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CAUSALIDADE
Epidemiologia na Prática Clínica
TEXTO_Evange
lista Rocha
Evangelista Rocha
Introdução
Especialista em Cardiologia e em Medicina Interna. Graduado em Chefe de Serviço Hospitalar. Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Regente de Disciplina em Epidemiologia Clínica e em Dietética e Nutrição. Responsável pelos módulos de Epidemiologia no Instituto de Altos Estudos
Militares, na Pós-Graduação em Saúde Militar para Oficiais do Exército e no INDEG/ISCTE – Pós-Graduação Gestão de Unidades de Saúde. Investigador
Principal em diversos Ensaios Clínicos.
Resumo do artigo
Conhecer as determinantes da saúde é condição sine qua non para poder controlar as doenças, desde a prevenção (primária) ao tratamento. Isto é, é
fundamental identificar os factores ou agentes associados à etiologia das doenças. Neste texto definem-se conceitos básicos relacionados com os
estudos de causalidade. Desde o conceito de causa, aos diferentes tipos de factores que se associam à evolução da saúde e da doença: predisponentes,
facilitadores, precipitantes, de reforço. Depois, na relação entre a exposição e o efeito, distingue-se condição necessária e condição suficiente,
revisitando os postulados de Koch. Os modelos de investigação da causalidade reflectem, em geral, a interacção de efeitos de diversos factores causais,
quer nas doenças transmissíveis quer nas doenças não transmissíveis pelo que é fundamental utilizar métodos estatísticos analíticos neste tipo de
inferências. No entanto, este tipo de “ferramentas” não dispensa a necessidade dos estudos serem bem desenhados. Por fim, indicam-se e definemse os critérios de causalidade baseados nas formulações de Bradford Hill: Relação temporal, força de associação, gradiente biológico (efeito dose-resposta), significado estatístico, consistência, plausibilidade biológica e coerência, similaridade com “causa” conhecida.
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No primeiro número definiram-se conceitos de
risco e, desta vez, o tema é a “causalidade”, sendo
certo que nesta se integram factores causais e
diferentes marcadores de risco, isto é, as primeiras
preferências, na qualidade de autor, justificam-se
pelo título da Revista, no sentido mais restrito. Em
sentido amplo, todavia, o leque de opções é
grande e, por isso, ao jeito de nota prévia, em
sintonia com o Editor Principal, define-se, desde já,
o perfil das próximas publicações, embora esta
pretensão esteja associada a um risco inerente à
previsibilidade. O objectivo geral é divulgar o método epidemiológico e algumas orientações baseadas neste tipo de investigação. Especificando um
pouco mais, a ideia força, condutora, é apresentar
alguns conceitos, aspectos metodológicos e
contributos da epidemiologia com interesse na
prática clínica e/ou na investigação, com focalização nas doenças cardiovasculares. A base é a
epidemiologia, palavra que deriva do grego epi
(sobre) e demos (população), isto é, o epidemiologista pensa mais em grupos do que em indivíduos,
ao contrário do clínico. No entanto, há pontos de
interesse comuns e a melhoria dos cuidados de
saúde só se conseguirá com a participação de
ambos já que as duas abordagens são compatíveis e têm vantagens recíprocas. Se a epidemiologia se define como a ciência que estuda a
frequência, a distribuição e o modo de ocorrência
das doenças nas populações com o objectivo de
as prevenir, não é fácil concentrar os seus diversos objectivos numa definição. Com efeito, esta
ciência tem áreas de interesse não só na comuni-
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dade (epidemiologia clássica) mas também na
clínica (epidemiologia clínica) e mesmo nas
ciências básicas (epidemiologia molecular).
O presente tema, a causalidade, é tratado de
modo semelhante por diferentes autores, com
pequenas diferenças, tais como agrupando
alguns critérios e destacando outros. Na verdade,
todas as abordagens se apoiam nos princípios
definidos por Sir Aunstin Bradford Hill.1,2
O que é uma causa?
