CULTURA DA PIMENTA Ernani Clarete da Silva1 Rovilson José de Souza2 1 INTRODUÇÃO A produção de pimenta (Capsicum spp) para uso como condimento de mesa e de produtos alimentícios industrializados vem crescendo e, atualmente, é uma atividade olerícola bastante rentável, inclusive para pequenas indústrias de conservas (Quadro 1). Cinco espécies são comumente cultivadas no Brasil, principalmente no centro-sul e caracterizam-se pela pungência, coloração, formato e tamanho dos frutos. O sabor picante dos frutos provém da ação de uma substância denominada capsaicina que é acumulada pelas plantas no tecido da superfície da placenta e é liberada pelo dano físico às células quando se extraem sementes ou corta-se o fruto para qualquer fim. A importância das pimentas é atribuída às suas propriedades melhoradoras de sabor, aroma e cor dos alimentos. Embora tenha baixo valor nutritivo, pode-se destacar o teor vitamínico das pimentas malaguetas verde e vermelha que ¹ Engenheiro Agrônomo D. Sc. Bolsista FAPEMIG/DAG/UFLA ² Professor Titular DAG/UFLA apresentam valores de 10.500 e 11.000 UI de vitamina A, respectivamente, próximo ao teor de 13.000 UI encontrado na cenoura, considerada uma das melhores fontes desta vitamina. Os teores de vitamina C total variam entre as espécies de pimenta, de 160 a 245mg/100g, valores estes comparáveis ao da goiaba (200 mg/100g) e superiores ao da laranja (60 mg/100g). Quanto à composição mineral, os teores de cálcio, ferro e fósforo são bem inferiores aos de outras hortaliças (Quadro 2). Algumas pimentas raramente são encontradas no comércio, mesmo de cidades interioranas, na forma de frutos "in natura" pois o processo de engarrafar a pimenta no meio rural está se tornando cada vez mais intenso. Em algumas regiões com tradição no cultivo destas espécies, existem pequenas indústrias que fazem o processamento utilizando, principalmente, o álcool e a cachaça. Quadro 1- Comercialização de pimenta durante o ano de 1998 na CEASA-MG Procedência ES MG SP TOTAL Quantidade (kg) 300 168.000 2485 170.785 % 0,17 98,30 1,53 100 Valor (R$) Preço médio 120,00 0,40 81.160,48 0,52 1.284,33 0,52 82.564,81 0,48 Fonte - Departamento Técnico - CEASA, MG Quadro 2 - Valores nutricionais da pimenta por 100 g de porção comestível crua Energia ( Kcal ) = 40 Na ( mg ) = 7 Proteinas ( g ) = 2,0 K ( mg ) = 340 Gordura (g ) = 0,2 Tiamina ( mg ) = 0,09 Carboidrato ( g ) = 9,5 Riboflavina ( mg ) = 0,09 Fibra ( g ) = 1,8 Niacina ( mg ) = 0,95 Ca ( mg ) = 18 Vitamina B6 ( mg) = 0,28 P ( mg ) = 46 Fe ( mg ) = 1,2 Fonte: Knott’s Handbook for Vegetable Growers, 1988. Sementes Agroceres S.A. 2 BOTÂNICA E CULTIVARES As pimentas constituem um grupo de espécies botânicas com características próprias, que produzem frutos geralmente com sabor picante, embora também existam pimentas doces. A planta é arbustiva, atingindo 120 cm de altura, com ampla formação de ramificações laterais e possibilidade de tornar-se perene. Normalmente é autopolinizada, todavia a polinização cruzada pode ocorrer. O banco de germoplasma de hortaliças da Universidade Federal de Viçosa, identificou as seis espécies mais comuns no Brasil, especialmente na região centro-sul. As cultivares apresentadas a seguir podem ser consideradas como um grupo, existindo diferenças às vezes marcantes entre as fontes das sementes que são utilizadas para cultivo. 2.1 PIMENTA MALAGUETA (Capsicum frutescens) Apresenta plantas arbustivas, vigorosas, com altura de 0,9 a 1,2m e bastante ramificadas. Os frutos, quando maduros, são de coloração vermelha, bem picantes, com 1,5 a 3,5cm de comprimento e 0,3 a 0,5cm de diâmetro. 2.2 DEDO DE MOÇA (Capsicum baccatum) Também é conhecida por "chifre de veado", ainda que esta denominação possa estar associada a um tipo de fruto de maior tamanho e, às vezes, de coloração vermelha mais intensa. A pimenta "dedo de moça" é arbustiva, com cerca de 1 m de altura. Os frutos medem cerca de 7,5cm de comprimento, 1 a 1,5cm de diâmetro e, quando maduros, são bem vermelhos. Neste grupo de pimentas a pungência é mais suave e o processo de murchamento do fruto pós-colheita é menos intenso que na malagueta. 