CRISTINA EIKO HIROTA YOSHINAGA AS DIVERSAS FUNÇÕES DO VOCÁBULO “QUE” FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS NÚCLEO DE APOIO DE SÃO PAULO - MOEMA JABOTICABAL – SP 2008 1 CRISTINA EIKO HIROTA YOSHINAGA AS DIVERSAS FUNÇÕES DO VOCÁBULO “QUE” Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Educação São Luís, como exigência parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa, Compreensão e Interpretação de Texto. Orientador: Prof. Dr. Luiz Roberto Wagner FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS NÚCLEO DE APOIO DE SÃO PAULO - MOEMA JABOTICABAL – SP 2008 2 Dedicatória Para Mariana e Fernanda pela alegria e inspiração, Para Ricardo pelo irrestrito companheirismo, Aos meus pais Shiguiho e Tomi pela minha formação, E especial afeto a minha mãe, que sempre me ensinou a perseverar. 3 AGRADECIMENTOS A Deus que nos dá sabedoria e forças para o cumprimento da nossa missão. À família pelo apoio de sempre. Às colegas de turma Lúcia da Silva Marinho dos Santos, Ana Maria Viégas Pires e Maria Flávia Carneiro Netto Murari pelo incentivo a esta empreitada. À Desembargadora Federal Eva Regina Turano Duarte da Conceição e demais funcionários de seu Gabinete pelo apoio e compreensão. Aos professores e demais funcionários da Faculdade São Luís, especialmente ao Prof. Dr. Luiz Roberto Wagner, competente, solícito e cordial orientador, pelas preciosas orientações recebidas em todo o decorrer do curso. 4 Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela...(...) (Bilac, Olavo. Língua Portuguesa) 5 RESUMO Este trabalho tem por objetivo o estudo das diversas funções da palavra “que”, analisando as várias ocorrências segundo a gramática normativa, sendo que a sua realização somente foi possível pela consulta aos livros, artigos, trabalhos, sites na internet, revistas, jornais e autos processuais. Esta monografia é composta de três capítulos, destinando-se o primeiro capítulo ao estudo da classificação morfológica do vocábulo. No segundo capítulo, para que não ocorresse o distanciamento entre a norma gramatical e o cotidiano, buscamos exemplos de aplicação da partícula “que” no nosso dia-a-dia, enfocando-se o assunto, ora estudado, no contexto da linguagem coloquial, da propaganda e das letras musicais. No terceiro capítulo, a análise foi centrada nos textos jurídicos, abrangendo os casos de abusos e dubiedades e também na utilização para introdução do discurso indireto. Em Considerações Finais, a partir da análise realizada sobre as regras gramaticais e discutindo de forma exemplificada sobre o vocábulo “que” nos elementos de nosso cotidiano (linguagem coloquial, propaganda, letras musicais), discorremos sobre a conceituação do certo, errado e adequado segundo as peculiaridades lingüísticas de cada seguimento da população do nosso país, sem nos esquecermos da importância da gramática como identidade nacional. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................................8 1 AS DIVERSAS FUNÇÕES DIVERSAS FUNÇÕES DA PALAVRA “QUE”............10 1.1 Classes de palavras............................................................................................10 1.1.1 Substantivos.....................................................................................................11 1.1.2 Preposição........................................................................................................11 1.1.3 Interjeição.........................................................................................................13 1.1.4 Advérbio............................................................................................................13 1.1.5 Pronome............................................................................................................13 1.1.5.1 Pronome adjetivo..........................................................................................14 1.1.5.2 Pronome substantivo....................................................................................14 1.1.5.3 Pronome relativo...........................................................................................15 1.1.6 Conjunção.........................................................................................................16 1.1.6.1 Conjunção coordenativa..............................................................................17 1.1.6.2 Conjunção subordinativa - integrante e adverbial.....................................17 1.1.7 Partícula expletiva ou de realce......................................................................18 2 EMPREGO DO VOCÁBULO “QUE” NO NOSSO DIA-A-DIA................................20 2.1 Na linguagem coloquial......................................................................................20 2.2 Na propaganda....................................................................................................21 2.3 Nas letras musicais.............................................................................................21 3 UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO “QUE” NOS TEXTOS JURÍDICOS.......................30 3.1 Abusos e dubiedades.........................................................................................31 3.2 Discurso