OTICON: A GESTÃO DE MUDANÇAS EM UMA "ORGANIZAÇÃO ESPAGUETE” Este caso trata do processo de desenvolvimento de carreira na Oticon, a "organização espaguete", como ficou conhecida após a introdução de mudanças radicais em relação à gestão, estrutura organizacional e questões de RH, em particular, gestão da mudança organizacional. A Oticon é uma empresa líder do mercado de equipamentos voltados a pessoas com problemas auditivos, com aproximadamente 3.500 funcionários, dos quais 1.300 alocados na Dinamarca, onde fica sua sede e instalações de produção, entretanto, existem escritórios de vendas na maior parte do mundo. A Oticon desenvolve, fabrica e vende soluções inovadoras e de alta tecnologia que incorporam microeletrônica, micro-mecânica, tecnologia sem fios, software e audiologia. O Grupo opera em um mercado global. Seu core business é “ajudar a ouvir”. Embora a empresa tenha alcançado uma posição de liderança como fornecedora de equipamentos auditivos, ao longo dos anos oitenta enfrentou dificuldades financeiras e organizacionais: a equipe da alta gerência estava crescentemente reativa e tendendo a manter o status-quo na administração da empresa; a alta administração pôs grande ênfase em sinalizar consensos aos stakeholders externos (inclusive o conselho de administração) e assim suprimindo discordâncias e diferenças de opinião; a empresa estava estruturada em torno de três áreas funcionais principais que estavam limitadas apenas à interação e comunicação cruzada; as atividades de P&D estavam em declínio e; a companhia sofria grandes dificuldades que se estabeleceram no crescente mercado para equipamentos auditivos "internos à orelha", pois ela tinha focado pesadamente no mercado mais tradicional de equipamentos externos "atrás da orelha". Estes problemas conduziram a empresa a um ponto onde ficou evidente que alguma atitude radical deveria ser tomada, o que resultou no recrutamento em 1988 de um novo presidente, Lars Kolind, a quem foi dada total responsabilidade para implementar mudanças. As mudanças propostas incluíram: a) aumentar a competitividade utilizando de um modo mais eficiente os recursos humanos e tecnológicos, reduzindo conseqüentemente os custos fixos que naquele momento excediam os custos variáveis; b) substituir uma tradicional estrutura hierárquica baseada em cargos, por uma organização baseada em projetos, onde cada projeto seria considerado uma “unidade de negócio” com seus próprios recursos, programação de tempo e critérios de sucesso; c) Abandono da gestão tradicional baseada em cargos e transferência da autoridade gerencial para a equipe de projetos ou o indivíduo; e) Redução drástica da comunicação de papel escrita estabelecendo o uso de e-mails e introduzindo compreensivos sistemas de informação, redes, etc.; f) Facilitação da mobilidade física pela criação de um escritório de espaço aberto onde cada pessoa teria um “carrinho” (isto é, um armário de arquivamento que contenha rodas, computador, o telefone e um espaço limitado para arquivos) que podem ser movidos ao redor do escritório. O objetivo global, explicitamente declarado no memorando do novo presidente (“pense o inconcebível”) era aumentar a produtividade em 30% em três anos. As equipes de projetos tornaram-se a estrutura organizacional básica da nova organização. Estas equipes tinham duas, três a vinte ou até mesmo mais de cinqüenta participantes, e o líder do projeto poderia escolher as metas e objetivos do projeto, quem deveria ser um membro da equipe, contanto que estes estivessem de acordo com as especificações do projeto (em termos de tempo, recursos e qualidade). Em princípio, todos poderiam se tornar um líder de equipe, desde que tivessem o conhecimento técnico e as habilidades de liderança necessárias. Por conseguinte, os títulos e as descrições de cargos foram sendo abandonados. O fato de todo empregado, em princípio, poder tornar-se líder de projeto, significava que um líder de projeto poderia ser um membro ordinário em outras equipes de projeto. As responsabilidades do RH eram empreendidas em partes pelos líderes de projeto, em parte por vários