CORREIO ELETRÔNICO

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ROSICLER FATIMA GLOWACKI
CORREIO ELETRÔNICO:
sua utilização como prova no processo penal
Tijucas
2010
ROSICLER FATIMA GLOWACKI
CORREIO ELETRÔNICO:
sua utilização como prova no processo penal
Monografia apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito, pela
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.
Orientador: Prof. MSc. Alexandre Botelho
Tijucas
2010
ROSICLER FATIMA GLOWACKI
CORREIO ELETRÔNICO:
sua utilização como prova no processo penal
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.
Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Processual Penal
Tijucas, 8 de novembro de 2010.
Prof. MSc. Alexandre Botelho
Orientador
Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
Dedico este trabalho a todos aqueles que vêem na educação uma
forma de mudar o mundo. A todos os que buscam o conhecimento,
mas que não se eximem de compartilhar tudo o que aprenderam com
os que não tiveram tal oportunidade. E ainda, a todos aqueles que são
humildes o bastante para admitir que não sabem tudo, e percebem que
a vida é um eterno aprendizado, uma busca constante de ser exemplo
de amor e fé.
Neste momento me deparo com uma quantidade enorme de pessoas que tenho a obrigação
moral de agradecer pela realização deste trabalho. Isto é totalmente natural, uma vez que,
mesmo que este trabalho leve somente o meu nome, muitas pessoas estiveram presentes
durante a sua realização.
Agradeço em primeiro lugar a Deus, por ter atendido todas as minhas preces e por ter-me feito
entender que o meu tempo não é o seu tempo.
À minha mãe, por ter depositado em mim toda a sua confiança, por ter sido mãe e pai ao
longo da minha vida, por nunca ter deixado faltar um livro sequer para os meus estudos e por
entender a minha ausência durante a elaboração deste trabalho. Obrigada por tudo mãe.
Aos demais familiares, pela confiança que depositaram em mim, por se sentirem realizados na
minha felicidade.
Às orações recebidas dos pais do meu namorado, que mesmo de longe me deram apoio para
concluir esta jornada.
Ao professor orientador, Alexandre Botelho, por dividir o saber imensurável que possui com
tanto carinho e dedicação, por ter sido mais que um mestre, mas também amigo.
Aos professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que
muito contribuíram para a minha formação jurídica.
À amiga Vanesa, por ter estado ao meu lado em todos os momentos, por ter sempre dito
palavras de fé e confiança em Deus.
Às minhas colegas de trabalho por sempre vibrarem com minhas conquistas.
Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.
Aos colegas de classe, que tenho como irmãos, agradeço por terem me acolhido em suas
vidas, por permitirem que compartilhássemos boas risadas durante esta caminhada.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
Por fim, àquele que me completa, o meu amor Fabio Ferreira, pela bondade e paciência com
que esteve ao meu lado nos momentos mais árduos desta pesquisa, e que carinhosamente me
ensinou a acreditar na beleza dos nossos sonhos. Eu te amo.
Mais do que de máquina, precisamos de humanidade. Mais do que de
inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas feições a vida
será de violência e tudo será perdido.
Charles Chaplin
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Tijucas, 8 de novembro de 2010.
Rosicler Fatima Glowacki
Graduanda
RESUMO
A internet, que inicialmente surgiu de um projeto militar, hoje possibilita a comunicação entre
usuários de diferentes partes do mundo. Nesse contexto, surgiu o correio eletrônico, que
representa a forma mais utilizada de troca de mensagens entre os usuários da rede. É sobre a
utilização do e-mail como prova no processo penal que trata a presente monografia.
Organizado em três partes, o estudo visa desvendar a possibilidade de utilização do correio
eletrônico como meio probatório em processo penal, considerando a vedação ao uso de provas
ilícitas, a proteção à privacidade e à intimidade, como também a proteção constitucional ao
sigilo de correspondência. A partir do primeiro capítulo, a pesquisa volta-se para as noções
gerais sobre as provas no processo penal, abordando o histórico da prova e os meios de prova
admitidos no processo penal brasileiro. No segundo capítulo, são tratadas as provas proibidas
no processo penal, partindo-se dos sistemas de apreciação das provas, passando pela prova
proibida no processo penal, até chegar-se ao princípio da proporcionalidade. No terceiro
capítulo, a pesquisa volta-se para o correio eletrônico e sua utilização como prova no processo
penal. Neste capítulo abordam-se os aspectos gerais da internet, a proteção constitucional da
privacidade e intimidade e a inviolabilidade da correspondência. A pesquisa pretende verificar
se a prova obtida através do correio eletrônico pode ser utilizada no processo penal.
Palavras-chave: Prova; Processo Penal; Internet; Correio eletrônico.
ABSTRACT
The Internet, which originally came from a military project, now enables communication
between users of different parts of the world. In this context, emerged the email, which
represents the most popular way to exchange messages between users on the network. It's
about the use of email as evidence in criminal proceedings covered by this monograph.
Organized into three parts, the study aims to unravel the possible use of electronic mail as a
means of evidence in criminal proceedings considering sealing the illicit use of evidence, the
protection of privacy and intimacy, as well as the constitutional protections on the secrecy of
correspondence. From the first chapter, the research turns to the general notions of evidence
in criminal proceedings, approaching the historical evidence and the evidence admitted in
criminal proceedings in Brazil. In the second chapter, are treated the evidence prohibited in
criminal proceedings, starting from the systems of evaluation of evidence, through the
prohibited evidence in criminal proceedings, until it comes to the principle of proportionality.
In the third chapter, the research turns to e-mail and its use as evidence in criminal
proceedings. In this chapter discusses the general aspects of the Internet, the constitutional
protection of privacy and intimacy and the inviolability of correspondence. The research
aimed to assess whether evidence obtained by electronic mail can be used in criminal
proceedings.
Keywords: Proof; Criminal Procedure; Internet; Electronic mail.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Lista com as abreviaturas, siglas e símbolos utilizados ao longo do relatório monográfico:
§
art.
c/c
CEP
Cf.
CP
CPP
CRFB/88
Des.
etc.
EUA
HC
Inc.
Min.
n.
p.
p. ex.
TCP/IP
Parágrafo
Artigo
Combinado com
Código de endereçamento postal
Conforme
Código Penal
Código de Processo Penal
Constituição da República Federativa do Brasil
Desembargador
Et cetera
Estados Unidos da América
Habeas Corpus
Inciso
Ministro
Número
Página
Por exemplo
Transmission Control Protocol/Internet Protocol
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS
Lista de categorias1 que a autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho,
com seus respectivos conceitos operacionais2.
Correio Eletrônico
Uma mensagem contendo uma informação que é digitalizada, opcionalmente criptografada e
transmitida através de um meio físico (a internet), a partir de um computador de origem
(transmissor) até um computador destino (receptor), via computadores de acesso ao meio
físico (provedores na origem e no destino)3.
Internet
Conglomerado de redes de computadores interligados pelo TCP/IP que permite o acesso a
informações e transferência de dados. Carrega uma ampla variedade de recursos e serviços,
incluindo os documentos interligados por meio de hiperligações da world wide web, e a
infraestrutura para suportar correio eletrônico e serviços de comunicação instantânea e
compartilhamento de arquivos4.
Processo Penal
Conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da
aplicação do Direito Penal objetivo5.
Prova
Conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação
do conhecimento quanto a atos, fatos e circunstâncias6.
1
Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. 8. ed.
Florianópolis: OAB Editora, 2003, p. 31.
2
Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com
o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito, p. 43.
3
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no Direito. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
4
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil.
São Paulo: Atlas, 2000, p. 27.
5
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1 (destaque do autor).
6
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 372
(destaque do autor).
Prova documental
Considera-se prova documental não somente os escritos, mas também as provas fotográficas,
fonográficas e cinematográficas (fitas cassetes, disquetes de computador, disco rígido de
computador, fitas de videocassete, CD-ROM etc.)7.
Prova ilícita
É aquela obtida mediante transgressão do direito material no momento da colheita da prova8.
Prova pericial
Prova proveniente de exame técnico feito em pessoa ou coisa para comprovação de fatos e
realizado por alguém que tem determinados conhecimentos técnicos ou científicos adequados
à comprovação9.
7
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. rev., ampl. e atual. Niterói:
Impetrus, 2009, p. 768.
8
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 180.
9
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 729.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................... 5
ABSTRACT .............................................................................................................................. 6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................. 7
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS .............................. 8
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 A PROVA NO PROCESSO PENAL ................................................................................. 15
2.1 HISTÓRICO DA PROVA ................................................................................................. 16
2.1.1 Conceito de prova ............................................................................................................ 23
2.1.1.1 Ônus da prova ............................................................................................................... 28
2.1.1.2 Objeto da prova ............................................................................................................ 30
2.2 MEIOS DE PROVA ........................................................................................................... 34
2.2.1 Prova Testemunhal .......................................................................................................... 36
2.2.2. Prova Documental .......................................................................................................... 38
2.2.3. Demais meios de prova .................................................................................................. 42
2.2.3.1 Exame de corpo de delito e perícias em geral .............................................................. 42
2.2.3.2 Interrogatório do acusado ............................................................................................. 43
2.2.3.3 Confissão ...................................................................................................................... 44
2.2.3.4 Perguntas ao ofendido .................................................................................................. 45
2.2.3.5. Reconhecimento de pessoas ou coisas......................................................................... 45
2.2.3.6 Acareação ..................................................................................................................... 46
2.2.3.7 Indícios ......................................................................................................................... 46
2.2.3.8 Busca e apreensão......................................................................................................... 47
3 DA PROVA PROIBIDA NO PROCESSO PENAL ......................................................... 48
3.1 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS .............................................................. 48
3.1.1 Sistema legal ou tarifado ................................................................................................. 49
3.1.2. Sistema de livre convicção ............................................................................................. 50
3.1.3 Sistema de Persuasão Racional ....................................................................................... 51
3.2 DA PROVA PROIBIDA NO PROCESSO PENAL .......................................................... 55
3.2.1 Prova ilícita ...................................................................................................................... 56
3.2.1.1 Prova ilegítima.............................................................................................................. 59
3.2.1.2 Provas ilícitas por derivação ......................................................................................... 61
3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ...................................................................... 64
3.3.1 Noção de princípios ......................................................................................................... 64
3.3.1.1 Aplicação do princípio da proporcionalidade............................................................... 66
4 O CORREIO ELETRÔNICO COMO PROVA NO PROCESSO PENAL................... 70
4.1 ASPECTOS GERAIS DA INTERNET ............................................................................. 70
4.1.1 O correio eletrônico ......................................................................................................... 74
4.2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRIVACIDADE E INTIMIDADE ................ 80
4.2.1 Direitos fundamentais ...................................................................................................... 81
4.2.1.1 Direito à privacidade e intimidade................................................................................ 83
4.3 DA INVIOLABILIDADE DA CORRESPONDÊNCIA ................................................... 86
4.3.1 Posição doutrinária .......................................................................................................... 88
4.3.2 Posição jurisprudencial .................................................................................................... 90
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 96
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa monográfica10 debruça-se sobre a possibilidade de utilizar-se,
amparado nos comandos normativos em vigor, o correio eletrônico como prova no âmbito do
processo penal.
A importância deste tema reside na necessidade de discutir acerca do surgimento, no
ambiente jurídico, da utilização dos recursos tecnológicos advindos da internet como prova
em processos judiciais, sem ofender o direito à privacidade e à intimidade, tal qual a
utilização do correio eletrônico como prova no processo penal.
Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito
na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem
colaborar para o conhecimento de um tema que pode ser tratado como novidade no campo
jurídico, mas que ainda necessita de respaldo legislativo.
Hodiernamente, o presente tema encontra-se repleto de questionamentos formulados
pelos mais diversos operadores jurídicos, diante da expansão tecnológica ter se manifestado
tão rapidamente e o direito não ter conseguido, ainda, se adequar a esta nova realidade,
carecendo o objeto da presente pesquisa, de maiores e mais profundos estudos.
A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora devido ao avanço na
utilização das tecnologias que possibilitam inovações no campo da comunicação entre
indivíduos, corroborando com a dificuldade encontrada pela ciência jurídica em acompanhar
as novidades introduzidas pela internet, assim como para instigar novas contribuições para
estes direitos na compreensão dos fenômenos jurídicos, especialmente no âmbito de atuação
do direito processual penal.
Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho
verificar se o correio eletrônico pode ser admitido, ou não, como prova no processo penal.
10
Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
13
O objetivo institucional da presente monografia é a obtenção do título de Bacharel em
Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus
de Tijucas.
Como objetivos específicos pretende-se: a) especificar os meios de prova já admitidos
no processo penal; b) identificar quais provas são consideradas ilícitas no âmbito do processo
penal; e c) identificar as possibilidades em que o correio eletrônico poderá vir a ser utilizado
como prova no processo penal.
A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas
por Norberto Avena, na obra Processo penal: esquematizado; e por Liliana Minardi Paesani,
na obra Direito e internet. Estes serão os marcos teóricos que nortearão a reflexão a ser
realizada sobre o tema escolhido.
Necessário revelar que não é o propósito deste trabalho aprofundar-se nos aspectos
técnicos da informática, especialmente no que concerne ao funcionamento do correio
eletrônico, no que tange às suas formas de autenticação e confidenciabilidade. Reconhece-se
que, certamente, não se estabelecerá um ponto final em referida discussão. Pretende-se, tãosomente, aclarar o pensamento existente sobre o tema, circunscrevendo-o ao processo penal
na atualidade.
Para o desenvolvimento da presente pesquisa foi formulado
o seguinte
questionamento: o correio eletrônico pode ser admitido como prova no processo penal?
Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:
a) Não, pois como espécie do gênero correspondência, desfruta do privilégio da
inviolabilidade, assegurada pela CRFB/88.
b) Sim, pois o correio eletrônico pode ser considerado prova documental e deverá utilizar as
regras gerais para utilização da prova obtida nos sistemas informáticos no processo penal.
Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com a seguinte variável: caso
ocorra mudança na legislação penal, incluindo expressamente os documentos eletrônicos e,
especificamente o correio eletrônico como prova no processo penal, acarretará na perda do
propósito da presente pesquisa, vez que, não será necessário responder ao questionamento
exposto;
14
O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,
delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente a prova no
processo penal; a segunda, relativa à prova proibida no processo penal; e, por derradeiro,
acerca do uso do correio eletrônico como prova no processo penal.
Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado
o método indutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto
na base lógica dedutiva11, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se
posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a
prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.
Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,
do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica12.
Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa
e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e
seus Conceitos Operacionais, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais
aprofundados no corpo da pesquisa.
A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em
conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;
assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas
úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para redação do trabalho
científico.
11
Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz.
Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125.
12
Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.
2 A PROVA NO PROCESSO PENAL
A presente pesquisa tem por escopo tratar do correio eletrônico (e-mail) como
instrumento ou meio de prova no processo penal. Para tanto, primeiramente se faz necessário
uma breve explanação acerca do conceito de prova e de seus aspectos gerais no âmbito do
processo penal.
Antes de se adentrar na conceituação das provas, indispensável se faz entender o que
vem a ser o processo penal, o qual na definição de Fernando Capez, representa “o conjunto de
princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do
Direito Penal objetivo”13.
Na definição de Maíra Silva da Fonseca Ramos,
O Processo Penal visa, em síntese, a declaração da existência ou inexistência
da responsabilidade criminal do réu e a conseqüente imposição de sanção,
acaso se convença o magistrado da responsabilidade penal daquele indivíduo
que se vê processado14.
Desse modo, para que o juiz possa declarar a culpabilidade ou não do acusado,
necessita que os fatos narrados nos autos sejam condizentes com o acontecido. Nesse sentido,
leciona Julio Fabbrini Mirabete,
Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha
sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza
de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve
convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à
verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com
a realidade dos fatos15.
13
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 1 (destaque do autor).
RAMOS, Maíra Silva da Fonseca. A prova proibida no processo penal: as consequências de sua utilização.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7432>. Acesso em: 06 out. 2009.
15
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 249 (destaque e
grafia conforme original).
14
16
Ao magistrado incumbe a tarefa de descobrir a verdade, isto é, através das provas
juntadas aos autos, como também as que ele próprio diligencie, declarar se o acusado é
culpado ou não da prática que lhe é imputada.
A instrução do processo é fase que assume a tarefa de auxiliar o juiz na apuração da
verdade, momento em que as partes têm a oportunidade de juntar ao processo documentos,
testemunhas, perícias etc., para o esclarecimento dos fatos.
Nesse sentido, Julio Fabrini Mirabete ensina que
[...] da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as
partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao
juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias
que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização
das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que
necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova16.
A prova é uma ferramenta de auxílio para o convencimento do magistrado acerca do
caso a ser julgado, e deverá ser apresentada na fase instrutória17. Entretanto, cabe
primeiramente o estudo acerca do histórico da prova, o qual se dará no próximo item da
pesquisa.
2.1 HISTÓRICO DA PROVA
A prova é elemento fundamental no processo, é através desta que se busca obter a
verdade. O processo de busca da verdade sofreu inúmeras mudanças ao longo dos tempos, as
quais serão brevemente analisadas nas linhas abaixo.
Para conceituação do que venha a ser “provar”, adotou-se o que leciona De Plácido e
Silva, quando trata da origem do verbo em comento:
Do latim probare (examinar, verificar), na linguagem jurídica, é manifestar,
fazer patente, pôr em evidência, demonstrar a certeza de um fato ou a
verdade acerca do que se alega, mediante a apresentação de razões, de
16
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 249 (destaque do autor).
A fase instrutória do procedimento ordinário principia quando termina a audiência preliminar, consiste na
realização de provas e oferecimento das alegações finais pelas partes e termina quando estas tiverem sido
produzidas. Vide: DINAMARCO, Cândido Rangel. As fases do procedimento ordinário. Disponível em:
<http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/dina39.htm>. Acesso em: 08 out. 2010.
17
17
instrumentos, de perícias ou de testemunhos, a fim de que se legitime a
pretensão trazida a juízo ou o direito que se quer defender18.
No decorrer da história, a apreciação das provas passou por diferentes fases,
adaptando-se às convicções, às conveniências e aos costumes de cada povo19.
Eugênio Pacelli de Oliveira leciona que,
Ao longo de toda sua história, o Direito defrontou-se com o tema da
construção da verdade, experimentando diversos métodos e formas jurídicas
de obtenção da verdade, desde as ordálias e juízos de Deus (ou dos deuses),
na Idade Média, em que o acusado submetia-se a determinada provação
física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a
veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de
prova20.
Primordialmente, o direito era exercido graças aos sacerdotes, que foram os primeiros
juízes21, o que não poderia ser de outro modo, uma vez que todos os antigos documentos
jurídicos eram escritos em latim e, entender esta língua era quase que monopólio dos
clérigos22, posteriormente, o poder de resolver os litígios passou a ser dos mais velhos ou os
chefes das tribos23.
O direito primitivo adotava o caráter religioso na resolução dos litígios, atribuindo ao
chefe da tribo ou cidade o poder de executar a decisão dos deuses, ou seja, a sociedade
acreditava que os deuses se comunicavam com os chefes da tribo ou cidade e a estes era
incumbida a tarefa de executar as ordens divinas. Acerca de tal sistema, leciona Fernando
Horta Tavares,
[...] constata-se esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções
rigorosas e repressoras, fato que levou os sacerdotes-legisladores a serem os
intérpretes e executores destas leis (recebidas diretamente do Deus da
18
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1.128 (destaques do autor).
TOZADORI, André Camargo. Sistemas de apreciação das provas no processo penal. Disponível em:
<http://jusvi.com/artigos/22660>. Acesso em: 22 fev. 2010.
20
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey,
2007, p. 287.
21
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 25. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
279.
22
FONSECA, André Augusto da. Direito medieval: origens, desenvolvimento e superação. Disponível em:
<http://wwww.faculdadeatual.edu.br/prof_andre/direito/fichadireitomedieval.pdf>. Acesso em: 26 out. 2010.
23
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 279.
19
18
cidade), onde o ilícito se confundia com a quebra da tradição e com infração
ao que a divindade havia proclamado24.
O direito primitivo era sagrado, de caráter religioso devido as crenças e também ao
temor à ira das divindades, representadas pelas chuvas, secas, epidemias etc.25.
Exemplo claro da obediência a vontade dos deuses a que se submetia a sociedade
primitiva, observa-se na obra de Numa Denis Foustel de Coulanges,
Não havia um só ato da vida pública onde não se fizesse intervir os deuses.
Como se vivia da concepção de que os deuses tanto eram excelentes
protetores, como inimigos cruéis, o homem não ousava proceder sem estar
seguro de que eles lhe eram favoráveis26.
Para saber quem era o portador da verdade, os sacerdotes juízes invocavam as
divindades, para que fosse apontado o criminoso a ser punido ou o inocente a ser protegido.
Esse tipo de julgamento era chamado julgamento de deus (ordálio), que empregava a prova de
fogo, de veneno ou de duelo para descobrir o criminoso27.
Entre os gregos, era o Tribunal Popular que julgava, sem nenhuma garantia para o
acusado28, uma vez que o julgamento resumia-se a um exercício de retórica e persuasão,
sendo que cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados29. Conforme leciona André
Camargo Tozadori, “na Grécia antiga o povo também era quem pronunciava as decisões
reunido em Júri Popular, sendo que não era possível uma apreciação jurídica das provas”30.
Como exemplo dos julgamentos através dos tribunais populares, cabe citar o
julgamento de Sócrates (469-399 a.C.), importante fato histórico ocorrido na Grécia antiga.
Conforme os escritos de Platão, em sua obra Apologia de Sócrates, Atenas estava se
recompondo após a derrota para Esparta na guerra do Peloponeso, tentando consolidar o ainda
24
TAVARES, Fernando Horta. O direito nas sociedades primitivas: algumas considerações. Disponível em:
<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Ano2_08_2003_arquivos/Docente/O%20Direito%20nas%20Sociedade
20Primitivas.doc.>. Acesso em: 11 abr. 2010.
25
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 280.
26
FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições
da Grécia e de Roma. Tradução de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 130.
27
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 281.
28
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 80.
