Teorias e Experiências de Controles do Fluxo de Capitais: Focando

Propaganda
Teorias e Experiências de Controles do Fluxo de Capitais:
Focando o caso da Malásia
Versão: maio de 2004
Fernando J. Cardim de Carvalho e João Sicsú∗
1. Introdução
A proposta de remoção de controles de capital, isto é, a liberalização dos movimentos
internacionais de capitais, defendida por vários economistas, alguns governos e, com certas
ressalvas, pelo próprio FMI, se apóia numa premissa infundada a respeito dos benefícios
desta medida – já que não existem trabalhos que apresentem resultados empiricamente
sólidos que possam sustentar a defesa da liberalização financeira. O FMI, por exemplo,
admite, de forma genérica, que controles, limitados e temporários, para certos tipos de
economias, merecem mais estudo. Na verdade, mesmo após o FMI ter reconhecido (ao final
da década de 1990) que a liberalização dos movimentos de capitais foi precipitada em
muitos casos, defendendo que a remoção dos controles restantes seja feita após o
seqüenciamento correto de reformas domésticas prévias, não é possível encontrar
exemplos de países que tenham sido autorizados pela instituição a reinstalar controles para
que aquelas reformas possam ser implementadas. O que o FMI defende hoje pode ser
chamado de liberalização cautelosa, mas o viés em favor da liberalização permanece.
A postura do FMI com relação a controles de capitais é ilustrativa da cambiante apreciação
deste tipo de instrumento na comunidade de economistas, acadêmicos, de instituições
privadas e com responsabilidade de governo. Como mostra Cooper (1999), controles de
capitais não eram geralmente adotados antes da crise da década de 1930. Criados para
ajudar a defender as economias da volatilidade econômica internacional, levaram anos para
serem removidos. Mesmo países desenvolvidos, como na Europa ocidental, praticamente só
vieram a eliminar barreiras formais à circulação de capitais nos anos 1990. Muitos
bloqueios, na verdade, permanecem, vários dos quais sob a forma de restrições regulatórias
(implícitas), mais do que barreiras explícitas.
∗
Do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1
Atualmente, a comunidade de economistas, em sua maioria, parece compartilhar a visão de
que controles de capital são danosos ou inócuos. Há, contudo, muitas vozes discordantes,
que apontam para a fragilidade dos argumentos teóricos em favor da liberalização e da
inconclusividade dos estudos empíricos que tentam mostrar que a remoção de controles de
capital aumenta a prosperidade econômica ou o bem-estar das sociedades. Entre os
economistas que defenderam os controles de capitais, certamente o mais conhecido foi John
Maynard Keynes, sob cuja influência a conferência de Bretton Woods, em julho de 1944,
decidiu recomendar aos signatários do acordo final a adoção de controles no caso de crises
de balanço de pagamentos devidas a fugas de capitais.1
Os países desenvolvidos, com poucas exceções, abandonaram apenas recentemente estes
controles.2 Nos anos 1990, contudo, fez-se enorme pressão sobre os países em
desenvolvimento, para que acompanhassem as tendências liberalizantes dos países
industriais. O apogeu desta pressão foi a aprovação, na assembléia anual do Fundo
Monetário Internacional de 1997, da iniciativa de mudança de seus estatutos para remover o
Artigo VI, que legitima a adoção de controles, substituindo-o pelo compromisso com a
conversibilidade da conta de capitais, a exemplo de outro artigo acordado em 1944,
estabelecendo a conversibilidade da conta corrente. Após a eclosão da crise asiática, esta
iniciativa foi, para todos os efeitos práticos, congelada.
Por ironia da história, a assembléia teve lugar em Hong Kong, quando sinais da crise que
explodiria na região pouco depois já se faziam perceber. A crise asiática (de 1997-8),
seguida pela crise russa, pela brasileira, e por várias outras acabaram por fazer o
movimento liberalizante perder o fôlego, ainda que não o revertesse. A pressão próliberalização cedeu lugar à preocupação com os requisitos necessários para que a abertura
financeira pudesse ser concretizada. No ínterim, o Fundo passou a reconhecer que a
manutenção de certos controles poderia ser tolerada. Contudo, estes controles deveriam ser
1
Cooper (1999) observa que Keynes, na verdade, apresentou uma proposta mais forte em favor de controles
de capitais, pelos quais os países signatários reconheceriam como ilegais quaisquer contratos que violassem
leis domésticas de restrição ao movimento de capitais. Os Estados Unidos, contudo, apoiaram a inclusão nos
estatutos do Fundo (Articles of Agreement), do artigo VI, que veda o uso de recursos do Fundo para
solucionar problemas de conta de capitais, cabendo ao país atingido decidir pela adoção dos controles que
julgar cabíveis, desde que não discriminatórios.
2
temporários, limitados e utilizados apenas enquanto se promovessem as reformas
necessárias para que a liberalização pudesse ser retomada mais adiante. Diante de
argumentos apenas teóricos e vagos, o balanço de custos e benefícios da remoção de
controles tornou-se, portanto, uma necessidade.
Os controles de capitais são instrumentos de política econômica. Enquanto tais, devem ser
examinados não apenas de acordo com princípios teóricos mas também, e talvez
principalmente, neste debate, de acordo com sua eficiência operacional. Assim, não nos
interessa apenas estabelecer o argumento teórico supostamente favorável à utilização de
controles, mas também avaliar a eficácia das principais formas como foram implementados
na prática.
O exame da experiência no uso de controles de capitais no período do pós-Segunda Guerra
mostra que há uma enorme profusão de instrumentos. Deste modo, a seleção de um
determinado conjunto de medidas de intervenção depende da definição das metas a se
alcançar por parte dos policy makers, dos custos e benefícios de cada alternativa, do
horizonte temporal em que se planeje manter os controles em operação, do aparato
institucional à sua disposição para aplicar os controles, etc. Tudo isso precisa ser
observado, estudado, investigado e analisado.
Neste debate, em que os defensores da liberalização desprezam as conclusões do exame da
evidência empírica, da história, inclusive a mais recente, é necessário desenvolver estudos
de casos para que o embate teórico seja apoiado pela experiência efetiva com controles de
capitais ou com sua eliminação. Há um caso que é absolutamente necessário ser estudado: a
imposição de controles sobre a saída de capitais adotados pela Malásia em 1998-9. Esse
caso é especialmente relevante porque, primeiro, controles sobre a saída (em oposição aos
controles sobre a entrada) de capitais são aqueles que sofrem os maiores ataques por parte
dos economistas, instituições e governos liberalizantes. Segundo, porque quando foram
adotadas as restrições, a comunidade financeira internacional prognosticou o seu rotundo
fracasso. E, terceiro, porque a comunidade liberalizante não só previu seu goro como
2
Veja-se Wyplosz (2001).
3
efetivamente agiu contra a Malásia. No entanto, a despeito de previsões frustradas e ações
adversas dos liberalizantes, os controles foram muito bem sucedidos.
Este artigo visa não só recuperar o debate teórico recente sobre controles de capitais, com
vistas a avaliar a conclusão mencionada favorável ao que chamaríamos de liberalização
cautelosa, mas também avaliar as experiências recentes de adoção de controles de capitais
com vistas a enriquecer o debate meramente abstrato. Buscamos desafiar o aparente
consenso em favor da estratégia liberalizante em diferentes níveis, apresentando
alternativas e problemas que impõem conclusões cautelosas com relação à conveniência da
liberalização. Para tanto, na seção seguinte, examinamos o debate teórico em torno da
liberalização; na seção 3, tentamos encarar a dificuldade, que é a classificação adequada de
controles de capital, indicar o objetivo de cada instrumento e sua eficiência; a seção 4
apresenta uma visão geral sobre os controles adotados em diversos países no pós-Segunda
Guerra; a seção 5 apresenta uma análise da experiência recente da Malásia, dando ênfase
aos controles sobre a saída de capitais. A seção 6 resume as principais conclusões do artigo.
2. O Debate Teórico sobre Controles de Capitais
i. Argumentos favoráveis à liberalização dos movimentos de capitais: a superioridade do
mercado de capitais
Duas ordens de argumentos, na verdade contraditórias entre si, são levantadas normalmente
contra a utilização de controles de capital. A primeira apóia-se na tese de que os ganhos da
liberalização dos movimentos de capital são de mesma natureza que os ganhos da
liberalização comercial.3 Por esta linha de pensamento, criar obstáculos à livre
movimentação de capitais distorce a alocação de recursos fazendo com que os capitais,
especialmente nas economias em desenvolvimento, onde eles são mais escassos, sejam mal
utilizados. Acreditam os proponentes desta visão que a liberdade de movimentação permite
aumentar a eficiência com que opera a economia, mesmo que se trate de capitais de curto
4
prazo, que circulam pelo mundo em busca de oportunidades de arbitragem de taxas de
juros. Por isto, controles de capital distorcem a alocação e pioram a situação das economias
que os aplicam.
A segunda ordem de argumentos não questiona diretamente a desejabilidade de controles,
mas sua eficácia. Alega-se que controles de capitais são, no mais das vezes, inócuos,
implicando desperdício de energias e de recursos em atividades fadadas ao fracasso.
Naturalmente, embora alguns críticos não pareçam percebê-lo, não se pode usar os dois
argumentos ao mesmo tempo, já que, fossem os controles inócuos, eles não poderiam
causar danos, ou, alternativamente, apenas causariam danos se fossem efetivos. Nesta
seção, daremos atenção apenas à primeira ordem de argumentos, já que a questão da
efetividade dos controles só pode ser proficuamente examinada à luz de mecanismos
específicos em situações específicas, o que será examinado nas seções 4 e 5.
Defensores da liberalização financeira e da remoção de controles argumentam que a livre
movimentação de capitais permitiria uma alocação internacional de capitais mais eficiente,
o que seria particularmente benéfico a países em desenvolvimento, já que os capitais
deveriam fluir dos países mais ricos, onde sua produtividade seria menor, para os mais
pobres, onde a escassez deste fator lhe permitiria obter altos retornos. Colocada diretamente
em termos do interesse de países em desenvolvimento em promover a liberalização
financeira, a remoção de barreiras à circulação de capital deveria levar a um aumento da
poupança disponível para investimento nesses países, acelerando seu crescimento.
Benefícios adicionais, que recebem maior ou menor ênfase dependendo do autor de que se
trate, seriam os derivados da maior eficiência da operação dos sistemas financeiros
domésticos, sob pressão de competidores estrangeiros; redução da corrupção, sob a
hipótese de que investidores e instituições estrangeiras seriam mais resistentes do que os
locais; maior estabilidade sistêmica, seja pela diversificação de fontes de recursos para os
países, seja pela maior diversidade de opções oferecidas aos investidores. Acreditam alguns
que a liberalização financeira permitiria ainda a melhora na qualidade da administração
pública, disciplinada que seria pela ameaça permanente de saída de capitais quando as
3
Os ganhos da liberalização comercial são aceitos com muito menos reservas entre economistas. Uma
5
perspectivas futuras daquela economia se vissem ameaçadas por políticas consideradas
irresponsáveis.4
Exemplos desta visão abundam na literatura. Tomemos apenas um exemplo representativo,
extraído de trabalho de Stanley Fischer, o número dois do Fundo Monetário Internacional à
época em que o comentário foi redigido, quando se debatia a conveniência de se promover
a mudança no estatuto do Fundo tendente a estabelecer a conversibilidade da conta de
capitais:
O segundo, e mais forte, argumento em prol da liberalização é o de que os
benefícios potenciais ultrapassam os custos.5 Colocado em abstrato,
movimentos livres de capitais facilitam a alocação global eficiente de
poupanças e canalizam recursos para seus usos mais produtivos, aumentando
assim o crescimento econômico e o bem-estar. Da perspectiva do país
individual, os benefícios tomam a forma de aumentos no conjunto de fundos
para investimento e no acesso de residentes domésticos aos mercados
estrangeiros de capital. Do ponto de vista da economia internacional, contas de
capital abertas apóiam o sistema de comercio multilateral ao alargar os canais
pelos quais os países podem financiar o comercio e o investimento e atingir
níveis mais altos de renda. Fluxos internacionais de capitais expandem as
oportunidades para diversificação de portfolio, oferecendo assim a investidores
tanto nos países industriais como nos em desenvolvimento o potencial de se
alcançar taxas mais altas de retornos ajustadas pelo risco. (Fischer, 1998, pp. 23)6
exceção a este quase consenso é dado por Rodrik e Rodriguez (2000).
4
Para um exemplo de entusiástica expectativa de que a liberalização da conta de capitais promova uma
melhoria da qualidade da política econômica doméstica, veja-se Dornbusch (1998).
5
O primeiro argumento de Fischer é que a liberalização “é um passo inevitável no caminho do
desenvolvimento, que não pode ser evitado e deveria ser abraçado. Afinal, todas as economias mais
avançadas têm contas de capital abertas.” (cit., p. 2) À parte o curioso determinismo histórico abraçado por
Fischer, cabe notar o argumento falacioso, que o autor usa com freqüência, de que a liberalização deve ser
adotada porque é o que um país desenvolvido faz. É difícil de se acreditar que um autor como Fischer
desconheça que a liberalização financeira se deu, em praticamente todos os países industriais, depois que o
desenvolvimento tinha sido alcançado e não como instrumento de desenvolvimento. Na verdade, esta é uma
informação tão trivial e tão conhecida (veja-se, por exemplo, Wyplosz, 2001) que é impossível não alimentar
dúvidas quanto às intenções do autor ao propor falácia tão grosseira. Sobre a tendência comum a organismos
internacionais a propor a países em desenvolvimento remédios que os desenvolvidos se recusaram a tomar,
veja-se o levantamento feito por Chang (2002).
6
Outros inventários muito semelhantes das vantagens teóricas da liberalização podem ser encontrados, por
exemplo, em Johnston e Tamirisa (1998) e Edison, Levine, Ricci e Slok (2002). Cooper (1999) oferece uma
lista de vantagens ainda mais extensa, embora o autor seja um crítico da liberalização e tente mostrar que
muitas destas vantagens são improváveis ou se dão em graus irrelevantes, face aos custos ou riscos
acarretados pela remoção de controles.
6
O estilo casual de Fischer na apresentação dos argumentos favoráveis à liberalização é
típico da literatura recente sobre controles de capital. Os defensores da liberalização se
apóiam, na verdade, na sabedoria convencional corrente da comunidade de economistas (e,
sob sua influência, dos tomadores de decisão) que reconhece nos mecanismos de mercado
eficiência superior em promover bem-estar do que a de quaisquer mecanismos alternativos,
especialmente aqueles que envolvem alguma intervenção do estado. Tornou-se quase
natural supor que a intervenção do estado é sempre inferior à ação privada livre, por um
lado porque viola uma delicada (e mal conhecida) rede de incentivos criada pelo mercado e
por outro porque estimula as atividades dependentes de monopólio (rent seeking) que,
mesmo que temporariamente, resultam da ação estatal. Assim, tem sido freqüente a
apresentação das potenciais vantagens da liberalização financeira como auto-evidentes,
assumindo-se que a simples listagem do ganho possível é evidencia de sua própria
realidade.
Na verdade, não há argumentos específicos oferecidos em apoio da remoção de controles
de capitais em si. Como se vê no texto de Fischer, defende-se a liberalização financeira
externa pelas mesmas razões que se defenderia a liberalização doméstica: a melhor
alocação de recursos e maior diversificação de carteiras, permitindo administrar riscos de
forma mais eficiente. Se mercados financeiros domésticos livres são eficientes para
promover a alocação ótima de recursos, prossegue o raciocínio, não há porque supor que o
mesmo não se dê quando se pensa nos mercados financeiros internacionais.
Deste modo, se não há razões para que se defenda a liberalização internacional que não
sejam fundamentalmente as mesmas que se usaria para defender a liberalização doméstica,
qual seja o princípio de que mercados financeiros livres são eficientes para alocar a
poupança, ou o capital, disponível da melhor forma possível, a crítica a esta posição tenderá
a assumir postura semelhante. Com se verá em seguida, os argumentos mais importantes a
sustentar a cautela na remoção de controles ou mesmo a indesejabilidade da liberalização
alem de um certo grau também se apóiam em proposições teóricas a respeito de mercados
financeiros, sem importar se são domésticos ou internacionais. Deste modo, a defesa da
7
permanência de controles de capital será semelhante à defesa dos instrumentos de regulação
financeira doméstica.
ii. Argumentos em favor dos controles de capitais: a incerteza e o intervencionismo
governamental
A perspectiva liberalizante é criticada de forma radical por autores que consideram a
incerteza fundamental que cerca as decisões dos agentes em uma economia de mercado.
Para esta escola, que se inspira em Keynes, o futuro é incerto porque é construído pela
decisão livre dos agentes econômicos. Nesta abordagem, uma economia de mercado é
marcada pela dependência de trajetória (path dependency) e não há mecanismos que a
façam convergir para uma posição pré-determinada, mesmo que esta posição de equilíbrio
pudesse ser definida. Ações são orientadas por expectativas que apenas em parte são
influenciadas por dados objetivos. Estados de confiança e animal spirits são igualmente
importantes quando se trata de tomar decisões. Em mercados financeiros, as incertezas são
ainda mais importantes na tomada de decisões, já que, ao se negociar ativos, negocia-se, na
verdade, recompensas futuras, a serem usufruídas sob condições que também só se
revelarão no futuro. A precariedade do conhecimento sobre o futuro abre espaço para uma
imensa influencia de variáveis subjetivas, como o estado de confiança, e para
comportamentos que talvez fossem irracionais em outras circunstancias.7
Nesta visão, mercados não podem ser eficientes para revelar uma realidade subjacente.8
Mercados podem ser eficientes para coordenar comportamentos, mas para tanto devem
7
A preferência pela liquidez e o comportamento convencional, ambos definidos por Keynes (1964) são
exemplos destes comportamentos, cuja racionalidade só é reconhecível se nos lembramos que a concepção de
mundo de Keynes se apóia na importância da incerteza não-probabilística no processo de tomada de decisões.
O conceito de incerteza proposto por Keynes é explorado no capitulo 12 da sua Teoria Geral, “The state of
long-term expectation”. Veja-se também Keynes (1973). Sobre o conceito de incerteza proposto por Keynes,
veja-se Carvalho (1988).
8
Em Cardim de Carvalho & Sicsú (2004), os autores enfatizaram no debate teórico os argumentos de que
possíveis incompletudes dos mercados e assimetrias de informação não permitiriam que os mercados
financeiros fossem eficientes como esperado pelos proponentes da liberalização, e que o movimento abrupto
8
estar apoiados em regras e instituições que promovam a coordenação e canalizem as
expectativas, limitando as possibilidades que o futuro abre de modo a diminuir a dispersão
das expectativas. Nem sempre isso é possível, e controles e regulações têm de ser definidos
para reforçar a coerência desta economia. A incoerência e a crise são possibilidades sempre
presentes9 e a intervenção extra-mercado se faz necessária para conter as tendências
imanentes à desagregação intrínsecas a economias de mercado, e a mercados financeiros
em particular.
Não deve ser surpreendente, assim, que esta visão também favoreça a manutenção de
controles de capital. Como mostra Davidson (1998), sob incerteza, um atributo muito
importante de qualquer ativo é seu prêmio de liquidez, isto é, sua capacidade esperada de
conversão em moeda, com variações limitadas de valor, se e quando sua venda for
necessária. Um ativo é tanto mais líquido, quanto mais firme for a expectativa de que
poderá ser vendido em um mercado secundário a um preço fixado dentro de um intervalo
previsível. Este atributo do mercado, seu grau de ordenação (orderliness), depende deste
mercado não estar sujeito a variações bruscas e dramáticas de oferta e demanda. Em
mercados domésticos, isto é permitido pela existência de market-makers. Em transações
internacionais, envolvendo diferentes moedas, a ordenação dos mercados seria obtida pela
imposição de controles de capital:
O uso judicioso de controles de capital pode promover a eficiência ao restringir
qualquer mudança súbita na demanda por liquidez que afetasse adversamente a
economia real. … A função dos controles de capital é impedir que mudanças
no balanço entre ursos e touros10 atropelem os market-makers e induzam
mudanças rápidas nas tendências de preços [dos ativos] pois tal volatilidade
pode ter conseqüências reais devastadoras. (Davidson, 1998)
Como a incerteza do futuro pode ter profundos impactos reais, prejudicando em particular
decisões que exigem um comprometimento maior de empresários, como a decisão de
de capitais gera externalidades negativas (para aqueles que não estão envolvidos diretamente com o evento) o
que sugeriria, portanto, medidas a favor dos controles.
9
Cf. Minsky (1980) e Kregel (1980).
10
Ursos são os agentes de mercado que esperam que o preço do ativo de que se trate caia no futuro,
colocando-o à venda no presente, com o que efetivamente pressionam seu preço para baixo. Touros são os
agentes que entretêm a expectativa oposta, de que os preços do ativo subirão no futuro e tentam comprá-lo no
presente, em antecipação a um ganho de capital. Quando ursos predominarem, o mercado estará em baixa,
quando os touros predominarem, o mercado estará em alta.
9
investir em ativos reais, por exemplo, uma sociedade se defende contra ela também através
da ação de política econômica do governo. Na verdade, Keynes tornou-se particularmente
conhecido por sua visão ativista do papel do governo em uma economia de mercado em
função de sua preocupação com o que chamava de efeitos adversos “das negras forças da
ignorância”.11 Nestas condições, a liberdade de um país em implementar no momento
adequado as políticas que julgasse necessárias para fazer frente às dificuldades que viesse a
enfrentar era de grande valor. Em particular, Keynes preocupou-se com os limites que um
governo pudesse enfrentar para promover políticas de pleno emprego, que implicassem
menores taxas domésticas de juros e expansão de gastos públicos. Controles de capital
foram propostos por Keynes para dar a um país a autonomia para adotar as políticas de
juros que fossem necessárias. Este foi o principio que o levou a insistir na inclusão do
direito, ou mesmo a obrigação, de um país adotar controles de capitais quando sofresse
problemas na conta de capitais nos estatutos do FMI, durante a conferência de Bretton
Woods. Em suas palavras:
Eu compartilho da visão de que o controle de movimentos de capital, tanto para
dentro quanto para fora, devem ser um traço permanente do sistema do pósguerra, - pelo menos no que nos concerne. ... A meu ver, toda a administração
da economia doméstica depende da liberdade de se ter a taxa de juros
apropriada sem referencia às taxas prevalecentes em outros lugares do mundo.
(Moggridge, 1980, pp. 86, 149)
Na verdade, embora a preocupação central de Keynes fosse com a liberdade de se adotar
políticas monetárias expansionistas no sistema de câmbio fixo que se criou em Bretton
Woods (em contraste com o sistema anterior de taxas fixas, o padrão-ouro), também os
desequilíbrios causados pelo excesso de entradas de capitais deveriam ser evitados pelos
controles:
Não há país que possa, no futuro, permitir com segurança a fuga de fundos por
razões políticas ou para evadir-se aos impostos domésticos ou na expectativa
do proprietário tornar-se um refugiado. Igualmente, não há país que possa com
segurança receber fundos fugitivos, que constituam uma importação indesejada
de capital, que não possa ser usada com segurança para investimentos fixos.
(Moggridge, 1980, p.185)
11
Para uma discussão do papel da política econômica para Keynes, veja-se Carvalho (1997).
10
Isolar uma economia de choques externos e dar autonomia para a política econômica
doméstica se tornarão as duas principais metas a serem propiciadas pela existência de
controles de capital. A segunda meta se contrapõe diretamente a uma das vantagens
apontadas pelos defensores da liberalização, que consiste exatamente na redução dessa
autonomia, submetendo, ao contrário, o processo de decisão de política econômica
doméstica à disciplina de mercado. A autonomia da política doméstica seria reduzida
porque os detentores de riqueza poderiam opor-se a qualquer medida, simplesmente
transferindo seu capital para outro lugar. Assim, defensores e críticos dos controles de
capital concordam em um ponto decisivo: controles de capital dão autonomia à decisão
política local. O que os opõe é o julgamento da desejabilidade deste resultado.
Especialmente quando referido a países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o
julgamento implícito no argumento em prol da remoção de controles é o de a autonomia
dada por estes seria usada de forma irresponsável e que, portanto, o bem-estar destas
mesmas economias seria maior em uma situação onde o mercado fosse capaz de impedir
aventuras políticas.12
Em suma, o debate central sobre controles de capital reproduz em linhas gerais os
argumentos em discussão das duas grandes correntes do pensamento macroeconômico
(uma, pró-mercado e anti-estado e outra, reguladora do mercado), que se desenvolve pelo
menos desde a publicação original da Teoria Geral de Keynes, em 1936, há quase setenta
anos.
3. Controles de Capital: tipos, objetivos e eficiência
Os controles de capitais englobam, mesmo na sua acepção mais estreita, uma ampla gama
de instrumentos. Portanto, pode ser útil estabelecer certas diferenças entre tipos de
controles que permitam não apenas descrever o leque de opções à disposição de uma
12
Para aqueles que propõem que em economias de mercado existe apenas uma posição de equilíbrio, para a
qual a economia converge inexoravelmente, qualquer política econômica é inócua ou danosa. Se a política
apenas confirmar o movimento rumo ao equilíbrio, ela será inócua; se ela se contrapuser à tendência à posição
de equilíbrio, ela distorcerá incentivos e causará danos à economia. Este é o raciocínio que fundamenta os
chamados teoremas de ineficácia de política que proliferaram nos anos 1980 na teoria econômica ortodoxa.
11
economia a qualquer momento, mas também proceder à avaliação da eficiência de cada
classe de instrumentos.
Inicialmente, pode-se distinguir entre controles que atuam através de incentivos ou
desincentivos de mercado em contraste com restrições quantitativas diretas. No primeiro
caso, temos como exemplo a exigência de impostos sobre fluxos de capitais ou a cobrança
de impostos diferenciados segundo as características do fluxo de capitais que se deseje
privilegiar. Um exemplo destas disposições foi dado pelos controles estabelecidos em 1999
na Malásia em substituição às restrições diretas impostas em 1998. Pelas disposições de
1999, as saídas de capitais seriam taxadas por alíquotas inversamente proporcionais ao
período de permanência daqueles capitais no país. Deste modo, incentivou-se a
permanência de capitais no país sem que se proibisse a saída daqueles que preferissem fazêlo (como na primeira fase da imposição de controles naquele país, em 1998). Nesta
categoria enquadram-se também os controles de entrada chilenos, que ao estabelecer
depósitos compulsórios como frações dos fluxos de entrada, a serem resgatados apenas
após um período mínimo de permanência estabelecido pelas autoridades nacionais,
incentivavam a vinda apenas daqueles capitais que contemplassem a permanência por
períodos mais longos.
Em contraste, restrições quantitativas diretas, ou controles administrativos como são muitas
vezes conhecidos, simplesmente vedam a possibilidade de entrada ou saída de capitais
mesmo se seus detentores estejam dispostos a pagar custos maiores para manter suas
opções abertas.
O balanço de vantagens entre os dois tipos de controles é estabelecido em linhas
semelhantes aos que são definidos para outras atividades em que escolha semelhante esteja
disponível. Assim, por exemplo, contrasta-se o uso de instrumentos diretos de política
monetária aos indiretos. Os primeiros englobam controles administrativos como a fixação
de tetos de crédito, tabelamento de juros, etc. Os segundos atuam através do mercado, como
as operações de mercado aberto.13 Argumenta-se que instrumentos indiretos são mais
13
Veja-se IMF (1995).
12
eficientes porque são desenhados para alinhar os interesses de mercado com os objetivos da
autoridade monetária, enquanto os controles administrativos vão de encontro ao que
desejam os agentes privados. A mesma lógica sugeriria que controles de capital via
mercado seriam mais eficientes do que as medidas administrativas porque permitiriam a
adesão, ao invés do confronto, do mercado.
A questão da eficiência relativa dos instrumentos, contudo, não pode ser examinada apenas
em termos das condições de adesão dos agentes privados. Em certas circunstancias, como a
ocorrência de uma crise de balanço de pagamentos, por exemplo, a incerteza a respeito da
eficácia de controles criada pela possibilidade de não-adesão voluntária do setor privado
pode ser intolerável. Instrumentos administrativos podem não ser eficazes no longo prazo,
quando os agentes privados tiverem tempo para aprenderem como contorná-los, mas no
curto prazo podem diminuir a incerteza com relação ao impacto dos controles. Isto implica
que o exame dos tipos de controles de capital possíveis não pode ser feito sem se considerar
outras duas distinções intimamente aparentadas à precedente. Por um lado, controles podem
ser pensados como instrumentos temporários ou permanentes. Por outro, podem ser
instrumentos de administração de crises de balanço de pagamentos ou servir para dar
autonomia a políticas econômicas domésticas. Na prática, muitas vezes pode ser difícil
distinguir entre as duas dicotomias, ainda que conceitualmente não sejam idênticas.
A primeira dicotomia se refere ao papel reservado aos controles de capital na estratégia de
desenvolvimento do país.14 A restrição ao grau de integração financeira entre uma
economia nacional e o resto do mundo pode ser uma decisão vista como permanente por
esta economia, se os ganhos esperados da integração forem avaliados como inferiores às
perdas ou aos riscos que ela acarreta. Em contraste, controles podem ser temporários,
adotados enquanto as condições ideais para a integração ainda não estiverem dadas. Este é
o sentido da aceitação da hipótese de controles de capital pelo FMI. É claro que a duração
14
Estamos tomando a expressão “estratégia de desenvolvimento” na sua acepção mais ampla, não limitada a
países em desenvolvimento apenas. Países industriais também adotam estratégias de desenvolvimento no
sentido de que fazem escolhas fundamentais a respeito dos caminhos a serem trilhados por cada um. Parte
importante destas escolhas é o grau de integração com a economia mundial que cada um defina como
desejável. Neste sentido, países industriais também têm que decidir se usam ou não controles, como, aliás, o
fizeram em Bretton Woods.
13
do intervalo “de transição” pode mesmo ser indefinidamente longa, mas é importante notar
que, neste caso, controles são vistos como um mal necessário, um meio menos desejável de
defender a economia, enquanto meios mais eficientes ainda não estão ao seu alcance.
Controles, portanto, neste caso, são remendos mais que opções legitimas de política, a
serem abandonados assim que possível, isto é, assim que as pré-condições estejam dadas.
Como visto na seção 2, a noção de que controles sejam um remendo aceitável enquanto se
gestam as condições necessárias para a adoção de uma alternativa superior se apóia numa
concepção particular, ainda que hoje predominante, da operação dos mercados financeiros,
que supõe sua capacidade de refletir eficientemente os chamados fundamentos desta
economia.
A visão oposta entende que controles sejam instrumentos de utilização permanente, para
dar autonomia a políticas domésticas. Ao contrário da anterior, esta abordagem assume que
mercados financeiros, domésticos ou internacionais, são marcados por imperfeições que
não só reduzem drasticamente sua eficiência em refletir os fundamentos da economia como
também os transformam em canais privilegiados de instabilidade para as economias
nacionais. Neste caso, controles são vistos como um instrumento permanente de proteção
das economias nacionais. Seu papel é precisamente bloquear canais de integração entre
mercados domésticos e externos, autonomizando o mercado interno em relação ao que
ocorre em sua contraparte externa. Assim, controles podem ser usados, por exemplo, para
permitir a uma economia manter taxas de juros diferentes daquelas que seriam impostas se
fossem livres os movimentos de capitais.
Aparentada a esta dicotomia, mas diferente no seu escopo, é a distinção entre controles
desenhados para permitir a administração de crises e aqueles adotados para sustentar a
autonomia de decisões de política econômica doméstica. Uma dada economia pode adotar
controles como uma forma de limitar o efeito de certas características de situações críticas,
como por exemplo o overshooting cambial resultante de comportamentos de rebanho
durante uma crise, ainda que não considere a adoção de controles como uma característica
desejável em si mesma. Neste caso, não é sequer uma questão de se adotar controles
temporariamente, como na dicotomia anterior, porque controles são instrumentos
14
visualizados apenas para situações de anormalidade. Deste modo, esses instrumentos não
serão utilizados para dar tempo à construção de outros canais mais sólidos de integração
financeira. Em outras palavras, eles nem são pensados para durar o tempo necessário para a
mudança institucional necessária à definição de outros instrumentos, nem deixarão de ser
usados tantas vezes quantas forem necessárias para enfrentar novas crises. Em outras
palavras, controles de capital como instrumentos de administração de crises não são
entendidos como instrumentos inferiores, a serem abandonados quando possível, mas como
parte de um arsenal de emergência, a serem acionados sempre que julgado conveniente.
A visão contrária a esta seria próxima à alternativa aos controles temporários. Controles de
capital seriam necessários para dar autonomia à tomada de decisões doméstica. Políticas de
juros já foram usadas como exemplo. Políticas industriais seriam outro exemplo. Políticas
de redistribuição de renda por via fiscal também poderiam enfrentar episódios de fuga de
capitais, na ausência de controles. Neste caso, controles seriam permanentes, ou, pelo
menos, duráveis, não para que se possa construir seu substituto, mas para que se possa
implementar políticas que poderiam ser ameaçadas por movimentos de capitais adversos.
Em termos mais operacionais, distinguem-se ainda controles sobre a entrada e a saída de
capitais, dependendo da definição, naturalmente, de qual operação seria objeto de controle.
Também nesta linha, distinguem-se controles sobre operações de residentes e de nãoresidentes. Estas distinções são muito importantes, mas principalmente por razões
operacionais e, por isso, serão discutidas e avaliadas nas duas próximas seções.15
4. Uma Visão Geral sobre Experiências Recentes com Controles de Capitais16
Como já foi dito, o Acordo de Bretton Woods deu legitimidade ao emprego de controles de
capitais ao determinar ao FMI que não concedesse ajuda financeira a países que estivessem
sofrendo de déficits em seus balanços de pagamentos originados em desequilíbrios na conta
de capitais. Ao final da segunda grande guerra, a adoção de controles de capitais foi
15
Para uma introdução aos variados instrumentos utilizados para controles de capitais, veja-se Neely (1999).
15
extensiva no mundo desenvolvido, com a exceção de Estados Unidos e Alemanha, que
preferiram seguir uma orientação mais liberalizante. Apesar desta orientação, adotaram
pontualmente medidas restritivas aos movimentos de capitais. O principal intuito era
manter a estabilidade das taxas de câmbio, conforme definido na conferência de Bretton
Woods. Para tanto, foram utilizados amplamente controles tanto de entrada quanto de saída
de capitais, especialmente na Europa ocidental e no Japão. Os controles eram calibrados de
acordo com as pressões do momento, consistindo na maioria das vezes de instrumentos
administrativos. Assim, a França adotou medidas de controle do mercado de câmbio e
restrições administrativas à saída de capitais, valendo-se do sistema bancário como agente
implementador dessas medidas (a falta de cooperação do sistema bancário levou tentativa
semelhante na Alemanha ao fracasso). Estes controles foram bastante estritos
especialmente na seqüência dos acontecimentos de maio de 1968 e da turbulência política
que se seguiu.
O Japão nos anos 1970 também recorreu a controles tanto de entrada como de saída para
estabilizar a taxa de câmbio no imediato pós-colapso do sistema de taxas de câmbio fixas
acordado em Bretton Woods. Controles de entrada de capitais eram intensificados quando a
oferta de recursos externos era abundante, cedendo lugar aos controles de saída quando
havia a ameaça de fuga de capitais. Entre os instrumentos de controle de entradas utilizados
estavam o desestímulo a adiantamentos de receitas de exportações pelo sistema bancário, a
restrição à compra de papéis japoneses por não-residentes e a imposição de depósitos
compulsórios sobre contas de não-residentes em bancos japoneses. Os instrumentos de
controle de saída eram a proibição de compra de papéis de curto prazo estrangeiros por
residentes e a manutenção de contas bancárias de residentes em moeda estrangeira. Além
disso, como é comum naquele país, a adesão voluntária a exortações do governo tornavam
eficazes também restrições a investimentos em papéis estrangeiros por parte de investidores
institucionais japoneses, assim como restrições à concessão de financiamento, por parte dos
bancos japoneses, a investimentos no exterior.
16
As principais fontes de informação usadas nesta seção são Bakker e Chapple (2002) e Aryioshi et al (2000).
16
Enquanto França e Japão fornecem exemplos do uso de restrições de natureza
administrativa à circulação internacional de capitais, os Estados Unidos, apesar de sua
postura geralmente liberalizante, oferece pelo menos um exemplo de controles através de
incentivos de mercado. Em 1963, para estancar uma fuga de capitais para a Europa,
motivada principalmente pelo diferencial entre as taxas de juros mais altas naquele
continente e as taxas mais baixas no mercado americano, o governo americano criou o
Imposto de Equalização de Juros. Este imposto cobriria a diferença, para os capitais
tomados emprestados nos Estados Unidos por aplicadores na Europa, entre as duas taxas de
juros, de modo a desestimular a tomada de empréstimos no mercado americano para
investimento no mercado financeiro europeu. Não se adotou nenhuma restrição quantitativa
à saída de capitais, apenas tentou-se remover o incentivo a esse movimento.
Controles sobre saída de capitais também foram utilizados na Espanha quando da crise do
sistema monetário europeu, em 1992. A adoção de controles na Espanha foi explicada por
razões semelhantes às que levaram a Malásia, em 1998, a fazer o mesmo: evitar a alta da
taxa de juros doméstica que seria necessária para fazer reverter fugas de capitais. No caso
espanhol, as medidas de controle adotadas tentavam focalizar operações específicas,
particularmente aquelas envolvendo capitais especulativos. O instrumento usado foi a
imposição de depósitos compulsórios sobre as posições em moeda estrangeira dos bancos
espanhóis e sobre empréstimos desses bancos a não-residentes. Também foram impostos
depósitos compulsórios sobre posições dos bancos espanhóis em agências no exterior.
Dentre os instrumentos utilizados por países em desenvolvimento, encontramos também,
com muita freqüência, medidas de natureza administrativa. O exemplo talvez mais
conspícuo da adoção de controles de capitais é o da República Popular da China, onde
transações de capitais são simplesmente dependentes de autorização específica. Em outras
palavras, não são as restrições que são especificadas, mas, ao contrário, as exceções. As
operações financeiras com o exterior, de entrada ou de saída, são examinadas em detalhe,
com apoio em exigências estritas de documentação. Também no outro exemplo citado com
freqüência, a Índia, apesar de movimentos na direção de alguma liberalização, predomina a
utilização de restrições de natureza quantitativa e administrativa a transações de capitais.
17
Já países que seguiram uma estratégia mais definidamente liberalizante tendem ou a
suprimir controles ou a adotar instrumentos amigáveis ao mercado. Neste caso, não se
proíbem ou se limitam transações de tipos determinados, mas, como no caso americano
citado acima, tenta-se desestimular certas formas de movimento de capitais. O exemplo
mais citado é o chileno nos anos 1990, que foi seguido de perto por outros países, inclusive
o Brasil em torno da implementação do Plano Real, pela Colômbia entre 1993 e 1998, pela
Tailândia no período entre 1995 e 1997 e pela Malásia em 1994. Na década de 1990, o
principal problema a levar ao emprego de controles não era a possibilidade de fugas de
capitais (ainda que estas tenham ocorrido de tempos em tempos), mas a superabundância de
liquidez no sistema monetário internacional. Esse excesso de liquidez dava origem a
amplos movimentos de entradas de capitais em países em desenvolvimento, valorizando a
moeda local (prejudicando, com isso, as exportações do país) e pressionando a oferta
doméstica de liquidez (muitas vezes, como nos casos latino-americanos, em países que
tentavam adotar planos de estabilização de preços). A alternativa à restrição de entrada de
capitais nesses países seria a colocação de grandes volumes de dívida pública no mercado
doméstico para absorver o excesso de liquidez. Os limites desta estratégia eram dados, no
entanto, pela necessidade de evitar-se sobrecarregar-se as finanças públicas com o serviço
de uma dívida crescente.17
O instrumento usado em todos os países listados no parágrafo anterior foi a imposição de
depósitos compulsórios, geralmente não remunerados e resgatáveis depois de um período
variável de país a país, mas sempre relativamente longo, sobre entradas de capitais
estrangeiros (a Malásia, tal como será visto na próxima seção, adotou também instrumentos
de controles administrativos). No caso chileno, os depósitos tinham de ser feitos sobre
entradas de capitais de todos os tipos. Esperava-se que isto favorecesse os capitais de longo
prazo, nos quais o custo de manutenção de reservas seria diluído no tempo, o que as
evidências indicam ter sido obtido.
