DOI: 10.4025/4cih.pphuem.285 O CINEMA INTELECTUAL DE

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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.285
O CINEMA INTELECTUAL DE SERGEI EISENSTEIN: UM ESTUDO DO FILME
“OUTUBRO” (1927)
Daniel Ivori de Matos – UNICENTRO
Introdução
Pode-se dizer que a Revolução Russa de 1917 é o resultado dos acontecimentos que se
deram entre fevereiro e outubro de 1917. A primeira fase deste processo foi a Revolução de
Fevereiro, que provocou à queda do czarismo pela pressão popular contra a autocracia. Essa
“revolução” levou a Rússia a um regime de governo provisório formado por deputados da
Duma e, neste mesmo cenário, formou-se o primeiro Soviéte de Petrogrado.
A Revolução de Outubro de 1917, também conhecida por revolução Bolchevique, é a
última fase de um movimento em que se concluiu a primeira revolução com ideais marxistas e
comunistas, e também é o momento da tomada do poder pela insurreição proposta por Lênin.
Essas revoluções são resultantes de embates de partidos políticos e dos ideais
marxistas e comunistas acerca do atraso econômico e industrial russo e também de constantes
problemas envolvendo os camponeses e o proletariado, além de movimentos contra a fome e
greves de operários.
Mas parte desses confrontos é resultado da teoria revolucionária de Lênin para a
concretização de um novo Estado de ideal socialista, no qual “[...] não haverá necessidade, ou
‘quase’ não haverá de um aparelho especial, uma vez que bastará a organização das massas
armadas” (HEGEDÜS, 1986, p. 14), o que provocaria uma revolução de cunho democráticoburguês.
Nesse cenário, a tomada do poder resultou no conflito entre os Bolcheviques e os
partidos contrários a eles e isso levou a uma guerra civil que durou de 1918 a 1922, vencida
pelo Exército Vermelho sob o comando dos Bolcheviques, dando inicio à fundação do Estado
Soviético, que anos mais tarde se tornaria o regime Stalinista.
Já na primeira década da União Soviética, vemos a influência do marxismo no cinema
soviético, sobretudo nas produções de Sergei Eisenstein, por exemplo, no filme a ser
analisado, “Outubro", de 1927.
Muito se discute sobre a interpretação pessoal dos ideais marxistas pelo diretor nessa
produção, até que ponto importaria tratar esse filme como uma experimentação estética, de
1944
linguagem e de construção dialética de Eisenstein, ou seja, a forma como ele apresentou suas
teorias cinematográficas em “Outubro”. A película nada mais seria do que uma representação
ideal para a comemoração dos dez anos da vitória Bolchevique.
A referida produção cinematográfica foi encomendada pelo Estado soviético para criar
um registro oficial do passado. Muitos foram os filmes encomendados para a reprodução
“fiel” da Revolução Russa, é o caso de “Moscou em Outubro”, de Boris V. Barnet, “O fim de
São Petersburgo”, de Vsevold I. Pudovkin, entre outros.
É exatamente nesse ponto que se concentra a análise do filme “Outubro” que aqui se
propõe. Procurar-se-á, por meio da análise do filme, verificar e interpretar os diversos
métodos de montagem, a exemplo da “montagem intelectual”, dentre outros recursos
utilizados por Eisenstein para a concretização de seus experimentos cinematográficos e para a
representação da “verdadeira” sociedade soviética e dos acontecimentos que ocorreram entre
a insurreição de fevereiro e os acontecimentos de outubro de 1917. Levando em conta que a
referida produção segundo Eisenstein “[...] se trata mais de uma série de ensaios visuais em
torno de temas extraídos dos fatos de outubro de 1917 do que a tentativa de um relato
histórico voltado para a representação íntegra desses mesmos fatos”. (XAVIER, 2005, p.131).
Nesse ponto concordamos com Mônica Almeida Kornis que, “Somente a análise
fílmica nos permite esclarecer as possíveis tensões contidas no filme e na relação com os
diferentes contextos políticos e ideológicos de uma dada sociedade”. (2002, p. 30). E que
neste ponto notamos não somente a tensão fílmica e da sociedade em si, mas também a
proposta do diretor em preocupar-se com uma representação simbólica e metafórica dos
acontecimentos históricos.
No desenvolvimento dessa película, Eisenstein procurou expor o regime político
vigente, o socialismo, expondo os ideais marxistas no longa-metragem, a partir da própria
escolha em representar o ideal de coletividade, pois “[...] não havia lugar para o drama
pessoal, psicológico”. (KORNIS, 2008, p.44). O filme é dividido em três partes e em cada
uma vemos peculiaridades e a representação específica de cada acontecimento, buscando
sempre ressaltar o ideal dos “vencedores” da revolução.
Os estudos em que se faz necessário analisar a relação do Cinema com a História
diferem muito das velhas concepções historiográficas em relação às fontes, nas quais a fonte
escrita é tratada de forma dogmática e é considerado um registro mais “fiel” em relação a
outros registros. O cinema, como “nova” fonte de pesquisa provoca, portanto, discussões em
relação a outros documentos que podem ser utilizados pelo historiador.
1945
É nesse ponto a discussão historiografia sobre a relação entre fonte escrita e a fonte
audiovisual, sobre a pesquisa e a relação do objeto e das fontes com as quais o historiador
deve dialogar na instância em que os questionamentos são levantados, afinal, “[...] será que os
historiadores escreveram, todos eles a mesma história da Revolução?” (FERRO, 1992, p. 84).
Desse modo, a pesquisa historiográfica sobre o cinema ressignifica elementos e
procedimentos de análise do historiador, mostrando que não se deve somente discutir se
aquela película retrata de forma fiel ou não aquele acontecimento histórico, mas levar em
conta o momento histórico em que foi produzida e em qual sociedade está inserida,
procurando perceber de que maneira se relaciona com tais injunções históricas, pois “[...] a
realidade foi e é criada e recriada a todo o instante de varias formas, por vários agentes, por
diversos gêneros estéticos e numa infinidade de situações”. (KORNIS, 2008, p. 11).
Baseando-se
nas
pesquisas
e
estudos
da
historiografia
sobre
produções
cinematográficas como fontes, é preciso “[...] perceber as fontes audiovisuais e musicais em
suas estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de representação da realidade, a
partir de seus códigos internos”. (NAPOLITANO, 2005, p. 236). Dessa forma, devemos
discutir as representações presentes no filme e suas peculiaridades.
O filme “Outubro”, em princípio, é uma produção de glorificação dos ideais socialistas
com objetivos políticos definidos. Nesse ponto, as considerações e apontamentos de Marc
Ferro sobre a leitura dos filmes feita pelo historiador é significativa: “O historiador tem por
função primeira restituir à sociedade a História das quais os aparelhos institucionais a
despossuíram. Interrogar a sociedade pôr-se a sua escuta, essa é, em minha opinião, o
primeiro dever do historiador”. (1992, p. 76).
Sendo assim, nesta pesquisa foram analisadas as especificidades do filme em questão,
levando em consideração, primeiramente, o fato de ele ser uma encomenda das forças
políticas “vencedoras” e que lideravam a URSS em 1927, o que o tornaria “versão oficial”
dos acontecimentos, como se pode perceber no intertexto/interplano no início da película, que
discutiremos no desenvolvimento da análise. Marcos Napolitano aponta que “[...] o mais
importante é entender o porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas
num filme”, (2005, p. 237). E é deste modo que se concebe a pesquisa, tentando apresentar o
porquê dessa produção.
Os objetivos da pesquisa estão concentrados em analisar a representação do momento
histórico construída pelo diretor acerca dos acontecimentos de fevereiro e outubro de 1917.
Nesse ponto, trata-se de compreender sua “visão” e interpretação do momento histórico, bem
1946
como desenvolver uma leitura e discussão sobre os aspectos da conjuntura em que o filme foi
produzido.
Sergei Mikhailovitch Eisenstein, foi um grande inovador na técnica da montagem
cinematografia e principal referência do construtivismo russo. Nasceu em Riga (Letônia), em
23 de janeiro de 1898, fez caricaturas políticas para jornais antes de entrar para o teatro, como
desenhista, e logo depois como estudante de direção de Meyerhold, e por seguinte diretor do
Teatro Operário de Proletkult.
Eisenstein era fortemente ligado ao socialismo e ao marxismo, utilizou esse
conhecimento no filme. Tal fato possibilita debater o materialismo dialético e histórico dentro
da própria produção, além de analisar os aspectos da produção e montagem, ao enfocar a
exposição das teorias marxistas e socialistas.
“Outubro”, as teorias e o “personagem revolução”.
No filme são apresentado-representados acontecimentos que ocorreram entre fevereiro
e outubro de 1927, com destaque para o processo da revolução. Eisenstein se concentrou em
determinados momentos para serem apresentados ao público, uma vez que boa parte dos
espectadores participou ou viveu esse episódio.
Os eventos de "Outubro" no filme se desenvolvem em primeiro momento com a
derrubada do czar em fevereiro de 1917, segue os cinco meses do governo provisório de
Kerensky, onde o poder se concentrou nas mãos da burguesia, descreve a chegada de Lênin a
estação Finlândia e proclamação das “Teses de Abril” e por seguinte a insurreição de julho, o
contragolpe de Kornilov e em outubro retrata o II Congresso dos Soviétes e a exaltação
tomada do poder por Lênin.
Serão analisadas algumas cenas do filme, sendo que destacar-se-á alguns trechos em
que o diretor expôs a sua visão de revolução, exaltando a vitória Bolchevique.
Na película, Eisenstein utiliza a “montagem dialética”, desenvolvida a partir de uma
interpretação do materialismo dialético e histórico. Assim, a montagem do filme é construída
a fim de estabelecer a tese, a antítese e a síntese, levando à próxima seqüência do filme e,
portanto, surgindo uma nova tese, um novo argumento posto à prova. No filme, desenvolve-se
o chamado “cinema intelectual”, que Eisenstein considerava “[...] o princípio fundamental
para a existência de qualquer obra de arte e de qualquer forma de arte”. (2002, p. 50). O
cineasta acreditava que toda a arte é conflito que ela deve gerar contradições na mente do
espectador.
1947
Eisenstein obteve grandes recursos para a sua produção, mesmo em se tratando de uma
produção experimental: “[...] ‘Outubro’ não era fruto exclusivo da vontade individual de seu
diretor”, (RAMOS, 2006, p. 142), era uma encomenda do Estado soviético e estava submetido
a criticas e possíveis cortes e censura.
Personagens fundamentais da revolução, como Zinoviev e Trotsky, foram
representados como inimigos da revolução, além de Lênin, que teve um de seus discursos
alterado por ordem de Stalin; neste ponto vemos a limitação do diretor e a presença da
propaganda política na produção artística.
“Este filme é dedicado ao Proletariado de Petrogrado, heróis da Revolução de
outubro”. Este intertítulo no início da película comemora a vitória Bolchevique e, na
seqüência, há um intertexto com uma declaração de Ulyanov: “Nós temos o direito para estar
orgulhosos que a nós caiu à sorte de dar início à construção do Estado de soviético e, ao fazêlo, abrindo um novo capítulo na história do mundo”. Aqui aparece, claramente, a proposta de
tornar o filme um registro oficial e vanglorioso do Estado soviético.
Logo na primeira cena do filme vemos a proposta de “cinema intelectual”, na qual
Eisenstein representa os acontecimentos de fevereiro através da queda da estátua de
Alexander III pela população eufórica opondo-se ao governo monárquico.
Vemos que a população está presente em grande número e que, após dominar a
estátua, são vistas cordas que podem ser interpretadas como metáfora visual das forças de
vários conflitos sociais e ideológicos: “[...] uma catástrofe social, um vendaval histórico,
sentidos e assumidos como tais por todos os contemporâneos”. (REIS FILHO, 2003, p. 41).
Para levar os espectadores ao pensamento socialista, Eisenstein, inspirado pelo materialismo
histórico, toma a própria revolução como personagem, utilizando metáforas e simbologias
com o intuito de demonstrar a coletividade.
Nenhum cinema refletia antes uma imagem de ação coletiva. Agora a concepção de
“coletividade” deveria ser retratada. Mas nosso entusiasmo produziu uma
representação unilateral da massa e do coletivo; unilateral, porque coletivismo
significa o desenvolvimento máximo do indivíduo dentro do coletivo, uma
concepção irreconciliavelmente oposta ao individualismo burguês. (EISENSTEIN,
2002, p. 24).
No próximo intertítulo, temos a expressão “Fora da estação Finlândia” e, nesta cena,
todo o proletariado está sem esperança, na escuridão e então surge a bandeira Bolchevique –
Lênin aparece com ela nas mãos – e os intertítulos apresentam suas declarações e protestos.
“Longa vida aos soldados revolucionários e trabalhadores que subverteram a Monarquia!”,
“Nenhum apoio ao governo Provisório”, “Longa vida a revolução socialista”. Surgem as
1948
“Teses de Abril” de que todo o poder deve estar com os soviétes, o que os anarquistas vinham
propondo há tempos; o intertítulo surge com a fala de Lênin, "Socialismo... não a burguesia!
Cinco meses de governo burguês. Sem paz, sem pão, sem terra”.
Na seqüência vemos grandes manifestações e greves, um corte e o intertítulo “Julho.
Dias de ira da população”. Segue-se a declaração de Trotsky: “Uma insurreição é
prematura!”. Aqui notamos a influência da propaganda stalinista, tendo como atitude colocar
Trotsky como um personagem contra a revolução, já que ele havia sido expulso do partido no
ano da produção de “Outubro”.
No quadro seguinte mostra os embates entre a burguesia e o proletariado. A cena
mostra um rapaz protegendo uma bandeira Bolchevique, um oficial do governo provisório e
algumas senhoras burguesas agredindo-o, tentando de toda a forma destruir essa bandeira,
como se isso representasse uma vitória, uma luta entre proletariado e a burguesia, “A história
de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes”.
(MARX; ENGELS, 2007, p. 47). Nessa cena e na cena seguinte, Eisenstein constrói uma
visão destrutiva e opressora do governo provisório e dos burgueses contra a revolução.
Na continuação dos embates entre burguesia e proletariado, corte para o ministro do
Kornavalov que recebe um telefonema para que a ponte do rio Neva seja erguida, mas
notando que esta cena não foi somente para conter a manifestação, segundo Ismail Xavier:
[...] a montagem “discursiva” de Eisenstein não mostra simplesmente o fato
naturalisticamente em sua continuidade (ponte se elevando), mas procura criar um
espaço – tempo próprio, descontinuo, capaz de fazer daquele instante e daquele fato
particular algo em que nosso olhar se detém para seguir direções de eventos
simultâneos, de tal modo que a sua significação social (engrenagem da repressão
versus manifestação popular) seja “figurada” pela composição visual não-natural
que a montagem oferece. (2005, p.131).
Deste modo, vemos que Eisenstein quis levar o espectador a entender que em
determinado momento em que o confronto estabelece enormes barreiras entre burgueses e
proletários.
A concorrência isola os indivíduos uns dos outros, não apenas os burgueses, mas
também, e mais ainda, os proletários, se bem que os concentre. É por este motivo
que decorre sempre um longo período antes que estes indivíduos se possam unir,
abstraindo do fato de que – se pretender que a sua união não seja puramente local –
esta exige previamente a construção dos meios necessários, pela grande indústria,
tais como as grandes cidades industriais e as comunicações rápidas e baratas, razões
por que só depois de longas lutas se torna possível vencer qualquer força organizada
com indivíduos isolados e vivendo em condições que recriam quotidianamente este
isolamento. (MARX; ENGELS, 2002, p. 45.)
1949
A seguir, corte para o corredor do palácio de inverno dos czares e se mostra Kerensky
sendo nomeado primeiro-ministro; Eisenstein representa sua escalada militar por meio dos
degraus da escadaria. Ocorre nesta seqüência a “montagem intelectual” e, em uma perspectiva
dialética, Eisenstein põe várias cenas em conflito, justaposição e associação, representando,
por exemplo, imperadores através da estátua da deusa romana, que tem em mãos uma coroa
de louros.
Nas escadarias está Kerensky de braços cruzados e a câmera mostra uma estatueta de
Napoleão. Todo esse conflito de imagens põe em discussão do propósito de Kerensky em se
tornar um imperador, um novo Czar. Logo vemos outro conflito no qual Eisenstein descreve
as intenções de Kornilov e Kerensky, pondo duas estatuetas de Bonaparte; o cineasta associase às teorias de Marx e Engels sobre Napoleão.
Eisenstein mostra Kerensky já sem poderes, deitado em uma cama, enquanto
Kornilov, então chefe de Estado Maior, busca restaurar a monarquia. Começa uma seqüência
de várias imagens de divindades de diversas sociedades. Intertítulos descrevem “General
Kornilov avança!”, no ataque aos Bolcheviques. A seqüência dos deuses mostra uma
descrição de poder da religião sobre as classes “[...] apesar de o princípio emocional ser
universalmente humano, o princípio intelectual é profundamente matizado pela classe”
(EISENSTEIN, 2002, p. 87). Isto leva ao conflito intelectual, fazendo com que o espectador
note os diversos conflitos em suas origens:
[...] depreende-se igualmente que toda a classe que aspira ao domínio, mesmo que o
seu domínio determine a abolição de todas as antigas formas sociais da dominação
em geral, como acontece com o proletariado, deve antes de tudo conquistar o poder
político para conseguir apresentar o seu interesse próprio como sendo o interesse
universal, atuação a que é constrangida nos primeiros tempos. (MARX; ENGELS,
2002, p. 18).
Há vários cortes enquanto Kornilov avança e a estátua do czar Alexandre III começa a
se recompor, demonstrando o perigo da restauração da monarquia. A seqüência se desenvolve
com folhetos da sede Bolchevique sendo distribuídos com as frases “Pão, paz e terra”. Então
há um corte para algumas danças, “Há fraternização”, a montagem rítmica exaltando a vitória
do proletariado e dos revolucionários e, em seguida, um intertítulo anuncia “e... o General
Kornilov foi preso”.
O filme segue sua representação dos dias cruciais do mês de outubro, movimentações
e discursos sobre a batalha decisiva para a exaltação da revolução. Surge o intertítulo: “10 de
outubro, o comitê central dos Bolcheviques resolveu a questão da revolução armada”.
1950
Na seqüência é mostrada uma reunião especial do Comitê Central do Partido
Bolchevique, apenas doze dos vinte e um líderes Bolcheviques votam pela insurreição
armada. Na construção do intertítulo, Trotsky mostrava-se contra, considerava cedo demais
para uma revolta e propôs esperar que a revolução fosse sufocada pelos planos de Rodzyanko.
Mas isto foi considerado o mesmo que o fim da revolta, e deste modo a proposta de Lênin
pela insurreição armada foi a escolhida.
O que vemos aqui é uma indecisão pela insurreição, um debate tanto no filme como na
história sobre a questão da decisão e planejamento da insurreição, vemos que em nenhum
momento do filme mostrou-se que Zimoviev e Kamenev eram contrários à decisão e, por isso,
acabaram denunciando-a ao jornal Gorki. A decisão foi tomada quinze dias antes do Segundo
Congresso Pan-Russo dos soviétes de operários e soldados.
Neste momento, o poder do Estado se encontra nas mãos dos soviétes de Petrogrado.
A seqüência mostra o plano de insurreição em movimento no dia 24 de outubro e Eisenstein
direciona o filme para a tensão, a concretização da revolução.
De acordo com os planos do comitê revolucionário, em 24 de outubro começa a
insurreição. Há um corte para o navio Aurora e, logo a seguir, aparece uma ponte se movendo
e o intertexto “As pontes estão agora nas mãos dos trabalhadores”, relembrando o conflito na
ponte do rio Neva que levou os Bolcheviques à clandestinidade política; esta seqüência
representa que o poder agora está nas mãos dos Bolcheviques.
A cena seguinte serve para mostrar o enfraquecimento do poder do Governo
Provisório. Kerensky liga para o estábulo onde se encontram os Cossacos surge o intertexto
“Neutralidade”, Kerensky já não conta mais com os cossacos. Eisenstein mostra Kerensky e
os cavalos no estábulo, a fim de que o espectador entenda Kerensky como irracional
depreciando o seu poder: “[...] dois pedaços de filme de qualquer tipo, colocados juntos,
inevitavelmente criam um novo conceito, uma nova qualidade, que surge da justaposição”.
(EISENSTEIN, 2002, p. 14).
Na próxima cena vemos a construção de Eisenstein frente à fuga de Kerensky, pondoo como covarde, representando toda a burguesia e o governo como fracos, covardes, sem o
ideal e a força que os Bolcheviques possuíam. Durante uma longa seqüência, enquanto mostra
o exército e os chefes do Governo Provisório, em segundo plano está Kerensky em sua fuga,
com a câmera sempre acima, desmerecendo-o, já não mais grandioso.
No Palácio de Inverno, surge o intertítulo “O Governo Provisório tinha perdido o
poder, mas ainda existia”. Aqui vemos a construção de Eisenstein, mostrando em intertítulos
“Chefes”, “Membros”, e pondo em justaposição cadeiras vazias.
1951
O Governo Provisório, parecendo suspenso no ar, na prática já não governa mais.
Nos campos e nas cidades, os diversos tipos de organizações populares (soviétes de
operários e de soldados, comitês de empresas, sindicatos, comitês e soviétes
agrários, milícias populares, guardas vermelhas), de modo autônomo e
descentralizado, asseguravam um arremedo de ordem e de controle. (REIS FILHO,
2002, p. 64).
“Somente a Assembléia Constituinte é a única e irrestrita dona da terra russa”. Este
intertexto apresenta o manifesto elaborado pelos membros restantes do Governo Provisório
para “conter” a insurreição e mostrar que ainda possuíam algum poder. Outro intertítulo
apresenta “O comitê central dos ‘ESSER’ e mencheviques iniciou a sessão do congresso” e,
no decorrer dessas seqüências, o que vemos é a discussão dos Mencheviques sobre a detenção
do poder, afirmando: “O único poder legal é o poder do Governo Provisório”.
Segue-se o intertexto “Cerco do Palácio de Inverno” e, na seqüência, o ultimato do
Comitê Revolucionário Militar que enviou uma carta aos contra-revolucionários, dando-lhes
vinte minutos para pensar e assim evitar o derramamento de sangue. É neste ponto que o filme
segue em tensão sobre a resposta burguesa e os instantes finais da insurreição.
O tempo está se esgotando e há um corte para o intertítulo “Os propagandistas de
Smolny penetram no Palácio de Inverno para falar com os Cossacos”. Na seqüência vem a
representação da dificuldade do Governo Provisório em manter a resistência, a associação na
montagem é de que os cadetes não estão preocupados com o declínio do poder burguês, já que
os soldados vêm da classe operária e há certo conflito de interesses. Vemos o discurso do
oficial do Governo Provisório: “Não vamos entregar nossa pátria aos Bolcheviques que são
espiões alemães!”, mas de nada adianta o discurso, os cadetes mostram-se passivos.
O intertexto anuncia “Os propagandistas fizeram o seu trabalho”. Após ouvirem os
Bolcheviques, mesmo sendo conservadores, vemos a seqüência que traz a associação dos
acontecimentos em que os Cossacos cobrem os seus canhões e recolhem sua cavalaria.
A cena volta ao Segundo Congresso, onde se discute como os Bolcheviques
pretendem tomar o poder, argumentando que o exército não os apóia. A seqüência é a de
revolta dos Bolcheviques e eis que surge uma bandeira: “O décimo segundo exército apóia os
Soviéticos”. Há um corte para o décimo segundo batalhão e, em seguida, o intertítulo anuncia:
“Os soldados do batalhão das motocicletas, está com os Soviéticos”.
A derradeira força a favor dos Bolcheviques se constituiu após a insurreição de
Kornilov, então vemos:
[...] uma forte retomada do radicalismo popular, e os soviétes voltaram a ser fator
decisivo na situação política; ao mesmo tempo, havia crescido neles, de modo
vigoroso, a influência dos Bolcheviques, que conquistaram a maioria em Petrogrado
1952
e em Moscou, alem de gozar do apoio de Kronstadt, das unidades militares na
Finlândia, de ampla parcela do exército na frente. (REIMAN, 1985, p.107).
Sendo assim, o apoio do exército e dos soviétes no Segundo Congresso decorreu do
planejamento de Trotsky e Lênin para conquistar mudanças de dirigentes do partido a seu
favor.
Seguem-se movimentações e na tela se apresenta “Os Cossacos rendem-se”. Ainda
não há resposta e a cena mostra todos os membros e oficiais do Governo Provisório deitados,
a montagem corta para o Congresso, onde discursavam os Mencheviques, enquanto são
mostradas várias cenas em seqüência, da calmaria na espera da resposta.
O discurso Menchevique é de que “Os Bolcheviques alteraram a ordem histórica”,
declarando que não haverá paz, não haverá pão e neste momento um delegado Bolchevique
interrompe o discurso, acaba-se o tempo de resposta, “O tempo das palavras já passou”. O
exército vermelho retira as bandeiras brancas e abre fogo contra o Palácio de Inverno.
Enquanto isso no Congresso cita-se as Teses de Abril, pão, paz e terra, e o navio Aurora
dispara contra o Palácio de Inverno.
Antonov-Ovseenko e alguns soldados irrompem na sala central do palácio onde se
encontrava o conselho de ministros do Governo Provisório, prende a todos presos e declara:
“Em nome do Comitê Revolucionário Militar, anuncio que o Governo Provisório está
deposto!”.
Agora vemos a famosa seqüência dos relógios na qual Eisenstein quis demonstrar um
recurso específico de montagem, a grandeza da revolução comunista. “[...] esta hora, única na
história e no destino dos povos, emergiu através de uma variedade enorme de horas locais,
como que unindo e fundindo todos os povos na percepção do momento da vitória”.
(EISENSTEIN, 2002, p. 24).
A última seqüência mostra o Congresso Soviético, Lênin discursa. “Camaradas! A
revolução proletária e camponesa, cuja necessidade durante todo o tempo foi apregoada, pelos
Bolcheviques, realizou-se!”. E em seguida defende o decreto sobre pão, paz e terra, e segue
com a frase, “Agora devemos nos ocupar em reconstruir a Rússia, um estado socialista
proletariado”.
Considerações finais
Eisenstein muito além de uma simples construção e exaltação da vitória Bolchevique,
conseguiu transpor uma visão política complexa e avançada através do cinema. Tentou
reproduzir os acontecimentos de 1917 visualmente de forma metafórica e simbólica por meio
1953
de sua dialética cinematográfica; utilizou partes dos ideais marxistas, mas sem efeito em
1928, nesta época sua obra não foi compreendida nem mesmo pelos intelectuais de seu tempo.
Como marxista e cineasta, explorou os idéias marxistas, socialistas e comunistas a
favor da construção do ideal de revolução, mesmo que em certos aspectos tenha pecado em
excessiva depreciação de alguns personagens, a favor do regime pelo qual o filme foi
produzido, que queria “Outubro” como representação oficial da revolução Russa.
“Outubro” foi produzido para a comemoração do desenvolvimento de um Estado
comunista, mas não podemos nos inclinar somente para este aspecto; deve-se perceber o
momento e a representação de um acontecimento histórico que marcou o século XX e, além
disso, perceber a importância e influência do cinema de Eisenstein, que em suas obras, como
em “Outubro”, exaltava o movimento de massas e, assim, o ideal socialista. Esta análise nos
mostra como o cinema pode ser utilizado a favor de uma ideologia, em contextos diversos, em
seus variados objetivos, por mais complexos que sejam construindo propagandas políticas e
culturais a fim de controlar o meio social.
Referências
FONTES
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BIBLIOGRAFIA
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