aspectos legais e morais da hipnose

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SOCIEDADE DE HIPNOSE MÉDICA DE SÃO PAULO
HEMEROTECA
ASPECTOS LEGAIS E MORAIS DA HIPNOSE
CONFERÊNCIA
Procedimento inicialmente místico, depois arte e ciência, a hipnose tem um longo
patamar histórico. Necessitou de uma base científica para que se entendesse os
fenômenos do transe. Com o Renascimento, que exigia explicações para todo o
procedimento humano, tornava-se necessário transformar o misticismo em ciência
– o magnetismo em hipnose. Teorias se sucederam desde Mésmer, o precursor da
psicoterapia, até os dias de hoje para explicá-la à luz da lógica e da razão. Figuras
de alta relevância passaram por estas teorias. Citemos por ora, Puysegür, Abade
Faria, Lieubault e Bernheim, Braid, Pavlov e Freud, seguidos da Teoria
Neurofisiológica e Anatômica que teve início com Magendi e Magoun , passando
por David Akstein, Morais Passos e culminemos com a teoria de Paulo Mello da
estimulação da região fronto-temporal pela pars anterior do giro cíngulo do
Hemisfério Cerebral Direito e inibição do Esquerdo. Mais recentemente, novas
teorias estão se impondo, em relação à susceptibilidade ao transe, como as de Rossi
e as que associam o genoma explicado através da transmissão genética e do DNA.
Hoje, com a sua impressionante complexidade, de alta relevância, de nobreza
inconfundível, é um recurso de aconselhamento, sugestão, exames e tratamento. Como arte
deve ser admirada, aplicada e estudada e como ciência deve ser conscientemente praticada.
Diagnósticos se fazem com o seu auxílio e ações curativas se desenvolvem quer na sugestão
hipnótica, quer na pós-hipnótica, com a adição de efeitos continuados.
Para transformar-se de misticismo em arte, precisou se despir do empirismo e das atribuições
divinas, para se transformar de arte em ciência, necessitou de uma explicação razoável,
teórica e prática. Mas não passou da arte para a ciência de uma vez. Continua sendo arte em
sua indução, manutenção e finalização e continua sendo ciência na sua explicação e no campo
de sua aplicação.
Lembremo-nos que, qualquer seja a explicação da hipnose: pela teoria neurofisiológica, à
partir de Magendy e Magoun, a mais recente, ou da sugestão, ou da dissociação de
personalidade, do comportamento dirigido, da tensão emocional, da visualização cênica
ou qualquer outra teoria que seja evocada, sempre há estímulos e reações deles
dependentes na esfera psíquica, central, superior.
Não se trata aqui de fenômenos periféricos, locais. São gerais, partindo e chegando à parte
mental. Fenomenos cerebrais. Neste sentido, evoluímos muito tanto na sua teoria como
na prática em sua aplicação.
.
Digo mais: A hipnose é uma técnica somato - psíquica abrangente. Como tal, engloba o
corpo e a mente. Sendo arte e sendo ciência, é holística. Com as explicações científicas
tratou-se do renascimento da medicina pelo espírito. Que continua. O caminho mal
começou a ser percorrido, muito há ainda a percorrer. Segundo Black, não há ainda
explicação cabal para os fenômenos da hipnose
Consideremos então que, como técnica de diagnóstico e terapêutica de ação clara e
evidente sobre parte hierarquicamente elevada da personalidade, em relação ao ser
humano, deve ser utilizada sempre em seu benefício, corrigindo suas distorções, suas
mazelas e suas alterações físicas e mentais. Afinal, a mente é um fértil campo onde
vicejam diuturnamente os conflitos do homem em relação ao meio ambiente, ao meio
familiar e a si mesmo.
Harold Rosen, em 1953 relatou: “A hipnose não é nem um agente terapêutico, nem uma
técnica terapêutica. Os pacientes com doenças orgânicas operáveis quando tratados
cirurgicamente, são operados não pela anestesia, mas sob anestesia; e os pacientes com
doenças emocionais, se hipnotizados, são tratados psicoterapicamente não pela hipnose,
mas sob hipnose. Criou-se então um dogma que vem sendo repetido, de que a hipnose não
é uma forma de psicoterapia, mas apenas um meio de facilitação da psicoterapia.
Fernando Bastos, por sua vez, diz que a hipnose não é uma técnica psicológica por si
mesma, mas uma condição psicológica que consiste ao mesmo tempo em um estado e
uma relação.