Coaches. Cada empregado designou um Coach para si. O Coach só poderia recusar o pedido se ele já fosse coach de um grande número de empregados. Além disso, todos os líderes de equipe de projeto, a quem um determinado empregado trabalhou em qualquer momento, tinham - coletivamente - a responsabilidade em relação a assuntos de Gestão de Recursos Humanos, questões como reajuste de salário, avaliação de desempenho. Ao todo, a organização apoiou somente três papéis "gerenciais": Gerentes de Projetos (com a responsabilidade global sobre projetos); Especialistas seniores (forneciam expertise profissional às áreas funcionais); e, Coaches (mentoring e outras funções relacionadas à gestão de RH). As três funções suportam conjuntamente, mas de três formas diferentes, os processos gerenciais chave da empresa. Isto na prática significava, como empregado, se você tivesse um problema com o projeto você iria a um líder de projeto, se você tivesse um problema técnico, iria a um especialista sênior e se você quisesse discutir planos de carreira, procuraria seu coach. Os três parâmetros subjacentes (estrutura de projeto, perícia funcional e recursos humanos) foram vistos como aspectos essenciais do trabalho, requerendo gerenciamento, como também a extremidade competitiva mais vital da companhia. Na “revolução silenciosa" quase todo o pessoal da "velha" organização foi mantido na nova organização. Assim, como pode ser notado, a “revolução” foi feita com e por intermédio das pessoas e não, como geralmente é defendida em transformações radicais de re-engenharia, substituindo os empregados "velhos" com “sangue novo”. A taxa de rotatividade na empresa permaneceu baixa, por causa da rapidez e alto crescimento da empresa, o número de funcionários subiu consideravelmente durante os anos. O sucesso global pode ser atribuído a uma série de fatores, tais como: a quase completa autonomia e liberdade de ação dada ao novo presidente; as pessoas na organização sentiam uma forte necessidade por mudanças; as mudanças foram implementadas de um modo radical e imediato; a organização existente foi consolidada (por racionalização e redução de custos) antes que as mudanças radicais estivessem sido iniciadas; a estrutura, organização e tecnologia foram mudadas ao mesmo tempo; a nova cultura teve a chance de ser estabelecida antes que as mudanças adicionais fossem iniciadas. Como demonstrado, a Oticon está “violando” todos os pré-requisitos da tradicional administração de carreira. Progressão hierárquica vertical não existe, nem existem títulos nos cargos, cursos internos de gestão ou planos de sucessão. As possibilidades para desenvolvimento de carreira na Oticon são focadas na própria situação de trabalho. As oportunidades para desenvolvimento, os desafios, as possibilidades para influenciar, e assumir responsabilidade são numerosos; e em geral, há muita satisfação nisto, embora nem todos sintam ter as oportunidades para desenvolvimento que gostariam de ter (Larsen, 1997). Mas na Oticon, desenvolvimento de carreira não é somente uma questão de desafios, de assimilação de responsabilidades, também é uma questão de se estar envolvido em gestão de projetos, de se ter visibilidade frente a seus colegas e desfrutar de um certo nível de prestígio ("prestígio" no sentido de ser envolvido em projetos importantes). Em geral, desenvolvimento de carreira para a maioria das pessoas parece ter seu sucesso aumentado através de fatores, como nível de responsabilidade, controle sobre orçamentos, acesso à alta gerência e reputação pessoal. Alguns empregados reagem positivamente a isto, enquanto outros não. Como disse um empregado: “Minha suposição é que para aproximadamente a metade dos empregados, o conceito de carreira tem pouco significado”. Quer dizer, eles não estão preocupados quanto ao avanço de suas carreiras. A outra metade preocupa-se, provavelmente pensam que há pouquíssimas oportunidades de carreira na empresa. Eles têm dificuldades em entender ou aceitar que uma carreira na Oticon significa algo diferente de um avanço ao longo de uma hierarquia tradicional numa organização. Eles se