Incontinência anal

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42º Curso de Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Coloproctologia, Transplante de Órgãos do Aparelho
Digestivo
Incontinência anal
Rodrigo Ambar Pinto, Isaac José Felippe Corrêa Neto
1. Introdução
A
perda da capacidade voluntária de exoneração do conteúdo intestinal em local
e momentos adequados, também denominada incontinência anal, é uma condição que ainda nos dias de hoje apresenta aspectos controvertidos que vão
desde sua incidência, diagnóstico correto e, sobretudo, tratamento.
Dessa forma, a incontinência anal é definida como a passagem involuntária e
recorrente de fezes ou gases através do canal anal1,2 e representa distúrbio de etiologia multifatorial com impacto significativo na qualidade de vida devido ao transtorno
físico e psicológico que acarreta.3,4 Corresponde à segunda causa de institucionalização na população idosa nos Estados Unidos da América5. A incidência estimada
encontra-se entre 2% e 7%, podendo alcançar valores de até 13,6% em indivíduos
com mais de 65 anos6 e 16,9% acima dos 85 anos5. No entanto, é preciso ressaltar
que estes dados são bastante subestimados já que cerca de 50 a 70% dos pacientes
portadores de incontinência anal nunca a reportou aos seus médicos,7,8 o que torna
de suma importância a investigação e questionamento desta afecção para a adoção
mais adequada das diferentes opções terapêuticas.
Sabe-se que a continência anal é dependente de inúmeros fatores como função mental, volume e consistência das fezes, trânsito colônico, distensibilidade retal,
função esfincteriana, sensibilidade e reflexos anorretais,9 sendo os fatores de risco
o sexo feminino, idade avançada, estado geral comprometido, limitações físicas5,
diabetes mellitus, cirurgias orificiais prévias, radioterapia pélvica e situações em que
ocorrem aumento da pressão intra-abdominal, como tosse crônica, obesidade mórbida, gestação, multiparidade, distúrbios do tecido conjuntivo, tabagismo, constipação
intestinal de longa data com esforço crônico para defecar e atividades físicas extenuantes (Tabela 1).10,11,12,13,14,15 Em situações onde não é possível distinguir a causa
exata da incontinência anal esta é classificada como idiopática.
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Tabela 1. Principais causas relacionadas à incontinência anal.
Causas de Incontinência anal
Lesões esfincterianas
•
Parto vaginal
•
Cirurgias orificiais
•
Trauma
•
Abscessos
Neuropatia do pudendo
•
Constipação crônica
•
Trabalho de parto prolongado
Complacência retal diminuída
•
Ressecções retais baixas
•
Proctite
Doenças neurológicas
•
Sistema Nervoso Central
•
Assoalho pélvico
Impactação fecal
Diarréia
Idiopática
Baseado somente em dois dos fatores de risco, ou seja, o hipoestrogenismo
decorrente do avançar da idade e a obesidade há de se supor que a incidência dessa
morbidade, com impacto na qualidade de vida e isolamento social, pode aumentar em
um futuro não tão longínquo. Com relação ao aumento da expectativa de vida, dados
do IBGE indicam que a expectativa de vida do brasileiro ao nascer no ano de 2050
será de 81,3 anos, a mesma dos japoneses e, nesse mesmo ano, a população de
idosos maiores de 65 anos alcançará 18%, igualando-se a de menores de 14 anos16.
Destaca-se, baseado nesses índices que, nos Estados Unidos da América (EUA), a
expectativa de vida de uma mulher de 65 anos é de mais 20 anos17.
Já com relação à obesidade, em 2002, estimativas da Organização Mundial
da Saúde (OMS) apontavam para a existência de mais de um bilhão de adultos com
excesso de peso, sendo 300 milhões considerados obesos. Atualmente estima-se que
mais de 115 milhões de pessoas sofram de problemas relacionados com a obesidade
nos países em desenvolvimento e que a incidência dessa morbidade no planeta seja
de 400 milhões de pessoas18.