Muitos estudos epidemiológicos são desenhados
para estudar a relação entre a exposição a um
agente ou tratamento e o desenvolvimento de
um efeito. Portanto, a hipótese é se a exposição
tem uma relação causal com o efeito, sendo
certo que o clínico ou investigador é quem define
cada uma destas variáveis. Numa investigação a
escolha da exposição e do efeito é limitada pela
relação temporal, na medida em que a
exposição deve preceder o efeito, mas o que
num estudo é uma exposição pode noutro ser
um efeito. Então, a causa pode ser definida
deste modo: “exposição é a causa do efeito se
a exposição a determinado nível resulta num
efeito diferente (ou nível de efeito) do que
ocorreria sem aquela (nível de) exposição”.3
Esta definição baseia-se num paradigma experimental: o observador modifica um factor e
observa o efeito no outro. Por exemplo, modifica
os níveis do colesterol (dieta e/ou hipolipemiantes) e vê os efeitos na incidência dos eventos
coronários. Para além da associação, que não
prova causalidade, é fundamental identificar os
mecanismos biológicos causais e aí são fundamentais as ciências básicas que podem fundamentar novas hipóteses de intervenção.
Factores em causalidade
Quatro tipos de factores integram a causalidade
das doenças. Muitos são necessários mas raramente são suficientes para causarem uma
determinada doença (Quadro I).
O termo “factor de risco” foi definido, primeiro,
no estudo de Framingham e usa-se comummente para descrever características (factores)
que estão associadas positivamente ao risco de
desenvolvimento da doença, mas que podem
não ser suficientes para causar a doença. A
epidemiologia pode medir a contribuição
relativa de cada factor na ocorrência da doença
e o correspondente potencial de prevenção da
doença, com base na eliminação ou redução
(controlo) desse factor. Este conceito tem sido
muito útil na implementação de programas de
prevenção, nomeadamente no domínio das
doenças cardiovasculares e não só, pois, muitas
vezes, esses factores de risco são comuns a
outro tipo de doenças.
Causas Necessárias, Suficientes, Simples
e Múltiplas
Uma exposição é considerada necessária para
um efeito se este não ocorre na ausência da
exposição. É uma causa suficiente quando a
exposição em todos os indivíduos provoca o
efeito na ausência de qualquer outro factor.
Quadro I
Tipos de factores em causalidade
Predisponentes (podem aumentar
a susceptibilidade ao agente da doença)
Ambiente de trabalho, idade, sexo,
doença prévia
Facilitadores (podem favorecer
o desenvolvimento da doença)
Baixo salário, má nutrição, má habitação,
cuidados médicos inadequados
Precipitantes
(podem associar-se ao início da doença)
Baixo salário, má nutrição, má habitação,
cuidados médicos inadequados
De reforço
(podem agravar a doença)
Exposição a um factor específico
da doença, stress, acidente
Raramente a exposição pode ser necessária e
suficiente, perfeitamente específica, isto é, a
verdadeira causa do efeito (doença). Os
trabalhos de Pasteur com microorganismos
levou à formulação, primeiro por Henle e depois
por Koch, de regras para determinar se um
organismo vivo específico causa uma
determinada doença. Contudo, para a maioria
das doenças, infecciosas e não infecciosas, os
postulados de Koch são inadequados.4 Com
efeito, verificou-se que mesmo a presença do
microorganismo não resulta sempre na doença
da pessoa exposta ao agente, ao contrário de
muitas mutações genéticas associadas a
doenças metabólicas. Por outro lado, há muitos
factores (nutrição, condições de vida,
imunidade, etc.) que modificam os efeitos da
exposição (efeitos modificadores). Além disso,
para alguns efeitos a causalidade é
multifactorial, como em muitas doenças
crónicas. A doença coronária, por exemplo,
pode ocorrer na ausência de diversos factores,
sendo certo que cada factor contribui de modo
independente para o risco da doença, ou seja,
pode ser considerado uma verdadeira causa
(tabaco, hipertensão, hipercolesterolémia,
sedentarismo, hereditariedade, etc). Tal como
nas exposições isoladas, as interacções entre os
diversos factores (modificação de efeito) e
outras variáveis repercutem-se nos modelos
multifactoriais. Para além disso, o efeito de duas
ou mais causas, em conjunto, é muitas vezes
maior do que seria estimado na base da soma
dos efeitos individuais (interacção). Portanto,
para melhor identificação da “rede” causal é
útil a utilização de métodos estatísticos analíticos-inferenciais quantitativos.5
Pode a exposição provocar o efeito?
