Faculdade de Medicina de Lisboa – Metabolismo e Endocrinologia 07/08 Catabolismo Proteico (a) Renovação proteica – etapas e intervenientes, transportador e locais de degradação celular; Todas as proteínas eventualmente têm de ser degradadas, quer porque a sua “vida” chegou ao fim, quer devido a problemas estruturais. A degradação proteica é, assim, um passo essencial para prevenir o desenvolvimento de proteínas com anomalias estruturais, incapazes de executar a sua função correctamente. Dependendo da sua sinalização, as proteínas seguem um de dois caminhos aquando da sua degradação. As proteínas extracelulares, membranares e com maior peso molecular, ou seja, maior período de semi-vida, possuem muitas vezes grupos açucarados (glicoproteínas) que permitem a marcação das mesmas. Aquando do seu envelhecimento, ocorre uma marcação destas com ácido siálico, tornando-se acilo glicoproteínas, que funciona como sinal para serem endocitadas. São então degradadas nos lisossomas onde depois se reciclam os seus aminoácidos, num processo que não recorre a ATP. As enzimas que tratam da degradação lisossomal são as enzimas proteolíticas – Catepsinas –, activadas pelo pH ácido do lisossoma, e dividem-se em endopeptidases, se reconhecem sequências de aminoácidos no interior da cadeia proteica, e exopeptidases, se actuam nos terminais da cadeia peptídica. Estas últimas podem ainda reconhecer e actuar exclusivamente no terminal carboxil ou amina de uma cadeia. Este mecanismo é também utilizado quando as proteínas têm malformações que lhes conferem grande instabilidade nas estruturas terciárias (quando analisadas independentemente umas das outras). Já as proteínas defeituosas ou com peso molecular médio ou baixo, isto é tempo de semi-vida curto, são degradadas no citosol através de mecanismos dependentes de ATP, nomeadamente o sistema Ubiquitina-Proteossoma. Este tipo de degradação, em células eucariotas, envolve a proteína Ubiquitina e três enzimas (E1, E2 e E3), para além do centro onde se dá a degradação, o proteossoma. O processo de ubiquitinação dá-se no citosol e tem que ser repetido no mínimo quatro vezes para que o proteossoma reconheça a proteína a ser degradada. Esta marcação da proteína divide-se em três etapas: 1º - A enzima E1, recorrendo à energia libertada pela hidrólise de ATP a AMP, une-se à ubiquitina através da sua extremidade carboxilo; 2º - A enzima E2 toma o lugar da enzima E1; 3º - A enzima E3 permite que a enzima E2 unida à ubiquitina seja substituída pela proteína a degradar, Fig.1 - Proteossoma estabelecendo-se uma ligação entre a extremidade carboxilo da ubiquitina e um grupo amina de um resíduo de lisina da proteína alvo. Após este processo, a proteína ubiquitinada segue, finalmente, para o Proteossoma 26S. Estes proteossomas localizam-se no citosol e são constituídos por três subcomplexos: no centro o subcomplexo 20S e nas extremidades superior e inferior o subcomplexo 19S (regulador). É num destes subcomplexos 19S que a proteína ubiquitinada se liga e começa, então, a desenrolar-se por acção das cerca de 18 subunidades, seis das quais ATPases, que constituem cada complexo regulador do Trabalho realizado por: João Carreiras (58404), Frederico Ribeiro (58449) e João Veiga (58757) 21 de Abril de 2008 Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Faculdade de Medicina de Lisboa – Metabolismo e Endocrinologia 07/08 proteossoma. Por fim, a proteína já desenrolada é processada no subcomplexo 20S por acção de proteases presentes em cada três das sete subunidades β que constituem a unidade central do proteossoma. No fim da sua degradação, o que era uma proteína passou a ser apenas um conjunto de aminoácidos e péptidos mais simples que podem ser reciclados, fechando um ciclo de renovação proteica, ou catabolisados. (b) Catabolismo dos aminoácidos, destino dos grupos aminados, etapas, componentes e mecanismos de transferência e transporte dos grupos aminados; Quando uma célula degrada os seus aminoácidos usa apenas os esqueletos de carbono para gerar energia, ou seja, tem de remover o grupo amina dos mesmos quer por transaminção quer por desaminação. No entanto, para quase todos os aminoácidos, as transaminações