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1.1. Avaliação clínica
A avaliação esfincteriana é de extrema importância na condução do paciente
portador de sintomas de incontinência anal com os objetivos de determinar alterações
anatômicas e funcionais da região anorretal19. A história clínica com a identificação
dos antecedentes do paciente é importantes para direcionar o cirurgião para as possíveis causas de incontinência anal existentes. A graduação da incontinência deve ser
feita, sendo que existem diferentes maneiras de realizá-la. Uma delas é quantificar os
escapes de gases, líquidos e fezes através de um diário evacuatório. Existem ainda
escores de incontinência anal aplicados para avaliar sua gravidade. O mais conhecido
em nosso meio é o descrito por Jorge & Wexner20 , denominado Índice de Incontinência Fecal de Cleveland Clinic Florida (IICCF - Tabela 2).
Tabela 2. Índice de Incontinência anal de Cleveland Clinic Forida (IICCF)
Nunca
Raramente
Às vezes
Usualmente
Sempre
Escape Flatos
0
1
2
3
4
Escape fezes líquidas
0
1
2
3
4
Escape fezes sólidas
0
1
2
3
4
Uso de proteção
0
1
2
3
4
Alteração qualidade de
vida
0
1
2
3
4
Nunca / Raramente: <1x/mês / Ás vezes: >1x/mês e <1x/semana / Geralmente: >1x/semana e <1x/dia /
Sempre: >1x/dia.
O exame proctológico direcionado ao paciente incontinente obedece os seguintes passos:
a) Inspeção: possibilita a observação da região perineal anterior e posterior, da fenda interglútea e a fenda anal, observar cicatrizes de procedimentos anteriores e
deformidades, descartar patologias perianais, observar a coaptação do ânus em
seu estado de repouso ou a evidência de ânus patuloso. Além disso, permite observar a presença de fezes na borda anal, cicatrizes, deformidades, escoriações e
a cor da pele. A inspeção dinâmica, por outro lado, propicia a evidência de prolapso retal e a contração esfincteriana
b) Palpação: verificação do reflexo músculo-cutâneo
c) Toque retal: avaliação do tônus de repouso e contração esfincteriana, além da
pesquisa de contração paradoxal do músculo puborretal.
1.2. Exames complementares
A investigação com exames complementares dos pacientes portadores de incontinência anal, tem o objetivo de auxiliar o cirurgião na indicação da terapêutica
mais indicada.
Os métodos diagnósticos de avaliação do paciente portador de incontinência
anal assim são divididos:
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• Métodos que estimam função:
- Manometria anorretal (avalia os esfíncteres e o reto), incluindo o teste de expulsão
do balão;
- Eletroneuromiografia (EMG – avalia os esfíncteres);
- Tempo de Latência do Nervo Pudendo (TLNP – avalia a condutividade do nervo
pudenda).
• Métodos que visualizam diretamente a função:
- Cinedefecografia (avalia o reto e músculos do assoalho pélvico);
- Defecorressonância;
• Métodos que visualizam diretamente a anatomia:
- Ultrassonografia endoanal;
- Ressonância Nuclear Magnética da pelve endoanal.
A manometria anorretal tem o intuito de determinar dos valores funcionais esfincterianos objetivos das pressões anais de repouso e de contração voluntária, além
da determinação do reflexo inibitório reto anal, sensibilidade e capacidade retal. De
maneira geral a manometria anorretal é o primeiro método de investigação a ser realizado, justamente por expressar objetivamente a impressão obtida no exame clínico
anorretal. Além disso, a assimetria esfincteriana quando alterada pode sugerir defeitos esfincterianos e alguns parâmetros pressóricos podem sugerir boa resposta à
fisioterapia do assoalho pélvico.
A ultrassonografia endoanal é um exame utilizado para o mapeamento anatômico do complexo esfincteriano (Figura 1), assim como a ressonância nuclear magnética. Ambos são importantes para a identificação de possíveis defeitos anatômicos
provocados por traumas obstétricos, cirúrgicos ou acidentes. Os exames complementares de imagem podem identificar defeitos esfincterianos que exijam correção cirúrgica, como demonstrado na Figura 2. A acurácia de ambos exames anatômicos é maior
que 90% para a identificação de defeitos esfincterianos
Figura 1. Imagem de ultrassonografia endoanal
normal com esfíncter anal interno hipoecogênico,
esfíncter anal externo hiperecogênico e transverso do períneo anterior no canal anal médio.
Figura 2. Imagem de ultrassonografia endoanal
demonstrando defeito anterior dos esfíncteres
anal interno e externo (defeito completo).