17
Cuidado que, na verdade, não foi tomado no Brasil, especialmente no primeiro governo F.H. Cardoso,
levando a um crescimento explosivo da dívida pública.
18
As experiências citadas não foram, de modo algum, únicas ou excepcionais. Na verdade,
numa perspectiva temporal mais longa, a liberalização alcançada atualmente é mais
excepcional, desde o início do século passado, que a adoção de controles de capitais. De
modo geral, construiu-se uma tecnologia de controle, pela qual entradas excessivas de
capitais podem ser evitadas por instrumentos amigáveis ao mercado, como a imposição de
requisitos de reservas sobre esses fluxos, enquanto saídas parecem ser mais eficientemente
controladas por restrições de natureza administrativa, como proibições e imposição de
limites quantitativos.
5. Controles de Capitais na Malásia18
Mais recentemente, houve dois períodos em que a Malásia adotou controles sobre o fluxo
de capitais. No início de 1994, introduziu controles sobre a entrada de capitais, já que a taxa
de juros doméstica e a expectativa de apreciação da sua moeda, atraíam volumosas quantias
de capitais de curto prazo para a sua economia. Aplicações de prazos mais longos também
eram atraídas, já que o país apresentava sinais de estabilidade macroeconômica duradoura
associada a uma forte perspectiva de crescimento. As medidas adotadas foram as seguintes:
(1)-os residentes foram proibidos de vender ativos financeiros para não-residentes com
prazo de maturidade inferior a um ano;
(2)-os bancos comerciais foram proibidos de realizar certas transações financeiras com nãoresidentes;
(3)-o endividamento bancário no exterior foi limitado e
(4)-parte das aplicações de bancos estrangeiros em ativos domésticos era não-remunerada.
No final de 1994, as medidas foram relaxadas já que os seus objetivos foram alcançados:
houve a redução do fluxo do capital de curto prazo e a expansão monetária decorrente desse
fluxo foi, portanto, contida. Houve, no segundo semestre daquele ano, uma forte redução no
passivo externo dos bancos, enquanto que o fluxo de capitais de prazos mais longos não foi
19
afetado. Os controles, dessa forma, se mostraram efetivos em reduzir o volume, assim
como em alterar os prazos de permanência dos capitais. Assim, as pressões sobre o
mercado cambial foram dissolvidas.
O segundo episódio, e mais interessante como experiência a ser analisada de controles, foi
o da saída de capitais da Malásia, durante a crise asiática de 1997-8, em que o ringgit, a
moeda malaia, se desvalorizou de aproximadamente 2,50 para 4,20 por dólar americano
desde o final do primeiro semestre de 1997 a agosto de 1998 – apesar da economia da
Malásia apresentar sólidos fundamentos (Aryioshi et al, 2000, p.100)19. A Malásia tem uma
característica muito especial. Sua moeda possuía um forte mercado offshore (fora das
fronteiras), especialmente, em Cingapura, uma cidade-país localizada próximo à Malásia.
Portanto, bancos no estrangeiro recebiam a moeda malaia (inclusive na forma de depósitos)
e podiam convertê-la em moeda estrangeira, ou seja, o mercado offshore podia se
transformar numa porta para a fuga de capitais e, então, era um mercado que, em algum
grau, podia ter influência sobre a taxa ringgit-dólar. Sendo assim, o controle sobre o
movimento de saída de capitais na Malásia ocorreu também sobre o movimento de ringgit
através das fronteiras malaias.
No dia primeiro de setembro de 1998, foi imposto um amplo conjunto de instrumentos de
controles sobre a saída de capitais para reduzir a pressão latente de desvalorização da
moeda doméstica. Os investimentos diretos estrangeiros e as transações internacionais
comerciais ficaram isentos. No segundo semestre de 1997, a fuga de capitais tinha atingido
cifras consideráveis e o nível de reservas do Banco Central estava muito baixo (no início de
1997, suas reservas somavam mais de 27 bilhões de dólares; no início de 1998, somavam
menos que 21 bilhões). Os controles e medidas adotadas visavam desmontar o mercado
offshore de moeda doméstica, reduzir a atividade especulativa contra o ringgit, impedir a
fuga de capitais e alongar o perfil das aplicações de não-residentes na Malásia, sem recorrer
18
As principais fontes de informação usadas nesta seção são Aryioshi et al (2000), Tamirisa (2004) e Kaplan
& Rodrik (2001).
19
A economia malaia apresentava, então, dados relativamente seguros. O seu PIB cresceu, em 1996, 8,6%,
em 1997, cresceu 7,5%. Sua inflação nesse período era inferior a 3%, o desemprego também. Era
reconhecido que o aumento da renda era dividido de forma equilibrada entre os diversos grupos sociais e
20
a elevações da taxa de juros que estrangulassem a economia malaia, a exemplo do que
ocorreu com os países asiáticos que seguiram as políticas propostas pelo FMI. Três blocos
de medidas foram adotados.
O primeiro bloco de medidas visava desmontar o mercado offshore de ringgit e,
simultaneamente, reduzir a oferta de moeda doméstica para aqueles que especulavam
contra o valor em dólares do ringgit. A medidas foram as seguintes:
(1)-repatriação obrigatória de todos os recursos legalmente mantidos em ringgit fora do
país por parte de residentes; os bancos malaios foram proibidos de transacionar com ringgit
no exterior (antes, existiam limites para essas transações);
(2)-limites foram impostos sobre o carregamento de recursos em ringgit por parte de
viajantes residentes ou não-residentes (antes, não existiam limites);
(3)-os bancos malaios estabelecidos no país ou no exterior foram proibidos de realizar
certas transações financeiras específicas que possibilitavam a fuga de capitais em ringgit (o
que antes existia eram limites para essas transações);
(4)-residentes foram proibidos de conceder e de obter crédito em ringgit de não-residentes
(antes, existiam limites para essas operações);
(5)-todas as transações comerciais com o exterior foram obrigadas a se realizar em moeda
estrangeira;
(6)-medidas legais foram reativadas com o objetivo de proibir que ações de empresas
malaias fossem negociadas em Cingapura (tais negociações eram em ringgit).
O segundo bloco de medidas objetivava impedir a saída de capitais de residentes e de nãoresidentes:
(1)-necessidade de aprovação, para não-residentes, de conversão de moeda doméstica
depositada em bancos malaios no exterior em moeda estrangeira, salvo se tal operação
fosse para comprar ativos malaios (anteriormente, não existia qualquer restrição dessa
natureza);
étnicos. Havia investimentos elevados em educação. Somente uma variável não era positivamente avaliada
pelos mercados financeiros e o FMI, a relação dívida/PIB: era um pouco menor que 60%.
21
(2)-não-residentes ficaram impedidos de repatriar recursos obtidos com a venda de ativos
financeiros da Malásia por doze meses, a contar da data da transação de venda
(anteriormente, não existia qualquer restrição dessa natureza);
(3)-necessidade de aprovação prévia para realização de investimentos no exterior além de
certos limites por parte de residentes, independentemente da forma da transação (antes tal
medida era aplicada somente a empresas residentes endividadas internamente);
(4)-a quantidade de remessa de recursos de dólares ao exterior por parte de residentes foi
limitada de acordo com a quantidade de recursos trazidos para a Malásia por não-residentes
(antes, era necessário a aprovação de operações de exportação de moeda estrangeira, mas
não havia qualquer limite).