são as reacções por excelência no catabolismo destes grupos aminados. Debrucemo-nos um pouco mais sobre estas reacções. Elas consistem na troca de um grupo aminado entre duas espécies químicas e são dirigidas pelas enzimas aminotransferases que conseguem passar o grupo aminado de um aminoácido para o αcetoglutarato, resultando então glutamato e o cetoácido correspondente. Como os substratos são os vários aminoácidos, haverá uma enzima diferente para cada aminoácido (alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase). No entanto, o mais importante nestas reacções enzimáticas prende-se com a energia livre da reacção: ΔG≈0kJ/mol, que não só garante a livre reversibilidade da reacção como também permite a troca dos grupos funcionais, cetona e amina, quase sem dispêndio de energia. Para que tudo isto seja possível, a peça chave de todas as aminotranferases é a coenzima PLP (piridoxal fosfato), proveniente da vitamina B6. Esta está ligada covalentemente ao centro activo da enzima e consegue passar reversivelmente de aldeído (piridoxal fosfato, capaz de receber um grupo aminado) a amina (piridoxamina fosfato, capaz de doar um grupo aminado). Trata-se portanto de um transportador intermédio como demonstra o esquema. É de notar que graças ao anel da PLP, a estabilização por ressonância das moléculas intermédias fica garantida, podendo os electrões circular sem que se formem espécies intermédias demasiado reactivas. Fig.2 – Transferência do grupo aminado pela PLP Durante a actividade celular, formam-se grupos aminados (-NH2/-NH3+) e amónio (NH4+) nos tecidos, por degradação dos aminoácidos. Estes grupos são transaminados para o glutamato, que os armazena na célula. Uma vez que são tóxicos, os grupos aminados e o ião amónio vão ser transportados para o fígado para serem processados. Em vez de glutamato, a forma preferencial para transportar estes compostos em meio extracelular é a glutamina. O amónio é então combinado com glutamato para formar glutamina sob a acção da glutamina sintetase. Esta reacção Trabalho realizado por: João Carreiras (58404), Frederico Ribeiro (58449) e João Veiga (58757) 21 de Abril de 2008 Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Faculdade de Medicina de Lisboa – Metabolismo e Endocrinologia 07/08 consome ATP e ocorre em dois passos: primeiro, o glutamato e o ATP reagem para formar ADP e γ-glutamil fosfato. Esta molécula intermediária da reacção vai então reagir com o amónio dando finalmente a glutamina e fosfato inorgânico. O destino final da glutamina será a mitocôndria dos hepatócitos, onde liberta os grupos aminados e o amónio para serem processados. No entanto, existem excepções a este mecanismo geral. Aquando do metabolismo do músculo esquelético, os aminoácidos sofrem uma transaminação entre o glutamato e o piruvato para formar alanina e α-cetoglutarato, por acção da alanina aminotransferase. A alanina encaminha-se, posteriormente, para o fígado por via sanguínea. Tal como todos os aminoácidos que chegam ao fígado, a alanina é submetida a uma nova transminação só que agora em sentido inverso de modo a doar o grupo amina ao α-cetoglutarato devolvendo glutamato e piruvato. Numa posterior gliconeogénese, o piruvato pode voltar ao tecido original sob forma de glicose completando assim o ciclo da glicosealanina. Formação do amoníaco (NH3) e ião amónio (NH4+) e ciclo da ureia - etapas e regulação. O ciclo da ureia compreende todas as reacções e respectivas enzimas que intervêm na formação da ureia(NH2CONH2), uma molécula que possibilita excretar o ião amónio através da urina. O amoníaco e o seu respectivo ião são compostos tóxicos, que têm de ser eliminados. Entre as diferentes fontes de amónio e amoníaco destacam-se os grupos amina resultantes do catabolismo dos diferentes aminoácidos, mas também a formação de amónio puro, por parte do cérebro, resultante da degradação das bases azotadas dos nucleótidos. O amónio/grupos aminados são, como foi anteriormente referido, transportados até ao fígado para serem processados. A glutamina entra para a matriz mitocondrial dos hepatócitos, sendo desaminada pela glutaminase para formar glutamato libertando assim um NH4+. Ficamos apenas com