sentem incomodados com a carreira informal. Critérios para sucesso gerencial não prevalecem como na forma tradicional; não há muitos símbolos de status e troféus para se exibir, a pessoa não pode usar títulos, tamanho de sua sala ou acesso restrito a determinadas informações como sinais de status, porque não existem títulos, nenhuma sala individual, e as informações são deliberadamente livres e de acesso a todos. A Oticon é um exemplo de uma organização de aprendizagem. As possibilidades para desenvolvimento pessoal e profissional são proclamadas a serem (e são), em grande parte - realmente ilimitadas, e aqueles que sabem explorar estas oportunidades estão aptos para desenvolver competências que são valorizadas pela organização. Entretanto, o que em princípio é uma arena para desenvolvimento profissional, pessoal e gerencial é visto por alguns como papéis e processos de tomada de decisão obscuros, necessitando sistematização e planejamento, e realmente por alguns, como clara anarquia. Outros acreditam que a incerteza e a falta de planejamento não são só conseqüências inevitáveis da forma escolhida de organização pela empresa, elas são parte e, talvez, catalisadores para o processo de aprendizagem! Outros mostram que possibilidades de aprendizagem limitadas criam rios de recursos inexplorados, desenvolvem insegurança e encorajam comportamento competitivo-agressivo. O que para alguns é "a boa carreira", por oferecer ao indivíduo, oportunidades flexíveis de desenvolvimento pessoal, para outros, é uma luta, uma limitação e uma barreira contra o desenvolvimento, para estes indivíduos, gestão de projetos não é uma ambição de carreira viável. O desenvolvimento de carreira na Oticon (da mesma maneira que em outras companhias) é caracterizado amplamente pelos processos sociais. Contatos pessoais e uma network bem desenvolvida podem até ter maior importância para a Oticon que para outras empresas. Contatos pessoais são críticos para adquirir boas informações de projeto ou se tornarem parte de uma desejada equipe de projetos. Assertividade é obrigatória: "Você tem que ter muita autoconfiança para fazer isto aqui", para alguns, isto pode ser visto como padrões muito-competitivos. Inicialmente, a convicção na força da ideologia orgânica e flexível de gestão de projetos era o coração da estratégia de reviravolta da Oticon. Era uma questão de ideologia que, em princípio, todo o mundo tem uma chance para se tornar o líder de projeto e servir como um parceiro de equipe em outros projetos. Mostrou-se, que alguns projetos eram vistos como mais importantes que outros. Também, alguns projetos tinham mais êxito que outros, em termos de visibilidade, como bem os membros da equipe trabalharam juntos e o resultado do esforço de equipe. Assim os empregados competiam entre si para fazerem parte daqueles projetos que eles mais desejavam. Também, havia - depois dos primeiros anos - um reconhecimento crescente de que a gestão de projeto não estava sendo controlada adequadamente. Isto conduziu a um desenvolvimento intensivo de um programa de gestão de projetos e uma atenção maior a aqueles nomeados como gerentes de projeto. Os papéis dos gerentes de projetos foram descritos, foi implementado um procedimento sistemático de seleção para gerentes de projetos, foram administrados cursos em gestão de projetos e conduzido um recrutamento externo de pessoas com experiência em gestão de projeto. A profissionalização da gestão de projetos (e gerentes) é uma boa ilustração de como evoluiu a reestruturação radical da Oticon. Visões de gestão tradicional tornaram-se praticamente um “Tabu” dentro da empresa. Entretanto, problemas de gestão tradicionais ainda prevalecem. Como disse um funcionário: "a Oticon precisa de gestão, mas na empresa é odioso falar de gestão." Outros falaram sobre "a hierarquia que não está lá”, mas na realidade está lá; e de: “gerentes funcionais" - bem, nós não os chamamos assim, claro que nós os chamamos de especialistas técnicos para desenvolvimento, economia e marketing, etc., mas na realidade eles são de fato os “gerentes funcionais". Foram mantidos os