É correto que qualquer técnica psicoterápica pode ser aplicada sob hipnose. Isto exige da
parte do profissional não só conhecimento da técnica hipnótica, mas também
conhecimento e experiência no campo da psicoterapia. Então, o tratamento será feito mais
sob hipnose do que pela hipnose.
Entretanto, existem técnicas que só são possíveis pela hipnose. Há certos fenômenos que
só se obtém pela hipnose e o profissional que não estiver capacitado a fazer psicoterapia,
não deve lançar mão da hipnose como um substituto de sua insuficiência de
conhecimentos. Ela não supre essa insuficiência.
Os profissionais capacitados a fazer psicoterapia, terão na hipnose um auxiliar valioso. Os
pacientes sob hipnose poderão ser tratados pelas técnicas usuais de psicoterapia com
vantagem pelo emprego eventual de procedimentos que só podem ser obtidos pela
hipnose.
Ora, diante disso, sendo assim a hipnose, pergunto: quem deve praticá-la?
Ocorre-me uma só resposta: o profissional da saúde, especialmente o médico, o
psicólogo e o cirurgião dentista. São estes que têm o currículo completo das ciências ditas
da saúde, do integrante somático e psíquico, com objetivo semiológico e curativo. Se
alguém, não fazendo parte dessa área, não tendo capacidade profissional, ética e legal
que o preceito exige para o seu exercício, se entregar a essa atividade realizando atos
desses profissionais – como os da prática da hipnose – estará se entregando ou ao
curandeirismo ou ao exercício ilegal da medicina. É clara a Lei Penal Brasileira vigente.
a) No artigo 284 o Código Penal registra: “Exercer o curandeirismo:
I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II- usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III – fazendo diagnósticos:
Pena- Detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo Único – Se o crime é praticado
mediante remuneração, o agente fica sujeito à multa de mil a cinco mil reais “.
A competência profissional não se adquire somente pela prática. Esta, para ser
reconhecida e regular, precisa ser validada como decorrência natural à freqüência
completa a um curso superior. Os que não têm esse curso são curandeiros, embora saibam
os que sabem os médicos, dentistas ou psicólogos e até mais do que eles. A lei não definiu
o curandeirismo e nem precisa fazê-lo. O conceito é claro. Está no consenso geral.
Curandeiro é curandeiro. Assim como sol é sol, praia é praia, mar é mar.
Quem a aplicar, sem a habilitação profissional que só o curso regular oferece, incide na
sanção do artigo 282 em que se preceitua o crime de exercício ilegal da medicina.
E as espécies de curandeiros são várias na própria enumeração da lei, que é taxativa,
abrangendo-as todas: prescrever, ministrar, aplicar remédios; usar gestos, palavras ou
qualquer meio e fazer diagnósticos.
São vestes essas, sobretudo as da 2.ª e 3.ª alínea, que cobrem sob medida a prática da
hipnose por leigos, se atingirem finalidades diagnósticas e terapêuticas: “usar gestos,
palavras ou qualquer meio e fazer diagnósticos”. Isto é bastante claro.
b) No seu artigo 282, diz o Código Penal vigente:
“Exercer ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou
farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena, etc” ...
A figura delituosa do artigo em apreço é a do exercício ilegal da profissão.
O exercício ilegal pressupõe a capacidade profissional que só o curso respectivo fornece
e a legal a que os vários registros fixam. O médico, o cirurgião dentista e o farmacêutico –
e só deles cogita o preceito penal – feito o curso universitário regular, adquirida a
capacidade do currículo, mas só essa na respectiva escola, transformam essa capacidade
profissional em legal, levando seus diplomas para as competentes anotações: no
Ministério da Educação e no Conselho Regional da Categoria no Estado onde pretendam
exercer a profissão (lei n.º 3268 de 30 de setembro de 1957).
Cada profissional tem seu âmbito de ação, o terreno de suas cogitações práticas, que as
matérias do curso limitam de forma estanque, no sentido legal.
Dele não podem sair: o cirurgião dentista será apenas cirurgião dentista, o psicólogo
somente psicólogo e o médico não passará de médico. Se este, por exemplo, porque
entende de cirurgia dentária, não sendo cirurgião dentista, ou porque sabe muito de
farmácia, malgrado não haja cursado a respectiva escola, quiser entrar nesses setores de
atividades, violará o preceito penal. Diz-lhe este, e com razão, mais ou menos o que
lembra conhecido e velho brocardo brasileiro: “em festa de macuco, nhambu não pia”.