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Quando de sua disponibilidade, a avaliação do complexo nervoso responsável pela inervação do canal anal e músculos esfincterianos pode complementar a
investigação funcional. Para tanto, existem a eletroneuromiografia anal e o tempo de
latência do nervo pudendo (TLNP). O primeiro exame consiste no registro da atividade
mioelétrica do componente estriado do esfíncter anorretal em repouso, durante a tosse, atividade voluntária e reflexa e esforço evacuatório, sendo ainda capaz de sugerir
defeitos do esfíncter anal externo. Já o TLNP representa um método simples de avaliar
a integridade da inervação motora do assoalho pélvico, determinada pela função do
nervo pudendo. Valores até 2,2 milissegundos representam condução normal do nervo
pudendo. É indicado, principalmente na suspeita clínica de incontinência neurogênica
adquirindo particular importância no pré-operatório da esfincteroplastia ou reparo esfincteriano, sobretudo quando existe antecedente de partos vaginais.
2. Tratamento
O manejo da incontinência anal é tão complexo quanto sua etiologia. A restituição de perfeita continência é tarefa árdua e por vezes impossível a depender da complexidade do defeito e dos fatores envolvidos. O tratamento da incontinência anal é dividido
em medidas clínicas, tratamento minimamente invasivo e invasivo.
2.1. Tratamento clínico
Pacientes com incontinência leve são inicialmente tratados com medidas dietéticas e regularização do hábito intestinal com o intuito de produzir fezes mais firmes
para melhor controle esfincteriano. Associa-se ainda o incentivo aos exercícios anais
de Kegel domiciliares com realização de 2 a 3 séries diárias de 10 a 20 contrações
rápidas (3 a 5 segundos) da musculatura perianal, seguido de 5 contrações prolongadas com duração de cerca de 30 segundos e repouso por pelo menos o dobro do
tempo pra recuperação da musculatura. Entretanto, os benefícios dessa modalidade
terapêutica podem ser pouco significantes devido, provavelmente, ao fato dos exercícios serem realizados às cegas, não recebendo o paciente informações sobre o exato
grupo muscular que está sendo contraído e sua intensidade.
Por outro lado, a fim de contornar a deficiência dos exercícios de domiciliares
não controlados de contração esfincteriana, a técnica de Biofeedback tem por objetivo
a reeducação esfincteriana com consequente aumento da percepção à distensão retal
e da força de contração muscular anal e a coordenação de suas atividades, existindo
inúmeras séries descritas na literatura, com resultados conflitantes20,21,22.
Embora os estudos apresentem número limitado de pacientes e metodologia
diversa, o índice de sucesso com a utilização desse método, principalmente quando
associado ao treinamento da sensibilidade retal, oscila em torno de 60-70% (recuperação completa ou redução de pelo menos 90% dos episódios de incontinência).
Entre os fatores determinantes do sucesso, destacam-se a motivação, capacidade de
compreender e cooperar com o tratamento, e a preservação, ainda que parcial, da
sensibilidade retal e da contração esfincteriana20. Apesar das controvérsias existentes
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e da necessidade de estudos bem desenhados com um maior número de pacientes, a
reeducação esfincteriana tornou-se a principal opção não-cirúrgica para o tratamento
da incontinência anal leve a moderada, com IICCF até no máximo 12, sem a presença
de defeitos esfincterianos significativos com indicação cirúrgica evidente.
Em estudo realizado por Accetta e colaboradores23 avaliou-se a resposta terapêutica ao Biofeedback em 30 pacientes com média de idade de 66 anos em que
todos apresentavam alguma hipotonia à manometria anorretal. Verificou-se que 18
pacientes (60%) ficaram satisfeitos com o tratamento, dez (34%) sentiram-se parcialmente satisfeitos, nenhum paciente ficou completamente insatisfeito e dois (6%)
abandonaram o tratamento.
A adição de eletroestimulação pode adicionar benefícios aos resultados do
biofeedback. Revisão sistemática recente incluindo 13 estudos prospectivos randomizados confirmaram a melhor resposta do biofeedback associado à eletroestimulação
para a incontinência anal24.