29
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de história do direito. Disponível em: <http://books. google.
com.br/books?id=iczISzHYSEC&pg=PA91&lpg=PA91&dq=juri+gr%C3%A9cia+antigaource=bl&ots=xIp3MP
XpNJ&sig=4EZrsHlSeAqHh3QD4j0QvWCkvFE&hl=ptBR&ei=bs7NTLfcDsT6lweKbjmCA&as=X&oi=book_
result&ct=result&resnum=9&ved=0CDkQ6AEwCDgK#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 31 out. 2010.
30
TOZADORI, André Camargo. Sistemas de apreciação das provas no processo penal. Disponível em:
<http://jusvi.com/artigos/22660>. Acesso em: 22 fev. 2010 (destaque do autor).
19
frágil regime democrático. O posicionamento crítico de Sócrates pareceu uma afronta aos
costumes da cidade e ele foi incriminado, julgado e condenado à morte por envenenamento
sob as acusações de não cultuar os deuses da cidade, tentar introduzir novas divindades e
corromper a juventude com suas idéias31.
No que tange ao julgamento de Sócrates, Alexandre Botelho assim o descreve,
Em seu julgamento, Sócrates porta-se de maneira soberba, influenciando
seus julgadores quanto à condenação. Rechaça todas as acusações que lhe
são imputadas, mas sua emblemática postura faz com que, condenado e
podendo optar pela pena que lhe seria aplicada, deixa seus julgadores sem
saída ao afirmar: ou a pena capital ou sua adoração pelos atenienses no
Olimpo. Não admitida a segunda assertiva, Sócrates é condenado à morte,
por ingestão de cicuta32.
Os romanos distinguiam o processo penal privado do processo penal público. Quando
se tratava de delicta privata o Estado assumia o papel de simples árbitro para solucionar o
litígio entre as partes. No caso de delicta publica o Estado atuava como sujeito de poder
púbico de repressão33.
Na Idade Média, a busca pela verdade consistia em determinada provação física a que
era submetido o acusado, o método utilizado eram os sistemas ordálicos ou dos ordálios que
[...] se baseavam na crença de que o ente divino intercedia no julgamento,
demonstrando a inocência do acusado que conseguisse superar a prova
imposta: exemplo, o acusado era submetido à prova de ferro em brasa; caso
fosse inocente, acreditava-se, não se produziria queimadura. Cabia ao
julgador somente a constatação do resultado final. O julgamento, nesse caso,
era, em geral, desvinculado da averiguação de quaisquer circunstâncias
relativas aos fatos que constituíssem o delito imputado ao acusado34.
Tal sistema considerava que o ente divino poderia intervir na prova, ou seja, definir
através de sinais se o acusado era inocente ou culpado de tal fato delituoso. Nesse sentido,
Moacyr Amaral Santos leciona que
[...] consistia a ordália em submeter alguém a uma prova, na esperança de
que Deus não o deixaria sair com vida, ou sem um sinal evidente, se não
31
Vide PLATÃO. Apologia de Sócrates; Críton. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997, p. 15-41.
BOTELHO, Alexandre. Curso de ciência política. Florianópolis: Obra Jurídica, 2005, p. 51.
33
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 80 (destaque do autor).
34
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 322.
32
20
dissesse a verdade. Daí as ordálias denominaram-se, também, juízo de
Deus35.
O sistema ordálico era fundado em crenças supersticiosas e desvinculadas da
racionalidade e da busca da verdade dos fatos. Ocorreu na Idade Média, especialmente na
Europa ocidental, onde a institucionalização estatal era praticamente inexistente36.
Também na Índia apesar de ser permitida a prova testemunhal, o principal modo de se
apurar a verdade era o ordálio, de tal modo que se o acusado resistisse às provações impostas,
então, era considerado inocente37.
Para os germânicos, como bem leciona Fernando da Costa Tourinho Filho,
As principais provas eram os ordálios, ou Juízos de Deus, e o juramento. O
acusado jurava não ter praticado o crime de que era processado, e tal
juramento podia ser fortalecido pelo Juízes, os quais declaravam sob
juramento que o acusado era incapaz de afirmar uma falsidade. Essa prova
do juramento baseava-se “na crença de que Deus, conhecendo o passado,
pode castigar aquele que jura falsamente”38.
O direito feudal também admitia técnicas cruéis para obtenção da confissão do
acusado e penas severíssimas39. Assim, “o Direito do período feudal era, predominantemente,
calcado em um embate de forças nada afeito à idéia de busca pela verdade”40.
O processo utilizado neste período era peculiar, de modo que
Os meios de prova eram, em sua maioria, irracionais, baseados nos poderes
divinos ou sobrenaturais. Provas documentais e testemunhais eram raras, e o
juiz não as valorava, de modo que, havendo dúvida, recorria-se também aí ao
duelo. Além do duelo utilizava-se o ordálio, ou prova de Deus, em que a
parte era submetida a uma prova e, dependendo do resultado, considerava-se
que falava a verdade ou mentia41.
35
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 11
(destaques do autor).
36
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 323.
37
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 287.
38
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, p. 84.
39
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 294.
40
RAMOS, Maíra Silva da Fonseca. A prova proibida no processo penal: as consequências de sua utilização.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7432>. Acesso em: 06 out. 2009.
41
SILVEIRA, Maísa Cristina Dante da. Direito feudal: o que é isso?. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=6229>. Acesso em: 06 ago. 2010.
21
A jurisdição eclesiástica introduziu a partir do século XIII o sistema inquisitivo. Fora
abolida a publicidade do processo, tomado o depoimento das testemunhas secretamente e o
interrogatório sendo precedido de tortura, que somente cessaria quando o acusado expressasse
a vontade de confessar42.
Tal método admitia que o juiz agisse de ofício, sendo que o procedimento era sempre
sigiloso tanto para o público quanto para o réu, a colheita das provas era feita pelo juiz, sendo
admitida a tortura como instrumento para obtenção da confissão, como também para expirar
os pecados dos hereges43.
Situação semelhante a do sistema inquisitivo pode ser observada na obra “O
processo”, de Franz Kafka44, na qual o autor trata, através de uma parábola, da dificuldade
que possui o cidadão comum para ter acesso ao Poder Judiciário.
Quando do seu surgimento, a jurisdição eclesiástica visava subtrair os clérigos da
jurisdição comum, tendo em vista defender os interesses da igreja45. Assim, o clero tornou-se
detentor de grandes riquezas, conforme leciona Rogério Dultra dos Santos,
A Igreja se consolidou, certamente, como única instituição sólida da época
medieval. Ela despontou como se fosse um grande senhor feudal, maior
latifundiário, proprietário de muitas terras e do poder espiritual e temporal
em toda Europa46.
Quanto à influência da religião ao longo dos tempos, Numa Denis Foustel de
Coulanges assevera que
[...] a religião que estabelecera um governo entre os homens: o do pai na
família, o do rei ou do magistrado na cidade. Tudo procedera da religião, isto
é, da opinião que o homem formara da divindade. Religião, direito, governo,
42
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, p. 85.
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais: tipos ou formas de
processos penais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6948>. Acesso em: 04 maio.
2010.
44
KAFKA, Franz. O processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. São Paulo: Cia. das Letras, 2005, p.
271.
45
SOUSA, Cícero Celso. Dos poderes instrutórios do juiz: Código de Processo Penal, artigo 156, in fine.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27295/Poderes_Instrut%C3%B 3rios_C
%C3%ADcero%20Celso.pdf?sequence=1>. Acesso em: 06 ago. 2010.
46
SANTOS, Rogério Dultra. A institucionalização da dogmática jurídico-canônica medieval. Disponível em:
<http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/resumos/historia-do-direito/71-fundam.html>. Acesso em: 11
abr. 2010.
43
22
confundiam-se, não eram mais que uma só coisa vista sob três aspectos
diferentes47.
O sistema inquisitivo instituído pelo direito canônico se expandiu na Europa ocidental.
Na França, assim como em outros países, o processo corria em segredo, tendo como acusador
e julgador a mesma pessoa, sendo que a confissão era obtida sob tortura48.
Entende-se por tortura o sofrimento, a angústia ou a dor provocada por maus-tratos
físicos ou morais. Torturar alguém é produzir-lhe sofrimento desnecessário. É tornar mais
angustioso seu sofrimento, ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais49.
No século XVIII, na Europa ocidental, surgia um movimento de combate ao sistema
inquisitivo o qual, conforme leciona Fernando da Costa Tourinho Filho era capitaneado por
[...] Mostesquieu que condenava as torturas, elogiava a Instituição do
Ministério Público, uma vez que fazia desaparecer os delatores. Beccaria
proclamava que o direito de punir nada mais era senão o direito de defesa da
sociedade e que, por isso mesmo, devia ser exercido dentro dos limites da
justiça e da utilidade. [...] Em Nápoles, aboliam-se as torturas, e, já por volta
do ano de 1774, exigia-se sentença motivada. Em Toscana proibiam-se as
denúncias secretas e as torturas. Na França, um édito de 1788 proibia as
torturas, exigia sentença motivada e concedia ao acusado absolvido uma
reparação moral consistente na publicação da sentença. Finalmente, com a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26-8-1789, aquelas
idéias revolucionárias do Iluminismo foram acatadas50.
No século XIX intensificaram-se os movimentos visando extinguir o sistema
inquisitivo da fase instrutória. Surgiram alguns diplomas legais que permitiram de certo modo
a intervenção da defesa51.
No sistema inquisitivo predominava o poder do Estado em face ao indivíduo,
reprimindo qualquer direito de defesa. Porém, com o advento do Estado Moderno não mais se
admitia esta forma de reprimir os direitos dos cidadãos52.
47
FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições
da Grécia e de Roma, p. 304.
48
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 86.
49
MOSSIN, Heráclito A. Crime de tortura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 485.
50
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 88 (grafia conforme original).
51
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 89.
52
HOLANDA, Ednaldo de. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução. Disponível em:
<http://edinaldodeholanda.com/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=32>. Acesso em: 04 mai. 2010.
23
Após a Revolução Francesa surgiu o processo do tipo misto, decorrente da luta contra
o processo inquisitivo e seguindo os traços de todas ou quase todas as legislações da Europa
continental53.
Acerca da influência europeia no surgimento de um processo misto, destaca-se que,
De 1930 pra cá, novas modificações surgiram. O liberalismo exerceu
influência manifesta na França, por volta do ano de 1933, mas, de 1935 em
diante, operou-se a volta ao sistema, restaurando-se o caráter inquisitivo da
instrução criminal. Hoje, na Europa, em quase todas as legislações
predomina, com maior ou menor intensidade, o sistema misto54.
O sistema misto dividia o processo nas fases de investigação preliminar, instrução
preparatória e fases do julgamento. As duas primeiras fases eram secretas e não contraditórias,
mas a fase de julgamento se dava com as garantias de igualdade entre as partes, contraditório,
publicidade do processo, juiz imparcial, ampla defesa, presunção de inocência e garantia dos
direitos do acusado55.
Conforme abordado, as mudanças nos sistemas de prova sofreram influências de
caráter social ao longo dos tempos, o reconhecimento dos direitos do cidadão veio sobrepor o
domínio autoritário do Estado, na busca por um processo mais humanitário.
Feito esse breve esforço para apresentar ao leitor os deslocamentos históricos das
provas, necessário também destacar o conceito de prova, para uma melhor compreensão do
tema.
2.1.1 Conceito de prova
No campo da ciência processual, o estudo acerca da prova é tema relevante para o
desenrolar do processo. Portanto, para que a presente pesquisa possa alcançar a sua finalidade
didática, necessário destacar o conceito de prova.
No que tange à conceituação do que vem a ser prova, é possível encontrar diferentes
definições que visam esclarecer tal instituto. Para a presente pesquisa adota-se o conceito
53
SOUSA, Cícero Celso. Dos poderes instrutórios do juiz: Código de Processo Penal, artigo 156, in fine.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27295/Poderes_Instrut%C 3%B3rios_
C%C3%ADcero%20Celso.pdf?sequence=1>. Acesso em: 06 ago. 2010.
54
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 90.
55
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Dos sistemas processuais penais: tipos ou formas de
processos penais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6948>. Acesso em: 04 mai.
2010.
24
fornecido por Norberto Cláudio Pâncaro Avena o qual aduz que, prova é o conjunto de
elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do
conhecimento quanto a atos, fatos e circunstâncias56.
Assim, a prova serve para demonstrar um fato, como forma de materializar aquilo que
foi deduzido pelas partes, no sentido de esclarecer os acontecimentos que se deram longe do
olhar do magistrado. De forma objetiva, provar é “convencer o espírito da verdade respeitante
a alguma coisa”57.
O exercício da tutela jurisdicional depende da comprovação dos fatos ocorridos, nesse
sentido, Edílson Mougenot Bonfim assevera que “a prova é o instrumento usado pelos
sujeitos processuais para comprovar os fatos da causa, isto é, aquelas alegações que são
deduzidas pelas partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional”58.
A demonstração do fato ocorrido através da prova é requisito essencial para que o
magistrado possa compreender como se deram os fatos, dessa forma, conforme leciona
Eugênio Pacelli de Oliveira:
A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos
fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com
a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente
ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis,
quando não impossível: a reconstrução da verdade59.
Destaca-se que a prova judiciária é elemento de auxílio na compreensão do magistrado
acerca dos fatos que lhe foram apresentados, tal reconstrução da verdade se dá por meio das
provas juntadas aos autos como também aquelas que o magistrado determine a produção.
Como bem leciona Moacyr Amaral Santos acerca do objetivo da prova, é certo que
Destina-se a prova a levar o juiz ao conhecimento da verdade dos fatos da
causa. Esse conhecimento ele obtém através dos meios de prova. Costumase, assim, conceituar prova, no sentido objetivo, como os meios destinados a
fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos fatos deduzidos em juízo60.
56
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 372 (destaque do autor).
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, p. 2.
58
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 303.
59
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, p. 287.
60
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, p. 4 (destaque do autor).
57
25
No sentido subjetivo, a prova “é aquela que se forma no espírito do juiz, seu principal
destinatário, quanto à verdade desses fatos [...]”61. Em outras palavras, ao magistrado cabe a
análise das provas que são levadas aos autos e, a partir destas formar o seu convencimento.
Paulo Lúcio Nogueira leciona que
O processo penal tem por finalidade a apuração do fato criminoso e de sua
autoria para a respectiva sanção, o que se consegue através da prova, que,
em regra, são elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio juiz, por
meio de procedimento legal e regular62.
No processo penal, destaca-se a preocupação em chegar à verdade dos fatos, influência
do princípio da verdade real, que tem como escopo a resolução dos litígios observando a
maneira justa de resolvê-los, a busca da verdade é comprometimento da justiça como dever de
promover a tutela jurisdicional tanto para as partes litigantes como perante a sociedade63.
No que tange à busca da verdade, “vigora no processo penal moderno o princípio da
verdade real, que corresponde à busca da certeza sem obstáculos ou limitações legais na
valoração da prova [...]”64.
Humberto Theodoro Júnior leciona que,
Diante da necessidade de descobrir a verdade real, o juiz não pode ser neutro
nem indiferente. Não determinar a prova necessária à revelação da verdade
não corresponde, por isso, uma conduta imparcial e sim a um alheamento à
missão jurisdicional de assegurar aos litigantes a mais efetiva e justa
composição do litígio65.
61
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, p. 4
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de Processo Penal. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 190 (destaque do autor).
63
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Prova – princípio da verdade real – poderes do juiz – ônus da prova e sua
eventual inversão – provas ilícitas – prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (dna). Disponível
em: <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Humberto/Prova.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2010.
64
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Notas sobre a prova no processo penal. Disponível em: <http://www.fragoso.
com.br/cgi-bin/heleno_artigos/arquivos61.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2010.
65
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Prova – princípio da verdade real – poderes do juiz – ônus da prova e sua
eventual inversão – provas ilícitas – prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (dna). Disponível
em: <http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Humberto/Prova.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2010.
62
26
No mesmo sentido, José Frederico Marques ensina que “no processo penal brasileiro,
vigora o princípio da verdade real, no que tange à produção de provas”66. Consoante se vê no
artigo 155 do Código de Processo Penal que assim dispõe:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
A título de conhecimento, tal dispositivo está de acordo com a redação dada pela Lei
n. 11.690, de 2008, que veio alterar o regramento, impossibilitando que o magistrado
fundamente sua decisão exclusivamente em provas colhidas na fase inquisitorial, visto que,
Do ponto de vista constitucional, a restrição do princípio do livre
convencimento motivado se dá especialmente no que tange à sentença penal
condenatória, cujos fundamentos probatórios devem observar estritamente o
contraditório e a ampla defesa67.
A redação do antigo artigo 157 (anteriormente à alteração dada pela Lei n. 11.690/08)
do Código de Processo Penal permitia que o magistrado formasse a sua convicção pela livre
apreciação da prova, sem necessidade de observância ao contraditório judicial.
Tais alterações vêm garantir a necessidade do contraditório judicial, excetuando-se o
que dispõe o parágrafo único do artigo 155, “somente quanto ao estado das pessoas serão
observadas as restrições estabelecidas na lei civil”.
No que diz respeito às alterações legislativas referentes à busca da verdade no
processo, se manifesta José Federico Marques,
Se a ciência do direito tende a satisfazer a consciência humana pelo seu
objeto, que não é senão a consagração das regras da justiça, quanto o exigem
os legítimos interesses da sociedade, está68 ciência corresponde igualmente a
uma necessidade da humanidade, desde que mira ao descobrimento da
verdade69.
66
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000, p.
338.
67
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 718.
68
Trata-se de erro de digitação, quando a grafia correta da palavra seria “esta”, sem o acento.
69
PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado teórico e prático das provas no processo penal: Campinas.
Minelli, 2004, p. 19.
27
A produção das provas não é um dever exclusivo das partes, pois o maior interesse é o
da sociedade. Por isso, o magistrado também deve diligenciar na busca dos elementos
probatórios. É o que bem leciona Edílson Mougenot Bonfim afirmando ainda que
Prevalece, via de regra, no processo penal, a liberdade dos meios
probatórios, desde que não violem o ordenamento jurídico (art. 155,
parágrafo único, do CPP). Não mais vigora, assim, o sistema das provas
típicas, em que apenas aquelas provas expressamente previstas tinham valor
perante o juízo70.
No desenvolver do processo, as partes podem relatar o fato, seja ele verdadeiro ou não,
assim a prova tem função de auxílio na distinção entre o que foi narrado e o que realmente
aconteceu à época do fato. Para Maria Gilmaíse de Oliveira Mendes,
[...] exatamente na persecução dessa verdade quanto à existência ou à
inexistência dos fatos alegados, é que surge a exigência da prova destes
fatos, a que se chama de ônus da prova, cabendo à parte provar o que alegou
e ao Juiz, decidir, em caso de insuficiência de provas, contra a parte a quem
competia o ônus e não o fez71.
Para que o julgador possa aplicar a norma jurídica é necessário que conheça dos fatos
que causaram o ato delituoso, nesse contexto, a finalidade da prova é a demonstração dos
fatos na forma como se deram, para que o magistrado possa formar seu convencimento.
Ensina Edílson Mougenot Bonfim que “a prova tem como finalidade permitir que o
julgador conheça os fatos sobre os quais fará incidir o direito, [...] a produção de provas, a fim
de iluminar o espírito do julgador e permitir a ele exercer o poder jurisdicional”72.
A prova tem função de auxiliar o juiz na descoberta de como se deram os fatos e, nos
dizeres de José Navarro da Cunha Paiva,
[...] qualquer que seja a definição que pareça mais racional, entendemos que
a prova no processo penal, compreende o complexo de meios diretos e
indiretos permitidos pela lei, conducentes à verificação da existência de um
fato punível e de seus agentes responsáveis. [...] As provas são, pois, do
domínio da lei adjetiva, como meios impreteríveis e indispensáveis para
tornar efetiva a repressão do infrator da lei penal, ou para demonstrar a
70
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 48.
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e interceptação telefônica: Belo Horizonte:
Mandamentos, 1999, p. 89 (destaque da autora).
72
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 304.
71
28
inocência ou a carência de responsabilidade criminal do presumido
delinquente73.
No que tange a necessidade de promoção da justiça social como objetivo de uma
preocupação da própria sociedade, ocorre no processo uma busca pela descoberta da verdade,
nesse sentido,
O escopo a que mira a justiça social é a investigação da verdade. A
sociedade é Tão74 interessada na efetiva punição do verdadeiro criminoso,
como na evidente manifestação da inocência do presumido delinqüente. Para
conseguir este fim, é mister recorrer ao emprego de meios adequados. Esses
meios são as provas, cujo objetivo consiste em verificar a existência material
do fato criminoso, a culpabilidade do agente, ou a inocência do suposto
infrator da lei penal75.
Portanto, sendo a prova um modo de se buscar a verdade dos fatos como no momento
em que ocorreram, esta assume posição relevante no processo, como forma de se alcançar a
justiça.
Para a presente pesquisa, destaca-se além da importância de se ter conhecimento
acerca da finalidade da prova, a necessidade de compreensão do que vem a ser o ônus da
prova, conforme será abordado do próximo item.
2.1.1.1 Ônus da prova
Conforme visto anteriormente, a prova é o meio que o magistrado tem para formar o
seu juízo acerca da matéria fática apresentada em juízo pelas partes. Neste item, far-se-á um
estudo acerca do ônus da prova, que tem a função de atribuir a determinados sujeitos do
processo a responsabilidade de comprovar os fatos alegados, ou como se deram na sua
essência.
Segundo Adalberto José Q. T de Camargo Aranha,
A palavra ônus tem origem latina (onus), significando fardo, carga, peso,
imposição etc. Daí por que ônus da prova (onus probandi) representa a
73
PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado teórico e prático das provas no processo penal, p. 19 (grafia
conforme original).
74
Trata-se de erro de digitação, quando a grafia correta da palavra seria “tão”, sem maiúscula.
75
PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado teórico e prático das provas no processo penal, p. 18 (grafia
conforme original).
29
necessidade de provar para ver reconhecida judicialmente a pretensão
manifestada76.