. Daí decorre a conclusão clara, quanto ao hipnotismo, de que ele é privativo, como
diagnóstico e terapêutica, dessa tríade de profissionais, pois a disciplina que se enquadra
no currículo universitário “psicopatologia” é pertinente apenas a eles, aqui no Brasil. Não
consta de qualquer outro com essa finalidade diagnóstica ou terapêutica.
Vejamos o que diz a lei federal básica, o Decreto n.º 19.851:
“A reorganização do ensino médico, instituida na presente reforma, tem o duplo
objetivo de ministrar conhecimentos necessários ao exercício profissional eficiente e
de permitir, a um tempo, especialização em diversos ramos da medicina aplicada e
no domínio das ciências biológicas correlatas”.
Art. 212 – “O ensino da farmácia tem por fim ministrar conhecimentos necessários
ao exercício legal e eficiente da profissão de farmacêutico”.
Art. 217 – “O ensino da odontologia tem por fim ministrar conhecimentos técnicos e
científicos necessários ao exercício legal e eficiente da profissão de cirurgião
dentista”.
A lei que rege o exercício das artes ditas sanitárias é o Decreto n.º 20.931 de 11 de
janeiro de 1932. Ele limita a ação dos profissionais no terreno especificamente seu. A
clareza do art. 2.º é ofuscante:
“Só é permitido o exercício das profissões enumeradas no art. 1.º em qualquer ponto
do Território Nacional a quem se achar habilitado nelas de acordo com as Leis
Federais e tiver título registrado na forma do art. 5.º deste decreto”.
E as profissões enumeradas no art. 1.º são: medicina, odontologia, medicina veterinária,
farmácia, obstetrícia e enfermagem. Incluiu-se posteriormente a psicologia.
Depois de realçar o aspecto científico do problema surge o de ordem moral. Este pode
ser resumido nas palavras do Papa Pio XII em seu discurso sobre “Aspectos Religiosos e
Morais da Analgesia” proferido em Roma em 24 de fevereiro de 1957 e transcrito na
Revista de Psicologia Normal e Patológica do Instituto de Psicologia da Universidade
Católica de São Paulo:
“Mas a consciência de si pode ser alterada por meios artificiais. Obter esse resultado
ou pela aplicação de narcóticos ou pela hipnose (que se pode chamar de um
analgésico psíquico) não traz qualquer diferença sob o ponto de vista moral”.
Diante disso, pergunto agora: Se se trata de técnica de ordem central, com os percalços
sômato - psíquicos e morais que todo tratamento e toda intervenção cruenta,
medicamentosa ou sugestiva produzem no cérebro, é razoável legal e moralmente que
pessoas estranhas às áreas da saúde envolvidas a pratiquem, assumindo a responsabilidade
legal e moral que todo ato profissional envolve no terreno penal, civil e ético? Alguém
que não seja anestesista, se proporia a fazer anestesia geral?
Não deve a hipnose ser praticada senão por profissionais da área da saúde, especializados
em seu emprego, para ser utilizada como instrumento de tratamento, orientação ou
melhoria da saúde dos nossos semelhantes. E como em certas aplicações psicoterápicas
como a reversão de idade, a hipnoanálise, a mudança de personalidade, as alucinações, as
depressões, o estresse, a ansiedade, os transtornos de personalidade, os hábitos
indesejáveis, como permitir que seja utilizada por estranhos à área da saúde?
c) Outra figura delituosa e de constante infração dos cânones éticos é a do
charlatanismo. A hipnose é o campo ideal para isso. Quase que diariamente. Lutamos
durante muito tempo para separá-la da exploração mística e continuamos lutando.
Abramos então de vez as nossas trincheiras contra o charlatanismo.
O artigo 283 do Código Penal é rígido a respeito quando diz:
“Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – Detenção de 3
meses a um ano e multa de 1 a 5.000 reais”.
Basta que haja encenação e embuste na sua prática. E no aspecto moral podem agir
charlatães conscientes e inconscientes, profissionais que não tenham noção segura da
prática da hipnose e que assim mesmo se entreguem à ela, não importando as finalidades.
Ressalve-se aqui que certos atos médicos podem nos confundir com os charlatanescos. É
o caso do emprego da hipnose como auxiliar na terapia clássica, não sendo a indução
hipnótica propriamente usada como tratamento.
2) Um enfoque agora se torna necessário: As experiências “in anima nobile” tão
comuns nos palcos de teatro e televisão.
Há experiências de dois tipos: terapêuticas e especulativas.
a) As experiências terapêuticas, são lícitas e louváveis desde que não sejam em
público. Os que a praticam, visam ao restabelecimento da saúde do paciente...
Não há outro objetivo. Aliás, toda ação terapêutica, em última análise, não deixa
de ser uma experiência. Tomemos como exemplo a medicina como arte de
tratar, não de curar. Há nela doentes e não doenças. Assim, a ministração de
remédios ou a realização das técnicas cirúrgicas, atendendo às condições
personalíssimas dos pacientes, não deixam de ser experiências. Cada doente é
especial, um indivíduo. Cada recurso medicamentoso é uma verdadeira
experiência. O resultado, via de regra compensa e beneficia. Pode, porém ser um
fracasso, falhando o mesmo remédio para a mesma doença, em determinado
indivíduo, sendo até nocivo. Haverá deslize legal ou moral ? Não. O propósito
de quem o emprega não é uma experiência genérica, de pura especulação, por
vezes em dano do que a sofre. É sim, o interesse do próprio paciente, propósito
isento de qualquer censura, da mais suave crítica.
Veja-se o que diz o Código de Ética dos Conselhos de Medicina, que é Lei em virtude da
Resolução CFM n.º 1246/88 de 08/01/1988 e de acordo com a competência que lhes
confere a Lei n.º 3268, de 30/09/1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045 de 19 de
julho de 1958, em parte do art.27:
“Art. 27 – Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que
possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de
qualquer outra natureza”.
O doente é tratado diante dos alunos. Provas e experiências se procedem em seu proveito, o
que será em proveito da ciência e dos alunos. Mas, inicialmente do paciente que deve ser o
centro de todas as cogitações da arte ainda e sobretudo nas hospitais das Faculdades de
Medicina.
Nesse caminho, bem aferido com a lei e a moral – lei penal, lei civil, moral religiosa, moral
natural e moral médica – se medem as demonstrações referentes à hipnose. Ajustam-se? São
lícitas. Não se ajustam? São ilícitas e ilegais. Tão fácil. Tão claro. Tristemente claro e fácil,
talvez.
b) Nas experiências especulativas, então, o aspecto é outro. O paciente é cobaia.
Nele se vai demonstrar alguma coisa que se visa mostrar, prejudique-o ou não, isso é
secundário, não se cogita do seu proveito. Por vezes pode ser uma demonstração de interesse
coletivo e social. Talvez até mesmo de ordem médica, psicológica, quiçá odontológica...
Certas técnicas de hipnose; a seqüência de etapas hipnóticas; peculiaridades e
vantagens de um sinal hipnógeno; aspectos curiosos de uma alucinação positiva ou negativa;
a intensidade a que podem chegar certas alucinações; as possibilidades de uma regressão de
idade sem trauma, passando por acontecimentos agradáveis da vida, de contraste flagrante
nas reações emocionais do paciente; a realidade da mudança de personalidade ou identidade.
Interesse didático, como se vê, interesse saudável, interesse científico, interesse
psicológico, interesse social, interesse de entretenimento, interesse de palco, que atraem as
experiências especulativas. XXXXXXXXXXXX
Neisser foi condenado pelo Tribunal de Breslau a 2 meses de prisão e a 1000 marcos de
multa, uma vez que para demonstrar a nocividade do gonococo, inoculou-o em um
agonizante que, escapando de seu mal, ficou com blenorragia nos tempos em que não se
conheciam os antibióticos.
Em São Paulo, por ocasião da epidemia de febre amarela realizaram-se no Hospital de
Isolamento, hoje Emílio Ribas, experiências humanas, secundando as de Havana, para
demonstrar que o transmissor do mal amarílico era o mosquito. Os resultados foram
probantes. A tese ficou incontestável. Felizmente sem óbitos, a agravarem a infração ética de
seus responsáveis, “gros bonnets” da medicina daqueles tempos.
Mais tarde, no Rio, Oswaldo Cruz, saneador da Capital Federal, repetiu as experiências , para
secundar as de Havana e de São Paulo, já elucidativas. Os resultados foram mais que
convincentes. A febre amarela verdadeira, natural, segura, legítima, se transmitiu. E mais de
um cobaio humano faleceu em homenagem e holocausto à ciência...estaria certo? Não.
Nunca !
Diante da lei penal vigente, o preceito punitivo seria o do artigo 132:
“Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena: detenção de três
meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave”.
Não se invoque o estado de necessidade, que não se concretiza. E o consentimento
informado não legitima a ação danosa. Ninguém pode consentir no seu próprio assassinato.