2.2. Tratamento minimamente invasivo
2.2.1. Agentes de preenchimento
A injeção local de agentes de preenchimento tem sido proposta nos pacientes
com incontinência anal passiva associada a lesões isoladas do esfíncter anal interno,
com ocorrência de sujidade das vestes ou “soiling”, uma vez que a correção isolada
deste músculo é procedimento delicado e cirurgicamente não factível. O objetivo dessa terapia é melhorar a barreira pressórica promovida pelo preenchimento do local
contendo o defeito por um agente inócuo ao organismo.
O agente ideal para ser utilizado deve ter as seguintes características: ser biocompatível, não alergênico, não carcinogênico, não degradável, manter integridade
anatômica, ter fácil aplicação, ser seguro e ter peso molecular maior que 80 μm.
Os principais agentes disponíveis no mercado e com resultados aceitáveis são
silicone, carbono pirolítico (Durasphere®), copolímero de poliacrilato polialcool (Exantia®)
e, mais recentemente, o Gatekeeper®, um cilindro de polyacrylonitril. Esse último método
proposto por Ratto e cols25 consiste em uma prótese sólida e fina que preenche ao redor
de todo o canal anal. Após 24 horas do implante torna-se mais espessa, encurtada e
macia, fazendo volume ao redor do canal anal para aumentar a barreia pressórica. Os
resultados iniciais são animadores, havendo uma queda dos sintomas de incontinência
anal de 7,1 vezes por semana para 0,4 vezes após cinco meses do implante (p=0,002).
As técnicas de aplicação dos agentes de preenchimento são ,uiro semelhantes. Podem ser realizada em regime ambulatorial, sem necessidade de anestesia geral, apenas tópica com sedação caso o paciente não tolere. O paciente pode estar
posicionado em decúbito lateral esquerdo quando em consultório ou posição de litotomia, que facilita a identificação da região a ser preenchida.
A técnica envolve a injeção do material de preenchimento na submucosa ao
nível dos coxins hemorroidários, na região interesfincteriana ou na topografia do defeito esfincteriano. O nível da injeção é acima da linha pectínea, um pouco abaixo do
músculo puborretal. Quando guiada por ultrassom endoanal a região a ser aplicada é
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melhor identificada, tornando a técnica mais precisa. Injeta-se 2,5 a 3,0 ml do agente
em cada sítio de aplicação. Existem controvérsias quanto aos locais de aplicação.
Alguns autores que preferem o local do defeito e contra lateral, outros que injetam
nos locais correspondentes aos 3 mamilos hemorroidários clássicos e ainda outros
preferem a injeção realizada em quadro quadrantes.
Tjandra e cols26 avaliaram em 84 pacientes a eficácia do emprego de silicone
como agente de preenchimento. Estes autores obtiveram índice de sucesso, caracterizado pela redução em pelo menos 50% no IICCF20 em 40 a 69% e melhora nos
índices de qualidade de vida global de 93%. Entretanto, estudos a longo prazo demonstram que após três anos, mais de 20% dos pacientes apresentam deterioração
moderada da melhora clínica inicialmente alcançada.
Em nosso meio, trabalho realizado por Yusuf e colaboradores27 no HCFMUSP
com 22 pacientes portadores de incontinência anal e submetidos ao implante de Durasphere® verificou uma queda dos índices de incontinência anal de 14,8 para 7,6 em
dois anos de seguimento (p<0,05).
Desse mesmo grupo de pacientes, realizou-se a avaliação tardia após oito
anos do seguimento, em sete pacientes recrutados e verificou-se melhora nos índices
de incontinência anal em 57,1% dos pacientes. No entanto, a melhora significativa
sustentada no seguimento em longo prazo ocorreu em apenas 2 casos. Ainda, após a
realização de manometria anorretal nesses pacientes não se observou relação direta
entre dados de pressões de repouso ou contração com melhora clínica.
2.2.2. Radiofrequência
Técnica baseada nos efeitos que ocorrem nos tecidos com a lesão térmica por
radiofrequência, ou seja, contração do colágeno, remodelação das fibras musculares
e redução da complacência tecidual. Os resultados com a utilização dessa técnica
minimamente invasiva são bastante controversos na literatura. Ruiz e cols28 demonstraram queda do índice de incontinência anal20 de 15,6 para 12,9 após 12 meses da
aplicação da radiofrequência (p=0,035). Da mesma maneira, outros estudos demonstraram melhora apenas discreta da incontinência após a aplicação desses agentes,
indicando utilização limitada à pacientes com sintomas leves ou moderados.
2.3. Tratamento invasivo
2.3.1. Esfincteroplastia anal
Os reparos esfincterianos ou esfincteroplastias constituem os métodos mais
comumente indicados no tratamento da incontinência anal, e devem ser considerados
em pacientes com defeitos bem definidos do esfíncter externo do ânus, principalmente em sua porção anterior e sem dano neurológico significativo, geralmente causados
por lesão obstétrica, traumática ou iatrogênica.
A técnica mais indicada é a sobreposição dos cotos musculares29,30 em que
o tecido cicatricial no local do defeito esfincteriano é seccionado transversalmente e
os cotos musculares dos esfíncteres são superpostos e suturados (Figuras 2, 3 e 4).
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Figura 2. Visualização das extremidades (cabos) do esfíncter anal para
confecção da técnica de aposição dos cabos musculares
Figura 3: Aspecto após a sobreposição das extremidades (cabos) do esfíncter anal externo.
Figura 4: Aspecto final da esfincteroplastia com fechamento no sentido longitudinal para aumentar a distância
entre vulva e canal anal.
O índice de sucesso da esfincteroplastia anterior por sobreposição dos cotos
musculares oscila na literatura entre 50 e 80%31,32, sendo o sucesso inicial alcançado
em 76-81%, com queda desses índices, após 3-5 anos de pós-operatório, para 2662%33,34.
Nesse quesito, Mevik e colaboradores35 relatam sucesso em 68% dos pacientes e uma melhora da continência em 86% em uma média de seguimento pós-operatório de 26 meses. Entretanto, após período de seguimento médio de 86 meses,
os índices de sucesso declinam para 53%. No entanto, a restauração completa da
continência dificilmente é obtida, persistindo em grande parte dos pacientes, grau
variável de incontinência para gases, urgência evacuatória e/ou sujidade das vestes.
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2.3.2. Graciloplastia
A cerclagem do canal anal com a transposição do músculo grácil é indicada
para pacientes com dano esfincteriano severo que impossibilita a esfincteroplastia,
trauma grave com lesão esfincteriana em mais de um quadrante da circunferência,
alteração neural severa e doenças congênitas como atresia anal e espinha bífida.
Os índices de sucesso global oscilam entre 35 e 82%36 e nesse aspecto, Wexner e cols37, em estudo multicêntrico com o intuito de observar a eficácia da graciloplastia estimulada dinâmica em longo prazo, avaliaram 115 pacientes dos quais 27
possuíam ostomia previamente ao tratamento. Considerou-se sucesso terapêutico
uma redução maior que 50% na frequência de episódios de incontinência. Neste estudo, 62% dos pacientes sem ostomia melhoraram com o tratamento em 12 meses,
resultado que se manteve por 16 e 24 meses em respectivamente 55% e 56%. Entre
os pacientes portadores de ostomia houve sucesso no tratamento de 37% em 12 meses que aumentou para 62% e 43% em 18 e 24 meses respectivamente, refletindo o
número de pacientes nos quais foram realizadas reconstruções do trânsito intestinal.
2.3.3. Neuromodulação sacral
A neuroestimulação ou neuromodulação sacral, descrita inicialmente por Matzel e cols38 em 1995, representa técnica relativamente recente para abordagem terapêutica de pacientes com incontinência fecal grave, sem indicação de reparo esfincteriano, sendo que o princípio básico da eletro-estimulação sacral consiste em uma
resposta reflexa resultante da excitação de fibras nervosas aferentes, sabendo que
a amplitude necessária para essa resposta depende da proximidade do eletrodo ao
nervo da raiz sacral39,40.
Figura 3. Posição do paciente, radiografia demonstrando eletrodo em raiz sacral e marcapasso em glúteo a
esquerda
Os índices de sucesso com esse método oscilam entre 70 a 90%, sendo relatada continência completa em 41 a 75% e melhora da incontinência entre 75 e 100%.
Ganio e cols41, em estudo envolvendo 19 pacientes com seguimento de 19,2 meses
relataram redução de 50% dos episódios de incontinência a fezes líquidas, sólidas
em 89,4% e continência completa em 73,6%. Malouf e colaboradores42 verificaram
melhora significativa no IICCF de uma média de 16 antes do implante do estimulador
sacral para 2 após (p<0,001). Este mesmo autor relata uma melhora da qualidade de
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vida em todos os pacientes analisados e seguidos após 16 meses do implante. Navarro e cols43, através de estudo com 24 pacientes, também observaram melhora nos
índices de incontinência em 67,5% e, além disso, demonstraram que, após um ano da
implantação do estimulador sacral, 75% dos pacientes eram capazes de postergarem
a defecação quando necessário.
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo foram implantados definitivamente neuroestimuladores em 6 pacientes do sexo
feminino, com índice de incontinência superior a 14, sendo que 75% tinham passado
de cirurgia orificial e parto transvaginal. Além disso, verificou-se aparelho esfincteriano anatomicamente normal em todos os casos através de ultrassom endoanal no
momento do implante. Duas pacientes ressaltando tinham realizado esfincteroplastia
e em uma implante de agente de preenchimento. Em todos os casos foi implantado o
estimulador definitivo após melhora em mais de 50% do índice inicial de incontinência
fecal. Após 18 de seguimento verificou-se uma melhora significativa dos índices de
incontinência de 18 para 5,5 (p=0,05). Apenas uma paciente não apresentou melhora
significativa no período.
Metanálise recente de 2013 reunindo 18 anos de neuroestimulação sacral para
o manejo da incontinência anal envolvendo 61 estudos. A taxa media de sucesso
global foi de 77%, enquanto o sucesso quando intenção de tratamento foi de 63% em
follow-up médio de 24 meses. Os autores concluem que a neuromodulação sacral foi
efetiva para a incontinência anal, com resultados mantidos mesmo em períodos mais
prolongados de avaliação44.
No Brasil os custos dessa tecnologia ainda limitam sua utilização em mais
ampla escala. Recentemente foi aprovada para utilização por alguns convênios. Na
rede pública nacional ainda existem muitas restrições para o uso devido aos custos do
aparelho, apesar do número de pacientes com incontinência anal moderada a grave
parecer aumentar.
2.3.4. Esfíncter anal artificial
O esfíncter anal artificial (EAA) é uma prótese de silicone sólida indicada para
o tratamento da incontinência anal grave de natureza traumática, neurogênica ou congênita, nas quais não existe a possibilidade de restauração do aparelho esfincteriano
devido extenso comprometimento anatômico34,43,45.
Em nosso meio, Jorge e cols46 relatou os resultados clínicos e funcionais em
10 pacientes submetidos à implantação da prótese. Os valores médios dos índices
de incontinência anal e de qualidade de vida foram de 18,3 + 1,9 e 56,0 + 17,8 no pré
-operatório, para 5,1 + 4,0 e 77,2 + 26,7 no pós-operatório, respectivamente (p<0,05).
Com relação ás complicações, Wexner e colaboradores47 analisaram 50 pacientes submetidos à implantação do EAA, com período de seguimento de 9 anos e
encontraram índice de complicações infecciosas em 23 pacientes (41,2%) sendo que
em 18 casos (78,2%) essas foram precoces. Estes autores observaram que com o
maior período se seguimento ocorre redução do índice de complicações infecciosas,
porém aumenta o índice complicações mecânicas da prótese, que podem demandar
troca parcial ou total do sistema. Além disso, o tempo entre a implantação da prótese e
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a primeira evacuação e história prévia de sepse perineal são fatores de risco independentes para infecção precoce da prótese. As complicações relacionadas ao EAA são
a limitação principal dessa tecnologia, que acabou sendo descontinuada do mercado.
Hoje em dia existem poucos pacientes portadores de EAA.
3. Conclusões
A incontinência anal é patologia com incidência não desprezível e pouco relatada de forma espontânea pelos pacientes ocasionando alterações na qualidade de vida
e eventual isolamento social. Dessa forma, o conhecimento dos principais fatores de
risco envolvidos, exames complementares necessários para uma propedêutica adequada e o encaminhamento para centro especializado são itens cruciais na adequada
condução dos casos. As medidas clínicas e minimamente invasivas apresentam bom
controle sintomático. Cirurgia é reservada para casos mais graves ou quando não há
bom controle com tratamento clínico
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