Norberto Cláudio Pâncaro Avena preceitua que “por ônus entende-se o encargo
atribuído às partes de provar, mediante meios lícitos e legítimos, a verdade das suas
alegações, visando, assim, a fornecer ao juiz os elementos necessários à formação de sua
convicção”77.
A nova redação do artigo 156, caput, primeira parte, do Código de Processo Penal,
estabelece que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo facultado ao juiz, de
ofício, ordenar a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, como para dirimir
dúvida sobre ponto relevante.
Conforme leciona Edílson Mougenot Bonfim,
[...] contra os fatos alegados pelo autor da ação, que deduz a pretensão
punitiva em juízo, por meio da denúncia ou da queixa, conforme o caso, é
que se defenderá o acusado. Entretanto, somente poderão ser adotados na
fundamentação das decisões os fatos que houverem sido efetivamente
provados. As regras do ônus da prova visam determinar, em cada situação, a
quem incumbe a produção de provas acerca de cada fato78.
Em linhas gerais, o ônus da prova é um encargo daquele sujeito do processo que tem
de transformar suas alegações em verdade através de provas, tornado-as materiais.
Ensina Antônio Terêncio G. L. Marques que “o ônus da prova nada mais é do que a
incumbência daquele que alega determinado ato ou fato jurídico de prová-lo, a fim de obter a
satisfação da pretensão deduzida no processo”79.
Nesse contexto da incumbência do ônus da prova, Cláudio Norberto Pâncaro Avena
destaca que,
[...] à acusação caberá provar a existência do fato imputado e sua autoria,
elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias
agravantes e qualificadoras. Já à defesa, por outro lado, incumbirá a prova de
76
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 7 (destaque do autor).
77
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 382. (destaque do autor).
78
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 325.
79
MARQUES, Antônio Terêncio G. L. A prova documental na internet. Curitiba: Juruá, 2009, p. 101.
30
eventuais causas excludentes de ilicitude, culpabilidade ou tipicidade,
circunstâncias atenuantes, minorantes e privilegiadoras que tenha alegado80.
No Processo Penal existe também a figura do álibi, que diz respeito ao ônus da prova.
De Plácido e Silva conceitua o álibi como sendo a
[...] prova exibida por uma pessoa, mediante a qual se evidencia o seu
afastamento ou ausência de local determinado, na hora em que ali se
consumou o delito ou fato criminoso de que é acusado, demonstrando,
assim, a impossibilidade material de que o houvesse praticado e seja por ele
responsabilizado. O álibi, isento de dúvida, livra, deste modo, a pessoa da
imputação criminosa contra si 81.
Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, o ônus de provar o álibi é do réu, porém,
tal regra não isenta a acusação de demonstrar o que lhe compete, como demonstrar ao juiz a
materialidade e a autoria da infração penal82.
Tendo sido destacados os aspectos que se referem ao ônus da prova, necessário
também o estudo acerca do objeto da prova, conforme se apresentará no item abaixo.
2.1.1.2 Objeto da prova
Com relação ao objeto da prova, cabe realizar o seu estudo, mesmo que breve, visto
tratar-se da finalidade que as partes visam atingir com a produção e junção aos autos de
determinado material probatório.
É na instrução processual que devem ser reunidos todos os elementos necessários para
que o juiz possa examinar e apreciar o processo. Assim, nos dizeres de José Navarro da
Cunha Paiva,
O magistrado instrutor nas suas investigações deve conhecer, prever,
verificar e reunir tudo o que importa saber para pronunciar um juízo seguro
acerca da realidade e oralidade dos fatos submetidos ao seu exame e
apreciação, explorando-os em toda sua extensão e com todas as
circunstâncias que os precederam, acompanharam ou seguiram, encarandoos sob todos os aspectos e examinando-os em todas as relações83.
80
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 384.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 93 (destaque do autor).
82
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 4.ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 379-380.
83
PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado teórico e prático das provas no processo penal, p. 224.
81
31
No decorrer do processo, o importante não é satisfazer o anseio social em encontrar
um culpado pelo fato delituoso, mas sim descobrir a verdade para que se possa chegar ao ideal
de justiça a que se propõe um Estado Democrático de Direito.
No sentido de auxílio na descoberta da verdade, conceitua-se objeto da prova como
sendo
O que se deve demonstrar, ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve adquirir o
conhecimento necessário para resolver o litígio. Abrange, portanto, não só o
fato criminoso e sua autoria, como todas as circunstâncias objetivas e
subjetivas que possam influir na responsabilidade penal e na fixação da pena
ou na imposição de medida de segurança [...]84.
Para conhecimento, destaca-se que não estão incluídos no objeto da prova aqueles
fatos aos quais não cabe nenhum questionamento, já que não há o que se discutir e, deve-se
priorizar a agilidade do processo como forma de cumprimento ao princípio da celeridade
processual. Por exemplo: fatos axiomáticos, fatos notórios, presunções legais e fatos inúteis85.
Conforme afirma Fernando Capez “[...] somente os fatos que revelem dúvida na sua
configuração e que tenham alguma relevância para o julgamento da causa merecem ser
alcançados pela atividade probatória, como corolário do princípio da economia processual”86.
A atividade probatória tem por objeto fazer prova daqueles fatos narrados pelas partes
que geram dúvidas, em que o magistrado precisa de comprovação para se convencer. Nesse
sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho aduz que
[...] somente os fatos que possam dar lugar a dúvida, isto é, que exijam uma
comprovação, é que constituem objeto da prova. Desse modo, excluem-se os
fatos notórios. Provar a notoriedade é tarefa de louco, já se disse. [...] O fato
evidente representa o que é certo, indiscutível, induvidoso, de maneira
segura, rápida, sem necessidade de maiores indagações87.
Para melhor definir o que vem a ser fatos notórios, adota-se o que leciona De Plácido e
Silva para a conceituação da expressão fato notório,
84
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 250.
Para melhor compreensão do que sejam os fatos que independem de comprovação, vide: AVENA, Norberto
Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 373.
86
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 282.
87
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 507.
85
32
[...] é o fato que não precisa ser provado, visto que sua evidência é mostrada
por sua própria notoriedade. Assim, o fato notório, claramente, apresenta-se
como o fato que deve ser sabido, constituindo uma verdade, que está no
domínio público88.
Ainda no que diz respeito à conceituação, conforme Nelson Palaia “é notório o fato
cujo conhecimento faz parte da cultura normal própria de pessoas de um determinado grupo
social, no tempo em que é proferida a decisão, e sobre o qual é dispensável a controvérsia
sobre sua ocorrência”89.
De forma objetiva, pode-se dizer que, o fato notório é assim entendido por não ser
necessário que se prove, dispensando a apresentação de provas, por se tratar de algo certo,
incontroverso.
Para melhor esclarecer acerca da dispensa de se provar fatos que já são conhecidos
tanto pelo magistrado quanto pela sociedade, Fernando da Costa Tourinho Filho ensina ainda
que,
Ao lado dos fatos notórios, as denominadas máximas da experiência,
“noções e conhecimentos ministrados pela vida prática e os costumes
sociais”. São juízos formados ante o quod plerumque accidit (o que
normalmente acontece) “e que, como tais, podem ser formados em abstrato
por qualquer pessoa de cultura média”90.
A máxima de experiência citada por Fernando da Costa Tourinho Filho corresponde a
algo já conhecido, que faz parte do cotidiano, da cultura de uma determinada sociedade.
Quanto aos fatos que independem de prova, Julio Fabbrini Mirabete destaca que
Não precisam ser provados, todavia, os fatos axiomáticos (intuitivos),
evidentes por si mesmos. A prova de que o acusado estava em determinado
lugar em determinada hora, p. ex., exclui a necessidade de se comprovar que
ele não estava no local do crime, ocorrido em outra cidade distante, ou, no
exemplo de Manzini, encontrando-se um cadáver putrefato, é desnecessário
comprovar que a pessoa estava morta91.
88
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 601 (destaque do autor).
PALAIA, Nelson. O fato notório, a notoriedade do fato e as máximas de experiência. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8500> Acesso em: 23 fev. 2010.
90
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 507 (destaque do autor).
91
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 250 (destaque do autor).
89
33
Os fatos axiomáticos são aqueles evidentes, ou seja, dos quais se tem certeza que se
deram de forma como relatados nos autos. Fernando Capez ensina que “[...] nesses casos, se o
fato é evidente, a convicção já está formada, logo, não carece de prova”92.
Existem ainda os fatos presumidos, que não precisam ser provados, como bem leciona
Mirabete
[...] presumir é tomar como verdadeiro um fato, independentemente de
prova, levando-se em conta aquilo que em geral acontece. Distingue-se a
presunção absoluta (juris et de jure), que não admite prova em contrário, da
presunção relativa (juris tantum), que pode ser afastada quando há prova
que a contradiz93.
Para Fernando Capez as presunções legais “são conclusões decorrentes da própria lei,
ou, ainda, o conhecimento que decorre da ordem normal das coisas, podendo ser absolutas
(juris et de jure) ou relativas (juris tantum)”94.
Dessa forma, no processo penal a preocupação acerca das provas dos fatos se
concentra naquelas que são passíveis de questionamentos. Nesse sentido, leciona Fernando
Capez que,
[...] Diferentemente do que ocorre no processo civil, existe a necessidade da
produção probatória porque o juiz pode questionar o que lhe pareça duvidoso
ou suspeito, não estando obrigado à aceitação pura e simples do alegado
uniformemente pelas partes95.
Na lição de Antônio Terêncio G. L. Marques “o thema probandum é, tão somente, as
informações necessárias que o juiz deve adquirir, para decidir a questão submetida a seu
julgamento”96.
Assim, o objeto da prova é demonstrar ao magistrado os fatos que apresentem alguma
incerteza,
92
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 283.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 251 (destaque do autor).
94
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 283 (destaque do autor).
95
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 284.
96
MARQUES, Antônio Terêncio G. L. A prova documental na internet, p. 63.
93
34
[...] são, portanto, fatos capazes de influir na decisão do processo, na
responsabilidade penal e na fixação da pena ou medida de segurança,
necessitando, por essa razão, de adequada comprovação em juízo97.
Feitos os destaques acerca do objeto da prova, importante também, para a presente
pesquisa, abordar os meios de prova admitidos em processo penal, conforme se fará nos itens
que seguem.
2.2 MEIOS DE PROVA
Como já observado no tópico anterior, a prova assume papel relevante no decorrer do
processo, tendo como objetivo demonstrar ao magistrado a verdade dos fatos. Dessa forma,
necessário se faz o estudo acerca dos meios de prova, ou seja, as formas com que as partes
incorporam aos autos os elementos necessários para a compreensão de como se deram os
fatos.
No que tange aos meios de prova cabe destacar o que leciona De Plácido e Silva
quando os define:
Na técnica processual assim se diz dos modos ou maneiras por que as provas
se elementarizam, isto é, se fazem ou se constituem. São, pois, manifestados
nos expedientes utilizados para que se ponha em evidência a existência do
fato ou do ato jurídico alegado por uma das partes. Em regra, a própria lei
substantiva, quando estabelece a regra a respeito do ato ou contrato, já
institui o meio de o provar, para que possa valer como de direito, quando
necessário98.
Como visto anteriormente, a prova tem relevância para que se leve a juízo a
comprovação do que se está alegando. Dessa forma, a prova dispõe de meios para que seja
apreciada.
Na definição dos meios de prova, Edílson Mougenot Bonfim ensina que,
Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta
ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras
palavras, é o instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção
acerca dos fatos alegados pelas partes99.
97
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 282.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 907 (destaque do autor).
99
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 308 (em itálico no original).
98
35
No que tange à classificação, a prova está dividida basicamente em três espécies:
quanto ao objeto, quanto ao sujeito e quanto à forma100. Tal classificação ensina que,
1) quanto ao objeto, pode ser direta ou indireta: direta, a resultante da
afirmação de ter visto; indireta, quando proveniente de um raciocínio ou de
ter ouvido;
As diretas são aquelas que por si só demonstram o próprio fato objeto da investigação,
já as indiretas são aquelas que não demonstram diretamente tal ato ou fato, mas permitem a
dedução de tais circunstâncias a partir de um raciocínio lógico ou irrefutável101.
2) quanto ao sujeito, pode ser pessoal ou real: pessoal, se proveniente de
uma afirmação pessoal por ciência própria ou por ouvir dizer; real, quando
resulta de uma confirmação, como nas vistorias, nas perícias etc.;
As provas classificadas de pessoais são aquelas que decorrem da pessoa, ou seja,
obtidas por meio da manifestação humana (testemunho, confissão etc). As provas reais são as
resultantes de uma confirmação, como por exemplo, as perícias, vistorias etc.
3) quanto à forma, pode ser testemunhal, documental ou material: a
testemunhal é produzida através da audiência das vítimas, de testemunhas,
de acareações; a documental, por meio de documentos, que podem ser
escritos públicos ou particulares; a material consiste em exames, vistorias,
perícias, instrumentos do crime etc.102.
A prova testemunhal é resultante do depoimento prestado por sujeito estranho ao
processo sobre fatos de seu conhecimento que sejam pertinentes ao litígio; a documental é
produzida por meio de documentos; e a material obtida por meio químico, físico ou
biológico103.
Considerando que a prova possui inúmeras classificações, optou-se por aprofundar o
estudo no que tange à forma, que pode ser testemunhal, documental ou material, conforme se
apresentará no próximo tópico.
100
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 309.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 374.
102
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal, p. 192 (destaque do autor).
103
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 310.
101
36
2.2.1 Prova Testemunhal
Em linhas gerais pode-se dizer que “a prova testemunhal consiste em uma reprodução
oral do que se encontra na memória daqueles que, não sendo parte, presenciaram ou tiveram
notícia dos fatos da demanda”104.
Moacyr Amaral Santos ensina que prova testemunhal, “no sentido amplo, é a
afirmação pessoal oral. No quadro das provas testemunhais ou orais se compreendem as
produzidas por testemunha, depoimento de parte, juramento”105.
Para Antonio Scarance Fernandes,
Testemunha é a pessoa que presta declarações a respeito de um fato de que
tem conhecimento, ou, ainda, sobre aspectos ligados a determinada pessoa.
Por meio dela, produz-se prova relevante no processo penal, pois, na maioria
das vezes, a verificação do crime e da autoria depende de depoimentos
testemunhais106.
Testemunha, na definição de Guilherme de Souza Nucci, “é a pessoa que declara ter
tomado conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob
o compromisso de ser imparcial e dizer a verdade”107.
Quanto ao compromisso, Norberto Cláudio Pâncaro Avena leciona que se trata de um
instituto que pretende advertir à testemunha quanto a sua obrigação de falar a verdade108.
O artigo 203 do Código de Processo Penal assim dispõe:
Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a
verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua
idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua
atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas
relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as
razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua
credibilidade.
104
ESTEVEZ, Rafael Fernandes. Prova testemunhal. Disponível em: <http://www.text.pro.br/wwwroot/02de
2005/provatestemunhal_rafaelfernandesestevez.htm>. Acesso em: 09 ago. 2010.
105
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, p. 6 (destaque do autor).
106
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 76.
107
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 443.
108
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 511.
37
O dever de prestar compromisso está relacionado com o dever jurídico imposto à
testemunha, como também para que o depoente possa responder, em caso de falso
testemunho, pelo crime previsto no artigo 342 do Código Penal109:
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo,
inquérito
policial,
ou
em
juízo
arbitral:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Conforme Norberto Cláudio Pâncaro Avena existe uma diferenciação doutrinária entre
as figuras da testemunha e do informante. Porém, o Código de Processo Penal não faz tal
distinção, de forma que é descabido pensar que o “informante” não é testemunha, pois é sim
uma testemunha não compromissada110.
Desse modo, entende-se que apenas a testemunha compromissada poderia responder
pelo crime de falso testemunho, conforme dispõe o artigo 342 do Código Penal111.
No que diz respeito às pessoas que podem ser testemunhas, destaca-se o que leciona
Guilherme de Souza Nucci,
Trata o art. 202 do código de Processo Penal da pessoa natural, isto é, o ser
humano, homem ou mulher, capaz de direitos e obrigações (“toda pessoa
poderá ser testemunha”). Dispensa-se, neste caso, a pessoa jurídica, pois, ao
prestar depoimento, compromissa-se a testemunha a dizer a verdade, sob
pena de responder pelo crime de falso testemunho (art. 342, CP). Tendo em
vista que a responsabilidade penal, salvo expressa disposição em contrário,
concerne somente à pessoa humana, não há possibilidade de se considerar a
pessoa jurídica testemunha de qualquer coisa112.
No que tange à pessoa jurídica, Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha esclarece
que “a pessoa jurídica pode prestar informações, reproduzindo documentalmente fatos
constantes de seus escritos, sendo mera prova documental”113.
O artigo 207 do Código de Processo Penal dispõe que “são proibidas de depor as
pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo,
salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.
109
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 447.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 511 (destaques do autor).
111
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 512.
112
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 445.
113
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 159.
110
38
Conforme leciona José Frederico Marques,
A pessoa arrolada como testemunha tem as obrigações seguintes: a)
comparecer em juízo, no local, dia e hora designados para o depoimento (art.
218); b) prestar depoimento (art. 206); c) dizer a verdade de que souber e lhe
for perguntado (art. 203) 114.
Acerca do valor da prova testemunhal para o processo, José da Cunha Navarro Paiva
ensina que,
[...] a atestação dos homens é a prova universal de todos os fatos humanos. A
história não é senão uma série de testemunhos transmitidos por um século
aos séculos seguintes, e a experiência geral convence-nos de estes
testemunhos, a maior parte das vezes, são conforme a verdade115.
Como se vê, a prova testemunhal tem importância no esclarecimento dos fatos, tendo
por base o relato de pessoas que de alguma forma tomaram conhecimentos dos fatos através
de seus sentidos, sejam eles, visão, audição, tato etc.
Feitas as breves considerações acerca da prova testemunhal, necessário também tecer
alguns comentários referente à prova documental.
2.2.2. Prova Documental
Em um primeiro momento, necessário se faz destacar a conceituação do termo
documento que,
Do latim documentumm, de docere (mostrar, indicar, instruir), na técnica
jurídica entende-se o papel escrito, em que se mostra ou se indica a
existência de um ato, de um fato, ou de um negócio116.
Paulo Lúcio Nogueira ensina que o estudo do documento enseja duas divisões, uma
em sentido amplo e outra em sentido estrito,
No sentido amplo, é qualquer objeto hábil para provar uma verdade, e,
portanto, não apenas o escrito, mas, como exemplo, um fragmento de metal,
um osso etc. No sentido restrito, são apenas os escritos. O nosso processo
114
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 405.
PAIVA, José da Cunha Navarro. Tratado teórico e prático das provas no processo penal, p. 67.
116
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 493 (destaque do autor).
115
39
penal dispõe que: “consideram-se documentos quaisquer
instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. (art. 232)”117.
escritos,
Leciona Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha que documento “é a chamada prova
histórica real, pois representa e reproduz um acontecimento passado gravado num objeto e
destinado a fornecer uma convicção atual”118.
Para Guilherme de Souza Nucci, documento “é toda base materialmente disposta a
concentrar e expressar um pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser
humano, que sirva para demonstrar e provar um fato ou acontecimento juridicamente
relevante”119.
Da lição de Márcia Teixeira Antunes, no que se refere à prova documental, extrai-se
que,
A expressão “prova documental” abrange os instrumentos e os documentos,
que se diferenciam, principalmente, em razão de serem constituídos com a
finalidade de servir de prova; estes, ao contrário, poderão ser utilizados
como prova, mas não são confeccionados com esta finalidade120.
No processo penal o documento é meio de prova que auxilia o juiz na descoberta dos
fatos conforme ocorridos, nesse sentido, leciona Eugênio Florian,
O documento, no processo penal, pode ser objeto de prova ou, então, meio
de prova. É ele objeto de prova quando tem de ser examinado como fato
representativo, em seus aspectos externos e no tocante ao que se apresenta
como o seu conteúdo material, notadamente para se lhe determinar a
autenticidade. Daí as regras contidas no art. 174 do Código de Processo
Penal, e ainda nos arts. 235 e 237121.
No que tange aos documentos, em um sentido amplo, existem os documentos públicos
e os particulares. Os públicos são elaborados e lavrados por aquele que esteja em exercício de
117
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal, p. 223.
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 259.
119
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 480 (grafia conforme
original).
120
ANTUNES, Márcia Teixeira. Prova documental. Disponível em: <http://www.tex. pro.br/wwwroot/03de
2005/provadocumental_marciateixeiraantunes.htm>. Acesso em: 11 ago. 2010.
121
FLORIAN, Eugênio. Elementos de derecho processual penal: delle prove penali. vol. I, 1921 apud
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 418 (destaques do autor).
118
40
função pública que o autorize a tal atribuição. Já os particulares são todos os outros
documentos, como cartas, quirógrafos, títulos etc.122.
Conforme ensinamento de Norberto Cláudio Pâncaro Avena, os documentos estão
classificados em lato sensu e stricto sensu. Os documentos lato sensu classificam-se em
instrumento (público ou particular) que são aqueles confeccionados com objetivo específico
de servir de prova. Já os documentos stricto sensu são aqueles escritos que não foram
elaborados com o propósito direto de serem utilizados como prova, porém em algumas vezes
possam ser123.
Nesse sentido, no que se refere à classificação documental, Leonardo Netto Parentoni
leciona que
A idéia que se tem de documento, intuitivamente, não difere muito da
definição gramatical e mesmo jurídica. Em sentido amplo, documento é todo
objeto material destinado a provar um fato, podendo ser um texto, uma
imagem, gravação, etc. Em sentido estrito, documento seria apenas o texto
destinado à prova de um fato124.
Tendo em vista a expansão dos dados eletrônicos, como também tudo o que é
produzido e disponibilizado na rede mundial de computadores, muito se discute acerca dos
documentos eletrônicos, de tal modo que surge a discussão em torno do correio eletrônico (email), tema principal da presente pesquisa.
Uma vez que a mensagem de texto no corpo do correio eletrônico serve também,
assim como um documento escrito, para registrar o pensamento do seu remetente, portanto
“sem dúvida alguma que o e-mail serve como prova documental que é”125.
Na lição de Guilherme de Souza Nucci, o correio eletrônico, também deve ser
entendido por documento,
O e-mail deve ser considerado documento, baseado no critério ampliativo do
conteúdo de documento, abrangendo outras bases suficientes para registrar
122
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 261.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 541(destaque do autor).
124
PARENTONI, Leonardo Netto. A regulamentação legal do documento eletrônico no Brasil. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?=id7154>. Acesso em: 18 ago. 2010 (destaque e grafia conforme
original).
125
MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. A influência da informática nos direitos individual e processual do
trabalho. Disponível em: <www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/4053/3624>.
Acesso em: 08 out. 2010.
123
41
pensamentos e outras manifestações de vontade, pois está armazenado
dentro de um computador, no disco rígido126.
Acerca do que vem a ser disco rígido (HD), necessário destacar o que ensina Carlos E.
Morimoto:
O Hard Disk, ou simplesmente disco rígido é um sistema de armazenamento
de alta capacidade, que por não ser volátil, é destinado ao armazenamento de
arquivos e programas. A capacidade do disco rígido, medida em Gigabytes,
também exerce uma grande influência sobre a performance global do
equipamento, já que determina o tempo de carregamento dos programas e de
abertura e salvamento de arquivos127.
Em sentido contrário, “a prova documental se baseia em um documento, que pode ser
público ou particular. E um e-mail não pode ser considerado um documento porque é
desprovido de assinatura (sentido material)”128.
Assim, deve-se considerar que a aceitação ou não do correio eletrônico (e-mail) como
prova, seja ela documental ou não, exige um estudo mais aprofundado, observados alguns
critérios, que serão abordados no último capítulo da presente pesquisa.
Quanto à apresentação do documento, via de regra, pode ser em qualquer momento do
processo, respeitando o que dispõe o artigo 231 do Código de Processo Penal: “salvo os casos
expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo”.
Porém existe exceção no processo penal, no que tange ao julgamento perante o júri, no
qual o artigo 479, caput, do Código de Processo Penal restringe à leitura de documento ou
exibição de objeto que não tenha sido juntado com antecedência mínina de três dias, em que
esteja ciente a outra parte129.
A prova documental encontra algumas restrições legais para que seja levada aos autos,
como por exemplo, as que forem obtidas por meio ilícito, sendo assim, cabe um estudo mais
aprimorado acerca de tais vedações, que serão abordadas com mais ênfase no próximo
capítulo por ser matéria de relevância para o tema.
126
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 481.
MORIMOTO, Carlos E. Dicionário técnico de informática. Disponível em: <http://www.guiadohardware
.net>. Acesso em: 16 ago. 2010.
128
ROCHA, Marcelo Oliveira. Os e-mails como prova na justiça do trabalho. Disponível em <http://arquivos.
ibmecsp.edu.br/hotsite/lawnews/edicao04/0607_12.asp>. Acesso em 18 ago. 2010.
129
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 769.
127
42
Necessário destacar que o estudo acerca da prova documental se estende em diversas
classificações, conceituações, divisões etc., que não foram abordadas profundamente neste
capítulo, em virtude de não ser o objetivo central da pesquisa130.
Tendo sido destacado o que vem a ser prova documental e algumas de suas
características, cabe realizar um estudo acerca dos demais meios de prova admitidos em
processo penal conforme item seguinte.
2.2.3. Demais meios de prova
O Código de Processo Penal estabelece, além da prova documental e testemunhal, os
seguintes meios de prova: a) exame de corpo de delito e outras perícias (arts. 158 a 184); b)
interrogatório do acusado (arts. 185 a 196); c) confissão (arts. 197 a 200); d) perguntas ao
ofendido (art. 201); e) reconhecimento de pessoas ou coisas (arts. 226 a 228); f) acareação
(arts. 229 e 230); g) indícios (art. 239); h) busca e apreensão (arts. 240 a 250)131.
Para fins de conhecimento, far-se-á uma abordagem resumida dos meios de prova já
citados.
2.2.3.1 Exame de corpo de delito e perícias em geral
Conforme conceituação de Fernando Capez, perícia é
[...] um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em
regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos,
acerca dos fatos necessários ao deslinde da causa. Só pode recair sobre
circunstâncias ou situações que tenham relevância para o processo, já que a
prova não tem como objeto fatos inúteis132.
A perícia se justifica quando necessária à emissão de opinião especializada sobre um
fato, do auxílio de alguém que tenha um conhecimento técnico científico133.
130
Para melhor compreensão acerca da prova documental, recomenda-se a leitura das obras dos seguintes
autores: Norberto Cláudio Pâncaro Avena, em sua obra: Processo penal: esquematizado, p. 540-544 e Denílson
Feitoza em sua obra: Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 767-769.
131
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 727.
132
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 319.
133
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 192.
43
Assim, a perícia consiste em conclusão técnica, de um fato analisado por um
profissional habilitado, ou seja, a prova pericial é destinada a levar ao juiz elementos de
convicção sobre fatos que dependem de conhecimento especial técnico.
Já o exame de corpo de delito consiste em um tipo de perícia que se destina a
comprovar a materialidade das infrações que deixam vestígio, como por exemplo, em um
homicídio. O objeto do exame de corpo de delito é concretizar o resultado da infração penal,
de forma que seja possível documentar o vestígio, para que este faça parte do processo
criminal134.
2.2.3.2 Interrogatório do acusado
No entendimento de Edílson Mougenot Bonfim, “chama-se interrogatório o ato
processual conduzido pelo juiz no qual o acusado é perguntado acerca dos fatos que lhe são
imputados, abrindo-lhe oportunidade para que, querendo, deles se defenda”135.
Recente alteração legal dada pela Lei n. 11.900/2009 alterou o artigo 185 do Código
de Processo Penal, de forma a criar a previsão legal da realização de videoconferência no
processo penal.
Leciona Cláudio Norberto Pâncaro Avena que “o interrogatório on line destina-se,
especificamente, ao acusado preso. Ilegal, portanto, a aplicação desse mesmo método ao réu
solto, já que não há permissivo a respeito”136.
No que tange à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a posição
é dominante no sentido de considerar a inconstitucionalidade do interrogatório on line, uma
vez que este modo de interrogatório resulta na “limitação ao exercício da ampla defesa” (HC
88.914/SP)137.
No que diz respeito às alterações feitas pela lei acima mencionada, destaca-se o que
aduz Flaviane de Magalhães Barros,
134
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 443.
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 341.
136
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 488.
137
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 88914, de São Paulo. Relator: Min. Cezar Peluso.
Julgado em: 14/08/2007. Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: <http://www.stf.
jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(88914.NUME.%20OU%2088914.ACMS.)&base=base
Acordaos>. Acesso em: 26 out. 2010.
135
44
Com a alteração legislativa tornou-se possível a realização do interrogatório
via videoconferência, em que o juiz e os demais sujeitos processuais
encontrar-se-ão nas dependências do fórum, enquanto o acusado
permanecerá no estabelecimento prisional. Assim, nestes casos, a nova
redação do § 5º do art. 185 prevê, implicitamente, a necessidade da presença
de um defensor no estabelecimento prisional, inclusive com um canal de
comunicação reservado entre este e o defensor do acusado, que se encontrará
na sala de audiência. A nova lei determina ainda a fiscalização do ambiente
de videoconferência nos estabelecimentos prisionais pelo juiz da causa e
pelo juiz corregedor, bem como pelo Ministério Público e pela Ordem dos
Advogados do Brasil138.
Dessa forma, entende-se que o interrogatório do acusado é uma forma de
esclarecimento acerca dos fatos a que está sendo imputado.
2.2.3.3 Confissão
Conceitua-se a confissão como sendo “a aceitação pelo réu da acusação que lhe é
dirigida em um processo penal. É a declaração voluntária, feita por um imputável139, a
respeito de fato pessoal e próprio, desfavorável e suscetível de renúncia”140.
Assim, a confissão não tem força probatória absoluta, mesmo que tenha sido prestada
judicialmente e na presença de defensor, havendo a necessidade, para o fim de fundamentar
sentença condenatória, de que seja confrontada e confirmada pelas demais provas existentes
nos autos141.
Dispõe o artigo 197 do Código de Processo Penal que “para sua apreciação o juiz
deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância”.
Desse modo, considera-se confissão quando o acusado, estando ciente do ilícito penal
que lhe foi imputado, o confessa por sua conta. Porém, não constitui prova absoluta, devendo
ser observados os demais meios probatórios para que seja comprovada a materialidade do
crime e a certeza da autoria.
138
BARROS, Flaviane de Magalhães. Interrogatório on line: implicações constitucionais e nulidades a partir da
Lei nº 11.900/2009. Disponível em: <http://www.elciopinheirodecastro.com.br/artigos_show.asp? codigo=36>.
Acesso em: 18 ago. 2010.
139
Imputável é o sujeito capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, conforme se extrai do artigo 26 do Código Penal.
140
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 336.
141
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 491.
45
2.2.3.4 Perguntas ao ofendido
Na lição de Norberto Cláudio Pâncaro Avena, sabe-se que no processo penal,
O ofendido é a vítima do delito, isto é, o sujeito passivo da infração penal,
aquele que sofreu diretamente a violação da norma penal. Neste contexto, o
meio de prova rotulado como perguntas ao ofendido objetiva trazer para
dentro do processo a versão prestada pela vítima da infração penal142.
Nas situações em que for possível, o ofendido, que é aquela pessoa lesada no seu
direito pela prática de infração penal, deverá ser ouvido para que seja instrumento de auxílio
na descoberta dos fatos tais como ocorreram.
2.2.3.5. Reconhecimento de pessoas ou coisas
Caracteriza-se o reconhecimento como sendo “o ato através do qual uma pessoa
verifica e confirma a identidade de uma pessoa ou coisa que lhe é apresentada”143.
Em virtude da necessidade do reconhecimento de pessoas para o processo, a legislação
penal o estabelece como sendo um meio de prova. Nesse sentido, destaca José Ricardo
Simões Rodrigues:
É ato pelo qual alguém verifica e confirma a identidade da pessoa ou coisa
que lhe é mostrada com pessoa ou coisa que já viu, que conhece, em ato
processual praticado diante da autoridade policial ou judiciária, de acordo
com a forma especial prevista em lei. Visa como fim a prova da identidade
física da pessoa ou da coisa, com o que se tem um objeto de prova
introduzido no processo144.
Destaca Fernando Capez que, “o reconhecimento de coisas é feito em armas,
instrumentos e objetos do crime, ou em quaisquer outros objetos que, por alguma razão,
relacionam-se com o delito”145.
142
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 500 (destaque do autor).
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 359.
144
RODRIGUES, José Ricardo Simões. Do reconhecimento de pessoas ou coisas e da acareação. Disponível
em:<http://ricardosimoes.com/docs/direito/Proc%20Penal%202%20reconhecimento%20de%20pessoas%20e%2
0coisas%20e%20acareacao.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2010.
145
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 351.
143
46
Assim, tanto o reconhecimento de pessoas, quanto o de coisas são elementos
probatórios que tem por escopo a comprovação da identidade física da pessoa ou da coisa
apresentados no processo.
2.2.3.6 Acareação
Tendo em vista ser um meio de prova, a acareação tem importância na descoberta dos
fatos, visto que, no processo, assim como nas relações hodiernas, pode acontecer de duas
pessoas contarem diferentes versões para o mesmo fato146.
Na definição de Denílson Feitoza é “ato de natureza probatória, no qual duas ou mais
pessoas são colocadas frente a frente, para elucidarem pontos controvertidos de suas
declarações, quanto a fatos ou circunstâncias relevantes para a solução da causa”147.
Desse modo, a acareação é o procedimento que consiste em colocar frente a frente
pessoas que já prestaram depoimentos em momentos anteriores, para que esclareçam aspectos
que restaram contraditórios.
2.2.3.7 Indícios
Conforme conceituação de Fernando Capez, indício é “toda circunstância conhecida e
provada, a partir da qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a
conclusão sobre um outro fato. A indução parte do particular e chega ao geral”148.
O Código de Processo Penal em seu artigo 239 assim define o indício,
Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de
outra ou outras circunstâncias.
Assim, conforme a própria conceituação do Código de Processo Penal, o indício é
composto de circunstância já conhecida e provada, a partir da qual se conclui sobre a
existência de um fato determinado.
146
RODRIGUES, José Ricardo Simões. Do reconhecimento de pessoas ou coisas e da acareação. Disponível
em:
<http://ricardosimoes.com/docs/direito/Proc%20Penal%202%20reconhecimento%20de%20pessoas%20e
%20coisas%20e%20acareacao.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2010.
147
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 767.
148
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 363.
47
2.2.3.8 Busca e apreensão
Na definição de Denílson Feitoza, “faz-se a busca, objetivando-se a apreensão de
pessoas ou coisas. A apreensão, por sua vez, destina-se a obter ou a evitar o desaparecimento
de provas”149.
Vale ressaltar que busca difere de apreensão, no sentido de que na busca o objetivo é a
descoberta de materiais que possam ser utilizados no inquérito policial ou no processo
criminal. Já a apreensão compreende o ato de reter ou retirar algo de alguém ou em um
determinado lugar, para que sirva de prova ou assegure direitos150.
Tendo em vista que o tema da presente pesquisa é o correio eletrônico como prova no
processo penal, surge a necessidade de se abordar os meios de provas admitidos em processo
penal, porém, em virtude de não serem os meios de prova o foco da referida pesquisa, estes
foram abordados de forma resumida e apenas a título de conhecimento.
No tópico seguinte serão apresentados os sistemas de apreciação das provas com o
objetivo de demonstrar ao leitor os principais aspectos da valoração e admissão das provas no
processo penal.
149
150
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 771.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 547.
3 DA PROVA PROIBIDA NO PROCESSO PENAL
O estudo da prova no processo penal compreende diversos aspectos, que são de
interesse de todos aqueles que se ocupam da ciência criminal. Para melhor compreensão do
leitor, faz-se necessário analisar, ainda que superficialmente, destacando as características
principais, os diversos sistemas de valoração das provas que foram utilizadas durante toda a
história da humanidade.
Nos próximos tópicos abordar-se-á os sistemas de apreciação das provas, a prova
proibida no processo penal, como também se fará uma breve análise acerca do princípio da
proporcionalidade.
3.1 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS
Tendo sido destacados os meios de prova que se admitem em processo penal, cabe,
neste momento a análise dos sistemas de apreciação das provas.
Com o encerramento da fase instrutória, tem início o momento de avaliação da prova,
ato que cabe somente ao juiz, que examinará o que lhe foi apresentado formando com isto o
seu convencimento151.
Apesar de que as partes possam fornecer elementos, por meio de alegações, razões,
debates ou memoriais, a avaliação que prevalece no feito será a do juiz152.
Para o presente estudo adotam-se os sistemas citados por Adalberto José Q. T. de
Camargo Aranha, quais sejam: a) sistema legal ou tarifado; b) livre convicção e; c) persuasão
racional ou da convicção condicionada153.
151
TOZADORI, André Camargo. Sistemas de apreciação das provas no processo penal. Disponível em:
<http://jusvi.com/artigos/22660>. Acesso em: 19 ago. 2010.
152
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 78.
153
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 79.
49
3.1.1 Sistema legal ou tarifado
O sistema legal ou tarifado tem como principal característica a imposição de um valor
pré-estabelecido à prova, na lição de Fernando Capez,
A lei impõe ao juiz o rigoroso acatamento a regras preestabelecidas, as quais
atribuem, de antemão, o valor de cada prova, não deixando para o julgador
qualquer margem de discricionariedade para emprestar-lhe maior ou menor
importância. Não existe convicção pessoal do magistrado na valoração do
contexto probatório, mas obediência estrita ao sistema de pesos e valores
imposto pela lei154.
Por tal sistema, um único testemunho tinha força probatória nula. Esta tarifação da
prova restringia a atividade de julgar, ficando o magistrado adstrito ao critério que o
legislador havia fixado155.
Embora seja exceção no processo penal, o legislador adotou referido sistema, que
vincula o juiz a dar um valor tarifado à prova. É o que ocorre no artigo 62 do Código de
Processo Penal, que vincula a extinção de punibilidade pela morte do réu à vista de certidão
de óbito, sendo necessária a oitiva prévia do Ministério Público. E também no que dispõe o
artigo 155 do Código de Processo Penal, o qual exige que a prova de estado das pessoas seja
comprovada via certidão156.
No sistema legal ou tarifado o juiz não tem qualquer liberdade para apreciar a prova,
sendo que o legislador já havia pré-constituído o valor de cada prova. A esse respeito leciona
Edílson Mougenot Bonfim que,
Nesse contexto, a confissão, por exemplo, recebia maior valor, contando-se,
ainda, numa escala puramente aritmética, o número de pessoas que se
dispusessem a testemunhar contra ou a favor do acusado. O somatório final,
única tarefa que cabia ao julgador, determinava a culpa do réu. Nesse
sistema surgiu o brocardo “testis unus, testis nullus”, pelo qual se exigia
mais de um testemunho para que houvesse validade legal. Ao juiz ou
tribunal não era permitido levar em conta provas que não estivessem nos
autos – “quod nom est in actis non est in mundo”157.
154
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 311.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 381.
156
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 382.
157
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 324 (destaque do autor).
155
50
Nesse sistema, a decisão do magistrado está ligada às provas produzidas no processo e
aos valores das mesmas, já estabelecidos em lei158. Nos ensinamentos de Adalberto José Q. T.
de Camargo Aranha, por tal sistema,
Cada prova tem um valor certo, constante e inalterado, preestabelecido pela
norma, de tal sorte que ao juiz só é permitida a apreciação dentro da eficácia
que a lei lhe atribui. O juiz torna-se um órgão passivo, pois, diante do valor
tabelado, a ele cabe apenas verificar o valor atribuído pela lei, reconhecendoo na sentença, sem que possa fazer sua apreciação diante da própria
convicção159.
Assim, cada fato é tratado em conformidade com as características que possui em
comum com os demais casos, sem permitir que sejam analisadas as circunstâncias em que se
deram os acontecimentos.
Conforme leciona Eugênio Pacelli de Oliveira,
Embora imbuído de bons propósitos, o aludido sistema revelou-se uma faca
de dois gumes. Como, para a obtenção da condenação, era necessária a
obtenção de um certo número de pontos, quando não se chegava a esse
número, a prova era obtida a partir da tortura, já que essa se fazia prova
plena160.
Extrai-se da análise desse sistema que a prova tem um valor tarifado, ou seja, já
instituído em lei. Assim, o julgador fica adstrito ao que já dispusera o legislador, sem que seja
permitida sua apreciação e valoração.
3.1.2. Sistema de livre convicção
Tal sistema, conforme leciona Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, “tem sua
origem em Roma, dando ao juiz total e irrestrita possibilidade de coligir e apreciar as
provas”161.
O sistema da íntima convicção é o oposto do sistema de prova legal, visto que por
aquele o juiz ficava adstrito à valoração legal da prova, sendo que neste a lei não fixa
qualquer regra de valoração da prova. Assim, a convicção íntima do magistrado é suficiente
158
FILHO, Heider Fiúza de Oliveira. Da prova no processo penal. Disponível em: <http://www. webartigos.
com/articles/2812/1/da-prova-no-direito-penal/pagina1.html>. Acesso em: 19 ago. 2010.
159
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 80
160
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 296.
161
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 80.
51
para julgar, não havendo critérios que deva seguir o magistrado para o deslinde do
julgamento162.
No que tange ao entendimento do que vem a ser tal sistema, Paulo Lucio Nogueira
ensina que
[...] o julgamento fica a critério exclusivo do julgador, que não precisa dar as
razões do seu convencimento. Ainda existe entre nós nos julgamentos do
Júri Popular, em que os jurados apenas respondem através de um sim ou
não, sem dar as razões do seu convencimento163.
Além disso, conforme leciona Denílson Feitoza, “o julgador não está obrigado a
exteriorizar as razões que o levam a proferir determinada decisão, podendo, inclusive, valer-se
de conhecimento particular a respeito do caso, abandonando toda prova dos autos”164.
Nesse sistema, o juiz tem total liberdade para reunir e apreciar as provas, conforme
leciona Liza Bastos Duarte,
Nesse sistema, o juiz torna-se soberano quanto à indagação da verdade e à
apreciação das provas, agindo apenas impulsionado pela consciência. Para o
sistema da livre convicção, não só à admissibilidade das provas, mas
também no tocante à sua avaliação, o juiz se ordenará, tão somente, através
de seus conhecimentos e suas impressões pessoais, decidindo quais provas
lhe formaram sua convicção, não estando vinculado, porém, a qualquer regra
para avaliação probatória pois sua convicção não necessita de motivação165.
Portanto, nesse sistema, o juiz é livre para formar a sua convicção acerca dos fatos,
baseando-se não apenas em testemunhas ou depoimentos, mas também na sua impressão
pessoal.
3.1.3 Sistema de Persuasão Racional
No sistema de persuasão racional o magistrado pode formar o seu convencimento sem
estar obrigado a esta ou aquela prova, desde que apresente os motivos que fundamentam sua
decisão.
162
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 310.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal, p. 196 (destaque do autor).
164
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 720.
165
DUARTE, Liza Bastos. Desafios do direito: análise da aceitação do e-mail como prova judicial. Disponível
em: <http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg69319.htmal>. Acesso em: 09 abr. 2010.
163
52
Na lição de Denílson Feitoza, tal sistema estabelece que,
Apesar de o juiz estar limitado às provas dos autos, é livre para estabelecer o
valor de cada uma, no contexto probatório global, pois não há uma
predeterminação legal do valor de cada prova, devendo, contudo,
fundamentar, motivar, sua decisão, revelando em que baseou sua valoração
probatória (art. 155 do CPP). Todas as provas têm, portanto, geralmente, o
mesmo valor166.
Trata-se do sistema em que o campo de investigação do juiz é amplo, e este não
necessita se prender em critérios valorativos167. O juiz fica limitado às provas dos autos, mas
pode determinar por si só o valor de cada uma, desde que fundamente sua decisão.
Nesse sistema, conforme leciona Fernando Capez,
O juiz tem liberdade para formar a sua convicção, não estando preso a
qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios. No entanto, essa
liberdade não é absoluta, sendo necessária a devida fundamentação168.
Assim, poderá o juiz decidir de acordo com a sua convicção, estabelecendo critérios
próprios de valoração da prova, mas fica adstrito a fundamentar a sua sentença.
O sistema da persuasão racional do juiz tornou-se legalmente conhecido com o Código
Napoleônico169, de forma que,
Segundo este critério, embora possua o juiz liberdade na aferição das provas,
esta não é irrestrita. Além disso, obriga-se o julgador a fundamentar as
razões de seu entendimento. Despe-se este sistema de apreciação, como se
vê, da rigidez do sistema da prova legal, devendo a decisão do magistrado
resultar de uma operação lógica fulcrada em elementos de convicção
angariados no processo170.
Entende-se que, dessa forma, a liberdade de aferição das provas que tal sistema
disponibiliza ao magistrado, sofre restrições quanto à necessidade de fundamentação da
decisão proferida, que não poderá atentar contra direito já estabelecido em lei.
166
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 720.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal, p. 196.
168
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 311.
169
DUARTE, Liza Bastos. Desafios do direito: análise da aceitação do e-mail como prova judicial. Disponível
em: <http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg69319.htmal>. Acesso em: 09 abr. 2010.
170
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 378.
167
53
Nesse sentido, leciona Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha que, “o juiz tem
liberdade de avaliar as provas pela sua convicção, porém condicionado às colhidas no
processo, às admitidas, às sujeitas a um juízo de credibilidade e de acordo com o valor legal,
se for o caso”171.
No que tange à apreciação das provas, assim leciona Daniel Nobre Morelli:
O material de valoração da prova deve encontrar-se, necessariamente,
contido nos autos do processo, onde o juiz tem o dever de justificá-los e
motivar sua decisão. Isso permite às partes conferirem que a convicção foi
extraída dos autos e que os motivos que o levaram a determinada sentença
chegam racionalmente à conclusão exposta pelo magistrado172.
Embora tal sistema não atribua uma vinculação valorativa à prova, necessário que o
magistrado evidencie os motivos que o levaram a determinada decisão. Nesse sentido, a
legislação processual penal é clara no sentido da obrigatoriedade de fundamentação da
decisão, conforme disposto no artigo 381, inciso III do Código de Processo Penal,
Art. 381. A sentença conterá:
[...]
III – A indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a
decisão;
Ainda quanto ao sistema da persuasão racional, Liza de Barros Duarte leciona que,
Através de uma declinação lógica, podemos constatar que é o sistema da
persuasão racional o que conduz ao mínimo de possibilidade de erro, tendo
em vista a necessidade da justificativa motivada exigida do juiz ao formar
sua convicção, reduzindo a possibilidade de eventuais críticas que a
sociedade possa fazer a respeito dos motivos que pautaram a sentença.
Ademais, o sistema da persuasão racional impede a ação de um poder
discricionário, inatingível e indomável do magistrado, resguardando a
sociedade de um possível arbítrio do mesmo173.
Trata-se do sistema de valoração de prova adotado pelo legislador brasileiro, no qual o
convencimento do magistrado é livre, desde que esteja de acordo com as provas dos autos.
171
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 82.
MORELLI, Daniel Nobre. Teoria geral da prova no processo civil: considerações sobre os principais
pontos da teoria geral da prova. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1390/Teoria-Geralda-Prova-no-Processo-Civil>. Acesso em: 18 abr. 2010.
173
DUARTE, Liza Bastos. Desafios do direito: análise da aceitação do e-mail como prova judicial. Disponível
em: <http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg69319.html>. Acesso em: 09 abr. 2010.
172
54
Nesse sentido, assim posiciona-se o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Se os autos indicam, de forma segura, por provas, indícios e circunstâncias,
apurados tanto na fase inquisitorial quanto na judicial, que o apelante foi o
autor do delito de roubo agravado pelo emprego de arma, não há o que se
falar em negativa de autoria ou em dúvida quanto a tal fato, prevalecendo o
princípio da livre convicção judicial (persuasão racional) adotado pela
sistemática processual penal (art. 157 do CPP)174.
Em novo julgado o Tribunal de Justiça de Santa Catarina ratifica esse mesmo
entendimento:
O juiz é livre na apreciação de provas e na forma de instruir o processo, e
isso lhe é facultado porquanto é o responsável pela busca da verdade
processual, a fim de melhor comandar o deslinde do feito. Inexiste
cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide (artigo 330, inciso
I, do Código de Processo Civil), se o magistrado colheu dos autos elementos
suficientes para formar seu convencimento. Ademais, cabe ao juiz, ao
analisar cada caso, decidir sobre a necessidade ou não da produção de
provas, já que vige o princípio da persuasão racional175.
Observa-se que o sistema da persuasão racional é o adotado pelo Código de Processo
Penal brasileiro, visto que há obrigatoriedade de motivar e fundamentar a decisão, devendo
ser demonstrados os motivos que levaram o magistrado a tal entendimento176.
Dessa forma, o sistema da persuasão racional do juiz tem por escopo o julgamento
através da própria consciência do magistrado quando da valoração das provas, desde que
fundamentada nos termos legais e observados os elementos do processo.
174
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 00.012445-1, de
Capinzal. Processo nº 2000.012445-1. Relator: Des. Jorge Mussi. Julgado em 21/08/2001. Juiz Prolator:
Alexandre Dittrich Buhr. Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal. Disponível em: <http://
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?parametros.frase=&parametros.todas=persuas%E3o
+racional&parametros.orgaoJulgador=&parametros.pageCount=10&parametros.dataFim=21%2F08%2F2001&p
arametros.dataIni=01%2F01%2F2001&parametros.uma=&parametros.ementa=&parametros.juiz1GrauKey=&p
arametros.cor=FF0000&parametros.tipoOrdem=data&parametros.juiz1Grau=&parametros.foro=&parametros.re
lator=&parametros.processo=&parametros.nao=&parametros.classe=&parametros.rowid=AAARykAAIAABZ8
nAAA>. Acesso em: 18 ago. 2010.
175
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2007.009744-4, da
Capital. Processo nº 2007.009744-4. Relator: Des. Fernando Carioni. Julgado em: 31/10/2007. Juiz Prolator:
Saul Steil. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil. Disponível em: <http://
app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acpesquisa!pesquisar.action?parametros.todas=princ%EDpio++persuas%E3o+raci
onal&parametros.frase=&parametros.uma=&parametros.nao=&parametros.dataIni=&parametros.dataFim=&par
ametros.processo=&parametros.ementa=&parametros.classe=&parametros.relator=&parametros.juiz1Grau=&pa
rametros.juiz1GrauKey=&parametros.foro=&parametros.orgaoJulgador=&parametros.cor=FF0000&parametros.
tipoOrdem=relevancia&parametros.pageCount=10>. Acesso em: 23 ago. 2010.
176
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 82.
55
Tendo sido feitas as considerações acerca dos sistemas de apreciação de provas,
passar-se-á ao estudo da prova proibida no processo penal.
3.2 DA PROVA PROIBIDA NO PROCESSO PENAL
O objeto do processo penal, de modo geral, é a descoberta da verdade para concluir
pela existência ou não de determinado fato delituoso. Conforme já visto no capítulo anterior,
o modo para que seja possível demonstrar a verdade é a prova, através dos meios definidos no
Código de Processo Penal.
No entanto, conforme destaca Eugênio Pacelli de Oliveira,
A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas com violação
de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar direitos e garantias
individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser
introduzido e valorado no processo177.
A discussão em torno da prova proibida é tema de vasta divergência, visto que a
sociedade atual enfrenta uma época de violência, a qual torna qualquer método válido desde
que alcance a finalidade visada, e ainda há que se considerar os avanços tecnológicos que
proporcionam largos caminhos para a espionagem e para a invasão da privacidade alheia178.
Conforme leciona Paulo Rangel, a vedação da prova pode estar estabelecida em norma
processual ou em norma de direito material, e é dividida em prova ilegítima ou prova
ilícita179.
Nesse sentido se manifestam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e
Antonio Magalhães Gomes Filho:
[...] diz-se que a prova é ilegal toda vez que sua obtenção caracterize
violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de
natureza processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma
lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando,
177
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, p. 298.
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 49.
179
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.
392.
178
56
pelo contrário, a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente
obtida180.
Assim, para melhor compreensão das limitações referentes à atividade probatória,
abordar-se-á, nos próximos itens, toda temática que envolve as referidas restrições.
3.2.1 Prova ilícita
Conforme disposto na CRFB/88, no artigo 5º, LVI, “são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos”.
Na mesma linha, estabelece o Código de Processo Penal, em seu artigo 157, caput que,
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
Norberto Cláudio Pâncaro Avena destaca que, “em linhas gerais, costuma-se
considerar que ilícitas são as provas obtidas mediante violação de normas de direito
material”181.
Denílson Feitoza classifica a prova ilícita como sendo, “as que violam norma de
direito material. As provas ilícitas dizem respeito à obtenção ou coleta da prova. No caso há
violação de uma norma material”182.
Nessa mesma linha está o entendimento de Luciana Fregadolli quando diz que “a
prova ilícita diz respeito à transgressão do Direito Material, ocorrendo a violação no momento
da colheita da prova183.
Em sentido estrito, pode-se dizer que prova ilícita é aquela colhida de tal modo que
infrinja normas ou princípios legais ou constitucionais, com a finalidade de proteger as
liberdades públicas dos direitos à intimidade e personalidade184.
180
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 149.
181
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 397.
182
FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis, p. 692.
183
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 180.
184
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 150.
57
Como exemplo pode-se citar o artigo 233 do Código de Processo Penal que dispõe,
“as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em
juízo”.
Observa Alexandre Cebrian Araújo Reis, que a prova é ilicitamente obtida, quando
violado um direito que determinada pessoa tem tutelado independentemente do processo185.
Assim, “considera-se ilícita a prova que viola regra de direito material, no momento de sua
obtenção (produção fora do processo ou extraprocessual)”186.
Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio
Magalhães Gomes Filho, considera-se vedada a prova “sempre que for contrária a uma
específica norma legal, ou a um princípio do direito positivo”187.
Conforme leciona José Roberto dos Santos Bedaque,
Predomina o entendimento de que o juiz não pode levar em consideração tais
provas, tendo em vista o meio pelo qual se deu sua obtenção. A se admitir
sua influência no resultado do processo, estar-se-ia aceitando a violação de
princípios constitucionais188.
Quanto à amplitude da violação de direito material que a obtenção de prova ilícita
representa, Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha ensina que
A violação a um princípio de direito material pode ser ampla, não se
resumindo na oposição à lei; é possível ofender os costumes (exteriorizar
segredo obtido em confessionário), a boa-fé (usar gravador disfarçado), a
moral (recompensar parceiro para conseguir a prova do adultério189) etc.190.
185
REIS, Alexandre Cebrian Araújo. Processo penal: parte geral. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 124.
186
DIAS, Dejanira da Silva. Provas ilícitas: inadmissibilidade e desentranhamento do processo a partir da
reforma processual de 2008. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2287>.
Acesso em: 28 out. 2010.
187
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 149.
188
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 139.
189
O crime de adultério foi revogado pela Lei n. 11.106/2005.
190
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 51.
58
Por conseguinte, da citação acima, entende-se que a ilicitude material delineia-se
através da emissão de um ato contrário ao direito, pelo qual se obtém um dado probatório que
viola alguma norma legal191.
Em resumo, pode-se definir a prova ilícita como sendo uma norma violadora de direito
material, seja porque a norma proíbe aquele tipo de prova (tortura, por exemplo), seja porque
permite, mas desde que se cumpra com o que a norma exige (mandado de busca e apreensão
para ingressar no domicílio)192.
A questão da utilização ou não da prova ilícita no processo penal é tema de ampla
discussão, visto que
Nenhum princípio é absoluto, ainda que previsto em sede constitucional.
Não se pode esquecer que, ao lado do direito à privacidade, também existe a
garantia de acesso à justiça, que compreende todos os meios necessários a
que o processo seja efetivo, isto é, constitua instrumento apto à solução
adequada das controvérsias. Fala-se hoje, aliás, em devido processo
constitucional, que nada mais é do que o modelo constitucional de processo,
com todas as garantias consideradas necessárias à eficácia desse
instrumento. Entre elas encontra-se, sem dúvida, o direito à prova193.
Assim, mesmo que não se possa garantir absoluta proteção à privacidade e ao sigilo no
processo penal, também não se pode permitir, em homenagem ao princípio da verdade real,
que a busca pela prova, de forma desmedida e incontrolada, possa sem motivos consideráveis
e de forma desproporcional, ofender o investigado ou o acusado em seus direitos
fundamentais e violar o seu direito, permitindo que a prova contra si produzida tenha sido
obtida por meios ilícitos194.
No atual regramento determinado pela Lei n. 11.690/2008, como consequência à
juntada de prova ilícita nos autos do processo penal, esta deverá ser desentranhada195 dos
autos (art. 157, caput) e uma vez preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando-se às partes acompanhar o
incidente (art. 157, § 3º)196.
191
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 285.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal, p. 393.
193
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, p. 139.
194
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, p. 84.
195
No direito processual e no direito administrativo refere-se ao ato de excluir documento do corpo dos autos.
Cf. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 444).
196
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 399.
192
59
Acerca da consequência da utilização da prova ilícita assevera Maíra Silva da Fonseca
Ramos,
Se, contudo, a prova ilícita, sem que se exclua dela esse vício, ingressar no
processo, vulnerando norma constitucional, deverá o magistrado proceder ao
seu desentranhamento dos autos, já que não poderá levar em consideração
mencionada prova em decisão ou sentença que venha proferir. Se isso
ocorrer, poderá o acusado requerer ao julgador que determine a exclusão da
prova ilícita dos autos. Isso porque a prova ilícita é tida por prova inexistente
juridicamente e não hábil à comprovação dos fatos197.
Dessa forma, entende-se por prova ilícita aquela obtida com transgressão a norma de
direito material, que caso seja utilizado nos autos sem que tenha sido sanada a sua ilicitude,
deverá ser desentranhada, sendo, portanto considerada inexistente.
3.2.1.1 Prova ilegítima
Na lição de Marco Antônio Garcia de Pinho, quando a prova produzida afrontar norma
de natureza processual, então será ilegítima a prova198.
Para Luciana Fregadolli, “a prova ilegítima, por sua vez, diz respeito à transgressão de
regra de caráter processual, ocorrendo em momento processual posterior à sua colheita, ou
seja, no momento de sua produção, de sua introdução no processo”199.
A prova ilegítima ou ilegitimamente produzida,
É aquela cuja colheita estaria ferindo normas de Direito Processual, tais
como a proibição de depor em virtude do sigilo profissional (CPP, art. 207)
ou a recusa de depor por parte de parentes (CPP, art. 206). A sanção para o
descumprimento dessas normas se encontra na própria lei processual,
resolvendo-se tudo dentro do processo200.
197
RAMOS, Maíra Silva da Fonseca. A prova proibida no processo penal: as conseqüências de sua utilização.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7432>. Acesso em: 06 out. 2009.
198
PINHO, Marco Antônio Garcia de. Breve ensaio das provas ilícitas e ilegítimas no direito processual
penal brasileiro. Disponível em: <http://direito.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=1456>. Acesso em: 22 de
jun. de 2010.
199
FREGADOLLI, Luciana. O direito à intimidade e a prova ilícita, p. 180.
200
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e interceptação telefônica, p. 103.
60
Assim, pode-se dizer que “a ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento
introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua
origem”201.
Para Norberto Cláudio Pâncaro Avena, “ilegítimas são as provas produzidas a partir da
violação de normas de natureza eminentemente processual, isto é, normas que têm fim em si
próprias. Aqui não há qualquer reflexo em nível constitucional”202.
Havendo a produção de prova ilegítima no processo, a própria lei processual
determinará a sanção, podendo ser decretada a sua nulidade, conforme se infere do artigo 564,
IV, do Código de Processo Penal203.
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
[...]
IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.
Assevera Eduardo Luiz Santos Cabette que, quanto ao destino das provas obtidas por
meios ilícitos, aponta-se, em geral a solução de seu desentranhamento dos autos a fim de
reduzir o seu potencial de influência sobre a consciência dos julgadores204.
Nesse sentido é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “para violação do impedimento meramente
processual basta a sanção erigida através da nulidade do ato cumprido e da ineficácia da
decisão que se fundar sobre os resultados do acertamento”205.
Assim, para a prova que ofende norma meramente processual existirá sanção prevista
em lei e a consequência é o seu desentranhamento do processo.
201
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 285.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 403.
203
PINHO, Marco Antônio Garcia de. Breve ensaio das provas ilícitas e ilegítimas no direito processual
penal brasileiro. Disponível em: <http://direito.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=1456>. Acesso em: 22
jun. de 2010.
204
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A reforma do Código de Processo Penal e a polêmica da
inadmissibilidade das provas ilegítimas. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/35831>. Acesso em: 11 ago.
2010.
205
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance e FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 149.
202
61
3.2.1.2 Provas ilícitas por derivação
No ensinamento de Edílson Mougenot Bonfim “trata-se da prova que, conquanto
isoladamente considerada possa ser considerada lícita, decorra de informações provenientes
da prova ilícita”206. Como exemplo, pode-se citar a interceptação de dados eletrônicos, por
intermédio da qual a polícia encontra mensagem eletrônica que incrimina o acusado.
A vedação à prova ilícita por derivação encontra respaldo no artigo 157, §§ 1º e 2º,
que assim dispõem:
Art. 157. [...]
§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
§ 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,
seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Leciona Cláudio Norberto Pâncaro Avena que “trata-se, enfim, da aplicação da Teoria
da Árvore dos Frutos Envenenados (fruits of the poisonous tree), segundo a qual o defeito
existente no tronco contamina os frutos”207.
Considerando uma posição sensível às garantias da pessoa humana, e mais tolerante
com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às
provas derivadas, que são igualmente excluídas do processo208.
Como pontifica Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha,
Ora, se a não prova ou a prova inexistente, em razão de sua ilicitude, gera
outra prova, embora esta tenha aparência formal de perfeita, esta última está
contaminada pelo defeito de sua origem, tornando-se, conseqüentemente,
também prova ilícita e, como tal, imprestável209.
206
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 312.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado, p. 404. (destaque do autor).
208
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 153.
209
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 69 (grafia conforme o
original).
207
62
Nesse sentido posiciona-se Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO. REPRODUÇÃO SIMULADA
DOS FATOS E LAUDO PERICIAL COMPLEMENTAR REALIZADOS A
PARTIR DO TEOR DO INTERROGATÓRIO. NEXO DE
CAUSALIDADE EVIDENTE. DESENTRANHAMENTO QUE SE
IMPÕE. Imprescindível o reconhecimento da ilicitude das provas derivadas
de interrogatório nulo, quando demonstrado o nexo de causalidade entre
elas, bem como verificada a impossibilidade de realizá-las a partir de outra
210
fonte de prova .
O Supremo Tribunal Federal acerca das provas ilícitas por derivação manifestou-se da
seguinte maneira:
Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em
momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal
nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. A
exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da
ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos
destinados a conferir efetividade à garantia do due process of law e a tornar
mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela
constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a
qualquer acusado em sede processual penal211.
Quanto à nulidade, Marco Antônio Garcia de Pinho ensina que “a presença de uma
prova ilícita ou ilegítima não o vicia de nulidade”. E continua:
A prova, sim, é nula e deve ser desentranhada dos autos. No entanto, o
restante do processo, desde que não contaminado, continua válido.
Conforme sugere a expressão inglesa, a teoria é no sentido de que as provas
ilícitas por derivação devem ser igualmente desprezadas, pois contaminadas
pelo vício de ilicitude do meio usado pra obtê-la. A contaminação,
210
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Embargos Infringentes, de Joinville.
Processo 2009.051225-8. Relator Moacyr de Moares Lima Filho. Julago em 02/06/10. Juiz Prolator: Renato Luiz
Carvalho
Roberge.
Órgão
Julgador:
Seção
Criminal.
Disponível
em:
<http://http://app.
tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?parametros.frase=&parametros.todas=provas+il%EDcitas+por
+deriva%E7%E3o&parametros.orgaoJulgador=&parametros.pageCount=10&parametros.dataFim=02%2F06%2
F2010&parametros.dataIni=01%2F01%2F2010&parametros.uma=&parametros.ementa=&parametros.juiz1Grau
Key=&parametros.cor=FF0000&parametros.tipoOrdem=data&parametros.juiz1Grau=&parametros.foro=&para
metros.relator=&parametros.processo=&parametros.nao=&parametros.classe=&parametros.rowid=AAARykAA
LAABGYtAAJ>. Acesso em: 23 ago. 2010.
211
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 93050. Rio de Janeiro/RJ. Relator: Min. Celso de
Melo. Julgamento: 10/06/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: <http://www
.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=prova%20ilícita%por%20derivação&base=baseAcor
daos>. Acesso em: 11 out. 2010.
63
entretanto, não atinge a prova colhida durante o processo penal se a prova
ilícita instruiu apenas o inquérito policial212.
A respeito da definição de ser a prova derivada considerada lícita ou não, Edílson
Mougenot Bonfim assim se manifesta:
O problema consiste justamente em estabelecer o nexo causal entre a
ilegalidade originária que justifique a regra da inadmissão da prova e a
obtenção do material probatório de forma derivada. O problema é análogo,
diga-se, ao direito penal quando se discute com profundidade o tema do nexo
causal213.
No que tange à vedação da utilização das provas ilícitas por derivação, necessário
destacar o que ensinam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
Magalhães Gomes Filho:
No entanto, é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da
inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore
envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina
internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da
ilícita, quando a conexão entre umas e outras é tênue, de modo a não se
colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda,
quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser
descobertas por outra maneira. Fala-se no primeiro caso em independent
source e, no segundo, na inevitable discovery. Isso significa que se a prova
ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das
derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não ficam contaminadas e
podem ser produzidas em juízo214.
Quanto às provas derivadas que poderiam de outra forma ser descobertas,
A dificuldade [...] reside justamente em se estabelecer o que são “trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal” e,
sobretudo, se estes realmente levariam à descoberta da mesma prova oriunda
da ilicitamente obtida, dependendo, portanto, da análise do caso concreto215.