Pois se as práticas hipnóticas são experiências in anima nobili e, tantas vezes, são
puramente especulativas, devem pois ser proibidas, porque criminosas e contrárias à ética
profissional.
Se os médicos a praticarem, ficarão estes nas malhas do art. 105 do Código de Ética Médica
vigente:
Capítulo XII – Pesquisa Médica: É vedado ao médico:
“Art. 105 – Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam direta ou indiretamente
dependentes ou subordinados ao pesquisador”
Note-se que o preceito nem se refere a qualquer dano possível a que fique exposta a vítima
como exige o Código Penal. Para os médicos, a proibição é absoluta.
Mas dir-se-á, elas são inócuas. Se os médicos não as podem praticar, policiados pelos seus
Conselhos de Medicina, estes não atingem os estranhos à medicina. Não sendo nocivas,
pratiquem-se.
3) E aí surge um outro problema conexo a esse, sobre a nocividade possível da hipnose
e, pois, a responsabilidade penal, civil e moral dos que a realizam, profissionais de
outros terrenos e leigos. E também profissionais da saúde, no âmbito da lei.
Não enumerarei os inconvenientes e malefícios da hipnose.
Quando mais não fosse, só a subordinação do paciente ao hipnotizador, com toda a sorte de
reações psico-físicas e morais dai possíveis, bastaria. Mas o espectador, trazido ao palco e
submetido à demonstrações espúrias não estaria se submetendo à execração pública com
mudanças de percepção que seriam vilipendio à sua personalidade?
Lembre-se apenas o sinal hipnógeno. Figurai o hipnotizador que não tenha realizado
corretamente o seu apagamento no paciente do que lhe foi sugerido na hipnose. Ficará este
preso, por longo tempo, ao seu hipnotizador. Desonesto este, poderá servir-se da
superioridade que tem para deflagar em qualquer lugar e em qualquer tempo o transe
hipnótico, apenas por este sinal, sem a vontade e até contra a vontade do paciente.
Exibe-lhe o objeto do condicionamento, diz-lhe a palavra adequada, faz o gesto ou toma a
atitude anteriormente sugerida e as conseqüências no indivíduo sensibilizado serão seguras
e imediatas.
Os fenômenos de neuroses experimentais nos pacientes na resistência a certas ordens ou na
indução de alucinações muito emotivas são evidentes. Não serão inconvenientes, em
determinadas condições, levados à conta de males do hipnotismo?
E que seria da acentuação da sugestibilidade dos cobaios humanos, cada vez menos
resistentes, cada vez mais facilmente hipnotizáveis?
Almeida Júnior (“Lições de Medicina Legal – 4.ª Ed.- pag. 430”) estudando os perigos do
hipnotismo, assim se manifesta: “Do ponto de vista da periculosidade médica, pode-se
comparar o hipnotismo aos anestésicos, à insulina, às sulfas: seus inconvenientes,
praticamente nulos quando a medicina esteja em mãos de um profissional conscencioso e
experiente, tornam-se reais na hipótese contrária. Sabe-se que as hipnoses reiteradas
acentuam a sugestibilidade do paciente e podem fazer dele um abúlico".
Assim, são sempre oportunas as sábias palavras de Grasset (“L’Hipnotisme et la
Sugestion”, Paris, 1916, pag 354) “ïl me semble qu’on peut dire quíl y a unanimité pour
reconnaitre les inconvenients (sinon les dangers) de l’hipnotisme extra-medical”.
A ciência é insaciável e voraz. Suas presas, ela as devora de uma maneira gulosa e
constante.
Condena-se muitas vezes o uso de animais em laboratório, verdadeiros cobaias de
experiências que visam melhorar ou corrigir as doenças do homem. São os participantes
passivos desse holocausto “in anima vili” em favor da “anima nobili”.
E o homem? O homo sapiens, vítima desconhecida e anônima da ciência insatisfeita?
Na hipnose, quantos préstimos à custa da saúde física e mental?
4) Ainda no seu aspecto legal e moral, a prática da hipnose sugere problemas
relacionados ao segredo profissional. Seja médico ou não quem a aplica, está ele
desempenhando função, ministério, ofício ou profissão. A ele se entrega o paciente,
obedecendo suas ordens a uma sugestão que o leva a fazer quase tudo o que lhe seja
determinado. E em público. No palco. Na televisão. Situações ridículas podem ocorrer
com esse domínio do paciente. Seria esta uma atitude de desrespeito? Não se estaria
expondo um ser humano à degradação em público? Estará certo? Não caberia aqui o
preceito referente à violação do segredo profissional de que cogita o artigo 154 do
Código Penal?
