos educandos e às famílias, mas toda
e qualquer pessoa que queira, que busque um espaço de escuta e interação pode parti-
114
Fundação Cidade Mãe
cipar de uma RTC. Pessoas que vivem situações de conflito ou sofrimento, ou mesmo
que já passaram por situações difíceis e que superaram e que se sintam à vontade para
partilhar com os demais são bem vindas neste espaço, afinal a proposta é buscar a cura
pela fala e estimular o outro a fim de que se perceba capaz de vivenciar as mesmas
vitórias e superações.
As RTCs podem ser formadas por grupos de pessoas com afinidades, sejam idosos,
adultos, adolescentes ou mesmo crianças.
8.8 - Bases da terapia comunitária
A TC é uma prática que se embasa em 5 grandes eixos que possibilitam seu funcionamento. Para se conduzir este tipo de trabalho, é necessário que o terapeuta tenha,
além do desejo e aptidão, o conhecimento teórico sobre o Pensamento Sistêmico, a
Teoria da Comunicação, a Antropologia Cultural a Pedagogia de Paulo Freire e o conceito de Resiliência.
O Pensamento Sistêmico propicia ao terapeuta perceber o ser humano como um
ser completo, mas composto por partes integradas e indissociáveis, um ser bio-psico-social; ter esta percepção é a melhor forma para se compreender os processos pelos
quais este ser passa e vive dentro de uma rede complexa que é sua própria vida.
O Segundo eixo que alicerça a TC é a Teoria da Comunicação. É por meio da fala
que se comunicam os sentimentos, as dores e as angústias, seja esta fala verbal ou não.
Nas rodas de Terapia Comunitária, os participantes são estimulados a falar e discutir
suas dificuldades, mas, muitas vezes, é por meio de atitudes e reações à fala do outro
que o sujeito se comunica com o grupo.
O terceiro eixo que possibilita a prática da TC é a Antropologia Cultural. A Terapia
Comunitária nasceu da crença de que é possível curar pela fala, pela valorização do
sujeito enquanto indivíduo e grupo, do reforço às suas crenças e sua identidade social
e cultural. Segundo Dr. Adalberto Barreto, o conhecimento científico aliado ao saber
popular promovem a transformação do sujeito e de seu meio social.
A quarta via para a sustentação da TC é a Pedagogia de Paulo Freire. Esta é uma
pedagogia que teve, no auge de sua prática, um fim politizador das camadas populares.
Trata-se de uma pedagogia de inclusão e valorização dos menos favorecidos, promotora de espaço e voz, instrumentalizadora e conscientizadora da condição pensante
de cada sujeito. Assim como a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, a TC objetiva
115
Ação Psicopedagógica
promover espaço de dissolução de limitações e promoção do sujeito a partir da sua
própria bagagem de vida.
Por fim, a Resiliência mostra-se como uma prática indispensável. Ser resiliente é
se superar a cada dia, é conseguir se promover apesar de suas dificuldades e das limitações impostas pela vida. É, “apesar de tudo”, construir sobre as pedras e obstáculos
da vida.
8.9 - Como acontece a terapia comunitária?
Existindo uma demanda, a TC pode ser instalada, aplicada. E, para que isso se proceda, é necessário que se reúna o grupo em um espaço acolhedor. Como toda técnica,
existe uma metodologia para a aplicação da TC, como a seguir será resumidamente
descrito.
O ideal é que uma RTC seja conduzida por dois ou três terapeutas, sendo um na
função de terapeuta e o(s) outro(s) como co-terapeuta(s)5 . Entre eles são divididas as
funções em cada RTC.
Para começar, acontece o momento da acolhida, tão importante para o sucesso da
TC. O objetivo é deixar o grupo à vontade e cabe aí uma atividade de integração, uma
dinâmica ou uma vivência que é promovida ou proposta pelo co-terapeuta. Também
se inclui neste momento de acolhida falar das comemorações do mês, sejam datas
nacionais, locais ou aniversários de participantes, mas seguindo uma consigna assim
definida:
Estamos reunidos aqui para participarmos da nossa terapia comunitária. A
terapia comunitária é um espaço onde a comunidade se reúne para falar de
seus problemas, de suas dificuldades e de suas realizações. A comunidade
tem problemas, mas também tem suas soluções, desde que nós nos reunamos para escutar uns aos outros. Cada um tem um saber, seja construído
pela experiência de vida ou vindo dos antepassados. É disto que a terapia
comunitária se constitui. A qualidade da sessão da terapia comunitária será
proporcional à qualidade da escuta. Mas, para que a terapia possa acontecer,
é necessário seguirmos algumas regras (BARRETO, 2005, p. 63).
Neste momento o co-terapeuta revela quais são as regras para o bom andamento
da RTC: silêncio, escuta apurada, não julgar o outro e não dar conselhos. A partir
daí atua o Terapeuta Comunitário, estimulando as falas, intermediando, confirmando
As funções de Terapeuta e co-terapeuta são definidas em cada roda, podendo haver uma permuta constante, de acordo com o desejo da dupla ou
trio. Também é possível se conduzir a RTC, em situações especiais, sem o co-terapeuta.
5
116
Fundação Cidade Mãe
com os falantes se sua escuta foi acertada e, junto com o grupo, escolhendo o tema a
ser discutido. Na discussão é possível aos participantes reverem seus conceitos, seus
preconceitos, sua identificação com o outro, além de poder se perceber não mais único em seu problema, pois a partir da fala do outro o seu próprio problema pode ser
exposto. É todo um processo de abraço, de acolhida, que é finalizado com a fala do
terapeuta numa valorização de cada sujeito que expôs suas dificuldades ou angústias.
Este é um momento extremamente positivo para a Terapia.
Por fim, um terceiro terapeuta (se houver) ou o que primeiro atuou na acolhida
faz o encerramento das atividades num abraço geral, onde cada um traduz seus sentimentos dentro da terapia: “...balançamos sim, temos nossos desequilíbrios, mas com
o apoio do outro ao nosso lado não nos deixamos cair”6 . Neste momento é aberta
ao grupo a possibilidade de avaliar, em poucas palavras, o sentimento emergido da
terapia.
Durante todo o processo utilizam-se músicas, danças, ditados populares. É um
processo que, antes de tudo, visa a acolher e valorizar não só o sujeito, mas também a
cultura local.
8.9 - E qual o resultado disso? O que se espera?
“Tô balançando, mas não vou cair”
Na FCM espera-se levar bem-estar às famílias dos educandos, além de fazê-los
perceber o valor da integração da família com o meio educativo formal. Na esfera
individual espera-se que, a partir da oportunidade de falar, as angústias dos sujeitos se
dissipem num processo que pode ser lento, mas que de fato acontecerá.