212
PINHO, Marco Antônio Garcia de. Breve ensaio das provas ilícitas e ilegítimas no direito processual
penal brasileiro. Disponível em: <http://direito.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=1456>. Acesso em: 22 de
jun. de 2010.
213
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 314.
214
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 154 (destaque dos autores).
215
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 315.
64
Assim, a prova ilícita por derivação é inadmissível no processo, uma vez que
observada a teoria dos frutos da árvore envenenada, que determina que são contaminadas
todas as provas que derivam diretamente da prova obtida por meios ilícitos.
Após terem sido destacados ao leitor os principais aspectos da prova proibida no
processo penal, necessário também pontuar acerca do princípio da proporcionalidade, uma
vez que muito discutido quando o assunto são as provas proibidas.
3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Em contrapartida à vedação das provas ilícitas no âmbito processual penal estão os
demais princípios que o regem e, entre eles, em especial, o princípio da proporcionalidade.
Contudo, antes que seja analisado tal princípio, cabível, para tal estudo, a análise dos
princípios ligados à prova no processo penal, conforme se abordará nos itens que seguem.
3.3.1 Noção de princípios
Cada vez que se pensa no termo princípio vem logo à idéia de começo, de algo que
está no início, “porém, em termos jurídicos, é muito mais amplo; o princípio quer na verdade
alicerçar uma estrutura, garantir a sua existência e a sua aplicabilidade”216.
No objetivo de conceituar o que vem a ser princípio, Diogenes Gasparini leciona que,
Princípio é uma frase, no nosso caso, uma frase que tem um conteúdo
jurídico. Então, princípio é isso: uma frase, uma proposição portadora de
conteúdo jurídico. Alguns são naturais, como são os princípios: todo homem
tem direito à vida e todo homem tem direito à liberdade. Outros são
construídos pelo homem, a exemplo dos princípios do sigilo no Direito
Privado e da publicidade no Direito Público. Talvez alguém diga, ante essa
afirmação, que “isso é uma definição muito simples.” De fato, mas, se
quisermos burilar um pouco este conceito, poderemos dizer que princípio é
uma idéia central, uma noção nuclear de um sistema e que lhe dá um sentido
lógico, um sentido harmônico e racional, de forma a permitir a sua
compreensão e o modo de se organizar217.
216
GABRIEL, Sérgio. O papel dos princípios no direito brasileiro e os princípios constitucionais. Disponível
em: <http://jusvi.com/artigos/29789/1>. Acesso em: 02 ago. 2010.
217
GASPARINI, Diogenes. Princípios e normas gerais. Disponível em: <http://www.tcm. sp.gov.br/legislacao/
doutrina/14a18_06_04/diogenes_gasparini1.htm>. Acesso em: 12 jul. 2010.
65
Conforme ensinamento de Edilsom Pereira de Farias, “para a teoria da argumentação
jurídica, os princípios constituem subsídios importantes para fundamentar racionalmente
decisões jurídicas”218.
Pode-se dizer que os princípios são entendidos como “normas-chaves de todo o
sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo de programaticidade [...]”219.
O estudo dos princípios compreende um vasto caminho, sendo que cada área do direito
possui aqueles que lhe cabe mais apropriadamente, porém ressalta-se que estão interligados.
No que tange a presente pesquisa, limitar-se-á a análise dos princípios que regem a
prova no processo penal, tendo em vista o elevado número de princípios existentes no campo
da ciência jurídica.
Neste tópico serão abordados, de forma resumida os seguintes princípios: princípio da
auto-responsabilidade das partes, princípio da aquisição ou comunhão da prova, princípio da
oralidade, princípio da concentração, princípio da publicidade e princípio do livre
convencimento motivado.
O princípio da auto-responsabilidade das partes está ligado à temática das provas, uma
vez que as partes devem assumir as consequências de sua inatividade, erro ou atos
intencionais220.
Conforme se infere do artigo 5º, LV, da CRFB/88, sempre que for produzida uma
prova deverá ser dada oportunidade de manifestação à outra parte, sendo passível de nulidade
do processo caso “uma das partes não tenha ciência e possibilidade de manifestar-se sobre
uma prova existente nos autos”221.
Pelo princípio da aquisição, ou comunhão da prova, entende-se que
Uma vez produzida a prova, ela passa a integrar o processo, não pertencendo
mais à parte que a produziu, que perde a legitimidade. Por este princípio, a
prova produzida pelas partes passa a integrar um conjunto probatório
218
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus
a liberdade de expressão e informação. 2. ed. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 24.
219
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 256.
220
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 312.
221
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 33.
66
unitário, entre as partes, no intuito de influir no convencimento do
julgador222.
No que tange ao processo e à produção de provas, deve haver predominância da
palavra falada, imediatidade do juiz com as partes e as provas, e concentração de causa no
tempo, trata-se do princípio da oralidade223.
Determina o princípio da concentração que se deve reunir a produção de prova na
audiência224. “Significa que se deve buscar condensar a produção probatória em audiência, de
modo que o juiz, no ato de sentenciar, conserve em sua memória o ocorrido no momento de
obtenção das provas”225.
Em atenção ao princípio da publicidade, “os atos judiciais, conseqüentemente a
produção de prova, são públicos, admitindo-se exceção quanto ao segredo de justiça”226.
O princípio do livre convencimento motivado segue o estabelecido pelo artigo 155 do
Código de Processo Penal, o qual estabelece que “as provas não são valoradas previamente
pela legislação; logo, o julgador tem liberdade de apreciação, limitado apenas aos fatos e
circunstâncias constantes nos autos”227.
Diante do exposto, observa-se que o processo penal além de reger-se pela legislação
também se orienta pelos princípios que regem a instrução probatória.
Além dos princípios que norteiam a instrução probatória, faz-se necessário levar ao
leitor uma abordagem acerca do princípio da proporcionalidade, conforme se fará no próximo
item.
3.3.1.1 Aplicação do princípio da proporcionalidade
Cabe ressaltar que diante de todas as proteções constitucionais elencadas no artigo 5º
da CRFB/88, como a proteção à vida, à intimidade etc., podem ocorrer divergências quanto à
222
PINHO, Marco Antônio Garcia de. Breve ensaio das provas ilícitas e ilegítimas no direito processual
penal brasileiro. Disponível em: <http://direito.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=1456>. Acesso em: 10 de
ago. 2010.
223
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 34.
224
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 312.
225
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado, p. 376.
226
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal, p. 34 (grafia conforme o
original).
227
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 312.
67
aplicação legal do caso que está sendo analisado, é o que Edilsom Pereira de Farias entende
como colisão de direitos fundamentais,
[...] o conteúdo dos direitos fundamentais é, muitas vezes, aberto e variável,
apenas revelado no caso concreto e nas relações de direitos entre si ou nas
relações destes com outros valores constitucionais (ou seja, posições
jurídicas subjetivas fundamentais prima facie). Resulta então, que é
frequente, na prática, o choque de direitos fundamentais ou choque destes
com outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente228.
Assim, a aplicação dos princípios se dá como forma de ponderar o que dispõe a norma
e o que se infere do caso a que se está analisando. Desse modo, Eugênio Pacelli de Oliveira
ensina que
O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos ou
tensões entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se na
chamada ponderação de bens, presente até mesmo nas opções mais
corriqueiras da vida cotidiana. O exame normalmente realizado em tais
situações destina-se a permitir a aplicação, no caso concreto, da proteção
mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos
gravosa ao(s) outro(s). Fala-se, então, em proporcionalidade229.
Na lição de Pierre Muller, “o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a
que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem de poder”230.
Assevera Celso Antônio Bandeira de Mello que o princípio da proporcionalidade,
Enuncia a idéia – singela, aliás, conquanto freqüentemente desconsiderada –
de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas
na extensão e intensidade correspondentes ao que seja realmente demandado
para cumprimento da finalidade de interesse público a que são atreladas. [...]
Sobremodo quando a administração restringe a situação jurídica dos
administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma
intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de
sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em
sua liberdade ou propriedade, que não sejam indispensáveis à satisfação do
interesse público231
228
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus
a liberdade de expressão e informação, p. 116 (grafia conforme o original).
229
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal, p. 324 (destaque do autor).
230
MULLER, Pierre. Zeitschrifi für Schweizerisches Recht, Band, 97, 1978, Basel, p. 531 apud BONAVIDES,
Paulo. Curso de direito constitucional, p. 357.
231
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 110 (destaques do autor).
68
Percebe-se que a finalidade primordial da aplicação o princípio da proporcionalidade é
a proteção dos direitos fundamentais, por meio da garantia dos mesmos ante as possibilidades
fáticas e jurídicas232.
Quanto à utilização do princípio da proporcionalidade, Edílson Mougenot Bonfim
assim leciona,
A fundamentação daqueles que defendem sua existência reside na idéia de
que a luta contra a criminalidade, sendo um bem jurídico inegavelmente
valioso, e a busca da verdade, justificam, em certas ocasiões, que a utilização
de uma prova ilícita seja admissível, desde que haja notória preponderância
entre o valor do bem jurídico tutelado em relação àquele que a prova
desrespeita233.
Apesar de ser dominante a teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas, colhidas
com inobservância aos princípios ou normas constitucionais, existe, porém, uma outra
tendência que tem por escopo corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia
levar em caso de excepcional gravidade, trata-se de um critério de proporcionalidade234.
A aplicação do princípio da proporcionalidade no processo penal visa também,
obedecer ao critério de descoberta da verdade, uma vez que,
A busca da verdade real ganha amplitude no moderno processo penal, uma
vez que a inadmissibilidade absoluta de provas obtidas por meios ilícitos,
conquanto notável garantia constitucional-processual, afronta o princípio do
livre convencimento do juiz, na medida em que obriga o magistrado a
desconsiderar a realidade, ou seja, a busca da verdade real235.
Leciona Roberta Pappen da Silva que “o princípio da proporcionalidade constitui meio
adequado e apto instituído para a solução dos conflitos tendo seu relevante papel de
concretizador dos direitos fundamentais [...]”236.
No que diz respeito à força normativa do princípio da proporcionalidade, Mariângela
Gama de Magalhães Gomes ensina que,
232
ANTUNES, Roberta Pacheco. O princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na problemática
das provas ilícitas em matéria criminal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8153>.
Acesso em: 19 jul. 2010.
233
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 321.
234
GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antônio Scarance. FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As
nulidades do processo penal, p. 152.
235
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 317.
236
SILVA, Roberta Pappen da. Algumas considerações sobre o princípio da proporcionalidade. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6198>. Acesso em: 22 ago. 2010.
69
No tocante às diretrizes legislativas para elaboração das leis penais, a
circunstância de o princípio da proporcionalidade não estar expresso na
Constituição brasileira não impede que seja reconhecido em vigor também
aqui, invocando o disposto no § 2.º do art. 5.º, segundo o qual “os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados”237.
Dessa forma, não cabe afastar o princípio da proporcionalidade da visão
constitucional, visto que, mesmo não estando expresso, também foi abrangido pela CRFB/88.
Entende-se que na aplicação da lei, deverá primeiramente o juiz,
[...] mensurar os princípios de acordo com a hierarquia constitucional, e, em
caso de empate - mesma topografia hierárquico constitucional, buscar como
modelo jurídico-interpretativo solucionador do impasse o princípio da
proporcionalidade, pelo qual será possível o balanço dos valores em questão,
estabelecendo no caso concreto o peso de cada um dos bens ou valores em
jogo, e definindo, ao final, [...] qual deles deverá prevalecer238.
A aplicação do princípio da proporcionalidade se dá mediante necessidade de
construção de um direito em que a norma possa ser utilizada de forma harmoniosa entre
interesses opostos na mesma relação jurídica. Quando há um conflito entre princípios,
necessário ponderar qual deles melhor se aplica ao caso concreto239.
Assim, deve-se considerar que a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá
mediante observância do bem comum, sendo muitas vezes relevante admitir no processo
certos elementos que afrontem outros princípios ou normas, visando o interesse maior da
coletividade.
Tendo sido destacados os principais aspectos relacionados à prova no processo penal,
dar-se-á início ao estudo acerca do correio eletrônico, abordando os principais aspectos desde
o seu surgimento até os dias atuais, como também no que tange a sua utilização ou não como
prova no processo penal.
237
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no direito penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 63.
238
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de processo penal, p. 316.
239
SILVA, Roberta Pappen da. Algumas considerações sobre o princípio da proporcionalidade. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6198>. Acesso em: 22 ago. 2010.
4 O CORREIO ELETRÔNICO COMO PROVA NO PROCESSO PENAL
A informação é elemento presente no cotidiano do homem desde que este começou a
escrever. Telégrafo, rádio, telefone, gravador, televisão, todas essas tecnologias contribuíram
para facilitar a comunicação, mas é o computador que, desde a sua criação, vem tomando
conta da cena quando o assunto é informação240.
Nesse aspecto, abordar-se-á no próximo item alguns dos principais elementos relativos
ao surgimento e ao impacto que o advento da internet vem causando na sociedade.
4.1 ASPECTOS GERAIS DA INTERNET
Cabe ressaltar que hodiernamente é possível, devido aos provedores gratuitos e
redução de taxas e mensalidades dos serviços pagos, ter acesso à internet – a rede mundial de
computadores241, fazendo com que, cada vez mais, o serviço de correspondência seja utilizado
por um número maior de pessoas e tornando-se necessário compreender até que ponto os
documentos resultantes deste tipo de comunicação, podem, ou não, ser utilizado como prova
no processo penal.
Nesse ponto da pesquisa necessário para melhor compreensão do leitor, destacar os
principais aspectos da internet, abordando de forma resumida as principais características
desde o seu surgimento até os dias atuais.
Surgido em 1969, o projeto Arpanet da agência de projetos de Defesa norte-americana
confiou à Rand Corporation a elaboração de um sistema de telecomunicações que não
interrompesse a comunicação dos Estados Unidos mesmo diante de um ataque nuclear
russo242.
240
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010.
241
MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico: aplicabilidade do código de defesa do
consumidor nos contratos de e-commerce. São Paulo: LTr, 2001, p. 25.
242
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade
civil, p. 25.
71
Com objetivo de impedir um desastre atômico, a internet, nos dizeres de Olavo José
Anchieschi Gomes,
Possuía uma arquitetura, cujo objetivo era funcionar como um sistema de
comunicação independente, mesmo que Washington fosse riscada do mapa
por um ataque nuclear. A internet nasceu sem um centro de comando. Não
tem dono nem governo, cresce espontaneamente como um capim e qualquer
corporação venderia a alma para tê-la a seu serviço243.
O projeto Arpanet permitiu que os recursos dos computadores de militares e
universitários fossem compartilhados, possibilitando que estes se comunicassem. Além disso,
a rede foi projetada para resistir a possíveis danos que pudessem prejudicar seu
funcionamento244.
Assim, “as primeiras funções executadas com as tecnologias desenvolvidas pelo
projeto foram as de correio eletrônico, de transferência de arquivos e de acesso remoto a
computadores, denominadas de serviços básicos da internet”245.
Durante muito tempo a utilização da internet ficou restrita ao uso exclusivamente
científico e governamental, somente sendo liberada para uso comercial em 1987 e, no Brasil,
a partir de 1995246.
Conforme leciona Guilherme Tomizawa,
Em 1989 nasceu a www (World Wide Web), uma teia de alcance mundial
composta por hipertextos que se transformou numa nova ferramenta de
comunicação e avanço na aldeia global, chegando à marca de 800 milhões de
usuários navegando pela Internet até 2004247.
Além dos Estados Unidos da América outros países, inclusive o Brasil, perceberam a
importância da internet e criaram suas redes acadêmicas próprias. A rede brasileira foi
implantada pelo governo federal através do Projeto da Rede Nacional de Pesquisa – RNP,
criado em 1989 pelo Ministério de Ciência e Tecnologia - MCT, com o apoio de instituições
243
GOMES, Olavo José Anchieschi. Segurança total. São Paulo: Makron Books, 2000, p. 1.
GRALLA, Preston. Como funciona a internet III. São Paulo: Quark Books, 1997, p. 4.
245
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010, p. 9.
246
MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico: aplicabilidade do código de defesa do
consumidor nos contratos de e-commerce, p. 27.
247
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 25 (Destaque do autor).
244
72
governamentais de vários Estados, entre os quais a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo - FAPESP248.
A abertura da internet ao setor privado para exploração comercial pela população
brasileira somente foi possível em 1995, através da iniciativa do Ministério das
Telecomunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia249.
Segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - IBOPE, o número de
pessoas no Brasil com acesso à internet em todos os ambientes (residências, trabalho, escolas,
lan-houses, bibliotecas e telecentros) no segundo trimestre de 2009 é de 64,8 milhões de
pessoas (no primeiro trimestre, eram 62,3 milhões)250.
Conforme Preston Gralla, “a internet tornou-se uma vasta rede, conectando
companhias, indivíduos, pesquisadores, universidades e governo – ou seja, qualquer pessoa
que dispuser de um computador pode se conectar”251.
Desde o seu surgimento a internet tem provocado, na vida de milhões de pessoas, a
criação e o desenvolvimento de novos mecanismos, objetivando um maior aperfeiçoamento,
rapidez, confiabilidade, segurança e modernização da comunicação252.
Na lição de Mauricio Matte, a internet hoje,
[...] e cada dia mais, possibilita uma rápida troca de informações, que aos
poucos vem gerando uma certa diminuição temporal e “espacial” do nosso
cotidiano e uma aceleração estrondosa no ferramental laborativo e da própria
vida253.
248
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010, p. 9.
249
BOGO, Kellen Cristina. A história da internet: como tudo começou. Disponível em:
<http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=11&rv=Vivencia>. Acesso em: 29 set. 2010.
250
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Internet no Brasil cresceu 10% no mês de
julho. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj= Portal
IBOPE&pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&nivel=null&docid=62A33B253477B58783257619004BD1
5C. Acesso em: 29 set. 2010.
251
GRALLA, Preston. Como funciona a internet III, p. 6 (destacou-se).
252
MARQUES, Antônio Terêncio G. L. A prova documental na internet, p. 120.
253
MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico: aplicabilidade do código de defesa do
consumidor nos contratos de e-commerce, p. 29 (Destaque do autor).
73
Pode-se dizer que através da rede mundial de computadores,
Pela primeira vez, o mundo está literalmente ao alcance de suas mãos.
Através do seu computador, você pode entrar em contato com qualquer coisa
que possa nomear ou mesmo imaginar, comunicar-se com pessoas do outro
lado do mundo, participar de uma videoconferência, acessar recursos de
computadores poderosos em qualquer parte do globo, pesquisar através das
melhores bibliotecas internacionais e visitar os museus mais interessantes do
mundo254.
Atualmente a internet é uma mistura de meio de trabalho, pesquisa e diversão. Dentro
de algum tempo, com sua utilização como meio de comunicação e troca de informações,
quem ignorar o uso da internet poderá, dentre as muitas formas de exclusão da sociedade,
sofrer a exclusão tecnológica255.
Dessa forma, “a internet não é apenas uma rede; é uma rede ampla e espalhada pelo
mundo das redes. Nenhuma pessoa sozinha, grupo ou organização controla a internet. Pelo
contrário, ela é a forma mais pura de democracia eletrônica”256.
Vale ressaltar o que leciona Iran de Lima,
Que se utilize intensivamente a tecnologia avançada mas nunca esquecendo
que o maior beneficiário deve ser o próprio homem, individualmente
considerado e não como massa amorfa dentro de uma sociedade de tipo
coletivista. É preciso também que a criatividade humana seja também
sempre mantida íntegra, o que somente será possível com a legislação
adequada257.
No que tange aos seus benefícios, pode-se dizer que a rede mundial de computadores,
“está ultimamente revolucionando a educação. Não obstante, a internet é um processo de
troca de opiniões, ou melhor, ideologias”258.
Entretanto, apesar de a inovação tecnológica advinda da internet ter trazido ao mundo
inúmeros benefícios inerentes à globalização, deve-se atentar para o que destaca Sidney
Guerra,
254
GRALLA, Preston. Como funciona a internet III, p. 2.
MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico: aplicabilidade do código de defesa do
consumidor nos contratos de e-commerce, p. 29.
256
GRALLA, Preston. Como funciona a Internet III, p. 2.
257
LIMA, Iran de. Introdução ao estudo da modernização do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980,
p. 184.
258
GOMES, Olavo José Anchieschi. Segurança total, p. 44.
255
74
A passagem para uma Era da Informação vem exigindo a constituição de
novos espaços e instrumentos de regulação política e jurídica que respondam
as múltiplas questões que estão sendo suscitadas em sociedade. Assim,
podem-se apontar questões relacionadas ao comércio eletrônico, à
propriedade intelectual, aos direitos autorais, nos crimes e à privacidade259.
É inegável que o avanço tecnológico tenha trazido muitos benefícios no campo da
comunicação interpessoal. O uso da internet possibilitou mudanças nos diversos setores da
sociedade, a facilidade com que as pessoas se comunicam permite que solucionem inúmeros
problemas cotidianos sem precisar sair de casa.
Após terem sido destacados os aspectos gerais da internet, abordar-se-à no próximo
tópico as características gerais do correio eletrônico, abordando o seu conceito, modo de
funcionamento e a sua equiparação com a correspondência escrita.
4.1.1 O correio eletrônico
Os avanços na tecnologia causaram muitos impactos no modo de comunicação entre
as pessoas. O advento da internet, conforme já visto, surgiu de uma necessidade de
comunicação entre militares diante de uma ameaça nuclear e foi nesse mesmo contexto que
surgiu uma das maiores revoluções na troca de mensagem entre usuários a curta e a longa
distância, trata-se do correio eletrônico.
O correio eletrônico é um recurso da rede que permite às pessoas se comunicarem por
meio de mensagens eletrônicas260.
Liliana Minardi Paesani conceitua o correio eletrônico como sendo, “troca de
mensagens à distância, as quais podem ser guardadas e são conhecidas como e-mails”261. Na
definição de Esdras Avelino Leitão Júnior, pode-se conceituar o e-mail como sendo
Uma mensagem contendo uma informação que é digitalizada, opcionalmente
criptografada e transmitida através de um meio físico (a internet), a partir de
um computador de origem (transmissor) até um computador destino
259
GUERRA, Sidney César Silva. O direito à privacidade na internet: uma discussão da esfera privada no
mundo globalizado. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004, p. 76.