Na conceituação do crime de revelação do segredo concorrem vários elementos claramente
expressos, como sobretudo, a justa causa e a possibilidade de dano a outrem.
“Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena...etc
Tais exibições serão razoáveis e justas, quando feitas por diletantismo? E não serão danosas
a quem as sofre e a quem as vê?. Este problema é da maior gravidade. E quando
profissionais da saúde as praticam, com tais propósitos sensacionalistas, então a falta não
tem qualificativos, pela gravidade. Dir-se-á: “ora, o segredo profissional !”.
5) Há ainda outros aspectos na esfera legal. Como a possibilidade de serem agentes de
crimes os hipnotizados, pela sugestão recebida para isso, ou passíveis de atos
delituosos. Abordemos ainda que rapidamente esses dois aspectos, que podem ensejar
grandes debates.
a) Agentes de crimes: Divergem os autores quanto à indução hipnótica da criminalidade. É
ou não é possível. Nos laboratórios, com simulacros de cenas delituosas ou com certas
expressões realistas, mas que o hipnotizador contenha no momento oportuno, tudo é
possível. O hipnotizado subministra veneno à vítima; dá-lhe um suposto tiro; vibra-lhe uma
facada com arma de papel, pega com as mãos venenosa cobra de papel, sob o efeito de
sugestão, intra ou pós-hipnótica. Há quem creia que a sugestão possa ir mais longe,
chegando ao terreno da realidade delituosa. E até com exemplos. A tese é sugestiva para a
criminologia.
O que os estudiosos alertam, é que a hipnose agrava tendências já existentes. A esse
respeito, considerando não só as presas do hipnotismo, mas também as de outras formas de
sugestão.
Benigno Di Tullio, no seu “Trattato di Antropologia Criminale” (Roma,1945,pág.262) diz:
“Si tratta infatti di indivídui che, nella grandissima maggioranza, sono anch’essi degli
anormali, spesso com tendenze criminose più o meno spiccate, che si realizzano tanto più
favorevoli sono le circonstanze ambientali e le condizioni psichiche dei suggestionati”
E insistindo, diz este conhecido mestre italiano: “...I soggetti che deliquono in istato di
suggestione presentano quasi sempre una certa predisposizione delittuosa, che, como
abbiamo ricordato, trova in tale stato emozionale suggestivo lóccasione favoravole per
ingrandirsi, sviluparsi ed esteriorizzarsi”.
Waldemar César da Silveira, no seu alentado e premiado “Tratado da Responsabilidade
Criminal” (II, pág.732), cita Benigno Di Tullio, com o qual concorda.
E também, Napoleão Teixeira, na sua “Psicologia Forense Médico-Legal” assim pensa,
quando escreve: “Só irá ao crime se, nele já houver tendência nesse sentido, que a hipnose
nada mais faz que ativar, propiciando a execução”.
Logo, concluo eu, a possibilidade aí está nos predispostos. E como se entregar qualquer
pessoa a sugestões destas, se não sabemos de suas tendências e predisposições? Bastam já,
para avivar essas tendências e predisposições, os estímulos cotidianos e constantes da vida
social tragicamente conturbada por crimes de toda sorte, que a publicidade sensacionalista
da mídia insana torna cada vez mais conhecidos e que é avidamente saboreada por aqueles
que têm prazer de assistir programas ou jornais que relatam as mazelas sociais.
E bastam, também, para impelir ao crime os predispostos, os fatores pessoais ou
biológicos, que tumultuam em todos nós, mal contidos apenas pela polícia, pela justiça,
pelos códigos.
Por que mais como um fator de impulso criminógeno pode vir a hipnose ser livremente
praticada? Pode vir a ser, admito a restrição. Seria o mesmo que impelir para a destruição,
quem, à beira do abismo, o contempla, já atraído por ele.
E a respeito do crime realizado por agentes hipnotizados, outro problema surge. De quem a
responsabilidade penal? Deles ou de seus dominadores psíquicos? Dividem-se as opiniões.
A solução me parece clara e cristalina: de mandantes e mandatários. Se o estado hipnótico
foi atingido sem contar com a aceitação do paciente, apanhado pelo signo-sinal já
anteriormente condicionado, ou contra a vontade, ou durante o sono, ou após narcose
parcial, e assim fosse feita a sugestão ao crime, por certo o problema cairia no âmbito da
irresponsabilidade absoluta do artigo 22, quanto ao paciente.