As 08 unidades educativas da FCM são inseridas em bairros periféricos de Salvador e visam a atender às comunidades de baixa renda com o objetivo de não permitir
que suas crianças e jovens entrem em situação de risco ou vulnerabilidade social. Em
paralelo às oficinas culturais e profissionalizantes oferecidas aos educandos, o Núcleo
de Família traz a prática da Terapia Comunitária para as famílias.
A proposta maior da implantação da TC na Fundação Cidade Mãe é estreitar os
vínculos entre família e instituição com o objetivo de favorecer o educando na sua
formação ampla. Numa segunda via, estabelece-se, assim, uma condição de bem estar
individual e de valorização do grupo e da própria comunidade onde estão inseridos.
6
Fala de um participante de uma RTC ocorrida na Unidade Educativa da AABB, com famílias de educandos da Fundação Cidade Mãe.
117
Ação Psicopedagógica
A terapia comunitária é também um espaço de inclusão social.
8.10 -A terapia comunitária e os encontros de família da Fundação
Cidade Mãe
A Terapia Comunitária dentro da Fundação Cidade Mãe tem o objetivo de estreitar os laços entre os educadores sociais e a família dos educandos, dando suporte
direto aos responsáveis pelos jovens atendidos pela instituição. O perfil destas famílias
encaixa-se no padrão de pessoas que vivem em situação de dificuldades e que apresentam problemas sociais. Comunidades que vivem em de desemprego, exclusão, precarização do trabalho, da saúde, da habitação, da educação, alimentação insuficiente,
violência e diversos outros tipos de conflitos.
Nas rodas são abordados conflitos de diversos tipos, que vão desde as questões de
saúde, bem individuais, a questões de cunho coletivo, como queixas de falta de escola
na região, ruas sem esgoto e outros. Na roda existe um grande paradoxo: os que sofrem
e se queixam são os mesmos que propõem soluções e mostram os caminhos. Todos
vivem os dois papéis, e isso mostra a cada um o valor do coletivo.
O atendimento prestado a estas famílias tem sido valioso, pois tudo vai além da
terapia, uma vez que a Fundação procura criar uma rede de apoio a estas famílias,
intermediando encaminhamentos a outros especialistas.
8.11 -Um caso contado
“A terapia não é minha só, ela é de todos nós”
O atendimento em uma das Unidades da FCM será aqui relatado, mas sem identificar o grupo, ou seja, não será aqui nem mesmo citado em que unidade se deu este
atendimento.
Não foi fácil iniciar o trabalho nesta Unidade, até porque foi uma das primeiras
no processo de implantação da TC nesta instituição. Na primeira roda estavam, além
dos adultos, algumas crianças, mas tudo transcorreu de forma tranqüila, embora a
princípio a impressão tenha sido a de que o grupo estava insatisfeito, como se tivesse
vindo em busca de um atendimento e tivesse encontrado uma atividade bem diferente.
Para eles, decepcionante. Mas levamos a ação até o fim, fechando com a solicitação
de que cada um dissesse o que sentiu naquele momento. Eram 14 participantes, mas
118
Fundação Cidade Mãe
só a metade falou trazendo as seguintes declarações: “Foi interessante”; “Gostei” (3);
“Pra mim não é fácil falar das coisas que me tiram o sono, mas tô me sentindo melhor
depois de ter falado aqui”; “Espero que vocês voltem e não desistam da gente”; “Foi
doloroso, mas eu gostei”.
Voltamos para um segundo encontro e encontramos um grupo um pouco maior;
além dos membros do grupo original, havia “convidados” de alguns, ou seja, um vizinho, a sogra e a professora da banca7 . Pessoas que ficaram sabendo do que seria
aquela reunião e, por curiosidade ou recomendação do outro, resolveram participar.
Como de praxe, iniciamos com a acolhida e procedemos de acordo com o método,
sendo que desta vez foi solicitado a cada participante se apresentar da forma que melhor encontrasse; assim vimos que havia ali uma mãe que é funcionária contratada do
posto de saúde local. Durante a RTC ela não se manifestava, não trazia sua dificuldade
nem qualquer outra fala, nem mesmo no momento do encerramento, em que cada
um pode dizer, de forma breve o que sentiu. Apenas no terceiro encontro esta jovem
senhora falou de sua dor. Há 7 meses havia perdido seu filho de 10 meses e, desde
então, segundo seu relato, não conseguia permitir que “ninguém mexesse nas coisas
dele”. Uma gaveta com suas roupas e uma caixa com os sapatos e brinquedos estavam
no quarto, no mesmo lugar. Dona Maria8 relatou que todo esse tempo chorava e não
permitia que seu filho de 10 anos brincasse em casa; relatou que fez com que seu esposo, pai da criança falecida, fosse embora de casa; e que depois de sua participação na
segunda Roda que fizemos na comunidade, pôde perceber o quanto estava sendo egoísta com seu filho e quanto foi infeliz no que fez de seu casamento. Disse que depois da
nossa segunda roda se permitiu pegar, olhar e se despedir das coisas que pertenciam
ao seu filho Mateus9 , compreendendo que o mais velho está vivo ainda e precisa dela.
Ela compreendeu, segundo seu depoimento, que a dor e a perda fazem parte da vida e
que são úteis para promover o crescimento espiritual e que não são privilégio dela; ver
que tantos ali sofrem com angústias maiores, perdendo seus filhos para o tráfico, para
a própria droga, para as prisões, sofrendo privações e fome fez com que ela percebesse
que “sua vida é muito boa e que Deus a abençoa sempre”, conforme suas palavras.
Disse que restava ainda curar o filho maior que ela estava fazendo adoecer com a sua
própria dor, pedindo-lhe desculpas e mostrando a ele que o ama e que ele é seu filho.
Reforço escolar
Aos personagens aqui expostos foram dados nomes fictícios para preservar suas imagens.
9
Idem
7
8
119
Ação Psicopedagógica
No nosso exercício de Terapeuta nos deparamos constantemente com a dor do
outro e com sua capacidade de superação. O caso acima relatado, de Dona Maria,
analisamos como uma situação em que a RTC pode tirar a venda dos olhos de alguém,
lhe permitindo ver que a vida continua e que cada pessoa é responsável não só por si
próprio, mas também pelas pessoas que a cercam e que dependem direta ou indiretamente dela.
8.12 - A terapia comunitária e a escuta
O trabalho realizado pelo participante da RTC é como a limpeza da chaminé, expressão usada por uma paciente de Freud, Anna O., ao falar do que representou para
ela expor, pelo método da associação livre10 seus pensamentos conscientes, desejos inconscientes, angústias e sofrimentos somatizados pelo seu corpo. Na Terapia Comunitária é possível se constatar que, por meio da fala, os participantes são levados à “cura”
de alguns sintomas que apresentam, que nada mais são que sintomas promovidos pelas angústias e sofrimentos, privação de escuta e de espaço para falar. Na RTC o sujeito
é levado a falar e muitas vezes esta fala vem após a elaboração da escuta do outro.
Esta é a proposta da Roda de Terapia Comunitária: permitir que, por meio da fala
e/ou da escuta, os sujeitos possam trazer à tona seus conflitos, abrindo assim vias de
solução para os mesmos.
8.13 -Referências
BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia Comunitária passo a passo. SP, 2005, Gráfica LCR.
FREUD, S. Rascunho E – como se origina a angústia, 1894. In: Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Obras psicológicas
completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira.
A associação livre é o método terapêutico por excelência da psicanálise. Freud o inventou. Diferente da TC, na
Associação livre o paciente é orientado a dizer o que lhe vier à cabeça.
10
120
Fundação Cidade Mãe
9
Tdah, um caso de carência de atenção
Maria Jane Argolo C. Branco 1
O presente artigo possibilita uma breve reflexão em torno de um tema ainda gerador de muitos conflitos e dúvidas, ocasionados principalmente no âmbito familiar
e escolar, pela desinformação sobre sua origem, causas e conseqüências, tornando-se
um grande entrave na vida do portador e dos que com ele convivem. Algumas vezes
nos deparamos com determinados comportamentos e atitudes de algumas de nossas
crianças, e ficamos a indagar sobre a natureza dos mesmos. Atitudes como impulsividade, muita inquietação, dificuldades de concentração, pensamento distante, dificuldade em permanecer sentado mexendo constantemente nos colegas, interrupção
frequente das aulas, burlar regras e limites, além de outros comportamentos semelhantes, podem determinar a presença do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade
(TDAH), também conhecido popularmente como hiperatividade (Silva, 2009). Este
transtorno é classificado pela Associação de Psiquiatria Americana (APA)2 .
O TDAH se caracteriza, segundo a APA, por três sintomas básicos: desatenção,
impulsividade e hiperatividade. Seus sinais apresentam-se logo na infância e em cerca
de 70% dos casos permanece ainda na vida adulta. Esses três sintomas podem aparecer
de maneira individual em pessoas diferentes, ou agrupados numa só pessoa, o que
pode ocasionar em sérios prejuízos se não for diagnosticado e tratado com antecedência. Para Barkley (2000), o TDAH é considerado um transtorno de desenvolvimento
do autocontrole que consiste em problemas com os períodos de atenção, com o controle do impulso e com o nível de atividade. Ele descreve alguns sinais da existência
do TDAH na primeira infância, no entanto, afirma que nesses primeiros anos esses
indicadores não são tão confiáveis quanto os sintomas descritos em idade escolar,
principalmente dos 6 aos 12 anos de idade. Segundo ele (pagina), quando nasce um
Pedagoga formada pela Universidade Católica do Salvador, UCSAL . Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional – Faculdade deArtes
do Paraná, Curitiba; Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe
2
Associação Psiquiátrica Americana (1995)
1
121
Ação Psicopedagógica
bebê com TDAH, Tipo Combinado (com Hiperatividade), é fácil perceber alterações
no seu comportamento: ele reage negativamente a novas situações com choros altos
e insistentes ou, simplesmente, se mostra mal humorado por um grande período do
dia. Também não apresenta um sono tranqüilo, movimenta-se muito, e, às vezes, até
machuca-se ao bater cabeça e pernas nas grades do berço. Durante o dia, agita constantemente braços e pernas, o que provoca suores, produz sons estranhos e repetitivas
reações, o que difere do recém nascido com TDAH Tipo desatento (sem hiperatividade), que é um bebê fácil de lidar, com um temperamento agradável e calmo, sorri com
freqüência e gosta de estar perto de outras pessoas.
Indicadores mais confiáveis da presença do TDAH surgem quando as crianças começam a andar. É possível perceber de 60% a 70% da presença do TDAH em crianças
na faixa de 2 a 3 anos, no entanto, os indicadores predominantes não vão incluir a
atenção, ”marca registrada” no diagnóstico de TDAH, pois poucas crianças com 2 anos
de idade se concentram em qualquer coisa por muito tempo (característica da própria
fase). Entretanto, o que diferencia é que crianças que se encontram nessa mesma fase
e são portadoras do TDAH tendem a sofrer frequentes acidentes em razão da hiperatividade, da impulsividade e das freqüentes dificuldades de coordenação motora e
psicomotora, o que não acontece com o Tipo desatento (s/ hiperatividade).
9.1 - O TDAH na idade escolar
Nas crianças maiores o Transtorno de Déficit de Atenção compromete o rendimento escolar, já que a atenção seletiva a estímulos relevantes é condição necessária
para a ocorrência das aprendizagens em geral e, em especial, as escolares. A criança
com TDAH apresenta dificuldades para sustentar a atenção durante um tempo mais
prolongado; a dificuldade também está presente ao selecionar a informação relevante em cada problema, de forma a estruturar e realizar uma tarefa. Essas dificuldades
intensificam-se nas situações grupais, já que elas exigem atenção sustentada e seletiva
para o manejo da grande quantidade de informação que é gerada (Briso e Sarria,1930).
É preciso analisar o tipo de dificuldade, quando esta ocorre, para então, poder estabelecer prioridades no atendimento a estas crianças. Segundo Ballone3 , os transtornos
de aprendizagem compreendem uma inabilidade específica como leitura, escrita ou
3
Gj. Dificuldades de Aprendizagem,São Paulo, 2003.
122
Fundação Cidade Mãe
matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do
esperado para o seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual.
Em 1988, o National Joint Comitte on Leaming Disabilities apresentou uma conceituação concludente sobre as dificuldades de aprendizagem:
Dificuldade de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de
transtornos manifestados por dificuldades significativas na aquisição e uso da escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estes transtornos são intrínsecos ao indIvÍduo, supondo-se que são devido à disfunção do sistema nervoso central, e podem ocorrer ao
longo do ciclo vital.
Atualmente, a descrição dos Transtornos de Aprendizagem é encontrada tanto no
CID-104 como no DSM-IV. Ambos os manuais apresentam basicamente três tipos de
transtornos específicos:
Transtorno da Matemática...