260
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010, p. 51.
261
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade
civil, p. 28.
75
(receptor), via computadores de acesso ao meio físico (provedores na origem
e no destino)262.
Assevera Ana Amélia Menna Barreto que “o correio eletrônico é um meio de
comunicação baseado no envio e recepção de mensagens, através de uma rede de
computadores, onde cada usuário possui um endereço eletrônico para se corresponder”263.
Conforme leciona Olavo José Anchieschi Gomes, “o correio eletrônico contribui e
substitui, em parte, a correspondência comum. Não é por menos, pois com esse serviço é
possível enviar um mensagem para qualquer parte do mundo em apenas 5 segundos”264.
O surgimento do correio eletrônico se deu nos primórdios da internet, sendo um dos
três primeiros serviços dessa rede265. Foi desenvolvido para facilitar a comunicação entre os
pesquisadores que trabalhavam no projeto da rede e que pertenciam a diferentes instituições
de pesquisa dispersas, pelos EUA266.
O correio eletrônico teve seu advento em 1974, por Ray Tomlinson, iniciando o
processo de massificação de sua utilização267.
Na lição de Sergio Souza de Castro,
Utilizando um programa chamado SNDMSG, abreviação do inglês “Send
Message”, e o ReadMail, Ray (Ray Tomlinson) conseguiu enviar mensagem
de um computador para outro. Depois de alguns testes mandando mensagens
para ele mesmo, Ray tinha criado o maior e mais utilizado meio de
comunicação da Internet, o correio eletrônico, do inglês “eletronic mail” ou
simplesmente como todos conhecem e-mail268.
262
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no direito. Disponível em:
<hhtp://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
263
BARRETO, Ana Amélia Menna. Correio eletrônico corporativo: aspectos jurídicos. Disponível em:
<http://www.nucleodedireio.com/artigo/trabalhos-juridicos/correio-eletronico/correio-eletronico-corporativoaspectos-juridicos/>. Acesso em: 30 set. 2010.
264
GOMES, Olavo José Anchieschi. Segurança total, p. 3.
265
Os outros dois serviços foram de transferência de arquivos e de acesso remoto.
266
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010, p. 51
267
MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico: aplicabilidade do código de defesa do
consumidor nos contratos de e-commerce, p. 26.
268
CASTRO, Sergio Souza de. Introdução ao correio eletrônico e webmail. Disponível em:
<http://www.juliobattist.com.br/tutoriais/sergiocastro/correioeletronicoewebmail001.asp>. Acesso em: 29 set
2010.
76
O SNDMSG – Send Message funcionava apenas em âmbito local, por isso Ray
Tomlinson decidiu adaptá-lo para funcionar entre diferentes nós da rede. Para distinguir os
endereços locais dos externos, o engenheiro decidiu que estes últimos teriam que ter o
símbolo @269 entre o nome do usuário e o nome do computador que se situava a caixa
postal270.
Conforme Bruno Fernando Santos Lemos, a falta de visão comercial de sua criação
levou Ray Tomlinson a não patentear o seu invento, por não acreditar que o negócio de trocar
mensagens pelo computador tivesse interesse fora da universidade271.
Assim, desde que foi desenvolvido, o uso do correio eletrônico se expandiu pelo
mundo, facilitando a comunicação entre pessoas separadas pela distância.
No que tange ao correio eletrônico ou e-mail, Preston Gralla ensina que,
Talvez seja o recurso mais usado na Internet. Com ele, você pode enviar
mensagens a uma pessoa conectada à internet ou uma rede de computadores
que tenha uma conexão com a internet, como um serviço on line. Milhões de
pessoas enviam e recebem e-mails todos os dias. O correio eletrônico é um
bom meio para manter contato com parentes distantes, amigos,
colaboradores em diferentes partes de sua empresa e colegas de seu campo
de atividade272.
O correio eletrônico é considerado o segundo serviço mais utilizado da internet. O email atualmente é importante como forma de comunicação, de modo que interliga e facilita a
comunicação de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo273.
Com uma forma de comunicação essencialmente textual, baseada no uso de rede de
computadores, o correio eletrônico guarda semelhanças com o correio postal tradicional e
com o fax. O equivalente da carta do correio postal é a mensagem do correio eletrônico, que
também possui remetente e destinatário. Assim como é preciso conhecer o endereço postal do
269
Arroba, que em inglês significa “at” e em português quer dizer “em”.
SOUZA, Marcel Fagundes. Segurança em servidores de correio eletrônico. Disponível em: <http://www.
si.uniminas.br/TFC/monografias/marcel_mono_Pos%2046.pdf>. Acesso em: 30 set. 2010.
271
LEMOS, Bruno Fernando Santos. O correio eletrônico e a comunicação dos atos processuais. Disponível
em: <http://www.4shared.com/file/131070949/4b27223b/DIREITO_-_O _Correio_ Eletronico_e_a_Comunicao
_dos_Atos_Processuais.html?s=1>. Acesso em: 15 ago. 2010.
272
GRALLA, Preston. Como funciona a internet III, p. 77.
273
SOUZA, Marcel Fagundes. Segurança em servidores de correio eletrônico. Disponível em: <http://www.
si.uniminas.br/TFC/monografias/marcel_mono_Pos%2046.pdf>. Acesso em: 30 set. 2010
270
77
destinatário para enviar uma carta, também é necessário saber o endereço eletrônico para
enviar uma mensagem274.
Leciona Sergio Souza de Castro que “o correio eletrônico se parece muito com o
correio tradicional. Todo usuário tem um endereço próprio e uma caixa postal, o carteiro é a
internet”275.
Para Esdras Avelino Leitão Júnior,
Um e-mail pode ser considerado um documento porque, mesmo imaterial,
pode ser impresso, datado e assinado. A assinatura, muito importante para o
direito e que nele inexiste, poderá ser dispensada no futuro, visto que os
dados já costumam ser, hoje, criptografados276 e, em alguns casos, dotados
de códigos de segurança (equivalentes a assinaturas), para maior segurança
das transações que guarnecem277.
Dessa forma, o correio eletrônico é a modernização da correspondência escrita devido
à facilidade de se enviar uma mensagem de texto através da internet, afastando a necessidade
de se dirigir até uma agência de correio postal.
Assim torna-se importante conhecer o modo como se dá o encaminhamento do e-mail,
uma vez que é necessário identificar com segurança todos os perigos que lhe são imanentes.
Pelo motivo de que deve ser feito um julgamento sobre o grau de confiabilidade do correio
eletrônico é que sempre se discute a possibilidade, ou não, do seu uso como prova no
direito278.
274
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010.
275
CASTRO, Sergio Souza de. Introdução ao correio eletrônico e webmail. Disponível em: <http://www.julio
battist.com.br/tutoriais/sergiocastro/correioeletronicoewebmail001.asp>. Acesso em: 29 set 2010.
276
Criptografia: Consiste em cifrar um arquivo ou mensagem usando um conjunto de cálculos. O arquivo cifrado
(ou encriptado) torna-se incompreensível até que seja desencriptado. Os cálculos usados para encriptar ou
desencriptar o arquivo são chamados de chaves. Apenas alguém que tenha a chave poderá ler o arquivo
criptografado. Vide MORIMOTO, Carlos E. Dicionário técnico de informática. Disponível em:
<http://www.guiadohardware.net>. Acesso em: 16 ago. 2010.
277
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no direito. Disponível em: <hhtp://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
278
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no direito. Disponível em: <hhtp://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010
78
No que tange ao funcionamento no correio eletrônico,
Quando você envia uma mensagem para um destinatário, seu computador
prepara e formata essa mensagem segundo os padrões aceitos pela rede e
envia para o seu provedor de acesso. O computador do provedor de acesso
analisa o endereço eletrônico do destinatário para verificar se é o endereço
de um assinante desse provedor. Em caso positivo, a mensagem é colocada
na caixa postal desse assinante, que irá recebê-la assim que acessar sua
(dele) caixa postal. No caso contrário a sua mensagem é enviada para o
próximo computador da rede situado no “provedor” do seu provedor. Esse
processo de reenvio é repetido, com a mensagem “pulando” de computador
em computador até que um deles reconheça o endereço eletrônico do
destinatário279.
Após o recebimento da mensagem, o provedor de origem a verifica para identificação
do destinatário, enviando-a diretamente ao servidor de destino, ou a um roteador, que se
encarrega de retransmiti-la. Quando chega no servidor de destino, a mensagem pode ser
acessada pelo destinatário, que para isso, estabelece uma comunicação com o servidor de
destino (no qual encontram-se armazenadas as suas mensagens), identifica-se através de uma
senha e solicita os seus e-mails. Confirmada a senha, o servidor destino transfere as
mensagens para o computador do destinatário, desarmazenando-as ou não a requerimento do
interessado280.
Sempre que se busca definir o modo de funcionamento do correio eletrônico, é
possível encontrar nos livros técnicos inúmeros termos que dizem respeito à informática,
como também diversos desmembramentos que o correio eletrônico percorre, porém, uma vez
que a presente pesquisa não visa se aprofundar nos termos mais complexos da rede, limitou-se
a um breve resumo acerca do seu funcionamento.
Além se observar o funcionamento do correio eletrônico necessário também pontuar a
forma com que se identificam cada máquina conectada à internet.
Como visto anteriormente, a internet é a ligação de diversas redes de computadores
públicos ou particulares, através de conexões físicas que utilizam cabos, chamadas de wired
ou cabeadas, e pelo ar, chamadas de wireless, sem fio ou wi-fi. Quando os computadores são
interligados, independente de sua localização geográfica, se comunicam através de uma
279
RNP. Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da internet: introdução ao uso do correio eletrônico e web .
Instituto Tamis, 1997. Disponível em: <http://www.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf>. Acesso em: 29
set. 2010, p. 54.
280
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no direito. Disponível em: <hhtp:// jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
79
linguagem que possui características próprias, o protocolo da internet. O protocolo utilizado
por todos os computadores que se conectam é o TCP/IP281.
Para definição do que vem a ser o protocolo TCP/IP, destaca-se o que ensina Carlos E.
Morimoto,
O endereço de IP é dividido em duas partes. A primeira identifica a rede à
qual o computador está conectado (necessário, pois numa rede TCP/IP
podemos ter várias redes conectadas entre si, veja o caso da internet) e a
segunda identifica o computador (chamado de host) dentro da rede.
Obrigatoriamente, os primeiros octetos282 servirão para identificar a rede e o
últimos servirão para identificar o host283.
Assim, pelo fato de o correio eletrônico estar associado a um conceito de endereço,
pode-se dizer que um endereço eletrônico assim como um endereço postal, possui todas as
informações necessárias para enviar uma mensagem a alguém. O IP (internet protocol ou
protocolo de comunicação) está associado a um número e este endereço numérico identifica,
de forma unívoca, o domínio, o computador, sub-rede etc. na rede internet. Todos os
computadores da internet possuem endereços IP284.
Na lição de Will Sadler, o correio eletrônico se parece com a correspondência de papel
e, da mesma forma, contém um endereço,
Cada mensagem de correio eletrônico da internet contém um endereço
informando pra onde ela deve ir, um endereço informando de onde ela veio e
um envelope com uma carta dentro. Diferente da correspondência postal, as
mensagens do correio eletrônico também contém informações sobre a
agência de correio que entregou a mensagem, procuram os CEPs e os nomes
de rua equivalentes à rede durante a transmissão e enviam automaticamente
a mensagem para você, não importando em que local da internet você
esteja285.
281
MARCOS, Sergio Eurico de. A fragilidade do endereço IP como prova virtual. Disponível em:
<http://www.trezentos.blo.br/wp-content/uploads/tcc_a-fragilidade-do-endereco-ip-como-prova-virtual.pdf>.
Acesso em: 06 out. 2010.
282
A respeito dos octetos, cabe esclarecer que um endereço de IP é composto de uma sequência de 32 bits,
divididos em 4 grupos de 8 bits cada. Cada grupo de 8 bits recebe o nome de octeto. Para facilitar, cada um
desses octetos é representado por um número entre 0 e 255, permitindo endereços mais amigáveis como
168.34.219.56. Vide MORIMOTO, Carlos E. Dicionário técnico de informática. Disponível em:
<http://www.guiadohardware.net>. Acesso em: 16 ago. 2010.
283
MORIMOTO, Carlos E. Dicionário técnico de informática. Disponível em: <http:// www.guia dohardware.
net>. Acesso em: 16 ago. 2010.
284
ROCHA, Marcelo Oliveira. Os e-mails como prova na justiça do trabalho. Disponível em: <http://
arquivos.ibemecsp.edu.br/hotsite/lawnews/edicao04/067_12.asp>. Acesso em: 08 out. 2010.
285
SADLER, Will. Usando e-mail na internet. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p. 13.
80
Nesse aspecto pode-se dizer que o correio eletrônico, assim como uma
correspondência de papel possui formas de identificar o seu remetente, uma vez que cada
conta de e-mail possui uma senha de identificação do seu usuário, como também é possível
identificar o local do envio (através do endereço IP), a autenticidade do seu texto e
destinatário. Podendo, dessa forma, ser equiparado ao documento escrito.
Uma vez que a mensagem contida numa correspondência eletrônica contém dados
enviados pelo seu usuário a determinado destinatário, poderá se revelar um meio de
demonstrar aspectos da intimidade de quem o elaborou. Dessa forma, em virtude da
necessidade de proteção à intimidade de cada pessoa, abordar-se-á no próximo item acerca da
proteção à intimidade e privacidade.
4.2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRIVACIDADE E INTIMIDADE
A chegada da internet trouxe novidades no seio social, possibilitou a conexão de
milhões de pessoas com o mundo globalizado. A internet reduziu drasticamente as barreiras
de tamanho, tempo e distância, facilitando o crescimento baseado no conhecimento, na
pesquisa de ponta e no acesso à informação286.
Conforme leciona Antônio Terêncio G. L. Marques, “O papel da informática é visto
como catalisador das mudanças estruturais no mundo atual, de forma tão importante e
presente, como foram as grandes navegações, a eletricidade e a máquina a vapor, no
passado”287.
O avanço tecnológico tem sido tão veloz que nem todos os segmentos da sociedade
conseguem absorvê-lo. O direito é sempre conservador, quando comparado com a dinâmica
da internet, cuja intensidade com que surgem os fatos novos quase impossibilita o legislador
de acompanhar suas mudanças. Mesmo sendo conservador, o direito não pode ser negligente e
deve se superar e se adaptar à natureza livre da internet, numa tentativa de preservar os
direitos dos cidadãos, sua privacidade e integridade, como também, responsabilizar os
infratores mesmo que virtuais288.
286
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade
civil, p. 17.
287
MARQUES, Antônio Terêncio G. L. A prova documental na internet, p. 16.
288
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade
civil, p. 18.
81
Certamente que com toda tecnologia disponível a internet poderia, também, ser
responsável por divergências fora do mundo virtual, ou seja, no que se refere aos direitos
individuais de proteção à vida privada de cada um.
Atualmente a preocupação com a proteção à intimidade, em maior ou menor grau,
tornou-se inspiração generalizada nas sociedades dotadas de elevado grau de tecnologia. Isto
se deve, em boa parte, ao fato de que a informação já não mais se dirige exclusivamente a um
pequeno grupo de elite, mas a setores sociais bem mais amplos289.
Nos dizeres de Iran de Lima,
A tecnologia sofisticada dos tempos atuais traz um impacto sobre o Direito
existente em inúmeras de suas normas, determinando a necessidade de
mudanças não necessariamente casuísticas. Não se deve, portanto, ficar
confiante numa tecnologia avançada para deixar o Direito sem o impacto de
uma modernização290.
Deve-se compreender que a tecnologia existe para melhorar a vida do homem e não
para inibir a sua criatividade ou torná-lo um escravo. Não é preciso temer o avanço
tecnológico, porém, é necessário bom senso e cautela na regulamentação legal da utilização
da internet, visando a proteção e a segurança individuais291.
Nos itens seguintes analisar-se-á de forma resumida acerca dos direitos
constitucionais, quais sejam os direitos fundamentais e o de proteção à privacidade e
intimidade.
4.2.1 Direitos fundamentais
Os direitos fundamentais individuais do homem são aqueles originários da própria
condição humana e que estão previstos pelo ordenamento constitucional, de tal forma que
esses direitos não podem ser alterados nem abolidos, conforme dispõe o artigo 60,§ 4º, IV, da
CRFB/88,
Art. 60. A constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
289
MOREIRA, Renato de Castro. O direito à liberdade informática. Ano 89. Volume 778. São Paulo: Revista
dos Tribunais, agosto de 2000, p. 22.
290
LIMA, Iran de. Introdução ao estudo da modernização do direito, p. 183.
291
LIMA, Iran de. Introdução ao estudo da modernização do direito, p. 183.
82
[...]
IV – os direitos e garantias individuais.
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como conjunto de direitos e garantias
do ser humano, cuja finalidade é respeitar a sua dignidade, com proteção ao poder estatal e
garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, no
respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua
personalidade292.
Assevera Rodrigo César Rebello Pinho que “direitos fundamentais são os
considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma
existência digna, livre e igual”293.
Na lição de Gilmar Ferreira Mendes acerca dos direitos fundamentais, o autor destaca
que
Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos
fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos,
os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os
seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como
elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos
fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito
subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais –
formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito
democrático294.
Segundo Konrad Hesse, “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na
liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam”295.
Na lição de Guilherme Tomizawa,
Os direitos fundamentais podem ser entendidos prima facie como direitos
inerentes à própria noção de pessoa, como direitos básicos da pessoa, como
292
SILVA, Flávia Martins André da. Direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.direitonet.com.
br/artigos/exibir/2627/direitos-fundamentais>. Acesso em: 06 out. 2010.
293
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 2. ed. rev. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 60.
294
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2.
295
HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deustchland, 13. Ergaenzte
Auflage, 1986 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 514.
83
direitos que constituem a base jurídica da vida humana no seu nível atual de
dignidade, como as bases principais da situação jurídica de cada pessoa296.
Destaca-se que os direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa
humana e que são garantidos e reconhecidos por uma determinada ordem jurídica. Conforme
a CRFB/88, a expressão direitos fundamentais é gênero de diversas modalidades de direito,
sendo eles: individuais, coletivos, difusos, sociais, nacionais e políticos297.
Acerca da importância dos direitos fundamentais, Gilmar Ferreira Mendes ressalta
que,
A colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto
constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes
significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em
setenta e sete incisos e dois parágrafos (art. 5º)298, reforça a impressão sobre
a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos299.
Como forma de proteção aos direitos do ser humano, os direitos fundamentais
abrangem também a proteção à vida privada e, por tal motivo estudar-se-á no próximo item
acerca da proteção constitucional a privacidade e intimidade.
4.2.1.1 Direito à privacidade e intimidade
O desenvolvimento da ciência tecnológica, aprimorado nos últimos trinta anos, a par
dos inegáveis benefícios trazidos à melhoria do bem-estar social, fez surgir novos
antagonismos a demandar soluções igualmente inovadoras, nem sempre encontradas no
arsenal jurídico tradicional300.
Acerca da inovação tecnológica, Ana Amélia Menna Barreto destaca que
A interação produzida pela internet proporcionou rápido crescimento na
utilização dos instrumentos eletrônicos pela sociedade. Porém, esse novo
meio de comunicação, que representa uma evolução dos modelos
296
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 33.
297
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais, p. 65.
298
A emenda constitucional n. 45 de 30 de dezembro de 2004, acrescentou mais um inciso e dois parágrafos ao
art. 5º, da CRFB/88, somando um total de 78 incisos e 4 parágrafos.
299
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 1.
300
MOREIRA, Renato de Castro. O direito à liberdade informática, p. 17.
84
tradicionalmente conhecidos, integra um ambiente se parâmetros de
similaridade301.
As mudanças na forma de comunicação da sociedade têm expandido tão rapidamente,
que nem sempre é possível controlar toda a ação promovida em âmbito virtual, carecendo
assim de legislação que a regulamente. Leciona Renato de Castro Moreira que
O fenômeno internet está presente nos lares e nas empresas, distribuindo
informações através do mundo, sem que, a rigor, nenhuma autoridade possa,
na prática, impor limitações prévias ou censurar-lhe o conteúdo. O que, de
resto, é algo extremamente positivo, que vem em favor da liberdade de
expressão302.
Assim, na intenção de dar proteção ao direito que cada usuário possui de ter protegida
a sua privacidade e intimidade, a CRFB/88 em seu artigo 5º, inciso X, assim dispõe,
Art.5º.
[...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.
Conforme leciona Sidney César Silva Guerra, “hodiernamente, as Constituições dos
países livres consignam capítulo especial aos Direitos e Garantias Fundamentais, como
condição essencial da manutenção da vida em sociedade”303.
Entende-se por direito à privacidade “em sentido amplo, de molde a comportar toda e
qualquer forma de manifestação da intimidade, privacidade e, até mesmo, da personalidade da
pessoa humana”304. O indivíduo deve ter garantida a liberdade de só se expor se esta for sua
vontade. As informações pessoais, os pensamentos, as ideologias, a identidade, as ações e as
imagens, devem estar sob seu controle, e seu fornecimento forçado ou dissimulado é uma
afronta a esses direitos305.
301
BARRETO, Ana Amélia Menna. Correio eletrônico corporativo: aspectos jurídicos. Disponível em: <http://
www.nucleodedireio.com/artigo/trabalhos-juridicos/correio-eletronico/correio-eletronico-corporativo- aspectosjuridicos/>. Acesso em: 30 set. 2010.
302
MOREIRA, Renato de Castro. O direito à liberdade informática, p. 19.
303
GUERRA, Sidney César Silva. O direito à privacidade na internet: uma discussão da esfera privada no
mundo globalizado, p. 39.
304
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
587.
305
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 65.
85
Conforme leciona Liliana Minardi Paesani,
O direito à privacidade ou direito ao resguardo tem como fundamento a
defesa da personalidade humana contra injunções ou intromissões alheias.
Esse direito vem assumindo, aos poucos, maior relevo, com a expansão das
novas técnicas de comunicação, que colocam o homem numa exposição
permanente306.
A intimidade se refere a tudo quanto diga respeito única e exclusivamente à pessoa em
si mesma, a seu modo de ser e agir. Abrange a inviolabilidade do domicílio, o sigilo das
comunicações e o segredo profissional307.
No que tange à expansão da tecnologia em relação ao direito de privacidade dos
indivíduos, Renato de Castro Moreira leciona que
O problema não está, entretanto, na livre divulgação de idéias e
conhecimentos, mas sim no uso dos recursos disponíveis na telemática para
promover a inter-relação de informações pessoais, que torna viável o
conhecimento de detalhes íntimos acerca da vida de um indivíduo, mesmo
que contrariamente à sua vontade308.
No momento em que a pessoa se dispõe a navegar pela internet a sua privacidade fica
comprometida, uma vez que, cada clique do mouse309 deixa seu caminho marcado pela rede e,
consequentemente os seus hábitos, seus vícios, suas necessidades e suas preferências310.
Dessa forma, “o milagre da informação trouxe consigo um efeito colateral indesejável:
a vida privada da pessoa humana está cada vez mais desnudada por interesses econômicos,
políticos, sociais, que tentam justificar tamanha invasão”311.
306
PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade
civil, p. 48.
307
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 588.
308
MOREIRA, Renato de Castro. O direito à liberdade informática, p. 19.
309
Mouse: palavra inglesa que em português significa rato. Na linguagem informática o mouse é um dispositivo
de entrada de um PC (personal computer ou computador pessoal) para software com interface gráfica. O mouse
movimenta o cursor e com ele pode-se executar operações de movimento, clique, duplo clique e arrastar e largar.
Dicionário informal. Disponível em: <http://dicionarioinformal.com.br/definicao.php?palavra=>. Acesso em:
12 out. 2010.
310
GUERRA, Sidney César Silva. O direito à privacidade na internet: uma discussão da esfera privada no
mundo globalizado, p. 78.
311
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 17.
86
Destaca André Ramos Tavares que,
Pelo direito à privacidade, apenas ao titular compete a escolha de divulgar ou
não seu conjunto de dados individuais, e, no caso de divulgação, decidir
quando, como, onde e a quem. Os dados em questão são todos aqueles que
decorram da vida familiar, doméstica ou particular do cidadão, envolvendo
fatos, atos, hábitos, pensamentos, segredos, atitudes e planos de vida312.
Assim, apesar da expansão da tecnologia e da crescente utilização dos meios
eletrônicos para comunicação entre os usuários da rede, é necessário que se tenha cada vez
mais o interesse de prevenir que direitos fundamentais sejam respeitados, primando pela
dignidade humana, sem ferir a esfera do individual no que tange à sua intimidade ou vida
privada313.
Desse modo, tendo em vista as crescentes mudanças que a tecnologia trouxe para a
sociedade, o Direito deve se adequar ao avanço da internet, preservando os direitos
fundamentais como privacidade e intimidade.
No próximo item será abordado de forma sucinta acerca da inviolabilidade da
correspondência, uma vez que, conforme já citado, é possível equiparar o e-mail à
correspondência escrita e, portanto garantir-lhe proteção constitucional ao seu sigilo.
4.3 DA INVIOLABILIDADE DA CORRESPONDÊNCIA
A proteção constitucional ao segredo da correspondência está prevista no artigo 5º,
inciso XII da CRFB/88 que dispõe, “é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, [...]”.
Segundo Celso Ribeiro Bastos, “a correspondência assim como as comunicações
telegráficas, de dados e telefônicas são invioláveis, o que significa que a ninguém é lícito
romper o seu sigilo, isto é: penetrar-lhe o conteúdo”314.
Assevera André Ramos Tavares que,
O sigilo da correspondência relaciona-se também com a liberdade de
expressão e de comunicação do pensamento (inc. IV do art. 5º). Mas é só por
312
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 587
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 20.
314
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 200.
313
87
meio do sigilo da correspondência que se assegura a proteção de
informações pessoais, da intimidade das pessoas, e que diz respeito apenas
àqueles que se correspondem315.
Desse modo, fere “o sigilo da correspondência todo aquele que viola, quer rompendo o
seu invólucro, quer se valendo de processo de interceptação ou quer, ainda, revelando aquilo
de que teve conhecimento em função de ofício relacionado com as comunicações”316.
Ressalta-se que a correspondência poderá ser utilizada como prova, pelo destinatário,
em defesa do seu direito, ainda que não haja consentimento do remetente, conforme se extrai
do parágrafo único do art. 233 do Código de Processo Penal, sempre observando o que dispõe
a CRFB/88, acerca da preservação da intimidade.
Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios
criminosos, não serão admitidas em juízo.
Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo
destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento
do signatário.
Nesse sentido, destaca-se o que leciona Norberto Cláudio Pâncaro Avena,
Nada impede que o destinatário de uma correspondência venha a utilizar-se
de seu teor em defesa de seu direito, ainda que a isso não tenha anuído o
subscritor da carta. Isso ocorre por duas razões: primeiro, porque, em defesa
de seu direito, estará ele utilizando-se de um meio legítimo, amparado pela
excludente de ilicitude da legítima defesa própria; segundo, porque, na
medida em que alguém encaminha uma mensagem escrita a outrem, age
como se estivesse elidindo, em favor dessa pessoa, a intimidade incorporada
ao teor do documento317.
Desse modo o correio eletrônico pode ser equiparado à correspondência escrita, uma
vez que possui um remetente, um destinatário, como também um endereço, ainda que virtual.
Na atualidade, o e-mail é utilizado como substituto da correspondência escrita.
Portanto, considerando a inviolabilidade da correspondência preservada pelo art. 5º, XII, da
CRFB/88, restaria inviolável o e-mail, quer já tenha ele sido recebido pelo respectivo
destinatário, quer esteja em fluxo318.
315
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 593.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 200.
317
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 545.
318
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal, p. 443.
316
88
Assim, no que tange à correspondência eletrônica, destaca-se o que leciona Guilherme
Tomizawa,
Embora o texto constitucional não cite expressamente o e-mail, considera-se
este albergado, salvo em relações de trabalho, em que o entendimento pode
ser divergente. Outrossim, não haverá maiores discussões sobre a violação
da correspondência319.
Portanto, conforme já observado, o e-mail pode ser equiparado à correspondência
postal e, dessa forma goza da proteção constitucional ao sigilo de correspondência.
Uma vez que o e-mail pode ser comparado à correspondência escrita, devido ao fato
de ser possível a identificação de seu remetente, sua autenticidade e também o seu
destinatário, poderá, conforme já mencionado ser considerado documento.
Assim, sendo o e-mail considerado um documento, poderia também ser levado aos
autos de processo judicial como prova documental, podendo a requerimento das partes ou do
magistrado ser solicitada perícia técnica para apurar sua autenticidade. Por tal motivo, nos
próximos itens serão apresentadas as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da
utilização do correio eletrônico como prova no processo penal.
4.3.1 Posição doutrinária
A crescente expansão da tecnologia trouxe para o seio social uma nova forma de
comunicação, o correio eletrônico permite aos seus usuários interagir com o mundo através de
alguns cliques.
Porém, mesmo tendo trazido inúmeros benefícios com interferência nos campos
sociais da cultura, economia, educação, também atinge o campo do Direito, de modo que
devem ser protegidas a vida e a privacidade do homem, intimidade, imagem, honra etc.
Neste tópico, busca-se informar ao leitor a posição doutrinária acerca da utilização do
e-mail como meio de prova. Embora ainda não exista previsão expressa da admissão do
correio eletrônico como prova no ordenamento jurídico brasileiro, está expresso, conforme já
319
TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet: a dignidade humana como um
direito fundamental, p. 74.
89
observado, “que são admitidos todos os meios legais, moralmente legítimos, ainda que não
especificados, para provar a verdade dos fatos em que se fundam a demanda ou a defesa”320.
No que tange a utilização do e-mail como prova no processo, a doutrina brasileira se
divide entre a admissibilidade indireta e incondicionada e a da admissibilidade direta e
condicionada. Pela primeira corrente filiam-se, dentre outros Amaro Moraes e Silva Neto,
Ângela Bittencourt Brasil, Leonardo Gurgel Carlos Pires e Itamar Arruda Junior. Na segunda
corrente estão Maria da Conceição Barreto Gonzalez e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio e
Carlos Affonso Pereira de Souza321.
Na primeira corrente, os doutrinadores afirmam que o e-mail por si só não prova sua
existência e integridade original, necessitando haver a realização de perícia técnica que
comprove a autoria, destinatário e os endereços IPs (internet protocol)322.
Pela segunda, o e-mail pode ser usado diretamente como prova (embora também como
apoio a outros meios de provas conhecidos), desde que algumas condições sejam atendidas.
Por essa corrente, tal qual a anterior, a admissibilidade do e-mail como prova não é
absoluta323.
A doutrina majoritária é no sentido da realização de perícia técnica. Verifica-se que o
e-mail pode ser utilizado como prova, sendo necessária a realização de perícia técnica quando
há qualquer insurgência por uma das partes acerca de sua existência ou conteúdo324.
Extrai-se da posição doutrinária que a utilização do e-mail como prova não é vedada,
mas poderá ser condicionada à realização de perícia técnica para apuração de dados que
comprovem sua existência.
Após demonstrar ao leitor a posição da doutrinária quanto à utilização do correio
eletrônico como prova no processo penal, destaca-se também o entendimento dos Tribunais,
conforme se verá no item seguinte.
320
BOFF, Mateus. O uso do email como meio de prova em processos judiciais. Disponível em:
<http://www.zulmarneves.adv.br/print_artigo.php?id=110>. Acesso em: 24 ago. 2009.
321
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no direito. Disponível em:
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322
BOFF, Mateus. O uso do email como meio de prova em processos judiciais. Disponível em:
<http://www.zulmarneves.adv.br/print_artigo.php?id=110>. Acesso em: 24 ago. 2009.
323
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no Direito. Disponível em: <hhtp://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
324
BOFF, Mateus. O uso do email como meio de prova em processos judiciais. Disponível em: <http://www.
zulmarneves.adv.br/print_artigo.php?id=110>. Acesso em: 24 ago. 2009.
90
4.3.2 Posição jurisprudencial
Busca-se neste item expor o sentido das decisões dos tribunais no que tange ao uso do
e-mail e quanto a sua validade probatória, conforme decisões destacadas abaixo.
O Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus n. 93.292-4/DF, assim se manifestou:
COMPETÊNCIA CRIMINAL. Crimes contra a honra. Material ofensivo
divulgado por mensagem eletrônica ao endereço eletrônico funcional de
oficiais da Aeronáutica. Delito supostamente cometido por militar da reserva
em dano de militar na ativa. Causa da competência da Justiça Militar.
Inocorrência de ofensa às instituições militares. Exame de mérito.
Impossibilidade na via eleita. HC denegado. Aplicação do art. 9º, III, b, do
Código Penal Militar. É da competência da Justiça Militar julgar ação penal
por delito contra a honra cometido por militar da reserva em dano de militar
na ativa, dentro de unidade militar325.
O paciente, militar reformado, foi denunciado como incurso nas sanções dos arts. 214,
215, 216 e 218, III e IV, c/c art. 79, todos do Código Penal Militar, por haver transmitido
mensagem eletrônica ao endereço de e-mail funcional de Oficiais-Generais da Força Aérea
Brasileira além de outras autoridades, incidindo, reiteradamente, nos delitos de calúnia, injúria
e difamação contra oficial da Aeronáutica.
A decisão do Tribunal foi unânime no sentido de indeferir o pedido de habeas corpus,
nos termos do voto do Relator Min. Cezar Peluso, que afirmou “ainda que o conteúdo da
mensagem tenha permanecido no espaço virtual, não há controvérsia quanto ao fato de que
seus efeitos práticos foram produzidos em relação à instituição militar”.
O Superior Tribunal de Justiça em agravo de instrumento posicionou-se da seguinte
maneira,
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR INOMINADA –
DIVULGAÇÃO, VIA INTERNET, ATRAVÉS DO SERVIÇO DE
CORREIO
ELETRÔNICO
HOTMAIL,
DE
MENSAGENS
DIFAMATÓRIAS ANÔNIMAS – MEDIDA DIRIGIDA CONTRA O
PRESTADOR DO SERVIÇO DE CORREIO ELETRÔNICO E
OBJETIVANDO, ENTRE AS PROVIDÊNCIAS, A IDENTIFICAÇÃO DA
ORIGEM – CABIMENTO – Demonstrada a ocorrência de propagação de
mensagens ofensivas a terceiros, difamando e caluniando o agravante,
divulgadas através da Internet, via serviço de correio eletrônico, e anônimas.
325
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 93.292-4, do Distrito Federal. Relator: Min. Cezar
Peluso. Julgado em 08/09/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: <http://www.
stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=mensagem%20eletrônica&base=baseAcordaos>.
Acesso em: 28 out. 2010 (destacou-se).
91
Caracterizada a fumaça do bom direito e risco de lesão irreparável, é de ser
concedida medida liminar dirigida ao prestador de serviço para que proceda
a identificação do remetente, seu usuário, inviabilizada pelos meios comuns,
e que bloqueie a fonte. Agravo provido326.
Tal julgado refere-se à ofensa à honra através da internet por meio de mensagens
anônimas de correio eletrônico. Na decisão o magistrado solicitou ao prestador de serviços de
correio eletrônico que procedesse a identificação do remetente e o seu bloqueio para que
cessem as ofensas, e reconheceu os pressupostos da concessão da medida liminar em
mandado de segurança.
Desse modo, verifica-se que a tendência do Poder Judiciário é no sentido de seguir a
posição dominante da doutrina, admitindo a mensagem digital (de correio eletrônico) como
prova em processos judiciais, mediante a realização de perícia técnica.
Acerca da posição dos tribunais no que tange à utilização do correio eletrônico como
prova em processo judicial, Mateus Boff assim se manifesta,
A jurisprudência, no entanto, é mais maleável, aceitando tanto o uso do email como prova sem a realização de perícia técnica, quando incontroversa
sua existência em relação ao seu envio, recebimento e conteúdo quanto
exigindo a realização de perícia para tornar incontroverso o e-mail como
prova327.
No mesmo entendimento se manifesta Esdras Avelino Leitão Júnior quando afirma,
Resultado das implicações jurídicas desse fenômeno social, que é a internet e
seus subprodutos, sobretudo o e-mail, não se pode excusar de emitir uma
opinião sobre o uso do e-mail como prova no direito. Acredita-se que ele
pode e deve ser utilizado como instrumento probante, à luz da legislação
existente. Entretanto recorrendo-se sempre à perícia que o ateste328.
Portanto, o e-mail pode ser utilizado como prova, sendo possível a realização de
perícia técnica quando houver alguma dúvida a respeito de sua existência ou conteúdo,
podendo também, ser utilizado como prova sem a realização de perícia quando as partes de
forma tácita ou expressa reconhecerem sua existência na forma como se apresenta.
326
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70000708065. Relator: Des. Marilene
Bonzanini Bernardi. Julgado em 12.04.2000. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/ webstj/processo/Justica/
Default.asp?numero=7000070806 5&classe=Al>. Acesso em: 09 out. 2010.
327
BOFF, Mateus. O uso do email como meio de prova em processos judiciais. Disponível em: <http://www.
zulmarneves.adv.br/print_artigo.php?id=110>. Acesso em: 24 ago. 2009.
328
JÚNIOR, Esdras Avelino Leitão. O e-mail como prova no Direito. Disponível em: <hhtp://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=3025&p=3>. Acesso em: 06 out. 2010.
92
Como se viu ao longo da pesquisa, o uso indiscriminado da internet pode gerar
conflitos entre o acesso à informação e os limites constitucionais de privacidade e intimidade
de cada indivíduo. O uso do correio eletrônico também está sujeito a invasão na vida
particular dos seus usuários. Por esse motivo, sua utilização como prova em processos
judiciais tem sido objeto de discussão entre os estudiosos e aplicadores do direito.
Muito embora o mundo virtual seja objeto de inúmeros crimes e invasões na vida
alheia, não se pode deixar de admitir que existem meios de comprovar a identidade do usuário
e a autencidade de uma mensagem eletrônica. Portanto, conforme vêm se posicionando os
Tribunais, o e-mail pode ser utilizado em processos judiciais como meio de prova,
condicionado ou não, à realização de perícia técnica.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As novidades tecnológicas incorporam-se a vida das pessoas em velocidade
astronômica. A internet permitiu o surgimento de uma nova forma de correspondência, o
correio eletrônico, o qual sendo fácil e eficiente, tornou-se ferramenta essencial na dinâmica
contemporânea.
Assim, a utilização do correio eletrônico é também tema de discussão no âmbito
jurídico, tenho em vista que poderá conter informações que serviriam de prova em processos
judiciais e, mais especificamente, como prova no processo penal.
O presente trabalho teve como objetivo o estudo do correio eletrônico como prova no
processo penal. Para alcançar o desiderato proposto, abordou-se o tema com destaque para os
aspectos da admissão da prova no processo penal e, por derradeiro, estudou-se o correio
eletrônico como prova no processo penal.
Compreendeu-se, em um primeiro momento, que a prova é o meio através o qual o
julgador busca encontrar a verdade dos fatos para formar o seu convencimento, em uma breve
respectiva histórica, verificou-se que, desde os primórdios da humanidade, a prova passou por
inúmeras formas de aferição.
O encargo da prova cabe aquele que alega um ato ou fato jurídico, para que satisfaça a
pretensão deduzida em juízo. A prova tem como objeto a demonstração de todas as
circunstâncias necessárias à comprovação da verdade, as quais o magistrado deve tomar
conhecimento para proferir sua decisão. As formas de aferição das provas são os
denominados meios de prova, e encontram-se enumeradas na legislação processual penal.
Sem solução de continuidade, a presente pesquisa verificou a possibilidade de utilizar
a prova proibida no processo penal, sendo que foi possível identificar que as provas ilícitas
são aquelas que, quando de sua obtenção, violam normas de direito material. Já as provas
ilegítimas são obtidas com transgressão as normas de direito processual. Verificou-se que
existem ainda aquelas provas que, isoladas, podem ser consideradas lícitas, mas quando
94
analisadas em um contexto mais amplo, e verificado que derivam de prova obtida
ilicitamente, não podem ser admitidas no processo.
A prova no processo penal é regida por diversos princípios, sendo os principais:
princípio da auto-responsabilidade das partes, princípio da aquisição ou comunhão da prova,
princípio da oralidade, princípio da concentração, princípio da publicidade e princípio do livre
convencimento motivado. Abordou-se também o princípio da proporcionalidade, que é
utilizado como critério de proporcionalidade quando a rigidez da exclusão das provas ilícitas
possa dificultar a descoberta da verdade, afrontando o princípio do livre convencimento
motivado do juiz.
No último momento desta pesquisa, direcionou-se o estudo para o correio eletrônico,
apresentando inicialmente os aspectos gerais da internet, com uma abordagem cronológica da
evolução desta tecnologia, como também do surgimento do correio eletrônico até os dias
atuais.
Equiparado à correspondência de papel, por ser uma forma de comunicação
essencialmente textual e por ter um remetente e um destinatário facilmente identificável, o email poderá ser levado ao processo judicial como prova documental.
O presente trabalho buscou demonstrar o funcionamento do correio eletrônico, como
também informar a possibilidade de identificação de seu remetente e destinatário, mas em
nenhum momento intencionou um estudou de cunho técnico no campo da informática.
Existe a preocupação com a expansão tecnológica e especificamente com a
massificação da utilização do correio eletrônico no que tange aos limites da privacidade e
intimidade de cada indivíduo. Assim, mesmo que um e-mail possa ser utilizado como prova
no processo penal, deverá atentar para os limites constitucionais que visam a proteção dos
direitos fundamentais de cada um. Nesse mesmo contexto, destacou-se também que sendo
equiparado à correspondência de papel, o correio eletrônico goza ainda, da proteção ao sigilo
de correspondência.
Porém o cerne da pesquisa encontra-se na admissão do correio eletrônico como prova
no processo penal, sendo levado aos autos como prova documental.
A doutrina dividiu-se em duas posições, sendo que a primeira entende que o e-mail
não prova por si só sua existência e integridade, necessitando de realização de perícia técnica
para comprovação da autoria, destinatário e endereços de IP (internet protocol).
95
Pela segunda posição, o e-mail pode ser utilizado diretamente como prova, mas
também com apoio de outros meios de prova conhecidos, desde que algumas condições sejam
atendidas.
Porém, a posição majoritária da doutrina é no sentido de admitir o correio eletrônico
como prova mediante realização de perícia técnica quando suscitar dúvida quanto algum
requisito de existência ou conteúdo.
O entendimento dos Tribunais segue a posição majoritária da doutrina que embora
admita a utilização do correio eletrônico como prova no processo penal, o condiciona à
realização de perícia técnica quando houver alguma dúvida de sua autenticidade.
A partir do problema elaborado para esta pesquisa e diante das hipóteses listadas, com
base do que foi estudado e apresentado, conclui-se que o correio eletrônico pode ser utilizado
como prova no processo penal, o qual conforme entendem os Tribunais e a doutrina, deverá
ser submetido à realização de perícia técnica sempre que as partes suscitarem alguma dúvida
acerca do mesmo, o que afasta a impossibilidade da primeira hipótese, uma vez que o bem
jurídico protegido constitucionalmente é a comunicação, e não o documento, o qual poderá
servir de prova.
A segunda hipótese restou ratificada uma vez que o correio eletrônico é equiparado à
correspondência escrita, e poderá ser utilizado nos processos judiciais como prova
documental.
Por fim, considera-se que o objetivo proposto para este trabalho foi atingido, cuja
intenção foi verificar se o correio eletrônico é admitido como prova no processo penal,
esclarecendo alguns tópicos pertinentes, na certeza de que uma pequena contribuição para o
mundo jurídico foi lançada, visando provocar novas pesquisas e com isso o engrandecimento
do debate na seara do direito processual penal.
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