Diz o Código Penal: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ao tempo da ação ou omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento”. Que se trata, na vigência de ação sugestiva, de
verdadeira doença mental, no sentido amplo da expressão, não há dúvida.
Mas co-partícipe, os indivíduos hipnotizados, sabendo dos inconvenientes deste estado, e
realizando atos delituosos na vigência desse seu transtorno mental, parece-me, que se
impõe sua responsabilidade,.
Embora não se possa falar em matéria penal, em analogia ou paridade, pois o artigo 1.º do
Código Penal assegura não haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal, por que não estudar o tema à luz dos preceitos que regem a
embriaguez alcoólica ou de outras substâncias de efeitos análogos?
Não teríamos aí clara a teoria do “actio libera in causa”, semelhante à aplicada na lei
brasileira à responsabilidade do indivíduo que se embriaga voluntária ou culposamente? É
pacífica hoje a solução, à luz do preceito. Embora não seja preordenada para delinqüir a
embriaguez, responde o paciente dela por todas as conseqüências durante a vigência da
incapacidade de entender e de vontade, se vier a delinqüir. É que sua liberdade de
consciência ao beber era livre. Assim, tudo o que se seguir na vigência da embriaguez entra
em sua conta penal. O semelhante para a hipnose seria superponível. Este é um assunto
interessante para debates ou teses. Tente-se dirigir um veículo embriagado, na vigência da
Lei Seca...
Como quer que seja, é o hipnotismo, em todos os seus setores, uma interrogação ainda. Por
acaso, devemos fechar os olhos e nos atirarmos no emaranharado dessa verdadeira “selva
selvagem”? Seria imprudência. Merece, pois estudando com afinco no aspecto médico,
psicológico, odontológico e legal, mas sempre sob o pálio augusto da ética, geral, religiosa,
da saúde, seja qual for, que sempre será uma só.
b) Mas, se em relação aos agentes de crimes reais existem restrições na
admissibilidade de ensejá-los ou determiná-los, no hipnotismo, não pode haver mais a
mínima dúvida sobre a passividade para sofrerem atos delituosos os seus pacientes, ao
menos no âmbito da sexualidade.
Diz-se que a mulher realmente honesta nunca se deixará violar em transe hipnótico. Não
será assim, entretanto, havendo predisposição anterior a entregar-se, ou malfadada sugestão
que a envolva, com sentido dúbio ou que a ludibrie.
Mas, pergunto eu agora: sendo a alma humana uma esfinge insondável, tantas vezes, com
seus problemas insolúveis, será possível distinguir previamente se há ou não propensões e
tendências a práticas reprováveis, sem suas tentativas reveladoras? Não enganam as
aparências? É ingênua, por certo, a afirmação dos que se satisfazem com essa restrição,
porque pode acontecer que a sugestão apanhe exatamente alguém que tenha suas antenas
bem sintonizadas para o erotismo, embora encobertas por uma cortina de fumaça de
conveniências e de censura. E na prática hipnótica em que se obtém a regressão de idade,
não sei até onde pode ir a resistência das pessoas honestas.
. São grandes as possibilidades da hipnose. Maiores do que muitos pensam.
Aliás, há crimes de estupro registrados na literatura, em que foi o hipnotismo o meio.
Citam-se os casos estudados por Pitres, Ladame, Auban, Roux, Brouardel e, entre nós,
Afrânio Peixoto. Após hipnose ou sugestão semelhante.
O hipnotismo se apresenta como fator de violência presumida, mesmo que seja maior de
idade a vítima.
É o preceito geral do artigo 224, letra c do Código Penal que vem à baila: “Presume-se a
violência se a vítima...não pode por qualquer outra causa, oferecer resistência”.
b) Um último aspecto legal, desejo apresentar: É o que se faz com as testemunhas
hipnotizadas, as declarações testamentárias sob hipnose e atos semelhantes.
Almeida Júnior cita um caso periciado por ele, de um caso em que se cogitava de um
casamento sob coação hipnótica. Sua argumentação, convincente, se opôs à pretendida
alegação evitando-se a anulação do casamento.
Por certo, simulações ocorrem, e à perícia compete elucidar tais casos. E como fazer para
admitir a hipnotização? Bastará apenas verificar a sensibilidade à sugestão?
Alcântara Machado diz que “hipnotizando”. Seria razoável? Eu teria escrúpulos em minha
timidez profissional. Como os tenho para examinar sob narcose pacientes que se oponham a
isso, como os tenho para defender o uso de outras práticas físicas, químicas ou psíquicas
que visem perverter, modificar ou dominar a personalidade.