...também conhecido como discalculia, não é relacionado à ausência de habilidades matemáticas básicas como contagem, e sim na forma com que a criança associa
essas habilidades com o mundo que a cerca.
Transtorno da Leitura...
...também conhecido como dislexia e é caracterizado por uma dificuldade em
compreender palavras escritas. Trata-se de um transtorno específico das habilidades
de leitura, que sob nenhuma hipótese está relacionado à idade mental, problema visual
ou baixo nível de escolaridade. Manifesta-se por dificuldade em trocas de letras parecidas ou sons parecidos.
Transtorno da Expressão escrita...
...um transtorno apenas de ortografia ou caligrafia. Nesse transtorno, também conhecido como disgrafia, geralmente existe uma combinação de dificuldades na capacidade de compor textos escritos, evidenciada por erros de gramática e pontuação
dentro das frases, má organização de parágrafos, múltiplos erros ortográficos ou fraca
caligrafia.
O TDAH por si só não causa problemas de aprendizado. Os erros cometidos na es4
Elaborado pela Organização Mundial de Saúde, 1992
123
Ação Psicopedagógica
cola por crianças e adolescentes com esse transtorno ocorrem como conseqüência dos
sintomas do TDAH. É evidente que as dificuldades aumentam de proporção ao atingir
crianças com TDAH. Tanto essas dificuldades, como o comportamento apresentado
por estes sujeitos, podem ser considerados tão complexos que, tanto a criança como
sua família necessitam de acompanhamento e orientação, já que essa situação pode
transformar a vida de todos e, adicionalmente, esses comportamentos são acompanhados por outros associados, como baixa auto-estima e depressão, o que pode afetar
significantemente a performance dessas crianças.
A fase dos 6 aos 12 anos é considerada a mais crucial para as crianças com TDAH.
A falta de concentração nas atividades aumentam, as exigências de professores tornam-se cada vez mais freqüentes e consequentemente as queixas escolares tornam-se
rotina. Nessa época, os dois tipos de TDAH enfrentam os mesmos problemas, acarretando um baixo rendimento escolar e repetições de ano consecutivas. Verifica-se
também neste período o surgimento dos transtornos emocionais e os transtornos de
aprendizagem. Socialmente, a criança pode ser bastante solitária, e a tendência de
traduzir sentimentos em ações pode aumentar gerando, por exemplo, as mentiras,
atitudes mais agressivas e os pequenos furtos. As mentiras muitas vezes estão relacionadas às tarefas de casa nunca terminadas.
Segundo Phelan (2005, p.55):
A tendência de traduzir os sentimentos em ações é preocupante, porque
cerca de 25% das crianças com TDAH tem sérios riscos de mais tarde desenvolver distúrbios de conduta - problemas que envolvem atividades mais
sérias, inadequadas e precoce para a idade, e até mesmo ilegais.
Durante esta fase a criança já consegue perceber que algo de diferente existe no seu
comportamento, mas por não ter maturidade suficiente para discernir o que existe de
fato com o seu “eu,” passa a acreditar que aqueles títulos os quais sempre ouviu, fazem
sentido na sua vida, sentindo-se concretamente como um incapaz, perverso e pior
que todos os outros.
9.2 - Intervenção psicopedagógica nas unidades:
Para se chegar a um diagnóstico, é necessário a intervenção psicopedagógica, pois
124
Fundação Cidade Mãe
ela é essencial para identificar o TDAH, ou outros transtornos, que, muitas vezes podem estar ligados a não aprendizagem. Por essa razão, é necessário se estabelecer critérios que ajudem na identificação desse transtorno, já que ainda não se dispõe de um
teste ou exame específico que, por si só, identifique o TDAH. Segundo Weiss (2004, p.
), todo diagnóstico psicopedagógico é uma investigação, uma pesquisa para se descobrir o que não vai bem, a causa do não aprender, do aprender com dificuldade, a fuga
da aprendizagem e a omissão do que aprendeu. As nossas intervenções nesse âmbito
têm assumido um papel relevante direcionando os atendimentos que realizamos com
nossos educandos nos núcleos de apoio psicopedagógico, instalados nas Unidades da
FCM5 , garantindo através do olhar e da escuta, a identificação dos problemas que
interferem na aprendizagem, além de outros elementos essenciais utilizados durante todo o processo de investigação em busca das causas da não aprendizagem. Assim sendo, o trabalho do Núcleo Psicopedagógico objetiva atender uma demanda
de crianças e adolescentes lançando sobre eles um olhar diferenciado, quando essa
demanda provém de seus educadores que sinalizam as dificuldades percebidas nas
relações diárias diante das tarefas propostas. A partir daí, começa-se a conhecer e atuar
sobre os aspectos diretamente ligados à aprendizagem.
É necessário abordar alguns pontos referentes ao perfil de nossos educandos, esclarecendo que muitas vezes a não superação das suas dificuldades no aprender podem ter origem, segundo Sanches (2004), em alguns fatores externos, como o ensino
inadequado ou insuficiente, a desmotivação e os fatores econômicos, diferente dos que
sofrem dificuldades originadas por fatores internos, manifestados pelas diferenças no
desenvolvimento dos processos psicológicos, como a percepção, atenção ou memória.
Quando lidamos com uma camada da população de baixo poder aquisitivo e pouco acesso a esse tipo de informação, consequentemente essas dificuldades podem ser
interpretadas como “burrice6 ” ou “deficiência mental.” Essa interpretação ocasiona,
sem dúvida, implicações arrasadoras no processo de aprendizagem. Inúmeros são os
casos de crianças rotuladas pela própria família, quando as mesmas se vêem impotentes frente aos diversos desafios de vencer a leitura ou a escrita, além de apresentarem
inquietações comportamentais e desatenção nos momentos em que necessitam manter a sua concentração. Por causa disso, constantemente, recebem punições e adjetivos
ofensivos, conseqüência de um comportamento “inadequado”, porém, não intencional
5
6
Fundação Cidade Mãe
Termo utilizado pelas famílias.
125
Ação Psicopedagógica
como já dissemos anteriormente. Esse comportamento pode ser confundido por muitos com debilidade mental. O que falta para essas crianças muitas vezes é, na verdade,
oportunidades de acompanhamento e diagnósticos precisos (Weiss,2004, pg.16) que
ajudem na identificação do problema e suas origens. Para se chegar ao diagnóstico da
debilidade mental, vários recursos e instrumentos são utilizados, dentre eles podem
estar os instrumentos psicométricos, os testes projetivos, importantes informações e
observações registradas no contato com a família e educadores, assim como, muitos
outros necessários para um diagnóstico concludente, (Rev. Psicopedagógica, 2005,
p.22).
O TDAH não está relacionado à deficiência mental, mas as características de um
comportamento desatencioso e frequentemente irrequieto, muitas vezes confundem a
família, principalmente se esta não estiver munida de informações suficientes que lhes
possibilite compreender a diferença entre esses dois transtornos, ocasionando sérias
injustiças ao pequeno portador de TDAH.
Algumas situações semelhantes a essas temos vivenciado no nosso dia a dia, quando lidamos com crianças vítimas do fracasso escolar e são conscientes de que algo
não está bem. No decorrer dos atendimentos acabam se autodenominando “burras” e
“incapazes”, reproduzindo o que já ouviram da própria família. Nas intervenções psicopedagógicas também detectamos algumas causas da não aprendizagem que podem
estar relacionadas ou não às questões sociais que bloqueiam o acesso à aprendizagem.
9.3 - Diagnóstico
Já se sabe que o TDAH não é uma doença, por isso ele não é adquirido. Segundo
Silva (2009, p. ), é um transtorno biogenético, mas pode aumentar de intensidade ou
ser controlado de acordo com o tempo em que é descoberto e o tratamento aplicado.
Se ficarmos atentos aos sinais de sua existência, geralmente na alfabetização ou nas
séries iniciais do ensino fundamental, podemos evitar sofrimentos de ambos os lados
(pais e filhos) e consequentemente um melhor relacionamento diminuirá os problemas emocionais coexistentes ao TDAH. Por isso, o melhor critério, segundo a autora,
para se diagnosticar esse transtorno é a “própria história de vida em vários aspectos:
escolar, familiar, profissional no caso do adulto, social e afetiva.” Essa visão mais ampla
oportunizará critérios que traçarão a necessidade de tratamento. Esse tratamento na
verdade implica mais num ajuste de comportamento, algumas mudanças que propor-
126
Fundação Cidade Mãe
cionem um equilíbrio entre a sua maneira de agir com suas obrigações diárias impostas por seu dia a dia. O processo de avaliação de diagnóstico envolve, necessariamente,
a coleta de dados com os pais, com a criança ou o adolescente. A coleta de dados com
a escola também é particularmente importante.
A história do passado da criança e de seu desenvolvimento no contexto familiar,
sua cultura, sua comunidade deve ser cuidadosamente coletadas. O desenvolvimento
neuropsicomotor, o cognitivo, o escolar, a maneira como a criança se relaciona com os
seus pares e o relato sobre doenças e sua concepção também devem ser pesquisados.
Dentro da nossa realidade nem sempre é possível a obtenção desses dados quando não
conseguimos contato suficiente com o próprio educando e a família, pois nem sempre
atendem aos nossos convites.
9.4 - Relato de caso
Relataremos aqui um caso que ocorreu em 2009 que retrata essa situação; foram
realizados alguns atendimentos a um educando que chamaremos de “M”, de 13 anos e
que cursava o 4º ano do ensino fundamental. Ele foi encaminhado para o atendimento
através do seu educador da FCM, cuja queixa era baixo desempenho nas atividades e dificuldade em manter-se quieto e concentrado na oficina durante as atividades.
Durante a nossa primeira entrevista (E.O.C.A)7 pude constatar que além de não saber
ler e escrever, “M” não reconhecia as letras do seu próprio nome. Durante a nossa
conversa fiz várias perguntas relacionadas a aprendizagem e notei que estava bastante
desinteressado, mexendo-se constantemente na cadeira, com a visão voltada para o
lado de fora onde acontecia um jogo de futebol, seu maior interesse naquele momento. Pedi então que mostrasse algumas regras do jogo através da escrita ou desenho e
procurou subterfúgios na hora de representar graficamente, mexendo em todos os
materiais da mesa. Nos poucos atendimentos posteriores, já que dificilmente aparecia,
durante algumas provas fui constatando a presença de uma “ansiedade confusional”
(Weiss,2004) que impedia a articulação de suas potencialidades, principalmente as
que se referem à aprendizagem sistemática, fazendo-o desistir com facilidade de continuar realizando as atividades. No entanto, algumas características que me fizeram
pensar na hipótese do TDAH foram sinalizadas pela sua mãe que, felizmente, depois
7
Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem
127
Ação Psicopedagógica
de muitas tentativas, atendeu uma única vez à nossa solicitação. Durante a ANAMNESE ela relatou o grande desafio que é criar os seus filhos em meio a tantas dificuldades
existentes no seu contexto social. Enfrenta a falta de condição financeira, o sacrifício
de ter que deixá-los para ir em busca de trabalho, a ausência da figura paterna como
apoio na educação, além das limitações para entender e lidar com algumas características no comportamento de “M”, como o não cumprimento de suas tarefas, a constante inquietação dentro de casa, a desatenção e distração em ouvir o que se está falando,
além da impulsividade nas atitudes: Ele é nervoso e age sem pensar...8
Esses traços evidenciados no comportamento do nosso educando caracterizam alguns aspectos do comportamento de um portador de TDAH; no entanto, não se pode
afirmar na falta de outros elementos fundamentais para se chegar a um diagnóstico
mais preciso. Ainda em processo de investigação e diante dos poucos dados obtidos
nos poucos encontros que tivemos, criamos algumas estratégias que pudessem ajudar
“M” a obedecer uma rotina, facilitando a vida diária a fim de fazê-lo sentir-se mais
organizado internamente. Essas intervenções são essenciais para ajudar no controle
efetivo do comportamento, ao mesmo tempo em que envolve a família, educadores e
outras pessoas que possam ajudar a diminuir os conflitos existentes no meio, esperando um retorno positivo. Assim, o jovem foi orientado a:
1- Oferecer ajuda ao seu educador nas atividades
2 - Criar uma rotina permanente para suas atividades diária
3 - Estabelecer horários regulares para suas tarefas escolares
4 - Manter a prática do futebol nos horários regulares
5 - Fazer o registro das tarefas escolares
6 - Sentar-se na frente na sala de aula
7 - Buscar ajuda do educador antes de uma atitude impensada
Esses hábitos seriam importantes para lhe dar conforto e segurança, além de impedir ações impulsivas e sem objetivos, diminuindo também a sensação de incapacidade
que normalmente afetam o portador de TDAH. A postura do educador é extremamente importante nesse processo, estando atento às necessidades do educando, fazendo com que ele possa se sentir acolhido e estimulado no ambiente, pois o mesmo
precisa sentir-se inserido nesse contexto educacional. Essas ações implicam em agir
com paciência e equilíbrio, pois lidar com crianças e adolescentes com esse perfil é
8
Fala transcrita da mãe
128
Fundação Cidade Mãe
extremamente difícil e cansativo.
O educador deve ter consciência dos seus limites e solicitar ajuda de seu coordenador e se possível de especialistas sempre que. É fundamental saber que essas crianças
necessitam de estruturação; elas precisam estruturar o ambiente externo, já que não
podem se estruturar internamente por elas mesmas. O portador de TDAH se beneficia quando existe um direcionamento para se orientarem no que estão fazendo, pois
necessitam de algo para fazê-las lembrar das coisas. Necessitam também de previsões,
repetições, diretrizes, limites e organização.
9.5 - Função dos pais no tratamento do tdah:
Uma criança com TDAH pode constantemente desconcertar seus pais, que nao
conseguem entender o que a motiva. “Ela vai muitas vezes se tornar a ovelha negra da
família, da mesma forma que se transformou na ovelha negra de sua classe”
Com freqüência será a fonte de constantes distúrbios e vai produzir uma série de barulhos. A competição em casa é normal e, na maior parte das vezes, a criança com TDAH
é a instigadora dos problemas. O apoio dos pais é essencial para iniciar um tratamento
com resultados positivos. Para isso é preciso que as os mesmos estejam informados sobre
o que é exatamente o TDAH, suas causas e como ele se manifesta nas diferentes situações
do dia a dia, nos diferentes locais que a criança freqüenta. É importante aceitar o TDAH
como um problema real que merece cuidados especiais e não como resultado de um
“temperamento difícil” ou “teimosia”. Os pais devem tornar-se verdadeiros especialistas
no assunto, na medida do possível; aos pais dos educandos da FCM, procuramos passar
as informações necessárias.. O diálogo é importante, ajuda a criança ou o adolescente a
entender as suas próprias dificuldades e a descobrir as atitudes necessárias para diminuir o impacto do TDAH. As normas sobre os comportamentos precisam ser sempre
claramente estabelecidas. A criança precisa de um meio familiar que tenha rotinas, que
especifique suas tarefas. É importante a criatividade na forma como exigem as modificações do comportamento de seus filhos. Não exigir algo muito difícil inicialmente é
fundamental para que a criança não fracasse ao executar.
9.6 - Tratamentos alternativos
O trabalho desenvolvido nas Unidades da FCM torna-se ainda mais positivo quan-
129
Ação Psicopedagógica
do encontramos nas Instituições parceiras o apoio necessário para proporcionar a
essas crianças e adolescentes a possibilidade de serem acompanhados no processo
terapêutico, conscientizando-os de que esses comprometimentos ou transtornos podem ser minimizados, oferecendo-lhes um melhor rendimento na sua aprendizagem,
criando a esperança e a certeza de alimentar sonhos possíveis de realizar. O tratamento
envolve uma abordagem múltipla, englobando intervenções psicossociais e farmacológica. A psicoterapia individual dará apoio e ajudará nas comorbidades relacionadas
ao TDAH (transtorno de ansiedade, depressão, distúrbio do sono e outros) que, geralmente, acompanham o portador. No entanto, a psicoterapia apenas ajuda no tratamento do portador de TDAH, ela não substitui o medicamento (quando necessário)
pois, embora a psicoterapia e o acompanhamento farmacológico ajudem o paciente,
há muitos limites para sua capacidade de intervenção. É dificil um terapeuta resolver
todos os problemas se não houver um suporte e colaboração de outras pessoas que
passam mais tempo com esse portador, integrando-o no meio social.
Existem também meios alternativos como o fitoterápico e homeopático, que têm
demonstrado eficácia na hiperatividade, porém necessitam de uma abordagem mais
ampla. É essencial que o tratamento ocorra de forma cautelosa, em um ambiente calmo e carinhoso. O cuidado com essas crianças exige um esforço coordenado entre
os profissionais das áreas médicas, saúde mental, psicológica e pedagógica, em conjunto com os pais. Esta combinação de diversas fontes é denominada de intervenção
multidisciplinar. Um tratamento com esse tipo de abordagem inclui: treinamento dos
pais quanto à verdadeira natureza do TDAH e um desenvolvimento de estratégias de
controle efetivo de comportamento; um programa pedagógico adequado; aconselhamento individual e familiar, quando necessário, pra evitar o aumento de conflitos na
família e uso de medicação, se necessário.
9.6 - Considerações finais
Apesar das dificuldades em manter “M” freqüentando os atendimentos, algumas
sugestões aos poucos foram internalizadas na base da troca e utilizadas na rotina dele.
Resultados positivos em casa não foram registrados pela dificuldade de comunicação
com a mãe, o que impossibilitou uma orientação de forma mais sistematizada e continuada como o se requer. O educando não permaneceu na Unidade, interrompendo
a continuação dos atendimentos e um diagnóstico preciso sobre a causa das suas difi-
130
Fundação Cidade Mãe
culdades. No entanto, nos contatos posteriores, alguns resultados foram observados.
Apesar dessas dificuldades que caracterizam nossa realidade, o trabalho continua e
temos atendido diariamente a outros educandos em situações semelhantes. Acompanhamos e sensibilizamo-nos com os aspectos revelados em cada situação, procurando
oferecer, através desse trabalho investigativo, orientação à família e os encaminhamentos necessários para um tratamento especializado, proporcionando um outro significado à aprendizagem escolar e minimizando os sentimentos de incapacidade que
acompanham a vida dessas crianças e adolescentes. É necessário conhecer, aceitar e
tratar o portador de TDAH, sabendo que muitas vezes este transtorno pode contribuir
para o fracasso escolar.
Através das informações, pais e educadores poderão começar a reconhecer mais
cedo os sintomas desse comportamento diferenciado e assim encaminhá-los às alternativas de tratamento para que seja iniciado um programa de prevenção das conseqüências que afetam a vida afetiva, soocial, escolar e profissional dessas pessoas. Em
apoio a isso, contamos com o trabalho do Núcleo de Família, que investe no acompanhamento e atendimento às famílias dos nossos educandos, sinalizando e esclarecendo
dúvidas referentes à questões fundamentais para o desenvolvimento dos seus filhos.
É necessário ainda a veiculação de informações científicas acerca desse transtorno,
ou a falta de conhecimento sobre a implicação desse e de outros problemas poderão
trazer males irreparáveis, principalmente na infância e adolescência.
9.7 -Referências
BALLONE, ...
BARKLEY, Russel A. Transtorno de Defícit de Atenção/Hiperatividade, Porto Alegre: Editora Artmed, 200
PHELAN, Thomas W. TDA, TDAH Sintomas, Diagnóstico e Tratamento; para
crianças e adultos. 1. Ed. M. Book do Brasil, Editora LTDA, 2005.
SÁNCHES, Jesus Nicasio Garcia. Dificuldades de Aprendizagem e Intervenção
Psicopedagógica, Porto Alegre:Editora Artmed, 2004.
131
Ação Psicopedagógica
SILVA, Ana, Maria Beatriz Barbosa, Mentes Inquietas, TDAH, Desatenção, Hipertividade e Impulsividade, Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.
WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia Clínica,uma visão diagnóstica de aprendizagem escolar, Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2004.
132
Fundação Cidade Mãe
10
Um novo aprendizado,
um olhar neurodidático
Lêda Lisboa Cosme
A educação é a base de todo um saber, que mais cedo ou mais tarde será cobrado
pela sociedade. Segundo Jean Piaget (1985), educar é adaptar o indivíduo ao meio
sócio ambiental. Contudo sabemos que esta adaptação só acontece quando o conhecimento ganha significado. Pensando neste significado e no aprimoramento do processo
de ensino aprendizagem, surge a Psicopedagogia
A Psicopedagogia é uma área de estudos e não tem ainda status de ciência, no entanto, é objeto de pesquisa e nasceu de uma prática. Essa área de estudos fundamenta
hoje uma fazer que está essencialmente voltado para a questão da aprendizagem humana. Ela surgiu, em nosso país, no momento em que vivíamos um problema bastante
grave com relação à retenção e evasão escolar, especialmente nas séries iniciais.
Em vista disso, educadores, psicólogos professores em geral, médicos e neurologistas passaram a se interessar pelo tema e, naturalmente, foram se agrupando, foram
se estruturando para estudar de uma forma mais sistematizada a questão da aprendizagem humana.
A partir dessas reuniões, na Alemanha dos anos 2000, Gerhaer Friedrich, doutor
em pedagogia e Gerhard Preiss, professor de didática da matemática na Escola Superior de Pedagogia de Friburgo na Alemanha, sistematizaram os estudos sobre neurodidática através de suas pesquisas. Esses neuroeducadores sabiamente souberam fazer
uma mixagem inteligente entre pedagogia e neurociência ou neurodidática.
10.1 - O que é a neurodidática?
Gerhard Friedrich e Gerhard Preiss (in DAMIRES, p.7) definiram a Neurodidática
Pedagoga, professora da Rede Municipal de Salvador, especialista Psicopedagogia Escolar e Clínica, estudante do Curso de Especialização em
Neuropedagogia e Psicanálise, Psicopedagoga da Fundação Cidade Mãe.
1
133
Ação Psicopedagógica
“como a aprendizagem na melhor maneira que o cérebro é capaz de aprender”, ou seja,
propõe a superação das dificuldades de aprendizagem através da plasticidade neural. Ela defende que os educadores além de bons observadores devem conhecer como
funciona o biológico cerebral, devem ter olhar de inclusão e, acima de tudo, devem
ser bons investigadores e observadores para que percebam qual a melhor maneira
de trabalhar com seu educando para que ele aprenda melhor e mais rápido. Contudo,
para que isso aconteça é necessário descobrir as potencialidades da criança, o que ela
domina melhor e o que mais desperta sua curiosidade.
O cérebro é uma máquina em operação constante e desde que bem alimentado (estimulado) evolui rapidamente processando novas informações, transformando-as em
novo conhecimento, em nova aprendizagem. O principal alimento do cérebro, depois
do orgânico, é a informação, a novidade, o estímulo, provocando novas conexões: as
sinapses . Mas não é qualquer informação; cada indivíduo aprende de modo diferente
e aprende com mais facilidade aquilo que desperta sua atenção, seu interesse, uma vez
que aprendizagem é o ajustamento ou adaptação de novas informações ao indivíduo,
relacionando-as ao ambiente em que vive. O educando precisa ser “enfeitiçado pelo
desejo de aprender, pelo fascínio da descoberta do novo”. Quem disse isso? Poe a referencia
Rubens Alves, em A alegria de ensinar (2001), relata a história de um príncipe
que virou sapo e na sua vida de sapo era destaque entre seus colegas. A cada dia que
passava ele esquecia que era um príncipe e aprendia com perfeição os afazeres de sapo
que lhes eram transmitidos.
A história do príncipe que virou sapo é a nossa história. Desde que nascemos nossos cuidadores vão transmitindo informações. Elas entram no nosso corpo provocando uma transformação diferente do que éramos. Assim é a educação, o processo
através do qual nossos corpos vão ficando iguais as palavras que nos ensinam.
Buscando acabar com esses “feitiços”, a psicopedagogia atrelada a outros profissionais (professores, fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas) e em parceria com a
neurodidática chega com o objetivo de lançar os educandos em um mundo novo, um
mundo de descobertas e superações porque a grande satisfação de um educador ocorre quando ele participa do processo de evolução, do crescimento, da vitória de um
educando.
134
Fundação Cidade Mãe
10.2 - Estudo de caso
Partindo da idéia que devemos acabar com esses “feitiços”, a Fundação Cidade
Mãe, realiza um trabalho educacional com crianças em situação de vulnerabilidade,
desenvolvendo atividades culturais e cursos profissionalizantes para adolescentes.
No ano de 2009, a instituição recebeu uma menina de 09 anos, qua aqui chamaremos de “EV”, para oficina de Artes Visuais. “EV” tinha comprometimento na fala,
não se relacionava bem com os colegas e educadores, se recusava a fazer qualquer
atividade proposta, deitava constantemente no chão e, na escola, estava em distorção
série/idade.
No nosso primeiro contato, percebi que tinha ela dificuldade para relatar fatos da
sua vida (não sabia dizer a idade e não conseguia relacionar as pessoas que moravam
na sua casa) e encontrava-se no nível pré-silábico. Em outro momento solicitei a presença da mãe e a mesma relatou que o pai de “EV” fora assassinado quando ela estava
no 6º mês de gestação. Devido ao acontecimento, o feto ficou sem mexer por 30 dias.
A garota nasceu prematura (8 meses) e, segundo a mãe, sempre foi uma menina
tímida, embora às vezes agressiva. Ela sabe como o pai biológico faleceu. Pelo padrasto, ela tem respeito mas, segundo a mãe, não demonstra nenhum tipo de afeto por ele.