2.3 PIMENTA CUMARI (Capsicum praetermissum) As plantas possuem geralmente porte menor que as pimentas anteriormente caracterizadas e internódios mais curtos. Os frutos são arredondados com cerca de 0,5cm de diâmetro ou um pouco ovalados com 0,6 a 0,7cm de comprimento e diâmetro de 0,5cm. É encontrada em estado selvagem, crescendo sob árvores diversas e capoeiras. No meio rural e indígena, as plantas crescem formando verdadeiros arbustos, sendo colhidas por alguns anos. 2.4 PIMENTA DE CHEIRO E PIMENTA DE BODE (Capsicum chinense) Na realidade pode ser considerada um grupo em razão da expressiva e bela variabilidade no formato e cor dos frutos. A denominação de pimenta de cheiro é utilizada para designar um maior número de tipos que a pimenta de bode? A pimenta de cheiro é encontradaexiste em tom amareloleitoso, amarelo-claro, amarelo-forte, alaranjado, salmão, vermelho e até preto e predomina no nordeste, norte e centrooeste do Brasil. Na região sudeste é mais comum o cultivo da pimenta de bode, cujas plantas produzem frutos arredondados com cerca de 1cm de diâmetro, e as cores creme e vermelho são as mais comuns. Tanto a pimenta de cheiro quanto a de bode possuem pungência e um aroma característico que permitem sua diferenciação das demais pimentas, sendo a razão da preferência dos consumidores que a apreciam. 2. 5 PIMENTA DOCE (Capsicum annuum) São plantas de fácil cultivo, vigorosas e de ótima produtividade. Comercialmente é plantada a cultivar Agronômico 11, cujos frutos são de formato alongado e uniforme, sabor doce e coloração verde-intensa e brilhantes na fase de colheita. A exigência no mercado desta hortaliça fica restrita a frutos com 18cm de comprimento, 2cm de diâmetro e peso médio de 50 a 55g. A colheita pode iniciar-se aos 120 dias após a semeadura. Além das pimentas citadas, outras também cultivadas, às vezes com maior importância em algumas regiões são: comum, Redonda, cayenne long red, chapéu de frade ou cambucy, godê, pitanga e outras. 3 CLIMA E ÉPOCA DE PLANTIO As pimenteiras são plantas originárias de regiões latinoamericanas de clima tipicamente tropical, sendo mais exigentes que o pimentão, em calor. A época de semeadura fica então condicionada às peculiaridades climáticas locais. Em regiões serranas de temperatura amena, o cultivo de pimenta pode ser feito de agosto a fevereiro. Entretanto, a época mais conveniente para a semeadura da pimenta ocorre nos meses de setembro a novembro em razão da sua maior exigência em calor. Em regiões de inverno quente, pode-se plantar o ano todo. 4 SOLO, CALAGEM E ADUBAÇÃO A cultura se desenvolve bem em solo areno-argiloso, contudo, a análise química do solo é importante, a fim de avaliar o nível de fertilidade e indicar a adubação correta, de acordo com as características do solo e da planta. A calagem prévia do solo, quando ácido, é ponto de partida e condição indispensável para se o sucesso da cultura. As melhores produções são obtidas em solos com pH na faixa de 5,5 a 6,5. Como o ciclo cultural da pimenta é mais longo do que o ciclo do pimentão, recomenda-se uma adubação mais farta, na base de 200-300g da fórmula 4-16-8 por planta, o que propicia um maior período de colheita. São necessárias coberturas nitrogenadas, feitas a cada 20-25 dias, geralmente 5 vezes, dependendo do vigor e da longevidade da cultura. A utilização de formulações com 16-00-12 em alternância com sulfato de amônio, 20-25g por planta, pode ser vantajosa devido ao fornecimento não só do nitrogênio mas também do potássio. 5 PROPAGAÇÃO Atualmente, o método de semeadura em bandejas de isopor (método mais moderno e mais prático) tem sido o mais usado por apresentar as seguintes vantagens: permite menor gasto de semente, seleção de mudas, menor danos às raízes por ocasião do transplante, melhor pegamento das mudas no campo, maior controle fitossanitário e permitir o transplante a qualquer hora do dia. Tal processo, porém, requer infra-estrutura apropriada como a construção de uma estufa com cobertura de plástico, onde são colocadas as bandejas de 128 células sobre cavaletes, de modo que fiquem suspensas. Uma estufa de 32m2 tem capacidade para produção de 11.264 mudas (Figura 1), suficientes para o plantio de 1 ha (Anexo 1). Como substrato para enchimento das bandejas, encontram-se no comércio produtos elaborados à base de vermiculita expandida, compostos orgânicos, macro e micronutrientes. Entretanto, é recomendável que o olericultor prepare o seu próprio substrato utilizando partes iguais de vermiculita expandida ou casca de arroz carbonizada e composto orgânico. Para cada 20 litros da mistura, acrescentar 500 gramas da fórmula 4-14-8. As irrigações das bandejas devem ser freqüentes e brandas, a fim de evitar a lixiviação dos nutrientes. Outro processo utilizado na formação de mudas consiste na semeadura em sementeiras com posterior transplante para o local definitivo. O leito da sementeira deve ser poroso, fértil, com boa capacidade de retenção de água e bem destorroado. O canteiro para sementeira deve ter a dimensão de 80-100cm de largura (facilita tratos culturais), comprimento variável de acordo com o número de mudas que se deseja produzir, porém, nunca superior a 10 metros e altura de 15 a 20 cm. Para composição do leito da sementeira, colocar duas partes de terra para uma de esterco de curral bem curtido. Para adubação de plantio, usar de 200-300g/m2 da formulação 4-14-8, incorporada ao solo com antecedência de, no mínimo, 5 dias da semeadura. Copinho de jornal também pode ser utilizado para a produção das mudas. Para sua confecção, corta-se uma página de papel-jornal de tamanho padrão, no sentido transversal em quatro tiras. Uma garrafa de refrigerante com diâmetro de 6cm, fornece a forma, nela assinala uma altura de 10cm com uma tira de esparadrapo. Enrola-se a tira de papel para dentro, formandose o fundo sem utilização de cola. Após a dobragem, bate-se com o fundo da garrafa sobre a mesa, de modo a moldar bem o fundo do copinho. Retirados do seu molde, os copinhos apresentam a forma de um cilindro de 10 x 6cm. 6 PLANTIO E TRATOS CULTURAIS O transplante geralmente é feito quando as mudas apresentam de seis a oito folhas definitivas, cerca de 10 a 15cm de altura, o que acontece aproximadamente num período de 50 a 60 dias, na maioria das espécies de pimenta. Mudas produzidas em copinhos de jornal ou em bandejas podem ser transplantadas mais jovens, desde que sejam intensificados os cuidados para se ter boa percentagem de pegamento. O terreno definitivo deve ser arado, gradeado, sulcado e adubado. Na véspera do transplante, faz-se uma irrigação. As mudas são colocadas em covas ou em sulcos a uma profundidade tal que possam ser cobertas com terra apenas até a uma altura do colo da planta, tendo o cuidado de não utilizar profundidade superior àquela que a muda estava no leito da sementeira ou viveiro, pois, além de não haver emissão de raízes adventícias, como ocorre com o tomateiro, mudas plantadas muito profundas podem permitir condições para que a podridão do colo se manifeste mais intensamente. Logo após o transplante, irriga-se abundantemente. O espaçamento adequado depende das condições de clima, da cultivar e dos tratos culturais a serem empregados. Quando é esperado um maior crescimento da planta, espaçamentos maiores devem ser adotados. Nas condições de São Paulo, para as pimentas malagueta, comum, chifre de veado e cumari, o espaçamento recomendado é de 1,20m x 0,80m. A pimenta é uma cultura exigente em água durante todo o ciclo cultural. Durante o período inicial da cultura e até início de florescimento, as irrigações poderão ser mais espaçadas, visando estimular o desenvolvimento radicular de modo a tornar a cultura mais eficiente na extração de água e nutrientes do solo, na fase de florescimento e frutificação. Recomenda-se irrigação com 2025mm, aplicada a cada 5 dias, preferencialmente pelo sistema de infiltração, embora o sistema de aspersão possa ser usado com restrição em virtude do agravamento de problemas fitossanitários (doenças). Atualmente, a irrigação por gotejamento, método que consiste em suprir de água as plantas em pontos localizados, tem sido amplamente utilizada pelos produtores graças à facilidade de operação do sistema, baixo consumo de mão-deobra e grande eficiência na aplicação de água às plantas. Entretanto, é desejável que o dimensionamento e a instalação do sistema seja feito por técnicos especializados. Quanto ao controle de plantas invasoras, o espaçamento usado para o estabelecimento das culturas no campo permite o uso de cultivadores mecanizados ou de tração