As observações e as decisões clínicas baseiamse muito no sim-ou-não, mas a investigação
epidemiológica lida com mais probabilidades e
incertezas, até porque se sabe que a evidência
resultante de estudos em grupos de indivíduos
não se aplica individualmente (Os fumadores
têm mais doença coronária do que os não
fumadores, entre outras doenças, mas não
significa que qualquer fumador tenha doença
coronária, podendo esta até ocorrer em não
fumadores. Qual é a probabilidade de determinada(s) exposição(ões) causar(em) a doença
em determinados indivíduos (potencial causal)?
A utilização de Tabelas (calculadoras) de risco
cardiovascular, quer as de Framingham (Estados
Unidos), quer as do SCORE (países Europeus),
são a aplicação na prática deste tipo de estudos
de probabilidades e que permitem estimar o
potencial de prevenção da doença.
O estatista mais notável pelos contributos que
deu nesta área foi Bradford-Hill, embora não
tenha conceptualizado a causalidade em termos
probabilísticos, definindo os critérios de causalidade.1,2 Os vieses de análise são de quatro tipos:
informação, amostragem, confundimento (marcadores ou indicadores de risco e não a causa),
causalidade inversa. Dada uma associação entre
exposição e efeito, a evidência de que a associação é causal será reforçada na medida em que
cada uma destas origens de enviesamento
forem reduzidas ou eliminadas. Para as diminuir
será importante escolher bem o tipo de estudo
(tema a abordar em próximas publicações).
Critérios de causalidade
Os princípios formulados por Bradford Hill para
estabelecer nexos de causalidade e orientadores para qualquer investigador apresentam-se a
seguir.1-5
Relação Temporal
É essencial que a causa preceda o efeito. Muitas
vezes é evidente, embora as dificuldades
aumentem nos estudos casos-controlo e transversais quando a medição das possíveis causas
e efeitos são feitas ao mesmo tempo. Uma boa
caracterização do nível de exposição é essencial
e pode reforçar a evidência.
Força de associação
A força de associação entre a exposição e o
efeito, quando estes são dicotómicos, é dada
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Quadro II
pelo risco relativo e, se os efeitos são variáveis
contínuas, pela diferença das médias.
Gradiente biológico/Efeito dose-resposta
Se este gradiente existe, quanto maior a exposição maior o risco, significando maior exposição
mais tempo de exposição ou exposição a maior
quantidade.
Esta relação dose-resposta pode não se verificar
se o mecanismo biológico subjacente é independente da dose da exposição, como em certas
reacções adversas e de anafilaxia, o que não
nega a importância causal do factor (exposição)
e em muitas doenças pode não ser possível esta
demonstração por razões éticas ou logísticas. Em
contrapartida, quando é possível desenhar
estudos adequados e a exposição é ordinal ou
contínua, a probabilidade causal é maior ao
demonstrar-se uma graduação do efeito segundo
diferentes níveis de exposição (relação dose-resposta). Nos efeitos dicotómicos, este gradiente é avaliado pelo perfil do risco relativo e,
quando as exposições e os efeitos são contínuos,
pelos coeficientes de regressão.
Significado estatístico
Como em qualquer estudo de associação, é
importante o significado estatístico do P e a probabilidade da hipótese nula ser verdadeira, isto é,
tanto mais significado quanto menor o risco dum
erro tipo I. No entanto, um efeito clínicamente
importante pode não atingir significado estatístico,
ou porque a amostra é pequena ou porque a variância é grande (variáveis contínuas). Para negar
uma associação entre exposição e eventual efeito
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Guidelines para a causalidade
Relação temporal
A causa precede o efeito? (essencial)
Plausibilidade
A associação é consistente com o conhecimento?
(mecanismo de acção; evidência de
experimentação animal)
Consistência
Resultados idênticos foram encontrados noutros
estudos?