Diante disso, o trabalho com “EV” foi iniciado a partir de uma investigação. Solicitei dela informações sobre sua idade (informação já conhecida), data de nascimento,
quantas pessoas moravam em sua casa e a idade de cada um. Ela se mostrou interessada pela atividade, porém não conseguia relatar os fatos, mas cumpria cada etapa
trazendo tudo anotado e as informações eram discutidas; neste momento ela sempre
trazia uma novidade da família. Posteriormente, as atividades foram direcionadas para
área lúdica: quebra-cabeça progressivo, Jogo das sílabas, Jogos de adição e subtração,
Trangran, produção de textos através de gravuras incentivando a criatividade, fala e
desenvolvimento do pensamento por etapas, Jogo dos 7 erros e reconto de histórias.
Além dos jogos, foi realizada uma parceria com a educadora da Oficina de Artes
Visuais com o objetivo de desenvolver a coordenação motora e a integração com os colegas. Sempre que eu tinha um tempo livre participava dessas aulas como observadora.
No final do ano letivo “EV” estava mais falante, risonha, evoluiu para o nível silábico e estava realizando, sozinha, cálculos simples de matemática (utilizando material
concreto). Ah! Para alegria de toda Unidade Educativa FCM “EV” participou do coral
de Natal.
135
Ação Psicopedagógica
Neste trabalho desenvolvido, a união da psicopedagogia com a Neurodidática foi
importante para o desenvolvimento da educanda, porque através da observação e investigação foi possível perceber o que despertava sua atenção e curiosidade; a partir
das hipóteses levantadas foram montadas estratégias para trabalhar com ela dentro da
Unidade, já que a mãe não tinha condições e não demonstrava interesse em procurar
profissionais da área médica, pedagógica e psicopedagógica para realizar um trabalho
com esta menina.
Sabe-se que ensinar não é uma tarefa fácil, mas para que esta arte se torne a cada
dia mais prazerosa, o educador tem que estar atento a tudo que acontece na sua classe
e na área educacional.
10.3 - Referências
SILVA, Luiz Gustavo Cordeiro. Pesquisador de tecnologias para educação à distância, coordenador do laboratório de Idéias de Hipermídia Virtus. Atualmente coordenador Geral do Laboratório de Neurodidática.
ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas, SP. 3º ed, Papirus, 2001.
FLOR, Damires. Neurodidática e a Educação. 06/2007.
PIAGET, Jean. COMPLETAR 1985
136
Este livro foi composto em fonte
Minion Pro 10/16 e editorado
em Adobe InDesign CS5.
Impresso em papel Alta Alvura 90g.
Ação
Psicopedagógica
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DA BAHIA
Patricia
Rodrigue
Laudicéia
Vaz de Queiroz
Maria Jane
Argolo
Jucélia
Sandra
Carla
A
gradecemos o empenho e dedicação durante os anos
que permaneceram no Núcleo de psicopedagogia da
Fundação Cidade Mãe, a contribuição de vocês nos artigos
deste livro são de grande importância.
Desejamos sucesso e felicidade em suas novas atividades.
Valéria
Lucas
Edileide
Mary
Russi
E
Clarinda
Lisandra
Maria
Benedita
quipe do Núcleo de Apoio à Família e da Terapia Comunitária que junto com o Núcleo de Psicopedagogia vem
desenvolvendo um trabalho diferenciado de apoio às famílias,
educandos e educadores da Fundação Cidade Mãe como um
todo. A Gerência de Programas e Projetos Especiais, agradece
o empenho nas ações realizadas por todos os membros das
equipes citadas.
Maria Célia Couto Vigas
Pedagoga e Psicopedagoga, gerente da GEPPE Gerência de Programa e Projetos Especiais da Fundação Cidade Mãe
Maria de Fátima Peixoto
Socióloga e Psicopedagoga
Layne Lisboa
Pedagoga e Psicopedagoga
Flaviane Sudário
Pedagoga e Psicopedagoga
Ana Rita
Pedagoga e Psicopedagoga
Lêda Cosme
Pedagoga e Psicoedagoga
Rita Magalhães
Pedagoga e Psicoedagoga
Margareth Cerqueira
Pedagoga Psicoedagoga
Alda
Pedagoga e Psicoedagoga
Janete Gonçalves
Pedagoga e Psicoedagoga
Andréia Azevedo
Pedagoga e Psicoedagoga
Maria de Fatima Peixoto
(Coordenadora
do Núcleo de
Psicopedagogia),
Sra Iara Farias
(Ex-presidente da FCM)
e Maria Célia Vigas
Cristiane Guimarães Nunes
Maria de Fátima e
Maria Célia Couto Vigas
(Idealizadoras do Núcleo
de Psicopedagogia
da FCM)
Avaliação
Psicopedagógica
Plano Piloto AABB
Psicopedagoga Maria
Célia Vigas 2005
Avaliação
Psicopedagógica.
Psicopedagoga Mª de
Fatima Peixoto 2005
Unidade Canabrava
Psicoedagoga
Alda Patrícia
F. Guimarães
Layne Lisboa,
Eliane Braz
Maria Célia Vigas
e Viviane Rezende
Abrigo José Peroba
Psicopedagoga
Janete Gonçalves
Atendimento
Psicopedagógico.
Layne Lisboa e Silva
Unidade
Saramandaia
Psicoedagoga
Margareth
Cerqueira
AABB Comunidade
Avaliação
Psicopedagógica
2011
Unidade de Coutos
Psicopedagoga
Leda L. e Silva
Tearapia
Comunitária
com educandos da
Fundação Cidade Mãe
Terapeuta
Edileide Antonino
Unidade de Roma
Psicopedagoga
Ana Rita
Unidade
AABB-Comunidade
Psicoedagoga
Rita Matos
Débora Pereira
Doutora em Educação,
Mestre em Educação,
Psicopedagoga, Pedagoga,
Conselheira Nacional da ABPp
(Associação Brasileira de
Psicopedagogia),
Diretora Cultural da ABPp
Nacional, Diretora Cultural
da ABPp - seção Bahia).
Ariel Novais
(Secretária Executiva
da GEPPE) e
Mª Célia Couto
Vigas
Sra. Sydnei Nely
(Ex-presidente da
FCM) e educanda
da AABB
Comunidade
Célia Vigas
e Sra. Ana Paula Dórea (presidente em
exercício da FCM)
Equipe Núcleo de
Psicopedagogia
com Sra. Iara Farias
Ex-presidente 2008
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DA BAHIA
Download