O terceiro, e último, bloco de medidas, adotado em 15 de fevereiro de 1999, objetivava
desencorajar os investimentos em portfolio de curto termo e, ao mesmo tempo, permitir a
saída de capitais de forma não-abrupta. As medidas foram as seguintes:
(1)-para investimentos feitos antes de 15 de fevereiro daquele ano - alíquotas regressivas de
imposto (relativas ao tempo de permanência) sobre a saída de capitais de não-residentes
oriundos da venda de investimentos financeiros (ações, títulos públicos e outros papéis)
foram estabelecidas – 30% se o principal fosse repatriado menos que sete meses depois da
data de entrada, 20% se fosse repatriado entre sete e nove meses, 10% para a saída de
capitais que permaneceram nove a doze meses e não havia alíquota para a saída de recursos
de duração superior a doze meses (não havia imposto sobre a remessa de lucros, juros,
dividendos e aluguéis);
(2)-para investimentos feitos depois de 15 de fevereiro - alíquotas regressivas de imposto
(relativas ao tempo de permanência) sobre a saída de capitais de não-residentes oriundos
dos ganhos de venda de investimentos financeiros (ações, títulos públicos e outros papéis)
foram estabelecidas (os investimentos feitos antes de 15 de fevereiro eram tributados sobre
o principal; aqueles feitos depois eram tributados sobre a variação do capital) – nenhuma
taxa era cobrada sobre a saída de recursos na forma de remessas de juros, dividendos e
aluguéis – as alíquotas cobradas eram de 30% sobre os ganhos de capital obtidos em menos
que doze meses e 10% sobre os ganhos obtidos após doze meses.
22
Embora essas últimas medidas adotadas objetivassem explicitamente reduzir a velocidade
de saída dos capitais, a taxação dos ganhos obtidos sobre os capitais que entraram depois de
15 de fevereiro tinha o efeito potencial também de reduzir a entrada de capitais de curto
prazo. O investidor ao comprar um lote de ações já descontaria do ganho esperado a
alíquota de 30%, no caso de realizar um investimento de curto termo, ou de 10%, no caso
de realizar um investimento de maturidade superior a um ano. Embora a taxação somente
ocorresse na saída, era um fator inibidor à entrada de capitais voláteis que se dirigiriam
particularmente à Bolsa de Kuala Lumpur.
Mediante a apresentação dos documentos necessários, os bancos comercias (por delegação
do Banco Negara, o banco central malaio) realizavam diversas transações referentes ao
controle de capital – todas as transações com seus respectivos documentos eram
apresentadas de forma freqüente ao Banco Negara. Não foram estabelecidas penalidades no
caso das medidas de controles serem burladas; entretanto, os bancos eram monitorados com
certo cuidado pelas autoridades que utilizavam também o seu poder de convencimento e
pressão para reforçar o cumprimento dos controles.
Os controles sobre a saída de capitais foram estabelecidos em uma situação de crise com
objetivo de superá-la e de recuperar a autonomia sobre a política monetária que teria que
manter as taxas de juros em patamares elevados para conter a fuga de capitais, dissolver a
pressão especulativa sobre a taxa de câmbio e reduzir a perda de reservas por parte do
Banco Negara – tal como confirmado por um técnico do FMI: “o principal objetivo das
medidas [de controle] era recuperar a independência da política monetária...e estabilizar os
fluxos de capitais de curto termo” (Ötker-Robe, em Aryioshi et al, 2000, p.96). A
introdução das medidas de controles foram acompanhadas da fixação da taxa de câmbio
(que estava sob um regime flutuante), da redução da taxa de juros acompanhada de medidas
de ampliação do crédito e da manutenção da política fiscal de gastos, iniciada nos primeiros
dias de 1998, que tinham o objetivo explícito de estimular o crescimento econômico.
23
Os resultados dos controles foram extremamente positivos. O mercado offshore de ringgit
foi eliminado. Os controles foram efetivos, isto é, não houve fugas significativas por canais
legais ou ilegais. Não surgiu, de forma significativa, qualquer mercado paralelo de dólares.
Não houve subvalorização das exportações, nem sobrevalorização das importações (é o que
mostra um relatório do Banco Morgan Stanley citado no estudo de Aryioshi et al, 2000,
p.99, nota 100) O mercado legal futuro de dólares se manteve. Assim, o fluxo de saída de
capitais iniciado no segundo semestre de 1997 foi contido. A pressão especulativa foi
dissolvida e o câmbio se manteve fixo. Emergiram, então, as condições favoráveis para que
fossem mantidas as políticas monetária e fiscal expansionistas.20
Apesar da eficácia dos controles e da manutenção das políticas expansionistas, o PIB no
ano de 1998 contraiu-se em 6,7%. Contudo, a recuperação foi rápida, e as reservas no início
de 1999 já alcançavam um patamar superior a 29 bilhões de dólares – essa rápida
recuperação das reservas também pode ser explicada pela queda das importações devido à
queda da demanda no ano de 1998 e o retorno da confiança do investidor financeiro na
estabilidade do ringgit, esvaziando planos especulativos. O sucesso das medidas de
controles na Malásia pode ser atribuído em grande parte: (1)-à abrangência dos
instrumentos de controles que evitaram truques legais ou ilegais que poderiam burlar as
regras estabelecidas – não existiam exceções às regras; quando elas existem, os capitais
podem tomar a forma das exceções e fugir e (2)-ao esforço do Banco Negara em ampliar a
transparência e o entendimento das medidas adotadas para reduzir as resistências.21
A reação externa, contudo, não foi favorável às medidas. As agências de avaliação de risco
(Moody’s, Thompson Watch e Fitch) reduziram o rating de crédito soberano da Malásia
justificando que as medidas de controles representavam uma ameaça às transações
comerciais com o exterior e aos investimentos diretos – que eram as mais importantes
variáveis que explicavam o rápido desenvolvimento econômico do país. A Malásia foi
retirada do índice do Morgan Stanley de investimentos em mercados emergentes que
20
Em recente estudo econométrico do FMI, Tamirisa (2004) concluiu que os controles sobre a saída de
capitais facilitaram a redução da taxa de juros na Malásia durante a crise.
21
O Banco Negara fazia reuniões e seminários para investidores com o objetivo de dirimir dúvidas sobre as
medidas de controles adotadas e, posteriormente, emitiu notas de esclarecimento e press releases que foram
compilados na publicação A Guide to the Exchange Control Rules.
24
orienta os administradores dos grandes fundos internacionais. O Morgan Stanley anunciou
que a retirada tinha sido para sempre e que a inclusão da Malásia no índice anteriormente
tinha sido uma aberração (ver Aryioshi et al, 2000, p.104, nota 112). Assim, o custo de
captação externa por parte do governo, bancos e empresas aumentou. O FMI também
encontrou uma fórmula para tentar enfraquecer as medidas. O Fundo promoveu uma
imediata averiguação local para determinar se as medidas estavam de acordo com o Artigo
VIII dos estatutos da instituição que se refere às “obrigações gerais dos membros”.22 Por
fim, o FMI considerou que o conjunto de medidas estava em conformidade com o Artigo,
mas avaliou que sua implementação deveria, ainda assim, ser mantida sob
acompanhamento.
O apoio doméstico às medidas de controles foi rapidamente conquistado. A queda da taxa
de juros e a estabilidade cambial foram vistos pelo empresariado malaio como algo
extremamente positivo. Os empresários sob aquelas condições poderiam planejar receitas,
custos e compromissos de dívidas futuros. A comunidade financeira internacional relaxou
as suas restrições já em 1999. A Malásia voltou ao índice de referência para investimentos
financeiros publicado por bancos e instituições privadas (inclusive do Morgan Stanley). O
spread de juros cobrados sobre os títulos soberanos caiu de aproximadamente 10% ao final
de 1998 para menos que 2% no segundo trimestre de 1999.