Força
Qual é a força de associação entre a causa
e o efeito? (risco relativo)
Relação dose-resposta
O aumento da exposição à possível causa está
associado ao aumento do efeito?
Reversibilidade
A eliminação da possível causa leva à diminuição
do risco da doença?
Desenho do estudo
A evidência baseia-se num estudo bem
desenhado?
Avaliação da evidência
Quantas linhas de evidência levam à conclusão?
Adaptado de Beaglehole R
deve demonstrar-se que a probabilidade de um
erro tipo II é baixa (aceitar a hipótese nula – sem
efeito - quando ela é verdadeira), à custa de
estudos de maior sensibilidade.
Consistência
Os estudos sobre certo(s) factor(es) causal (ais)
devem dar resultados idênticos (consistência). Por
isso, a causalidade é fortalecida por replicação de
resultados, útil para excluir o acaso como uma
4
explicação, embora a consistência isolada seja um
critério insuficiente de causalidade (ao não se
controlarem variáveis confundíveis, por exemplo).
Contudo, se em múltiplos estudos realizados em
contextos diferentes e utilizando métodos
diferentes se verifica uma associação significativa
entre a exposição e o efeito, a probabilidade da
exposição provocar o efeito é maior.
Plausibilidade Biológica e Coerência
A associação exposição-efeito deve ser plausível
e coerente com os conhecimentos e teorias
aceites no momento, embora os mecanismos
fisiológicos ou moleculares possam não ser ainda
conhecidos.
Similaridade com “causa” conhecida
É o corolário dos critérios previamente apresentados e relaciona a similitude biológica do factor
de exposição em estudo com a de outro factor
cujo efeito causal sobre o efeito está bem
definido. Aplica-se, por exemplo, nos ensaios
clínicos onde certos efeitos da terapêutica estão
na linha dos que já se observaram com drogas
de estrutura química semelhante.
As recomendações para os estudos de
causalidade foram preparadas com base nos
conceitos atrás descritos e, em resumo,
apresentam-se no Quadro II.
Em conclusão, a inferência causal é importante
para melhorar a saúde dos doentes e para
implementar políticas de saúde pública. O tipo
de estudo epidemiológico vai determinar a
força da evidência e a sua hierarquização está
bem definida. Será apresentada quando se
caracterizarem os diversos tipos de estudos
epidemiológicos.
Evangelista Rocha
“A UTILIZAÇÃO DE TABELAS
(CALCULADORAS) DE RISCO
CARDIOVASCULAR, QUER
AS DE FRAMINGHAM
(ESTADOS UNIDOS),
QUER AS DO SCORE
(PAÍSES EUROPEUS), SÃO
A APLICAÇÃO NA PRÁTICA
DESTE TIPO DE ESTUDOS
DE PROBABILIDADES
E QUE PERMITEM ESTIMAR
O POTENCIAL DE PREVENÇÃO
DA DOENÇA.”
“O TERMO “FACTOR DE RISCO”
FOI DEFINIDO, PRIMEIRO, NO
ESTUDO DE FRAMINGHAM E
USA-SE COMUMMENTE PARA
DESCREVER CARACTERÍSTICAS
(FACTORES) QUE ESTÃO
ASSOCIADAS POSITIVAMENTE
AO RISCO DE
DESENVOLVIMENTO DA
DOENÇA, MAS QUE PODEM
NÃO SER SUFICIENTES PARA
CAUSAR A DOENÇA.”
Bibliografia
1. Hill AB. The environment and disease: association or
causation? Proceedings of the Royal Society of Medicine
1965; 58:295-300.
2. Hill AB. A short textbook of medical statistics. Holder
and Stoughton, London 1977; 285-296.
3. Kramer MS. Clinical Epidemiology and Biostatistics –
A Primer for Clinical Investigators and Decision-Makers.
Springer-Verlag Berlin Heidelberg 1988; 254-269.
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5. Cardoso SM. Notas Epidemiológicas. Instituto de
Higiene e Medicina Social- Faculdade de Medicina,
Coimbra 1997; 113-117;
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