glutamato na matriz que, sob a acção da enzima glutamato desidrogenase, devolve α-cetoglutarato e mais um NH4+. Em conjugação com o CO2 presente na matriz mitocondrial, o NH4+ vai originar a molécula de carbamoíl-fosfato. Esta reacção requer a hidrólise de dois ATP a ADP e é catalisada pela carbamoíl-fosfato sintetase I. A partir do carbamoíl-fosfato entramos então no ciclo da ureia, via composta por quatro passos enzimáticos. O primeiro é a reacção de transferência do grupo carbamoíl do carbamoíl-fosfato para a ornitina, pela acção da transcarbamoílase, o que origina citrulina. De notar que este passo ainda ocorre no interior da mitocôndria, mas logo de seguida a citrulina é transportada para o citosol do hepatócito, onde ocorrerão os seguintes passos do ciclo. O segundo passo é a reacção de condensação do aspartato com a citrulina com a formação de argininosuccinato e a enzima que o catalisa é a argininosuccinato sintetase. Esta reacção passa por um estado intermediário onde se forma citrulil-AMP, que resulta da clivagem de um ATP a AMP que reage com a citrulina. É importante referir que, além do NH4+ já utilizado que originou o carbamoílfosfato no início da via, o aspartato aqui utilizado como reagente proveio da reacção de transaminação entre o oxaloacetato e o glutamato pelo que, em cada ciclo, são eliminados dois NH4+. O terceiro passo da via é a clivagem do argininosuccinato a fumarato e arginina, sendo que apenas a segunda permanece no ciclo. Esta reacção é catalisada pela argininosuccinase e é a única reacção reversível do ciclo. O último passo, catalisado pela enzima arginase, consiste na hidrólise da arginina para originar Trabalho realizado por: João Carreiras (58404), Frederico Ribeiro (58449) e João Veiga (58757) 21 de Abril de 2008 Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica Faculdade de Medicina de Lisboa – Metabolismo e Endocrinologia 07/08 uma molécula de ureia e de ornitina. A ureia é então encaminha para os rins através da corrente sanguínea enquanto que a ornitina reentra na mitocôndria onde será utilizada para iniciar um novo ciclo. A regulação desta via é feita essencialmente a dois níveis, que podemos distinguir de um ponto de vista temporal. Existe uma regulação da via a longo prazo, através de uma alteração na produção das quatro enzimas do ciclo e da carbamoílfosfato sintetase I e existe uma regulação a curto prazo, através da regulação alostérica da carbamoíl-fosfato sintetase I. É fácil ver o porquê de ser este o passo regulador da via já que é a etapa responsável por dar o primeiro substrato do ciclo. A actividade da carbamoíl-fosfato sintetase I é regulada pelo N-acetilglutamato, um composto que resulta da acetil-CoA e do glutamato. No entanto, os níveis de N-acetilglutamato são controlados pela arginina, uma vez que esta molécula é activadora da N-acetilglutamato sintetase, a enzima responsável pela conversão da acetil-CoA e glutamato nesta molécula. Podemos afirmar então que a arginina é um activador do ciclo da ureia. Existe ainda uma regulação alostérica protagonizada pela ornitina que, ao ligar-se à carbamoílfosfato sintetase I, aumenta a sua actividade. Uma alteração nas concentrações dos substratos intervenientes neste passo é um factor que, naturalmente, influenciará também a actividade desta enzima. É ainda de assinalar que quanto mais vezes for percorrido o ciclo, mais arginina é produzida e portanto mais carbamoíl-fosfato sintetase I estará a funcionar, garantindo assim uma excreção cada vez mais rápida dos grupos aminados. Bibliografia Principles of Biochemistry 4th Edition - D.L. Nelson, Cox Lehninger - W.H. Freeman 2004 Colour Atlas of Biochemistry 2nd Edition - J.Koolman, K.H.Roehm – Thieme 2005 http://www.bmb.leeds.ac.uk/illingworth/metabol/amino.htm http://en.wikipedia.org/wiki/Proteasome http://en.wikipedia.org/wiki/Urea_cycle http://en.wikipedia.org/wiki/Carbamoyl_phosphate_synthetase_I http://www2.ufp.pt/~pedros/bq/ureia.htm http://www.hhmi.org/biointeractive/media/proteasome-lg.mov Trabalho realizado por: João Carreiras (58404), Frederico Ribeiro (58449) e João Veiga (58757) 21 de Abril de 2008 Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica