as diversas funções do vocábulo

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CRISTINA EIKO HIROTA YOSHINAGA
AS DIVERSAS FUNÇÕES DO VOCÁBULO “QUE”
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS
NÚCLEO DE APOIO DE SÃO PAULO - MOEMA
JABOTICABAL – SP
2008
1
CRISTINA EIKO HIROTA YOSHINAGA
AS DIVERSAS FUNÇÕES DO VOCÁBULO “QUE”
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade
de Educação São Luís, como exigência parcial para a
conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua
Portuguesa, Compreensão e Interpretação de Texto.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Roberto Wagner
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS
NÚCLEO DE APOIO DE SÃO PAULO - MOEMA
JABOTICABAL – SP
2008
2
Dedicatória
Para Mariana e Fernanda pela alegria e inspiração,
Para Ricardo pelo irrestrito companheirismo,
Aos meus pais Shiguiho e Tomi pela minha formação,
E especial afeto a minha mãe, que sempre me ensinou
a perseverar.
3
AGRADECIMENTOS
A Deus que nos dá sabedoria e forças para o cumprimento da nossa missão.
À família pelo apoio de sempre.
Às colegas de turma Lúcia da Silva Marinho dos Santos, Ana Maria Viégas
Pires e Maria Flávia Carneiro Netto Murari pelo incentivo a esta empreitada.
À Desembargadora Federal Eva Regina Turano Duarte da Conceição e demais
funcionários de seu Gabinete pelo apoio e compreensão.
Aos professores e demais funcionários da Faculdade São Luís, especialmente
ao Prof. Dr. Luiz Roberto Wagner, competente, solícito e cordial orientador, pelas preciosas orientações recebidas em todo o decorrer do curso.
4
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...(...)
(Bilac, Olavo. Língua Portuguesa)
5
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo o estudo das diversas funções da palavra “que”,
analisando as várias ocorrências segundo a gramática normativa, sendo que a sua
realização somente foi possível pela consulta aos livros, artigos, trabalhos, sites na
internet, revistas, jornais e autos processuais. Esta monografia é composta de três
capítulos, destinando-se o primeiro capítulo ao estudo da classificação morfológica
do vocábulo. No segundo capítulo, para que não ocorresse o distanciamento entre a
norma gramatical e o cotidiano, buscamos exemplos de aplicação da partícula “que”
no nosso dia-a-dia, enfocando-se o assunto, ora estudado, no contexto da linguagem
coloquial, da propaganda e das letras musicais. No terceiro capítulo, a análise foi
centrada nos textos jurídicos, abrangendo os casos de abusos e dubiedades e também
na utilização para introdução do discurso indireto. Em Considerações Finais, a partir
da análise realizada sobre as regras gramaticais e discutindo de forma exemplificada
sobre o vocábulo “que” nos elementos de nosso cotidiano (linguagem coloquial,
propaganda, letras musicais), discorremos sobre a conceituação do certo, errado e
adequado segundo as peculiaridades lingüísticas de cada seguimento da população
do nosso país, sem nos esquecermos da importância da gramática como identidade
nacional.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................8
1 AS DIVERSAS FUNÇÕES DIVERSAS FUNÇÕES DA PALAVRA “QUE”............10
1.1 Classes de palavras............................................................................................10
1.1.1 Substantivos.....................................................................................................11
1.1.2 Preposição........................................................................................................11
1.1.3 Interjeição.........................................................................................................13
1.1.4 Advérbio............................................................................................................13
1.1.5 Pronome............................................................................................................13
1.1.5.1 Pronome adjetivo..........................................................................................14
1.1.5.2 Pronome substantivo....................................................................................14
1.1.5.3 Pronome relativo...........................................................................................15
1.1.6 Conjunção.........................................................................................................16
1.1.6.1 Conjunção coordenativa..............................................................................17
1.1.6.2 Conjunção subordinativa - integrante e adverbial.....................................17
1.1.7 Partícula expletiva ou de realce......................................................................18
2 EMPREGO DO VOCÁBULO “QUE” NO NOSSO DIA-A-DIA................................20
2.1 Na linguagem coloquial......................................................................................20
2.2 Na propaganda....................................................................................................21
2.3 Nas letras musicais.............................................................................................21
3 UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO “QUE” NOS TEXTOS JURÍDICOS.......................30
3.1 Abusos e dubiedades.........................................................................................31
3.2 Discurso indireto.................................................................................................34
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................36
REFERÊNCIAS...........................................................................................................38
7
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo precípuo auxiliar as pessoas a se comunicarem
com maior fluência e clareza. Para tanto atentamos para os aspectos gramaticais,
já que a língua pátria é a nossa identidade nacional, constituindo um patrimônio da
nação.
Na realidade, o assunto abordado mostrou-se perfeito para a nossa finalidade
de analisarmos a nossa gramática de forma abrangente e instigante. Com efeito,
seja na escrita, ou ainda, na comunicação oral a palavra “que” encontra-se sempre
presente. Gramaticalmente o vocábulo é classificado em seis, das dez classes
gramaticais, além de compor com outras palavras inúmeras expressões. Pode ainda,
se apresentar como uma partícula de realce ou expletiva, ao enfatizar uma situação.
Ao longo do nosso trabalho, também pudemos comprovar que esta palavra de
múltiplas funções não se apresenta unânime entre os gramáticos, os quais divergem
quanto a sua classificação. Em outro ponto, observamos que o seu uso exacerbado
origina uma tendência batizada como “queísmo”.
No primeiro capítulo deste estudo, a análise da partícula “que” foi elaborada
recordando-se as classes gramaticais e com a demonstração da sua versatilidade
com definições gramaticais e exemplificações segundo as regras que norteiam o
padrão culto.
Não há como negar que o objeto do nosso estudo (análise da partícula “que”)
despertou interesse na abordagem do assunto além das regras gramaticais puras,
com explanações de regras e citações de exemplos. Na realidade, o tema nos
estimulou a buscar elementos do nosso dia-a-dia, em primeiro lugar em razão do
seu vasto emprego e também para facilitar na compreensão e fixação das definições
gramaticais.
8
Assim, focados nas normas do padrão culto e, ao mesmo tempo, adotando o toque
cotidiano procuramos atingir a todos com uma leitura prazerosa, independentemente
do grau de escolaridade ou especialização. Para tanto, fomos buscar a partícula
“que” inserida nas frases do nosso cotidiano, da nossa propaganda como também em
algumas canções consagradas, interpretadas e compostas por artistas de renome.
Por fim, no terceiro capítulo, externamos a nossa preocupação com a utilização
da partícula ”que” nos textos jurídicos, pelo fato do meio jurídico possuir, como outras
áreas de atuação, suas peculiaridades. Com efeito, era prestigiada entre os bacharéis
a utilização de uma linguagem rebuscada e a inserção de termos em latim. Felizmente,
esta praxe, que mais distancia a Justiça do jurisdicionado, por ser um fator que dificulta
a compreensão do conteúdo processual, aos poucos está sendo abolida.
Contudo, ainda é corriqueiro no meio jurídico valorizar a forma indireta e
os períodos compostos das orações. E neste contexto se insere a partícula “que”,
muito empregada como conjunção integrante, como pronome relativo ou ainda para
introduzir o discurso indireto.
Apesar do terceiro capítulo dar ênfase à escrita jurídica, procuramos trabalhar
a partícula “que” de forma ampla, para tanto o material de consulta utilizado foi
diversificado: artigos, livros, trabalhos, sites na internet, revistas, jornais, além dos autos
processuais. Tudo isto na tentativa de esgotar o estudo das diversas possibilidades de
emprego do vocábulo “que”, facilitando a comunicação.
9
1 AS DIVERSAS FUNÇÕES DA PALAVRA “QUE”
Por possuir múltiplas funções o vocábulo “que” encontra-se inserido no nosso
cotidiano de forma recorrente.
Antes de entrar na análise do vasto leque de possibilidades de emprego desta
partícula, devemos recordar as dez classes nas quais as palavras são distribuídas,
pois sendo a sua utilização muito frequente, em muitos casos, o seu emprego pode
ser confuso ou abusivo, dificultando a elucidação do texto.
Da classificação morfológica das palavras na nossa gramática, o vocábulo “que”
pode ser empregado de seis formas diferentes, dentro das dez classes gramaticais, a
saber:
1.1 Classes de palavras
1.1.1 substantivo – é o nome do ser;
1.1.2 preposição – estabelece relação e liga duas outras palavras ente si;
1.1.3 interjeição – exprime emoção ou sentimento repentino;
1.1.4 advérbio – modifica o verbo, exprimindo circunstância de tempo, modo, lugar, etc;
1.1.5 pronome – substitui ou acompanha um substantivo (nome), em relação às pessoas do discurso;
10
1.1.6 conjunção – liga orações, ou ainda, termo da mesma função sintática;
1.1.7 artigo – antecede o substantivo e indica seu gênero e número;
1.1.8 adjetivo – exprime qualidade, propriedade ou estado do ser (sub
stantivo);
1.1.9 numeral – quantifica o substantivo ou dá idéia de número;
1.1.10 verbo – indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno);
Da classificação acima, o vocábulo em questão só não desempenhará a função
morfológica de verbo, numeral, adjetivo ou artigo. No mais, poderá se apresentar
como: substantivo, preposição, interjeição, advérbio, conjunção e pronome.
Poderá, ainda, se apresentar como uma partícula expletiva ou de realce quando
puder ser retirada da expressão sem prejuízo.
1.1.1 Substantivo
Ao representar alguma coisa será um substantivo. Geralmente este vocábulo
será precedido de artigo e sempre acentuado. Ex:
Ela tem um quê de boneca.
Esse perfume tem um quê diferente.
Essa mulher tem um quê fatal e misterioso.
Não se acentua quando se faz referência a um que não acentuado. Ex:
O que dessa frase é conjunção ou pronome relativo (está se referindo
ao vocábulo “que”).
1.1.2 Preposição
Ao ligar dois verbos de uma locução verbal apresenta-se como preposição.
11
Nesse caso poderá ser substituído pela palavra “de”.
Há unanimidade sobre a possibilidade da palavra “que” exercer o papel de
preposição, contudo há divergência do seu emprego com o verbo ter.
Para Sacconi1 o vocábulo pode se apresentar como uma preposição quando
puder substituir-se por “de”. Ex:
Primeiro que tudo é preciso ver se temos dinheiro para viajar.
Fui ao supermercado primeiro que tudo.
Prossegue com as seguintes observações:
Alguns consideram preposição a palavra que usada como verbo ter.
Ex. Tenho que viajar urgentemente.
Elisabete quase teve que ser operada.
A função prepositiva da palavra que, neste caso, é bastante discutível,
já que apareceu em construções semelhantes por mero cruzamento
sintático. Em nosso ver, continua exercendo a função de pronome
relativo.
Por outro lado, outros gramáticos não fazem esta distinção. Ernani Terra2 pontua
que exercerá o papel de preposição “quando vem ligando dois verbos de uma locução
verbal. Equivalerá a ‘de’. Quando é preposição, a palavra ‘que’ não exerce função
sintática: Tenho que sair mais cedo, Ela tem que dar uma resposta até amanhã.”
No encarte da Folha Online, sobre o assunto, Dílson Catarino3 escreveu:
“Quando o ‘que’ funcionar como preposição, equivalerá à preposição de, sendo usado
em locuções verbais que têm, como auxiliares, ter ou haver. Ex. Tenho que trazer
meus documentos até amanhã. = Tenho de trazer meus documentos até amanhã.”
Apesar da envergadura do Professor Sacconi, ousamos discordar. Na realidade,
não teria sentido catalogar a partícula “que”, nas construções apontadas por ele, como
1
SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª
edição, pg. 413
2
TERRA, E. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Editora Scipione, 4ª edição, pg 375
3
CATARINO, A. Usos da palavra ‘que’. Folha de São Paulo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/fovest/uso_do_que.shtml>
12
um pronome relativo, pois não há uma relação de dependência entre o “que” e o termo
antecedente, o qual só pode ser um substantivo ou pronome.
1.1.3 Interjeição
Ao exprimir algum sentimento exerce a função de uma interjeição. Neste caso
o vocábulo será sempre acentuado e seguido de ponto de exclamação. Poderá ser
substituído por outra interjeição.
Quê! Você fez isso? (Uau! Você fez isso?)
Quê! O presidente renunciou ? (Meu Deus! O presidente renunciou?)
Além do emprego na forma acima descrita (isolado, acentuado e seguido
de ponto de exclamação), este mesmo vocábulo também pode fazer parte de uma
locução interjetiva (conjunto de duas ou mais palavras com o valor de interjeição). Ex:
Que horror!
Que chato!
Neste caso, o “que” não será acentuado, pois será seguido de outro termo
antecedente ao ponto de exclamação.
1.1.4 Advérbio
Ao modificar um adjetivo ou um advérbio, pode ser substituída pela palavra
“quão”.
Que lindas são suas meninas! (Quão lindas meninas!)
Que longe é aquele lugar! (Quão longe é aquele lugar!)
1.1.5 Pronome
Pode se apresentar como um pronome (adjetivo, substantivo e relativo). Para
Pasquale e Ulisses4 :
4
CIPRO NETO, P. & INFANTE, U. Gramática da Línguar Portuguesa Editora Scipione, 1ª edição, pg 281
13
Pronomes são palavras que representam os seres ou se referem
a eles. Podem substituir os substantivos ou acompanha-los, para
tornar-lhes claro o sentido. (...) Quando um pronome faz as vezes
de um substantivo, ou seja, quando o representa, é chamado de
pronome substantivo. (...) Também há pronomes que acompanham
os substantivos, a fim de caracterizá-los ou determiná-los, atuando
em funções típicas dos adjetivos. São justamente por isso, chamados
pronomes adjetivos.
Assim, o “que” pode ser empregado como substantivo ou apenas acompanhá-
lo, poderá assim, ser um pronome substantivo ou adjetivo. Pode constar em frases
exclamativas ou interrogativas (nestes casos pode ser pronome exclamativo ou
interrogativo).
1.1.5.1 Pronome adjetivo
Determina um substantivo. Ex:
Que vida é essa ? (pronome adjetivo interrogativo)
Que idéia maluca ! (pronome adjetivo exclamativo)
O pronome “que”, ao lado dos pronomes “quem”, “qual”, “quanto”, os quais na
teoria são pronomes indefinidos, são classificados particularmente como interrogativos
porque são empregados para formular interrogações diretas ou indiretas. Assim, por
ex:
Que horas são ? (pronome adjetivo indefinido, pois o sentido do “que”
equivale a “quantas”)
1.1.5.2 Pronome substantivo
Substitui um substantivo, equivale a “que coisa”. Ex:
Que aconteceu ? (pronome substantivo interrogativo)
Você precisa de quê? (pronome substantivo indefinido)
14
1.1.5.3 Pronome relativo.
O pronome relativo só tem sentido quando há mais de uma informação a
ser veiculada, representando o nome anteriormente citado. Há uma relação de
dependência entre ele e o termo antecedente, que só pode ser um substantivo ou
pronome.
Na frase “Eu disse que voltarei” não há o emprego do vocábulo estudado como
pronome relativo por ser precedido de um verbo.
Para Sacconi5 “pronomes relativos são os que se relacionam com um termo
antecedente, dando início a uma oração chamada adjetiva.”
A palavra “que”, juntamente com outros pronomes relativos desempenha a
função de indicar o termo anterior e introduzir alguma informação sobre o mesmo.
São principais: “que”, “quem”, “qual”, “onde” e “cujo”.
É muito corriqueira a utilização inadequada dos pronomes relativos e
especialmente do vocábulo “que” no desempenho desta função, por ser o mais genérico
dentre os demais, podendo ser empregado para se referir a lugares, pessoas, objetos.
Na realidade, seu uso é residual, ou seja, quando não for apropriada a utilização dos
demais.
Assim, para o emprego dos demais pronomes relativos há algumas regras
básicas que devem ser respeitadas:
a) Quem - refere-se a pessoas e sempre será regido de uma preposição
– Ex. Esta é a pessoa de quem mais gosto.
b) Onde – refere-se a lugar e não deve ser utilizado para indicar uma
situação. Ex. Não reconheço onde cresci.
c) Cujo – específico para indicação de posse, relacionando o objeto
possuído (conseqüente) e um possuidor (antecedente), concordando
5
SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª
edição, pg 148
15
com o termo conseqüente em gênero e número. Por exemplo, na frase
“Aquela é a obra cujo autor conheci” pode ser transformada na frase
“Conheci o autor daquela obra”.
d) Qual – no papel de pronome relativo somente será precedido de
artigo definido. Deve ser utilizado para se evitar a ambiguidade. Ex: “O
pai da garota o qual me refiro” (neste caso a referência é em relação ao
pai) ou “O pai da garota a qual me refiro” (neste caso a referência é em
relação à garota).
Também deve ser empregado quando o termo relacionado encontrase distante. Ex: Esse foi o pronunciamento feito pelo Presidente da
República, eleito pela maioria da população brasileira, o qual muita
repercussão causou.
Frequentemente “qual” é empregado com preposição ou pronome de
duas ou mais sílabas quando funcionar como objeto indireto. Ex: A
felicidade é um sentimento para a qual todos apelam. (Todos apelam
para o sentimento felicidade).
1.1.6 Conjunção
“que”:
6
Ernani Terra6 faz o seguinte comentário ao analisar a utilização da partícula
Conjunção - relaciona entre si duas orações. Nesse caso, não exerce
função sintática. Como conjunção, a palavra ‘que’ pode relacionar
tanto orações coordenadas quanto subordinadas, daí classificar-se
como conjunção coordenativa e conjunção subordinativa. Quando
funciona como conjunção coordenativa ou subordinativa, a palavra
‘que’ recebe o no nome da oração que introduz. Exemplo: Venha logo,
que é tarde (conjunção coordenativa explicativa) Falou tanto que ficou
rouco (conjunção subordinativa consecutiva) Estou bem mais calmo
que ontem (conjunção subordinativa comparativa). Quando inicia uma
oração subordinada substantiva, a palavra que recebe o nome de
conjunção subordinativa integrante. Exemplo: Desejo que você venha,
Espero que tudo corra bem.
TERRA, E. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Editora Scipione, 4ª edição, pg 376
16
1.1.6.1 Conjunção coordenativa
Alguns exemplos de emprego como conjunção coordenativa:
Levante-se, que já é tarde. (conjunção coordenativa explicativa, pode
ser substituída por outra conjunção de igual valor para apontar uma
explicação, como por exemplo: pois, porque, etc...).
Luta que luta, mas não vence. (conjunção coordenativa aditiva, podendo
ser substituído pelo “e” sem qualquer prejuízo).
1.1.6.2 Conjunção subordinativa – integrante e adverbiais
A conjunção subordinativa integrante são as que ligam duas orações, sendo
que a segunda é sujeito ou complemento da primeira.
Para Sacconi7 as conjunções subordinativas integrantes “introduzem orações
subordinadas que exercem função substantiva, ou seja, função de sujeito, de objeto
direto, de objeto indireto, de complemento de predicativo e de aposto. ”
Por exprimir uma circunstância, a conjunção subordinativa é adverbial, sendo
que o vocábulo “que” pode ser antecedido de outras palavras formando, assim, uma
locução conjuntiva.
São inúmeros os casos em que a partícula em estudo é utilizada em locução
conjuntiva das mais diversas modalidades:
adverbiais causais: (a oração subordinada expressa uma causa,
justificativa da oração principal): já que, visto que, pois que, por que,
adverbiais comparativas: (a oração subordinada apresenta-se como
uma comparação da principal): que, do que, que nem
7
SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª
edição, pg 228
17
adverbiais concessivas: (na oração subordinada há uma proposição
contrária ao fato da oração principal): ainda que, mesmo que, se bem
que, bem que, posto que, apesar de que
adverbiais condicionais: (a oração subordinada apresenta uma
hipótese ou condição da oração principal): dado que, sem que, desde
que, uma vez que
adverbiais conformativas: (a oração subordinada exprime acordo,
concordância de um fato com outro): de acordo com o que
adverbiais consecutivas: (a oração subordinada expressa a
consequência)
adverbiais temporais: logo que, depois que, antes que, sempre que
adverbiais finais: a fim de que, para que, de modo que
adverbiais proporcionais: à proporção que, à medida que, ao passo
que
1.1.7 Partícula expletiva ou de realce
Para Sacconi8, a partícula “que” forma com “é” a locução expletiva “é que” e
dá como exemplo: “Os homens é que maltratam os animais”. Afirma: “Como se vê, é
locução absolutamente invariável; não concorda com nenhum termo da oração. Se,
porém, seus membros aparecem separados, o verbo varia. Ex: São os homens que
maltratam os animais.“
Contudo, no site Gramática OnLine, Dilson Catarino9 ao analisar a partícula
desempenhando a função de partícula expletiva, diz que há uma inadequação na
seguinte frase: “Foram nas filmagens de Titanic que Leonardo DiCaprio conquistou a
8
SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª
edição, pg. 413
9
CATARINO, A. Dicas de Português. Gramática Online. Disponível em
<http://www.gramaticaonline.com.br/url.asp?url=http://vestibular.uol.com.br/pegadinhas/>
18
fama.” Pugna pela inadequação da frase afirmando:
A inadequação está na utilização do verbo “ser” no plural. O que ocorre
é que existe, na Gramática da Língua Portuguesa, um elemento a que
denominamos de “Partícula Expletiva” (também pode ser chamada de
“Partícula de Realce”) que, como o próprio nome indica, serve para
realçar, enfatizar. Essa partícula tanto pode ser a palavra “que” quanto
a expressão “é que”, que pode ter o verbo no presente (é), no passado
(foi, era, fora) ou no futuro (será, seria), mas sempre na terceira pessoa
do singular. Então a frase correta é: - Foi nas filmagens de Titanic que
Leonardo DiCaprio conquistou a fama.
As proposições são contraditórias. A proposição de Sacconi apresenta-se mais
apropriada, pois no exemplo citado: “São os homens que maltratam os animais”, “os
homens” é o sujeito da oração e “maltratam os animais” o predicado verbal. Então
para enfatizar o sujeito “homens” nada mais apropriado do que flexionar o verbo ser
no plural.
No exemplo dado por Dílson Catarino, realmente a frase soaria melhor o verbo
ser não fosse flexionado, desta forma: “Foi nas filmagens de Titanic que Leonardo
DiCaprio conquistou a fama”. Com efeito, esta frase é a correta, mas não pelas
explicações dadas por ele no sentido de que o verbo ser não flexionaria.
Na realidade, o verbo ser está se referindo à “conquista da fama” (evento no
singular) que por sua vez se deu nas “filmagens”.
19
2 EMPREGO DO VOCÁBULO “QUE” NO NOSSO DIA-A-DIA
2.1 Na linguagem coloquial
Como já dito anteriormente, por exercer inúmeras funções, comumente os
interlocutores possuem dificuldade na correta utilização deste vocábulo tão rico.
a) “O que você disse? ”
Em nosso cotidiano, é muito corriqueiro a uso do artigo definido “o” antes da
palavra “que” na construção de frases interrogativas. Ex.
O que você disse?.
Esta expressão, apesar de ser corrente em nosso país, é inadequada para os
padrões cultos. A frase “Que você disse?”, ainda que possa parecer pouco familiar, é
a forma correta de se perguntar.
b) “Cadê”
Outro termo muito usual na linguagem coloquial é o termo “cadê”, que é a
corruptela da expressão “que é de”, que tem o particípio feito subentendido. Ex.
Cadê meus óculos? (Que é de meus óculos? ou Que é feito meus
óculos)
20
2.2 Na propaganda
Passemos à análise da partícula nos textos de propaganda.
a) “Não importa o que vier. Um só produto resolve. Omo Multiação.”
Note-se que neste texto da propaganda, a primeira frase pode ter a sua ordem
trocada, tendo perfeito sentido se dissermos “O que vier não importa”.
No caso, o “que” exerce uma função de pronome substantivo, equivalendo a
“coisa” (exercendo a função sintática de sujeito).
b) “Chicco. A segurança que seu bebê merece.”
c) “Chanceller, o fino que satisfaz! ”
Nestas duas frases a palavra “que” está empregada como pronome relativo,
pois em ambas se encontra substituindo o termo (substantivo).
Na segunda frase “fino” está utilizado como substantivo, sendo inclusive
precedido pelo artigo definido “o”.
2.3 Nas letras musicais
A seguir vamos analisar algumas citações do vocábulo “que” nas letras das
nossas músicas e podemos perceber o seu emprego das formas mais variadas.
a) Que pena
Na composição interpretada pela cantora Gal Costa temos a seguinte citação:
Que pena (Gal Costa)
Ele já não gosta mais de mim
Mais eu gosto dele mesmo assim
Que pena, que pena
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena, que pena
Pois não é fácil recuperar
Um grande amor perdido
21
Pois ela era uma rosa
Ele era uma rosa
As outras eram manjericão
Os outros eram manjericão
Ela era uma rosa
Ele era uma rosa
Que mandava no meu coração
Coração, coração
Ele já não gosta mais de mim
Mas eu gosto dele mesmo assim
Que pena, que pena
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena, que pena
Mas eu não vou chorar
Eu vou é cantar
Pois a vida continua
Pois a vida continua
E eu não vou ficar sozinha no meio da rua
No meio da rua
Esperando que alguém me de a mão
Me dê a mão. A mão
Ele já não gosta mais de mim
Mas eu gosto dele mesmo assim
Que pena, que pena
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena, que pena.
Como já sabemos, a interjeição exprime um sentimento e é justamente o que
se procura demonstrar com a frase assinalada. Podemos notar que o interlocutor
suspira por uma situação passada e a utilização recorrente da expressão “que pena”
serve para demonstrar a sua tristeza, a sua decepção.
Se esta locução fosse finalizada pelo sinal exclamativo “!”, não restaria dúvida
quanto a sua classificação como uma locução interjetiva. Contudo, o autor da canção
preferiu desprovê-la deste sinal, pelo fato da música se reportar a uma desilusão
amorosa. Isto porque a interjeição normalmente é utilizada para exprimir uma emoção
repentina e não um sentimento de nostalgia.
Vejamos como ficaria a canção, se ao final da expressão constasse “!”.
(...)
Ele já não gosta mais de mim
22
Mais eu gosto dele mesmo assim
Que pena!, que pena!
Ela já não é mais a minha pequena
Que pena!, que pena!
(...)
A canção perderia a sua sonoridade e o seu sentido, se fosse uma locução
interjetiva.
Na realidade, a palavra “que” está inserida numa frase, que por si só, já transmite
uma mensagem. Transformando-a numa oração poderia ter a seguinte redação: “Isto
é uma pena”.
Contudo o “que” aparece em outra passagem, não apenas no refrão já analisado.
“Ele era uma rosa / Que mandava no meu coração” nestes versos está empregada
como pronome relativo e inicia uma oração adjetiva.
b) Que país é esse?
Temos outra composição com a utilização do vocábulo em estudo, o qual, no
próprio título, já remete ao conteúdo do espírito da música, ou seja, demonstra o
sentimento de indignação e perplexidade do quadro político do país.
Que país é esse ? (Legião Urbana)
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No amazonas, no araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, minas gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papéis e documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
23
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Nesse refrão, a palavra “que” foi utilizada como um pronome adjetivo
interrogativo, por acompanhar o substantivo “país” e constar numa frase interrogativa.
c) Bem que se quis
Em outra letra, o vocábulo “que” se encontra inserido exercendo quatro funções
diferentes.
Bem que se quis (Marisa Monte)
Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?...
Mas tanto faz!
Já me esqueci
De te esquecer
Porque!
O teu desejo
É meu melhor prazer
E o meu destino
É querer sempre mais
A minha estrada corre
Pro seu mar...
Agora vem, prá perto vem
Vem depressa, vem sem fim
Dentro de mim
Que eu quero sentir
24
O teu corpo pesando
Sobre o meu
Vem meu amor, vem prá mim
Me abraça devagar
Me beija e me faz esquecer...
Bem que se quis
Depois de tudo
Ainda ser feliz
Mas já não há
Caminhos prá voltar
E o quê, que a vida fez
Da nossa vida?
O quê, que a gente
Não faz por amor?...
Mas tanto faz!
Já me esqueci
De te esquecer
Porque!
O teu desejo
É meu melhor prazer
E o meu destino
É querer sempre mais
A minha estrada corre
Pro seu mar...
Agora vem, prá perto vem
Vem depressa, vem sem fim
Dentro de mim
Que eu quero sentir
O teu corpo pesando
Sobre o meu
Os três primeiros versos analisados conjuntamente demonstram uma oposição
de fatos. Há uma idéia implícita no sentido de que muitos acontecimentos desgastantes
ocorreram na relação (“depois de tudo”), mesmo assim, o casal procurou a reconciliação
(“ainda ser feliz”), daí a expressão “bem que se quis” para ligar estes dois fatos. A idéia
poderia ser transmitida da seguinte forma: Depois de tudo bem que se quis ser feliz.
Sacconi91diz que as conjunções concessivas “iniciam orações subordinadas
que exprimem um fato contrário ao da oração principal, mas não suficiente para anulá9
SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª
edição, pg. 229
25
la.”
Ainda na primeira estrofe, ocorre o emprego da palavra “que” em outras duas
oportunidades. “E o quê, que a vida fez / Da nossa vida ?”.
Na primeira delas, trata-se de um substantivo, pois equivale a “que coisa”,
sendo empregado, inclusive, na forma acentuada.
Já na segunda menção trata-se de uma partícula de realce ou expletiva. Note-
se ser perfeitamente possível a sua retirada sem prejuízo do sentido, passando ter
seguinte estrutura : “E o quê a vida fez / Da nossa vida?”.
A vírgula depois do “quê” foi utilizado como um recurso do compositor para dar
uma pausa, imprimindo uma melodia, mas na realidade seria perfeitamente possível
a sua supressão conforme a estrutura acima citada.
Na terceira a estrofe, o vocábulo desempenha o papel de conjunção
coordenativa explicativa, exprimindo a idéia de motivo, razão ao dar uma explicação.
Aceita ser substituída por “porque”, “pois” ou por qualquer outra conjunção com a
mesma classificação.
Com a substituição, a estrofe se transformaria: “Agora vem, prá perto vem /
Vem depressa, vem sem fim / Dentro de mim / Porque eu quero sentir / O teu corpo
pesando / Sobre o meu / Vem meu amor, vem prá mim / Me abraça devagar / Me beija
e me faz esquecer”.
d) Roda viva
Analisemos a letra e música de Chico Buarque de Holanda.
Roda viva
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
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Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo (etc.)
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo (etc.)
Na primeira estrofe, nos versos “Tem dias que a gente se sente/ Como quem
partiu ou morreu” ocorre a utilização do vocábulo como pronome relativo, numa
referência ao substantivo “dias” (dias que = dias os quais a gente se sente).
“A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu.” Estes
versos representam a idéia de alternatividade. Neste caso o “que” forma, com o auxílio
do verbo “ser” flexionado (foi), uma locução expletiva ou de realce, não perdendo o
sentido se escrito desta forma: “A gente estancou de repente / Ou o mundo então
27
cresceu”. A palavra “então” apresenta-se também como uma palavra enfática.
“A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a
roda-viva / E carrega o destino pra lá”. Novamente nos deparamos com uma locução
expletiva ou de realce. Este recurso é utilizado para dar ênfase ao fato “a chegada da
roda viva”.
Ou seja, até então a canção se desenvolve para expressar um sentimento de
impotência (Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente
estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu), seguido de um esboço de
reação, traduzido nos seguintes versos “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino
mandar”. Os versos seguintes “Mas eis que chega a roda vida / E carrega o destino
pra lá” imprimem um quadro em que a tímida reação é atropelada pela roda viva.
Para tanto, o compositor utilizou dois recursos “mas” e da expressão “eis que”. O
primeiro constitui uma conjunção adversativa e transmite o sentimento de oposição,
já a segunda apresenta-se como uma ruptura. Palavra “eis” constitui uma palavra
denotativa de designação, equivale a “aqui está”.
“A gente vai contra a corrente / Até não poder resistir / Na volta do barco é
que sente / O quanto deixou de cumprir.” A expressão grifada pode ser retirada sem
prejuízo, assim, apresenta-se, juntamente com o verbo “ser”, como uma locução
expletiva. Com a sua exclusão e com a inclusão do sujeito até então oculto “a gente”,
o verso teria esta construção: “Na volta do barco a gente sente”.
“Faz tempo que a gente cultiva / A mais linda roseira que há / Mas eis que
chega a roda-viva / E carrega a roseira pra lá / Roda mundo (etc.).” Há três citações
do vocábulo em estudo.
Na primeira, constitui uma conjunção integrativa ligando a primeira oração “faz
tempo” e “a gente cultiva”.
O “que” do terceiro verso é empregado como um pronome relativo, na função
28
sintática de sujeito embora o verbo haver seja impessoal, está empregado no sentido
de existir. Assim, poderia ser transcrita da seguinte forma: “A mais linda roseira
existente.”
29
3 UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO “QUE” NOS TEXTOS JURÍDICOS
A importância do estudo do vocábulo “que” nos textos jurídicos consiste no fato
da produção jurídica valorizar a ordem indireta e os períodos compostos das orações.
Com efeito, nos textos poéticos pode consistir uma qualidade a narração de um
acontecimento de forma direta e entrecortada, por exemplo: “A vítima saiu do bar às
22:00 horas. A vítima estava embriagada. A vítima tentou atravessar a rua. A vitima foi
atropelada.”
Esta sequência de fatos seria descrita de forma mais apropriada: “A vítima,
que estava embriagada, saiu do bar às 22:00 horas. Ao tentar atravessar a rua foi
atropelada.”
Notória a diferença dos dois textos, pois no primeiro há uma repetição do
mesmo vocábulo “vítima” e há quatro orações distintas, mas justapostas, que num todo
explicam o desfecho final. Ao passo que no segundo, constam todas as informações
presentes no anterior, contudo sem a reiteração da palavra que denota o sujeito das
orações.
No segundo texto ficou claro que as orações foram transformadas para formar
um período composto e é justamente este recurso, o de transformar os períodos
simples em compostos, que devemos analisar nos textos jurídicos.
Embora as transformações objetivem dar maior dinamismo e tornar o texto
30
mais fluído, em alguns casos ocorrem excessos, seja pelo volume de informação que
se quer transmitir num único período, seja pela complexidade da informação.
Assim, nos textos jurídicos a palavra “que” é muito utilizada como pronome
relativo (como no exemplo acima citado) ou exercendo a função de conjunção
(integrativa). Neste último caso, principalmente no discurso indireto.
3.1 Abusos e dubiedades
O vocábulo “que”, sendo muito versátil é muito utilizado, ocasionando, por
vezes, um texto enfadonho ou confuso, não despertando interesse no leitor.
Wagner10, atento às dificuldades dos discentes para redigir, bem traduziu esta
tendência de abusar desta partícula, batizando-a de “queismo”:
Um defeito muito encontrado na produção de textos dos alunos é a
repetição de palavras. Não se trata de repetição enfática que visa ao
emprego de elementos coesivos (coesão referencial por reiteração). E
uma das palavras que mais aparecem repetidas é o que (conjunção
ou pronome relativo).
(...)
As alternativas que temos para evitar esse queísmos são as seguintes:
no caso de conjunção integrante, podemos forma uma oração reduzida
de infinitivo (-R) ou substituí-la por um substantivo (“Disse que daria
uma notícia.” = “Disse uma novidade); se for pronome relativo, podemos
criar uma oração reduzida de gerúndio (-NDO) ou de particípio (-DO)
ou, ainda, substituir toda a oração por um adjetivo (“Encontrei o homem
que trabalha” = “Encontrei o homem trabalhador.”). Reescrevendo
o período supracitado, teremos: “Você afirmou ter a Coordenação
resolvido o problema existente na sala, fazendo os alunos mudarem
o comportamento assumido anteriormente.”, sem usar vez alguma o
que.
(...)
Outro recurso para evitar o queísmo são os sinais de pontuação:
“O professor que me trouxe o livro que você indicou, me disse que
essa obra é importantíssima.”. O período reescrito sem queísmo: “O
professor trouxe-me o livro citado por você e me disse: esta obra é
importantíssima.”
Portanto, devemos, não só ter o domínio gramatical do rol de possibilidade do
10
WAGNER, L. R. Use o português adequado. São Paulo: All Print Editora, pg 58
31
vocábulo em estudo, como também nos valermos do bom senso para a sua adequada
utilização conforme o contexto comunicativo.
Dentro da rotina dos tribunais, analisemos alguns textos insertos nos autos
jurídicos:
a) Constou num trecho de uma petição inicial do processo: “Os autos foram
enviados para o contador judicial, que informou haver uma diferença menor que a
pleiteada pelo autor, fls. 145 dos autos, que foi então homologada pelo MM Juiz,
através da decisão aqui agravada.”
Nesta frase de três linhas o vocábulo em estudo foi utilizado três vezes. Na
primeira linha o “que” exerce a função de pronome relativo, pois quem informou haver
diferenças foi o contador judicial. Já na segunda citação, trata-se de uma comparação
entre a diferença apurada pelo contador judicial e a diferença pleiteada pelo autor.
Por fim, equivocada a última citação, pois como posto, significaria que os autos que
foram homologados, o que é impreciso, pois, na realidade o que foi homologada é a
informação da contadoria sobre a diferença.
A construção correta, mais elucidativa, deveria ser desta forma: “Os autos
foram enviados para o contador judicial, que informou haver uma diferença menor
que a pleiteada pelo autor (fls. 145 dos autos), sendo então a informação homologada
pelo MM Juiz, através da decisão aqui agravada.”
b) O parágrafo seguinte constou de uma decisão judicial: “Ocorre que, foi na
decisão publicada em 19.12.08 que o juízo de origem resolveu que no próprio feito
os demais procuradores, que atuaram na ação originária, poderiam cobrar a verba
honorária.”
No parágrafo acima de três linhas, a partícula “que” foi utilizada quatro vezes,
sendo todas de forma diferenciada.
32
Num primeiro momento, foi ela foi empregada na expressão ”Ocorre que”,
introduzindo o parágrafo. Poderia ser substituído pela expressão: “acontece que”,
utilizadas para explicar uma idéia oposta à desenvolvida até então.
Esta expressão é seguida da seguinte frase: “foi na decisão publicada em
19.12.08 que o juízo de origem resolveu (...)”.
Note-se que este “que” da frase acima, foi antecedida do verbo “ser” flexionado
no passado (foi). Aqui o “que” aparece como partícula expletiva ou locução de realce.
Ou seja, procurou-se enfatizar a idéia de que a resolução da questão foi dada nesta
decisão pelo Juízo de origem.
Prosseguindo encontramos a seguinte parte: “(...) resolveu que no próprio feito
os demais procuradores (...) poderiam cobrar a verba honorária”. O vocábulo “que”
foi utilizado como uma conjunção integrante ao introduzir uma oração subordinada
substantiva (objetiva direta).
Finalmente analisemos o seguinte “que”: “resolveu que no próprio feito os
demais procuradores, que atuaram na ação originária, poderiam cobrar a verba
honorária.” Neste caso, é classificado como pronome relativo por se referir ao termo
“procuradores”.
Ou seja, a mensagem deste parágrafo é no sentido de que, apesar de todos os
fatos anteriormente narrados, é muito relevante à decisão publicada em 19.12.08, daí
a partícula de realce. A seguir faz constar o conteúdo da decisão do juízo de origem,
ou seja, apenas os procuradores atuantes na ação originária poderiam cobrar a verba
honorária.
c) Analisemos a seguinte frase: “Então, vislumbram-se graves prejuízos aos
cofres do Estado e da autarquia previdenciária, que, inclusive, tem o seu patrimônio e
receita mantidos e financiados por toda a sociedade, a teor do que dispõe o caput do
33
artigo 195, da Constituição Federal”.
Na frase acima, a utilização do vocábulo como pronome relativo torna ambígua
a frase. Afinal, o “que” refere-se ao Estado ou a autarquia ? Quem tem o patrimônio
e receita mantidos e financiados por toda a sociedade? Esta ambiguidade é ainda
maior, pelo fato de tanto o Estado, como a autarquia, serem entidades públicas. O
leitor mais desavisado poderia ficar confuso.
Para a correta interpretação deve-se considerar outra informação. A frase
aponta para o fato do patrimônio e receitas mantidos e financiados por toda a
sociedade estarem prescritos no artigo 195 da Constituição Federal. Este artigo trata
da seguridade social, matéria correlacionada à autarquia previdenciária.
Foi preciso todo um raciocínio e também se socorrer a uma informação jurídica
para concluir que a utilização do vocálbulo “que” refere-se à autarquia previdenciária.
Tudo isto seria evitado se esta partícula fosse substituída pelo também pronome
relativo “a qual”, pois acompanhado de um artigo definido não restaria dúvida quanto
a sua correlação com o substantivo feminino “autarquia” e não com o substantivo
masculino “Estado”.
3.2 Discurso indireto
É corriqueiro nos textos jurídicos nos deparamos com a palavra “que” empregada
no discurso indireto, nos quais a fala do personagem é transcrita pelo narrador (quem
escreve o texto). Não ocorre a transcrição literal do discurso do personagem, mas a
transcrição pelo narrador do texto.
Por exemplo, os testemunhos podem ser reduzidos a termo, pelo juiz no papel
de narrador, descrevendo os dizeres da testemunha, que, no caso, exerce o papel de
personagem: “A testemunha disse que esteve no local antes do incidente, que não
notou nada de suspeito, que não viu a vítima, que estava chovendo”.
34
No caso do discurso indireto, o vocábulo “que” apresenta-se como uma
conjunção subordinativa e é empregada após o verbo dicendi (verbo utilizado para
introduzir discursos).
Outra forma muito utilizada é o uso do discurso indireto, com a “personificação”
de artigos de lei. Ex.
“Diz o artigo 527 do CPC que ‘recebido o agravo de instrumento no Tribunal e
distribuído incontinenti, o relator: (...) II – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso
(artigo 558), comunicando ao juiz tal decisão’.”
Na realidade, o interlocutor quer dizer que o enunciado do artigo 527 do Código
de Processo Civil determina tal procedimento, pois o artigo não pode “falar”. Assim, o
artigo 527 exerce o papel de autor da fala, o verbo “dizer” apresenta-se como verbo
dicendi e o “que” como conjunção.
35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso país, por sua natureza e por sua extensão, possui inúmeras realidades.
Da mesma maneira é a forma de expressão do nosso povo, uma vez que cada
seguimento possui suas próprias características e peculiaridades, não sendo possível
apontar o que é certo ou errado, mas simplesmente devemos atentar para o que é o
adequado para a ocasião enfrentada. Na realidade, a língua é uma entidade viva, que
se transforma constantemente e assim deve ser analisada e ensinada.
Contudo, não devemos nos esquecer das normas que norteiam a nossa
gramática, pois a língua oficial representa a unidade do nosso povo e é ela que
devemos ter sempre em mente, por traduzir a nossa identidade nacional.
Com efeito, com o conhecimento da gramática teremos mais segurança e
desenvoltura para nos expressarmos nas diversas situações de comunicação, tendo,
inclusive, consciência se estamos ou não de acordo com o padrão culto.
Entendemos que o vocábulo “que” traduz muito bem esta versatilidade
lingüística, pois dentro da classificação morfológica das palavras pode se apresentar
de seis formas diferentes (substantivo, preposição, interjeição, advérbio, pronome,
conjunção). Pode se apresentar, ainda, como um recurso enfático quando empregado
como partícula expletiva ou de realce.
Na realidade, por ter inúmeras opções de emprego, hodiernamente, há um
36
abuso na sua utilização, por se tratar de um vocábulo que possui múltiplas funções.
Normalmente os interlocutores se valem de sua versatilidade ou para preencher
alguma lacuna na comunicação ou simplesmente o utilizam de forma indiscriminada,
poluindo a mensagem.
Desta forma, devemos ter consciência do seu leque de possibilidade de uso
para enriquecer mensagem escrita ou falada, inserindo o vocábulo “que” de forma
precisa e apropriada.
Procuramos trabalhar a partícula “que” de forma abrangente, ou seja, buscamos
aspectos do nosso cotidiano, inclusive do nosso cotidiano jurídico, para tornar mais
prazerosa e menos distante a gramática, pois sabemos que o seu uso exacerbado
ou sem critério pode tornar o texto, o discurso ou diálogo confuso ou complicado.
Assim, concluímos que não podemos ignorar as regras gramaticais, cabendo ao
interlocutor escolher a melhor maneira de utilizar esta partícula tão preciosa de forma
mais adequada e correta possível diante da ocasião enfrentada.
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REFERÊNCIAS
ANDRÉ, H. A de. Gramática Ilustrada, 5. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1997.
CAMPEDELLI, S.Y. & SOUZA, J.B. Gramática do Texto – Texto da Gramática, 1.ed.
São Paulo:Editora Saraiva, 2002.
CATARINO, A. Dicas de Português. Gramática Online. Disponível em
<http://www.gramaticaonline.com.br/url.asp?url=http://vestibular.uol.com.br/
pegadinhas/>
___________ Usos da palavra ‘que’. Folha de São Paulo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/fovest/uso_do_que.shtml>
CIPRO NETO, P. & INFANTE, U. Gramática da Língua Portuguesa/Pasquale&Ulisses,
1.ed. Editora Scipione, 2003.
SACCONI, L. A. Nossa gramática contemporânea: teoria e prática. 1. ed. São
Paulo: Escala Educacional, 2007.
TERRA, E. Curso Prático de Gramática. 3.ed. São Paulo: Editora Scipione, 2002.
WAGNER, L. R. Use o português adequado: aspectos gramaticais e análise de
textos. 3.ed. São Paulo: All Print Editora, 2008.
__________. Quê da Questão. Revista Língua Portuguesa, São Paulo: Editora
Segmento 2009, n. 42, p. 42-43,
38
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