Acho que a Justiça não tem o direito de violentar a consciência de ninguém para esclarecer
ou não o que lhe diga respeito.
O condicionamento mental pelo hipnotismo, pelo álcool (in vino veritas), por outras
substâncias químicas, pela psicanálise, pela tortura, etc., é forma de violência, portanto,
prática ilícita, imoral e ilegal.
6) Poderia apresentar-vos mais expressivamente os aspectos tipicamente morais das
práticas hipnóticas, por médicos, cirurgiões dentistas, psicólogos, leigos, etc., com
finalidades especulativas, diletantes e outras, fora o âmbito da diagnose e da
terapêutica ou mesmo nele. O que vos disse no terreno legal poderia ser o meu roteiro
ético. Não insistirei. Apenas direi que entendo serem ilícitas as exibições hipnóticas no
palco e nos salões sociais. Seria necessário que se regrasse o assunto por leis expressas,
a exemplo do que se fez no estrangeiro, como na Inglaterra.
E ainda, se meditasse nas palavras proferidas pelo Papa Pio XII, no discurso já citado..
Escutai-as. Depois de admitir o hipnotismo praticado por profissionais adequados, com as
precauções que a ciência e a moral preceituam, diz o Papa:
“Mas não queremos que se estenda pura e simplesmente à hipnose em geral, o que
dizemos da hipnose ao serviço do médico. Com efeito, esta, como objeto de
investigação científica, não pode ser estudada por quem quer, mas só por um sábio,
sério e dentro dos limites morais, que valem para toda a atividade científica. Não é
este o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiásticos que a pratiquem como coisa
interessante, a título de pura experiência ou mesmo por simples passatempo”.
É um absurdo entregar-se a personalidade humana, no que tem de mais sagrado, o seu
psiquismo, imagem e semelhança do próprio Criador, à exploração divertida, sem
escrúpulos, sem entranhas, do teatro. Não posso compreender isso. Revolta-me a conduta
dos que o fazem e a passividade complacente, conivente, co-autora, co-ré dos que a
toleram, podendo e devendo evitá-la.
Como se observa, este é um aspecto bastante atual da hipnose. Encontramo-nos hoje frente
aos praticantes da hipnose leiga em situação semelhante à dos Cirurgiões Dentistas que,
formados em Faculdade, viam-se até a década de 60, enfrentando os Prático-Licenciados
que, felizmente, foram erradicados.
E aqui se percebe a grande dificuldade da Hipnose em diagnosticar e tratar os que
necessitam de suas técnicas de aplicação.
O diagnóstico é difícil e depende de uma série de fatores imponderáveis que só os
competentemente preparados possuem. Não pode ser realizada para satisfazer os pedidos do
paciente e nem para satisfazer o ego do hipnotizador.
Por outro lado, além de depender das características próprias do profissional e do paciente,
apesar de possuirmos corpos semelhantes que podem levar através dos sinais e sintomas,
dos exames e das análises sofistificadas ao diagnóstico que possibilite o tratamento
adequado, as formas de agir e de pensar e as mentes são extremamente desiguais e variam
de indivíduo para indivíduo.
O homem é um ser uno, integrado e perfeito. Por isso mesmo não há dois iguais na face da
Terra. Não é só a impressão digital que nos individualiza...
Afastados os comprometimentos físicos, exames nada detectam, mas o paciente pode ainda,
apresentar transtornos comportamentais que necessitam de correção. E a terapia, a
medicação e a orientação necessitam ser precisas para não agravá-los.
O profissional, precisa ser perito no trato com o paciente e utilizar técnica adequada.
Necessita de segurança na detecção, análise criteriosa dos sintomas, colhidos através de um
bom “rapport”, descer até o âmago do sofrimento e trazer o doente de volta à normalidade.
Para isso, é preciso conhecimento para sobrepor personalidade contra personalidade,
justeza para ajudar sem julgar, aconselhar e conduzir para que a recuperação se complete,
com o mínimo de percalços.
Esta é, em linhas gerais, o que chamamos de árdua luta da ciência da hipnose que engloba
o conceito maior da grandiosa arte da psicoterapia. Nenhuma outra ciência é prova tão
cabal de que na face da terra, não existem doenças, mas doentes. E todos precisam do nosso
apoio, do nosso carinho, de nossa atenção e sobretudo, do nosso respeito.
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