animal entre as linhas e o complemento manual com enxada entre as plantas. Por isso, o uso de herbicida ainda é pequeno. A pimenteira, a exemplo das outras solanáceas é extremamente suscetível a doenças fúngicas, bacterianas e a pragas, portanto, deve-se observar constantemente as plantas, visando identificar doenças e insetos que possam estar atacando a cultura. O sucesso do empreendimento exige que um bom controle de pragas e doenças seja efetuado (Quadro 3). Quadro 3- Principais pragas da pimenta e produtos registrados para o controle CONTROLE Pragas Lagarta rosca (Agrotis ipsilon) Vaquinha(Epicauta atomaria) Produto Dosagem Carbamato 100 -150g por Pulverizar junto ao 100L água colo da planta (Sevin) Observação Trips (Frankliniella sp) Broca pequena do fruto (Neoleucinoides elegantalis) Pulgão (Myzus persicae) Pirimicarb (PI-RIMOR) 100g por 100L água 7 COLHEITA E COMERCIALIZAÇÃO A colheita inicia-se aos 100-150 dias da semeadura, prolongando-se por três meses, ou mais. É possível obter-se um período de colheita antes do inverno, seguindo-se outro período, logo que a temperatura se elevar, mais prolongado, de agosto a janeiro. Uma cultura bem cuidada, em bom estado fitossanitário e nutricional, poderá permanecer um segundo ano no terreno, com produtividade e qualidade dos frutos razoáveis. Entretanto, a produtividade no primeiro ano é sempre maior e os frutos são geralmente melhores. Por tais razões, muitos olericultores do centro-sul preferem renovar suas culturas anualmente. O rendimento médio das pimenteiras varia de uma espécie para outra. A malagueta produz cerca de 6.000kg/ha, a dedo de moça 8.500kg/ha e a pimenta doce (Agronômico 11), em torno de 16.000kg/ha. Tradicionalmente utilizam-se caixas tipo "K" para as pimentas maiores, de coloração vermelha ou verde, de sabor picante ou doce. O peso líquido de embalagem cheia é de 12 a 15kg. Os frutos pequenos são comercializados embalados em garrafas preparadas em soluções de vinagre, óleo de cozinha ou aguardente, esta a mais utilizada e de maior aceitação no mercado. Quando o produtor não dispõe de infra-estrutura para a própria comercialização é importante, antes de iniciar o plantio, fazer um estudo de mercado, incluindo os supermercados, verdurões e, principalmente, empresas estabelecidas no mercado. Isto permitirá definir a forma, o volume e a freqüência das entregas, estabelecendo, assim, a área a ser cultivada. 8. AGRADECIMENTOS Ao professor Fábio Pereira Cartaxo ao pósgraduando Humberto Silva Santos, pelas valiosas sugestões. 4,00 m 0,30 1,32 4 m Pé direito = 2 m 0,76 Anexo 1- COEFICIENTES TÉCNICOS PARA PRODUÇÃO DE 1 ha DE PIMENTA (Primeiro ano) VALOR Especificação Unid. Quant. 1. SEMENTES kg 0,2 kg kg kg kg kg kg 2.000 20.000 1.000 500 15 15 lata kg L L kg 10 40 6 2 5 d/h h/t d/h d/h 5 5 6 10 d/h d/h 40 10 d/h d/h d/h 80 600 10 Unitário Total 2. ADUBOS E CORRETIVOS Calcário dolomítico Esterco de curral Adubo químico plantio (4-14-8) Adubo químico cobertura (12-5-12) Bórax Sulfato de magnésio (foliar) 3. DEFENSIVOS Brometo de metila Inseticida sistêmico do solo Inseticida fosforado e carbamato Espalhante adesivo Fungicidas 4. SERVIÇOS Limpeza do terreno Aração e gradagem (2) Preparo de semente e semeadura Tratos culturais da sementeira Aplicação de corretivos, adubos, sistêmicos de solo, coveamento e plantio Adubação de cobertura Capinas, irrigação e aplicação de defensivos Colheita Transporte de insumos e máquinas Produção esperada: 1o ano 6.000kg hora/trator d/h = dia/homem h/t = 9 REFERÊNCIAS COMISSÃO DE FERTILIDADE DO SOLO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Recomendações para o uso de corretivos e fertilizantes em Minas Gerais. 4ª aproximação. Lavras, 1989. 159p. COMPÊNDIO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS. 3ed. Andrei Editora Ltda., São Paulo, 478p. 1990. CORREA, L.G. Manual técnico de olericultura para o estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 130 p. 1997. FILGUEIRA, F.A.R. Manual de Olericultura: cultura e comercialização de hortaliças. São Paulo, Agronômica Ceres, 1982. v.2, 357p. MANUAL DE CONTROLE DE DOENÇAS E Cooperativa Agrícola de Cotia, São Paulo, 241 p. PRAGAS. PIMENTÃO E PIMENTAS. 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