grupos de projeto, mas agora apoiados por uma organização profissional de gestão de projeto. O acesso "livre e igualitário" aos projetos ainda existe, mas uma discreta e informal “hierarquia de projeto" e variações de status pessoais enviam sinais (in)visíveis sobre onde obter recursos e boas tarefas. A visão e os valores humanos fundamentais relativos a empregados ainda estão intactos, mas têm sido revisados, para incluir as obrigações da administração bem como também dos empregados individuais. Modificações também foram feitas durante os anos para o desenho radical do processo de trabalho. Por exemplo, a idéia das estações de trabalho móveis ainda está em vigor, mas os carrinhos, na prática, mudam poucas vezes de lugar ao ano - não várias vezes por dia, como foi inicialmente projetado. A convicção quase religiosa de que a administração não deveria ser personificada e nem hierárquica, não foi diminuída; porém, empregados misturam sentimentos. Por um lado, alguns acham agradável não ter que competir por promoções. Por outro lado, alguns acham isto frustrante, por considerarem que existem poucos modos óbvios para avançar dentro da organização. A empresa defende que todo empregado independente de sua educação formal, tarefas do seu cargo e posição em uma organização- tem uma carreira e pode moldá-la. A empresa defende a idéia de que as oportunidades não devem ser “servidas em um prato”, mas sim, conquistadas e ganhas. Sucesso de carreira é exclusivamente um assunto da pessoa é habilidade que a pessoa tem de criar seu próprio caminho de carreira, não só seguindo um caminho que foi estabelecido pela organização. Não são marcadas “estradas claras pela paisagem”, você mesmo é quem tem que encontrar seu próprio caminho. São mantidos sistemas, procedimentos e relações a um mínimo - assim você tem que procurar informação, refletir e agir por você mesmo. São as bases de poder conquistadas, não ganhas, e estão baseadas em conhecimento, iniciativa e na capacidade de empregar a si mesmo. Por outro lado, a companhia não supre e não satisfaz as expectativas das pessoas com ambições de carreiras hierárquicas. A "organização de espaguete" é para a pessoa dinâmica sem uma apetência pessoal por poder formal e vestígios de prestígio na carreira: não veste todo mundo. O inconcebível provou não só ser imaginável, mas também factível e empregável. A Oticon mostrou como ser financeiramente bem sucedida e ao mesmo tempo experimentar corajosamente estruturas organizacionais inovadoras, enquanto reformando no processo a noção de uma carreira e de desenvolvimento de carreira. Hoje , durante uma década depois que as mudanças foram inauguradas, a ideologia e a prática global da gestão permaneceram praticamente as mesmas em grande parte, mas várias mudanças específicas aconteceram. A organização de projeto foi “profissionalizada”, assim, agora menos pessoas são nomeadas como líderes de equipes de projetos, tornando-se uma opção de caminho de carreira, e um programa de treinamento em gestão de projetos foi lançado – tornando assim, mais seletivo e exclusivo para se tornar um gerente de projetos. A função de especialista funcional foi preservada, mas foi centrada mais em unidades de negócio mais tradicionais ou funções de apoio. A função de Coach foi preservada, mas agora a empresa tem um próprio diretor e função de RH. Não obstante, a responsabilidade formal de gestão de RH normalmente é atribuída ao líder de equipe de projeto - fortalecendo assim, mais adiante, esta função. Lars Kolind, quem iniciou as mudanças radicais em 1990-1991, aposentou-se em 1998 e foi substituído por Niels Jacobsen que estava na empresa desde 1988 e "co-administrou" a empresa juntamente com Lars Kolind até a sua aposentadoria. Questões: 1. Explique o processo de “Reorganização” e gestão da mudança na Oticon. 2. Explique como se deu o processo de organização do trabalho (organização de equipes). 3. Como você imagina que foi o papel da função RH no processo de reorganização e gestao da mudança? 4. O que efetivamente deu certo e o que deu errado na reorganização da Oticon, o que teria feito diferente?