Em estudo bastante conhecido, Kaplan e Rodrik (2001) constataram que a recuperação da
crise de 1997-8 pela Malásia foi mais rápida e com menos custos quando comparada com a
da Tailândia e Coréia que seguiram os programas de recuperação/empréstimos do FMI. Os
autores compararam a situação desses países um ano depois de terem adotado controles de
capitais (no caso da Malásia) ou programas orientados pelo FMI (no caso dos outros dois
países). A recuperação malaia foi, de fato, impressionante. A indústria cresceu 8,5%, em
1999, e o PIB cresceu neste ano 5,4%; em 2000, cresceu 7,8%, e em 2001, 7,0%. A
inflação que em 1998 foi de 5,3%; em 1999, foi de 2,8%, em 2000, de 2,2% e em 2001, de
2,8%. A relação dívida/PIB que era a única variável mal avaliada pelo FMI e a comunidade
financeira em 1996 quando atingiu um patamar próximo a 60%, se manteve em trajetória
22
O artigo VIII afirma que os membros do Fundo não podem impor restrições ou práticas discriminatórias ao
25
ascendente do período da crise aos dias de hoje em que está em um patamar superior a
70%.
Por último, cabe ser ressaltado que a Malásia fez exatamente o oposto do que sugere o
receituário padrão do FMI para o enfrentamento de crises de fuga de capitais que se
transformam em crises cambiais. O FMI propõe a flutuação da taxa de câmbio, a Malásia
fixou a taxa de câmbio. O FMI sugere a elevação da taxa de juros, a Malásia a reduziu. O
FMI receita a redução dos gastos públicos para estabilizar (isto é, reduzir) a relação dívida
pública/PIB, a Malásia aumentou os gastos públicos e impôs uma trajetória ascendente para
esta relação. Mas tudo isto somente foi possível porque a Malásia neutralizou, através da
adoção de controles, os possíveis impactos que a plena mobilidade de capitais poderia ter
causado na sua economia. Sem a adoção de controles de capitais, a estratégia malaia
expansionista de enfrentamento da crise não teria sido possível. Na ausência de controles,
somente restaria a opção de adoção da estratégia recessiva do FMI.
Importante ainda ser mencionado é que se o mercado financeiro ameaçar com um novo
ataque contra o ringgit, poderá ser punido novamente com a perda de liquidez das suas
aplicações, então, será certamente mais cauteloso neste país. Portanto, os controles
adotados no passado ainda são hoje um valioso ativo nas mãos da Malásia. O lastro desse
ativo, além da experiência bem-sucedida de 1998-9, é o Artigo VI dos estatutos de
fundação do FMI.
6. Conclusão
Controles de capitais têm sido objeto de intensa crítica de economistas liberais,
especialmente na última década. Alega-se que tais controles desestimulam investidores
externos e, com isso, contribuem para manter elevadas as taxas de juros domésticas nos
países que se recusam a abrir suas contas de capitais. Estes argumentos, como mostrado
amplamente na literatura sumariada neste trabalho, são não apenas falsos, mas
pagamento de compromissos correntes.
26
profundamente irresponsáveis. Mesmo defensores da conversibilidade das contas de
capitais, jargão do FMI para a abertura financeira, têm sido incapazes de demonstrar seus
benefícios. Por isso mesmo, concedem, ainda que com mal-disfarçado desgosto, que o
assunto deve ser mais estudado, para que as virtudes da liberalização possam ser
eventualmente descobertas. Outros, como Stanley Fischer e alguns economistas brasileiros,
preferem a via teológica: simplesmente crêem que estas virtudes existem e se os estudos
empíricos não conseguem encontrá-las, pior para os estudos empíricos.
Neste trabalho mostramos que a evidência disponível é amplamente favorável à adoção de
uma atitude no mínimo cautelosa quanto à conveniência de países em desenvolvimento
eliminarem restrições sobre a movimentação internacional de capitais. Mostramos que
mesmo países desenvolvidos apenas muito recentemente convenceram-se da desejabilidade
de contas de capitais abertas. Muitos mantém mesmo várias restrições, ainda que sob
mantos variados, como o da regulação financeira doméstica de natureza prudencial. Mais
relevante para países em desenvolvimento é a experiência de países como a Malásia, que
administrou uma grave crise de balanço de pagamentos através da imposição de controles, e
que hoje é amplamente apontada como um exemplo de sucesso, até mesmo pelos círculos
que previram sua descida ao inferno quando da adoção daqueles instrumentos. O exemplo
da notável prosperidade chinesa e, em menor escala, indiana, países que não se deixaram
levar pelo canto de sereia da liberalização tornou-se quase um clichê.
A lição da experiência, até o presente, é clara. A eliminação de controles de capitais expõe
as economias a turbulências, cujos benefícios são muito pequenos, provavelmente
inexistentes. A crença profunda e ilimitada na sabedoria espontânea dos mercados é matéria
para culto, não para a prática de política econômica.
Referências
A. Aryioshi, K. Habermeier, B. Laurens, I. Otker-Robe, J. Canales-Kriljenko e A.
Kirilenko, Country experiences with the use and liberalization of capital controls,
Washington: IMF, Occasional Papers 190, 2000.
A. Bakker e B. Chapple, Advanced country experiences with capital account liberalization,
Washington: IMF, Occasional Papers 214, 2002.
27
F. Carvalho, “Keynes on probability, uncertainty and decision-making”, Journal of Post
Keynesian Economics, 11 (1), Fall 1988.
F. Carvalho, “Economic policies for monetary economies”, Revista de Economia Política,
17 (4), out/dez 1997.
F.Carvalho e J. Sicsú, Controvérsias Recentes sobre Controles de Capitais, Revista de
Economia Política, 24(2), abr/jun 2004
H.-J. Chang, Kicking away the ladder. Development strategy in historical perspective,
Londres: Anthem Press, 2002.
R. Cooper, “Should capital controls be banished? “, Brookings Papers on Economic
Activity, 1999: 1.
P. Davidson, The case for regulating international capital flows, trabalho apresentado ao
Seminario sobre a Regulação dos Movimentos de Capitais, Social Market Foundation,
Londres, 17/11/1998.
R. Dornbusch, “Capital controls: an idea whose time is past”, Essays in International
Finance, n. 207, Princeton, 1998.
H. Edison, R. Levine, L. Ricci e T. Slok, International financial integration and economic
growth, IMF WP/02/145, 2002
S. Fischer, “Capital account liberalization and the role of the IMF”, Essays in International
Finance, n. 207, Princeton, 1998.
International Monetary Fund, The adoption of Indirect Instruments of Monetary Policy,
IMF Occasional Paper 126, 1995.
R. B. Johnston e N. Tamirisa, Why do countries use capital controls?, IMF WP/98/181,
1998.
E. Kaplan e D. Rodrik, Did the Malaysian Capital Controls Work?, NBER Working Paper
n.8142, 2001.
J.M. Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, New York:
Harcourt, Brace, Jovanovich, 1964.
J.M. Keynes, “The general theory of employment”, em D. Moggridge (ed), The Collected
Writings of John Maynard Keynes, vol. 14, Londres: MacMillan, 1973.
J. Kregel, “Markets and institutions as features of a capitalistic production system”, Journal
of Post Keynesian Economics, 3 (1), Fall 1980.
28
H. Minsky, “Money, financial markets, and the coherence of a market economy”, Journal
of Post Keynesian Economics, 3 (1), Fall 1980.
D. Moggridge (org), The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 25, Londres:
MacMillan, 1980.
C. Neely, “An introduction to capital controls”, St Louis Federal Reserve Bank Review, 81
(6), nov/dez 1999.
D. Rodrik e F. Rodriguez, “Trade policy and economic growth: a skeptic’s guide to the
cross-national evidence”, ksghome.harvard.edu/~.drodrik.academic.ksg/skepti1299.pdf,
2000.
N. Tamirisa, Do Macroeconomic Effects of Capital Controls Vary by their Type? Evidence
from Malaysia, IMF WP/04/3, 2004.
H. Edison, R. Levine, L. Ricci e T. Slok, International financial integration and economic
growth, IMF WP/02/145, 2002
C. Wyplosz, “Financial restraints and liberalization in postwar Europe”, em G. Caprio, P.
Honohan e J. Stiglitz (orgs) Financial Liberalization, How Far, How Fast, Cambridge:
Cambridge U Press, 2001.
29
Download