indireto.................................................................................................34 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................36 REFERÊNCIAS...........................................................................................................38 7 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objetivo precípuo auxiliar as pessoas a se comunicarem com maior fluência e clareza. Para tanto atentamos para os aspectos gramaticais, já que a língua pátria é a nossa identidade nacional, constituindo um patrimônio da nação. Na realidade, o assunto abordado mostrou-se perfeito para a nossa finalidade de analisarmos a nossa gramática de forma abrangente e instigante. Com efeito, seja na escrita, ou ainda, na comunicação oral a palavra “que” encontra-se sempre presente. Gramaticalmente o vocábulo é classificado em seis, das dez classes gramaticais, além de compor com outras palavras inúmeras expressões. Pode ainda, se apresentar como uma partícula de realce ou expletiva, ao enfatizar uma situação. Ao longo do nosso trabalho, também pudemos comprovar que esta palavra de múltiplas funções não se apresenta unânime entre os gramáticos, os quais divergem quanto a sua classificação. Em outro ponto, observamos que o seu uso exacerbado origina uma tendência batizada como “queísmo”. No primeiro capítulo deste estudo, a análise da partícula “que” foi elaborada recordando-se as classes gramaticais e com a demonstração da sua versatilidade com definições gramaticais e exemplificações segundo as regras que norteiam o padrão culto. Não há como negar que o objeto do nosso estudo (análise da partícula “que”) despertou interesse na abordagem do assunto além das regras gramaticais puras, com explanações de regras e citações de exemplos. Na realidade, o tema nos estimulou a buscar elementos do nosso dia-a-dia, em primeiro lugar em razão do seu vasto emprego e também para facilitar na compreensão e fixação das definições gramaticais. 8 Assim, focados nas normas do padrão culto e, ao mesmo tempo, adotando o toque cotidiano procuramos atingir a todos com uma leitura prazerosa, independentemente do grau de escolaridade ou especialização. Para tanto, fomos buscar a partícula “que” inserida nas frases do nosso cotidiano, da nossa propaganda como também em algumas canções consagradas, interpretadas e compostas por artistas de renome. Por fim, no terceiro capítulo, externamos a nossa preocupação com a utilização da partícula ”que” nos textos jurídicos, pelo fato do meio jurídico possuir, como outras áreas de atuação, suas peculiaridades. Com efeito, era prestigiada entre os bacharéis a utilização de uma linguagem rebuscada e a inserção de termos em latim. Felizmente, esta praxe, que mais distancia a Justiça do jurisdicionado, por ser um fator que dificulta a compreensão do conteúdo processual, aos poucos está sendo abolida. Contudo, ainda é corriqueiro no meio jurídico valorizar a forma indireta e os períodos compostos das orações. E neste contexto se insere a partícula “que”, muito empregada como conjunção integrante, como pronome relativo ou ainda para introduzir o discurso indireto. Apesar do terceiro capítulo dar ênfase à escrita jurídica, procuramos trabalhar a partícula “que” de forma ampla, para tanto o material de consulta utilizado foi diversificado: artigos, livros, trabalhos, sites na internet, revistas, jornais, além dos autos processuais. Tudo isto na tentativa de esgotar o estudo das diversas possibilidades de emprego do vocábulo “que”, facilitando a comunicação. 9 1 AS DIVERSAS FUNÇÕES DA PALAVRA “QUE” Por possuir múltiplas funções o vocábulo “que” encontra-se inserido no nosso cotidiano de forma recorrente. Antes de entrar na análise do vasto leque de possibilidades de emprego desta partícula, devemos recordar as dez classes nas quais as palavras são distribuídas, pois sendo a sua utilização muito frequente, em muitos casos, o seu emprego pode ser confuso ou abusivo, dificultando a elucidação do texto. Da classificação morfológica das palavras na nossa gramática, o vocábulo “que” pode ser empregado de seis formas diferentes, dentro das dez classes gramaticais, a saber: 1.1 Classes de palavras 1.1.1 substantivo – é o nome do ser; 1.1.2 preposição – estabelece relação e liga duas outras palavras ente si; 1.1.3 interjeição – exprime emoção ou sentimento repentino; 1.1.4 advérbio – modifica o verbo, exprimindo circunstância de tempo, modo, lugar, etc; 1.1.5 pronome – substitui ou acompanha um substantivo (nome), em relação às pessoas do discurso; 10 1.1.6 conjunção – liga orações, ou ainda, termo da mesma função sintática; 1.1.7 artigo – antecede o substantivo e indica seu gênero e número; 1.1.8 adjetivo – exprime qualidade, propriedade ou estado do ser (sub stantivo); 1.1.9 numeral – quantifica o substantivo ou dá idéia de número; 1.1.10 verbo – indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno); Da classificação acima, o vocábulo em questão só não desempenhará a função morfológica de verbo, numeral, adjetivo ou artigo. No mais, poderá se apresentar como: substantivo, preposição, interjeição, advérbio, conjunção e pronome. Poderá, ainda, se apresentar como uma partícula expletiva ou de realce quando puder ser retirada da expressão sem prejuízo. 1.1.1 Substantivo Ao representar alguma coisa será um substantivo. Geralmente este vocábulo será precedido de artigo e sempre acentuado. Ex: Ela tem um quê de boneca. Esse perfume tem um quê diferente. Essa mulher tem um quê fatal e misterioso. Não se acentua quando se faz referência a um que não acentuado. Ex: O que dessa frase é conjunção ou pronome relativo (está se referindo ao vocábulo “que”). 1.1.2 Preposição Ao ligar dois verbos de uma locução verbal apresenta-se como preposição. 11 Nesse caso poderá ser substituído pela palavra “de”. Há unanimidade sobre a possibilidade da palavra “que” exercer o papel de preposição, contudo há divergência do seu emprego com o verbo ter. Para Sacconi1 o vocábulo pode se apresentar como uma preposição quando puder substituir-se por “de”. Ex: Primeiro que tudo é preciso ver se temos dinheiro para viajar. Fui ao supermercado primeiro que tudo. Prossegue com as seguintes observações: Alguns consideram preposição a palavra que usada como verbo ter. Ex. Tenho que viajar urgentemente. Elisabete quase teve que ser operada. A função prepositiva da palavra que, neste caso, é bastante discutível, já que apareceu em construções semelhantes por mero cruzamento sintático. Em nosso ver, continua exercendo a função de pronome relativo. Por outro lado, outros gramáticos não fazem esta distinção. Ernani Terra2 pontua que exercerá o papel de preposição “quando vem ligando dois verbos de uma locução verbal. Equivalerá a ‘de’. Quando é preposição, a palavra ‘que’ não exerce função sintática: Tenho que sair mais cedo, Ela tem que dar uma resposta até amanhã.” No encarte da Folha Online, sobre o assunto, Dílson Catarino3 escreveu: “Quando o ‘que’ funcionar como preposição, equivalerá à preposição de, sendo usado em locuções verbais que têm, como auxiliares, ter ou haver. Ex. Tenho que trazer meus documentos até amanhã. = Tenho de trazer meus documentos até amanhã.” Apesar da envergadura do Professor Sacconi, ousamos discordar. Na realidade, não teria sentido catalogar a partícula “que”, nas construções apontadas por ele, como 1 SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª edição, pg. 413 2 TERRA, E. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Editora Scipione, 4ª edição, pg 375 3 CATARINO, A. Usos da palavra ‘que’. Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/fovest/uso_do_que.shtml> 12 um pronome relativo, pois não há uma relação de dependência entre o “que” e o termo antecedente, o qual só pode ser um substantivo ou pronome. 1.1.3 Interjeição Ao exprimir algum sentimento exerce a função de uma interjeição. Neste caso o vocábulo será sempre acentuado e seguido de ponto de exclamação. Poderá ser substituído por outra interjeição. Quê! Você fez isso? (Uau! Você fez isso?) Quê! O presidente renunciou ? (Meu Deus! O presidente renunciou?) Além do emprego na forma acima descrita (isolado, acentuado e seguido de ponto de exclamação), este mesmo vocábulo também pode fazer parte de uma locução interjetiva (conjunto de duas ou mais palavras com o valor de interjeição). Ex: Que horror! Que chato! Neste caso, o “que” não será acentuado, pois será seguido de outro termo antecedente ao ponto de exclamação. 1.1.4 Advérbio Ao modificar um adjetivo ou um advérbio, pode ser substituída pela palavra “quão”. Que lindas são suas meninas! (Quão lindas meninas!) Que longe é aquele lugar! (Quão longe é aquele lugar!) 1.1.5 Pronome Pode se apresentar como um pronome (adjetivo, substantivo e relativo). Para Pasquale e Ulisses4 : 4 CIPRO NETO, P. & INFANTE, U. Gramática da Línguar Portuguesa Editora Scipione, 1ª edição, pg 281 13 Pronomes são palavras que representam os seres ou se referem a eles. Podem substituir os substantivos ou acompanha-los, para tornar-lhes claro o sentido. (...) Quando um pronome faz as vezes de um substantivo, ou seja, quando o representa, é chamado de pronome substantivo. (...) Também há pronomes que acompanham os substantivos, a fim de caracterizá-los ou determiná-los, atuando em funções típicas dos adjetivos. São justamente por isso, chamados pronomes adjetivos. Assim, o “que” pode ser empregado como substantivo ou apenas acompanhá- lo, poderá assim, ser um pronome substantivo ou adjetivo. Pode constar em frases exclamativas ou interrogativas (nestes casos pode ser pronome exclamativo ou interrogativo). 1.1.5.1 Pronome adjetivo Determina um substantivo. Ex: Que vida é essa ? (pronome adjetivo interrogativo) Que idéia maluca ! (pronome adjetivo exclamativo) O pronome “que”, ao lado dos pronomes “quem”, “qual”, “quanto”, os quais na teoria são pronomes indefinidos, são classificados particularmente como interrogativos porque são empregados para formular interrogações diretas ou indiretas. Assim, por ex: Que horas são ? (pronome adjetivo indefinido, pois o sentido do “que” equivale a “quantas”) 1.1.5.2 Pronome substantivo Substitui um substantivo, equivale a “que coisa”. Ex: Que aconteceu ? (pronome substantivo interrogativo) Você precisa de quê? (pronome substantivo indefinido) 14 1.1.5.3 Pronome relativo. O pronome relativo só tem sentido quando há mais de uma informação a ser veiculada, representando o nome anteriormente citado. Há uma relação de dependência entre ele e o termo antecedente, que só pode ser um substantivo ou pronome. Na frase “Eu disse que voltarei” não há o emprego do vocábulo estudado como pronome relativo por ser precedido de um verbo. Para Sacconi5 “pronomes relativos são os que se relacionam com um termo antecedente, dando início a uma oração chamada adjetiva.” A palavra “que”, juntamente com outros pronomes relativos desempenha a função de indicar o termo anterior e introduzir alguma informação sobre o mesmo. São principais: “que”, “quem”, “qual”, “onde” e “cujo”. É muito corriqueira a utilização inadequada dos pronomes relativos e especialmente do vocábulo “que” no desempenho desta função, por ser o mais genérico dentre os demais, podendo ser empregado para se referir a lugares, pessoas, objetos. Na realidade, seu uso é residual, ou seja, quando não for apropriada a utilização dos demais. Assim, para o emprego dos demais pronomes relativos há algumas regras básicas que devem ser respeitadas: a) Quem - refere-se a pessoas e sempre será regido de uma preposição – Ex. Esta é a pessoa de quem mais gosto. b) Onde – refere-se a lugar e não deve ser utilizado para indicar uma situação. Ex. Não reconheço onde cresci. c) Cujo – específico para indicação de posse, relacionando o objeto possuído (conseqüente) e um possuidor (antecedente), concordando 5 SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª edição, pg 148 15 com o termo conseqüente em gênero e número. Por exemplo, na frase “Aquela é a obra cujo autor conheci” pode ser transformada na frase “Conheci o autor daquela obra”. d) Qual – no papel de pronome relativo somente será precedido de artigo definido. Deve ser utilizado para se evitar a ambiguidade. Ex: “O pai da garota o qual me refiro” (neste caso a referência é em relação ao pai) ou “O pai da garota a qual me refiro” (neste caso a referência é em relação à garota). Também deve ser empregado quando o termo relacionado encontrase distante. Ex: Esse foi o pronunciamento feito pelo Presidente da República, eleito pela maioria da população brasileira, o qual muita repercussão causou. Frequentemente “qual” é empregado com preposição ou pronome de duas ou mais sílabas quando funcionar como objeto indireto. Ex: A felicidade é um sentimento para a qual todos apelam. (Todos apelam para o sentimento felicidade). 1.1.6 Conjunção “que”: 6 Ernani Terra6 faz o seguinte comentário ao analisar a utilização da partícula Conjunção - relaciona entre si duas orações. Nesse caso, não exerce função sintática. Como conjunção, a palavra ‘que’ pode relacionar tanto orações coordenadas quanto subordinadas, daí classificar-se como conjunção coordenativa e conjunção subordinativa. Quando funciona como conjunção coordenativa ou subordinativa, a palavra ‘que’ recebe o no nome da oração que introduz. Exemplo: Venha logo, que é tarde (conjunção coordenativa explicativa) Falou tanto que ficou rouco (conjunção subordinativa consecutiva) Estou bem mais calmo que ontem (conjunção subordinativa comparativa). Quando inicia uma oração subordinada substantiva, a palavra que recebe o nome de conjunção subordinativa integrante. Exemplo: Desejo que você venha, Espero que tudo corra bem. TERRA, E. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Editora Scipione, 4ª edição, pg 376 16 1.1.6.1 Conjunção coordenativa Alguns exemplos de emprego como conjunção coordenativa: Levante-se, que já é tarde. (conjunção coordenativa explicativa, pode ser substituída por outra conjunção de igual valor para apontar uma explicação, como por exemplo: pois, porque, etc...). Luta que luta, mas não vence. (conjunção coordenativa aditiva, podendo ser substituído pelo “e” sem qualquer prejuízo). 1.1.6.2 Conjunção subordinativa – integrante e adverbiais A conjunção subordinativa integrante são as que ligam duas orações, sendo que a segunda é sujeito ou complemento da primeira. Para Sacconi7 as conjunções subordinativas integrantes “introduzem orações subordinadas que exercem função substantiva, ou seja, função de sujeito, de objeto direto, de objeto indireto, de complemento de predicativo e de aposto. ” Por exprimir uma circunstância, a conjunção subordinativa é adverbial, sendo que o vocábulo “que” pode ser antecedido de outras palavras formando, assim, uma locução conjuntiva. São inúmeros os casos em que a partícula em estudo é utilizada em locução conjuntiva das mais diversas modalidades: adverbiais causais: (a oração subordinada expressa uma causa, justificativa da oração principal): já que, visto que, pois que, por que, adverbiais comparativas: (a oração subordinada apresenta-se como uma comparação da principal): que, do que, que nem 7 SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª edição, pg 228 17 adverbiais concessivas: (na oração subordinada há uma proposição contrária ao fato da oração principal): ainda que, mesmo que, se bem que, bem que, posto que, apesar de que adverbiais condicionais: (a oração subordinada apresenta uma hipótese ou condição da oração principal): dado que, sem que, desde que, uma vez que adverbiais conformativas: (a oração subordinada exprime acordo, concordância de um fato com outro): de acordo com o que adverbiais consecutivas: (a oração subordinada expressa a consequência) adverbiais temporais: logo que, depois que, antes que, sempre que adverbiais finais: a fim de que, para que, de modo que adverbiais proporcionais: à proporção que, à medida que, ao passo que 1.1.7 Partícula expletiva ou de realce Para Sacconi8, a partícula “que” forma com “é” a locução expletiva “é que” e dá como exemplo: “Os homens é que maltratam os animais”. Afirma: “Como se vê, é locução absolutamente invariável; não concorda com nenhum termo da oração. Se, porém, seus membros aparecem separados, o verbo varia. Ex: São os homens que maltratam os animais.“ Contudo, no site Gramática OnLine, Dilson Catarino9 ao analisar a partícula desempenhando a função de partícula expletiva, diz que há uma inadequação na seguinte frase: “Foram nas filmagens de Titanic que Leonardo DiCaprio conquistou a 8 SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª edição, pg. 413 9 CATARINO, A. Dicas de Português. Gramática Online. Disponível em <http://www.gramaticaonline.com.br/url.asp?url=http://vestibular.uol.com.br/pegadinhas/> 18 fama.” Pugna pela inadequação da frase afirmando: A inadequação está na utilização do verbo “ser” no plural. O que ocorre é que existe, na Gramática da Língua Portuguesa, um elemento a que denominamos de “Partícula Expletiva” (também pode ser chamada de “Partícula de Realce”) que, como o próprio nome indica, serve para realçar, enfatizar. Essa partícula tanto pode ser a palavra “que” quanto a expressão “é que”, que pode ter o verbo no presente (é), no passado (foi, era, fora) ou no futuro (será, seria), mas sempre na terceira pessoa do singular. Então a frase correta é: - Foi nas filmagens de Titanic que Leonardo DiCaprio conquistou a fama. As proposições são contraditórias. A proposição de Sacconi apresenta-se mais apropriada, pois no exemplo citado: “São os homens que maltratam os animais”, “os homens” é o sujeito da oração e “maltratam os animais” o predicado verbal. Então para enfatizar o sujeito “homens” nada mais apropriado do que flexionar o verbo ser no plural. No exemplo dado por Dílson Catarino, realmente a frase soaria melhor o verbo ser não fosse flexionado, desta forma: “Foi nas filmagens de Titanic que Leonardo DiCaprio conquistou a fama”. Com efeito, esta frase é a correta, mas não pelas explicações dadas por ele no sentido de que o verbo ser não flexionaria. Na realidade, o verbo ser está se referindo à “conquista da fama” (evento no singular) que por sua vez se deu nas “filmagens”. 19 2 EMPREGO DO VOCÁBULO “QUE” NO NOSSO DIA-A-DIA 2.1 Na linguagem coloquial Como já dito anteriormente, por exercer inúmeras funções, comumente os interlocutores possuem dificuldade na correta utilização deste vocábulo tão rico. a) “O que você disse? ” Em nosso cotidiano, é muito corriqueiro a uso do artigo definido “o” antes da palavra “que” na construção de frases interrogativas. Ex. O que você disse?. Esta expressão, apesar de ser corrente em nosso país, é inadequada para os padrões cultos. A frase “Que você disse?”, ainda que possa parecer pouco familiar, é a forma correta de se perguntar. b) “Cadê” Outro termo muito usual na linguagem coloquial é o termo “cadê”, que é a corruptela da expressão “que é de”, que tem o particípio feito subentendido. Ex. Cadê meus óculos? (Que é de meus óculos? ou Que é feito meus óculos) 20 2.2 Na propaganda Passemos à análise da partícula nos textos de propaganda. a) “Não importa o que vier. Um só produto resolve. Omo Multiação.” Note-se que neste texto da propaganda, a primeira frase pode ter a sua ordem trocada, tendo perfeito sentido se dissermos “O que vier não importa”. No caso, o “que” exerce uma função de pronome substantivo, equivalendo a “coisa” (exercendo a função sintática de sujeito). b) “Chicco. A segurança que seu bebê merece.” c) “Chanceller, o fino que satisfaz! ” Nestas duas frases a palavra “que” está empregada como pronome relativo, pois em ambas se encontra substituindo o termo (substantivo). Na segunda frase “fino” está utilizado como substantivo, sendo inclusive precedido pelo artigo definido “o”. 2.3 Nas letras musicais A seguir vamos analisar algumas citações do vocábulo “que” nas letras das nossas músicas e podemos perceber o seu emprego das formas mais variadas. a) Que pena Na composição interpretada pela cantora Gal Costa temos a seguinte citação: Que pena (Gal Costa) Ele já não gosta mais de mim Mais eu gosto dele mesmo assim Que pena, que pena Ela já não é mais a minha pequena Que pena, que pena Pois não é fácil recuperar Um grande amor perdido 21 Pois ela era uma rosa Ele era uma rosa As outras eram manjericão Os outros eram manjericão Ela era uma rosa Ele era uma rosa Que mandava no meu coração Coração, coração Ele já não gosta mais de mim Mas eu gosto dele mesmo assim Que pena, que pena Ela já não é mais a minha pequena Que pena, que pena Mas eu não vou chorar Eu vou é cantar Pois a vida continua Pois a vida continua E eu não vou ficar sozinha no meio da rua No meio da rua Esperando que alguém me de a mão Me dê a mão. A mão Ele já não gosta mais de mim Mas eu gosto dele mesmo assim Que pena, que pena Ela já não é mais a minha pequena Que pena, que pena. Como já sabemos, a interjeição exprime um sentimento e é justamente o que se procura demonstrar com a frase assinalada. Podemos notar que o interlocutor suspira por uma situação passada e a utilização recorrente da expressão “que pena” serve para demonstrar a sua tristeza, a sua decepção. Se esta locução fosse finalizada pelo sinal exclamativo “!”, não restaria dúvida quanto a sua classificação como uma locução interjetiva. Contudo, o autor da canção preferiu desprovê-la deste sinal, pelo fato da música se reportar a uma desilusão amorosa. Isto porque a interjeição normalmente é utilizada para exprimir uma emoção repentina e não um sentimento de nostalgia. Vejamos como ficaria a canção, se ao final da expressão constasse “!”. (...) Ele já não gosta mais de mim 22 Mais eu gosto dele mesmo assim Que pena!, que pena! Ela já não é mais a minha pequena Que pena!, que pena! (...) A canção perderia a sua sonoridade e o seu sentido, se fosse uma locução interjetiva. Na realidade, a palavra “que” está inserida numa frase, que por si só, já transmite uma mensagem. Transformando-a numa oração poderia ter a seguinte redação: “Isto é uma pena”. Contudo o “que” aparece em outra passagem, não apenas no refrão já analisado. “Ele era uma rosa / Que mandava no meu coração” nestes versos está empregada como pronome relativo e inicia uma oração adjetiva. b) Que país é esse? Temos outra composição com a utilização do vocábulo em estudo, o qual, no próprio título, já remete ao conteúdo do espírito da música, ou seja, demonstra o sentimento de indignação e perplexidade do quadro político do país. Que país é esse ? (Legião Urbana) Nas favelas, no senado Sujeira pra todo lado Ninguém respeita a constituição Mas todos acreditam no futuro da nação Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? No amazonas, no araguaia iá, iá, Na baixada fluminense Mato grosso, minas gerais e no Nordeste tudo em paz Na morte o meu descanso, mas o Sangue anda solto Manchando os papéis e documentos fiéis Ao descanso do patrão Que país é esse? Que país é esse? 23 Que país é esse? Que país é esse? Terceiro mundo, se for Piada no exterior Mas o brasil vai ficar rico Vamos faturar um milhão Quando vendermos todas as almas Dos nossos índios num leilão Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? Nesse refrão, a palavra “que” foi utilizada como um pronome adjetivo interrogativo, por acompanhar o substantivo “país” e constar numa frase interrogativa. c) Bem que se quis Em outra letra, o vocábulo “que” se encontra inserido exercendo quatro funções diferentes. Bem que se quis (Marisa Monte) Bem que se quis Depois de tudo Ainda ser feliz Mas já não há Caminhos prá voltar E o quê, que a vida fez Da nossa vida? O quê, que a gente Não faz por amor?... Mas tanto faz! Já me esqueci De te esquecer Porque! O teu desejo É meu melhor prazer E o meu destino É querer sempre mais A minha estrada corre Pro seu mar... Agora vem, prá perto vem Vem depressa, vem sem fim Dentro de mim Que eu quero sentir 24 O teu corpo pesando Sobre o meu Vem meu amor, vem prá mim Me abraça devagar Me beija e me faz esquecer... Bem que se quis Depois de tudo Ainda ser feliz Mas já não há Caminhos prá voltar E o quê, que a vida fez Da nossa vida? O quê, que a gente Não faz por amor?... Mas tanto faz! Já me esqueci De te esquecer Porque! O teu desejo É meu melhor prazer E o meu destino É querer sempre mais A minha estrada corre Pro seu mar... Agora vem, prá perto vem Vem depressa, vem sem fim Dentro de mim Que eu quero sentir O teu corpo pesando Sobre o meu Os três primeiros versos analisados conjuntamente demonstram uma oposição de fatos. Há uma idéia implícita no sentido de que muitos acontecimentos desgastantes ocorreram na relação (“depois de tudo”), mesmo assim, o casal procurou a reconciliação (“ainda ser feliz”), daí a expressão “bem que se quis” para ligar estes dois fatos. A idéia poderia ser transmitida da seguinte forma: Depois de tudo bem que se quis ser feliz. Sacconi91diz que as conjunções concessivas “iniciam orações subordinadas que exprimem um fato contrário ao da oração principal, mas não suficiente para anulá9 SACCONI, L.A. Nossa Gramática Contemporânea. Teoria e Prática. São Paulo: Escala Educacional.1ª edição, pg. 229 25 la.” Ainda na primeira estrofe, ocorre o emprego da palavra “que” em outras duas oportunidades. “E o quê, que a vida fez / Da nossa vida ?”. Na primeira delas, trata-se de um substantivo, pois equivale a “que coisa”, sendo empregado, inclusive, na forma acentuada. Já na segunda menção trata-se de uma partícula de realce ou expletiva. Note- se ser perfeitamente possível a sua retirada sem prejuízo do sentido, passando ter seguinte estrutura : “E o quê a vida fez / Da nossa vida?”. A vírgula depois do “quê” foi utilizado como um recurso do compositor para dar uma pausa, imprimindo uma melodia, mas na realidade seria perfeitamente possível a sua supressão conforme a estrutura acima citada. Na terceira a estrofe, o vocábulo desempenha o papel de conjunção coordenativa explicativa, exprimindo a idéia de motivo, razão ao dar uma explicação. Aceita ser substituída por “porque”, “pois” ou por qualquer outra conjunção com a mesma classificação. Com a substituição, a estrofe se transformaria: “Agora vem, prá perto vem / Vem depressa, vem sem fim / Dentro de mim / Porque eu quero sentir / O teu corpo pesando / Sobre o meu / Vem meu amor, vem prá mim / Me abraça devagar / Me beija e me faz esquecer”. d) Roda viva Analisemos a letra e música de Chico Buarque de Holanda. Roda viva Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo então que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar 26 Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá Roda mundo (etc.) A roda da saia, a mulata Não quer mais rodar, não senhor Não posso fazer serenata A roda de samba acabou A gente toma a iniciativa Viola na rua, a cantar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a viola pra lá Roda mundo (etc.) O samba, a viola, a roseira Um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levou No peito a saudade cativa Faz força pro tempo parar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a saudade pra lá Roda mundo (etc.) Na primeira estrofe, nos versos “Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu” ocorre a utilização do vocábulo como pronome relativo, numa referência ao substantivo “dias” (dias que = dias os quais a gente se sente). “A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu.” Estes versos representam a idéia de alternatividade. Neste caso o “que” forma, com o auxílio do verbo “ser” flexionado (foi), uma locução expletiva ou de realce, não perdendo o sentido se escrito desta forma: “A gente estancou de repente / Ou o mundo então 27 cresceu”. A palavra “então” apresenta-se também como uma palavra enfática. “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a roda-viva / E carrega o destino pra lá”. Novamente nos deparamos com uma locução expletiva ou de realce. Este recurso é utilizado para dar ênfase ao fato “a chegada da roda viva”. Ou seja, até então a canção se desenvolve para expressar um sentimento de impotência (Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu), seguido de um esboço de reação, traduzido nos seguintes versos “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar”. Os versos seguintes “Mas eis que chega a roda vida / E carrega o destino pra lá” imprimem um quadro em que a tímida reação é atropelada pela roda viva. Para tanto, o compositor utilizou dois recursos “mas” e da expressão “eis que”. O primeiro constitui uma conjunção adversativa e transmite o sentimento de oposição, já a segunda apresenta-se como uma ruptura. Palavra “eis” constitui uma palavra denotativa de designação, equivale a “aqui está”. “A gente vai contra a corrente / Até não poder resistir / Na volta do barco é que sente / O quanto deixou de cumprir.” A expressão grifada pode ser retirada sem prejuízo, assim, apresenta-se, juntamente com o verbo “ser”, como uma locução expletiva. Com a sua exclusão e com a inclusão do sujeito até então oculto “a gente”, o verso teria esta construção: “Na volta do barco a gente sente”. “Faz tempo que a gente cultiva / A mais linda roseira que há / Mas eis que chega a roda-viva / E carrega a roseira pra lá / Roda mundo (etc.).” Há três citações do vocábulo em estudo. Na primeira, constitui uma conjunção integrativa ligando a primeira oração “faz tempo” e “a gente cultiva”. O “que” do terceiro verso é empregado como um pronome relativo, na função 28 sintática de sujeito embora o verbo haver seja impessoal, está empregado no sentido de existir. Assim, poderia ser transcrita da seguinte forma: “A mais linda roseira existente.” 29 3 UTILIZAÇÃO DO VOCÁBULO “QUE” NOS TEXTOS JURÍDICOS A importância do estudo do vocábulo “que” nos textos jurídicos consiste no fato da produção jurídica valorizar a ordem indireta e os períodos compostos das orações. Com efeito, nos textos poéticos pode consistir uma qualidade a narração de um acontecimento de forma direta e entrecortada, por exemplo: “A vítima saiu do bar às 22:00 horas. A vítima estava embriagada. A vítima tentou atravessar a rua. A vitima foi atropelada.” Esta sequência de fatos seria descrita de forma mais apropriada: “A vítima, que estava embriagada, saiu do bar às 22:00 horas. Ao tentar atravessar a rua foi atropelada.” Notória a diferença dos dois textos, pois no primeiro há uma repetição do mesmo vocábulo “vítima” e há quatro orações distintas, mas justapostas, que num todo explicam o desfecho final. Ao passo que no segundo, constam todas as informações presentes no anterior, contudo sem a reiteração da palavra que denota o sujeito das orações. No segundo texto ficou claro que as orações foram transformadas para formar um período composto e é justamente este recurso, o de transformar os períodos simples em compostos, que devemos analisar nos textos jurídicos. Embora as transformações objetivem dar maior dinamismo e tornar o texto 30 mais fluído, em alguns casos ocorrem excessos, seja pelo volume de informação que se quer transmitir num único período, seja pela complexidade da informação. Assim, nos textos jurídicos a palavra “que” é muito utilizada como pronome relativo (como no exemplo acima citado) ou exercendo a função de conjunção (integrativa). Neste último caso, principalmente no discurso indireto. 3.1 Abusos e dubiedades O vocábulo “que”, sendo muito versátil é muito utilizado, ocasionando, por vezes, um texto enfadonho ou confuso, não despertando interesse no leitor. Wagner10, atento às dificuldades dos discentes para redigir, bem traduziu esta tendência de abusar desta partícula, batizando-a de “queismo”: Um defeito muito encontrado na produção de textos dos alunos é a repetição de palavras. Não se trata de repetição enfática que visa ao emprego de elementos coesivos (coesão referencial por reiteração). E uma das palavras que mais aparecem repetidas é o que (conjunção ou pronome relativo). (...) As alternativas que temos para evitar esse queísmos são as seguintes: no caso de conjunção integrante, podemos forma uma oração reduzida de infinitivo (-R) ou substituí-la por um substantivo (“Disse que daria uma notícia.” = “Disse uma novidade); se for pronome relativo, podemos criar uma oração reduzida de gerúndio (-NDO) ou de particípio (-DO) ou, ainda, substituir toda a oração por um adjetivo (“Encontrei o homem que trabalha” = “Encontrei o homem trabalhador.”). Reescrevendo o período supracitado, teremos: “Você afirmou ter a Coordenação resolvido o problema existente na sala, fazendo os alunos mudarem o comportamento assumido anteriormente.”, sem usar vez alguma o que. (...) Outro recurso para evitar o queísmo são os sinais de pontuação: “O professor que me trouxe o livro que você indicou, me disse que essa obra é importantíssima.”. O período reescrito sem queísmo: “O professor trouxe-me o livro citado por você e me disse: esta obra é importantíssima.” Portanto, devemos, não só ter o domínio gramatical do rol de possibilidade do 10 WAGNER, L. R. Use o português adequado. São Paulo: All Print Editora, pg 58 31 vocábulo em estudo, como também nos valermos do bom senso para a sua adequada utilização conforme o contexto comunicativo. Dentro da rotina dos tribunais, analisemos alguns textos insertos nos autos jurídicos: a) Constou num trecho de uma petição inicial do processo: “Os autos foram enviados para o contador judicial, que informou haver uma diferença menor que a pleiteada pelo autor, fls. 145 dos autos, que foi então homologada pelo MM Juiz, através da decisão aqui agravada.” Nesta frase de três linhas o vocábulo em estudo foi utilizado três vezes. Na primeira linha o “que” exerce a função de pronome relativo, pois quem informou haver diferenças foi o contador judicial. Já na segunda citação, trata-se de uma comparação entre a diferença apurada pelo contador judicial e a diferença pleiteada pelo autor. Por fim, equivocada a última citação, pois como posto, significaria que os autos que foram homologados, o que é impreciso, pois, na realidade o que foi homologada é a informação da contadoria sobre a diferença. A construção correta, mais elucidativa, deveria ser desta forma: “Os autos foram enviados para o contador judicial, que informou haver uma diferença menor que a pleiteada pelo autor (fls. 145 dos autos), sendo então a informação homologada pelo MM Juiz, através da decisão aqui agravada.” b) O parágrafo seguinte constou de uma decisão judicial: “Ocorre que, foi na decisão publicada em 19.12.08 que o juízo de origem resolveu que no próprio feito os demais procuradores, que atuaram na ação originária, poderiam cobrar a verba honorária.” No parágrafo acima de três linhas, a partícula “que” foi utilizada quatro vezes, sendo todas de forma diferenciada. 32 Num primeiro momento, foi ela foi empregada na expressão ”Ocorre que”, introduzindo o parágrafo. Poderia ser substituído pela expressão: “acontece que”, utilizadas para explicar uma idéia oposta à desenvolvida até então. Esta expressão é seguida da seguinte frase: “foi na decisão publicada em 19.12.08 que o juízo de origem resolveu (...)”. Note-se que este “que” da frase acima, foi antecedida do verbo “ser” flexionado no passado (foi). Aqui o “que” aparece como partícula expletiva ou locução de realce. Ou seja, procurou-se enfatizar a idéia de que a resolução da questão foi dada nesta decisão pelo Juízo de origem. Prosseguindo encontramos a seguinte parte: “(...) resolveu que no próprio feito os demais procuradores (...) poderiam cobrar a verba honorária”. O vocábulo “que” foi utilizado como uma conjunção integrante ao introduzir uma oração subordinada substantiva (objetiva direta). Finalmente analisemos o seguinte “que”: “resolveu que no próprio feito os demais procuradores, que atuaram na ação originária, poderiam cobrar a verba honorária.” Neste caso, é classificado como pronome relativo por se referir ao termo “procuradores”. Ou seja, a mensagem deste parágrafo é no sentido de que, apesar de todos os fatos anteriormente narrados, é muito relevante à decisão publicada em 19.12.08, daí a partícula de realce. A seguir faz constar o conteúdo da decisão do juízo de origem, ou seja, apenas os procuradores atuantes na ação originária poderiam cobrar a verba honorária. c) Analisemos a seguinte frase: “Então, vislumbram-se graves prejuízos aos cofres do Estado e da autarquia previdenciária, que, inclusive, tem o seu patrimônio e receita mantidos e financiados por toda a sociedade, a teor do que dispõe o caput do 33 artigo 195, da Constituição Federal”. Na frase acima, a utilização do vocábulo como pronome relativo torna ambígua a frase. Afinal, o “que” refere-se ao Estado ou a autarquia ? Quem tem o patrimônio e receita mantidos e financiados por toda a sociedade? Esta ambiguidade é ainda maior, pelo fato de tanto o Estado, como a autarquia, serem entidades públicas. O leitor mais desavisado poderia ficar confuso. Para a correta interpretação deve-se considerar outra informação. A frase aponta para o fato do patrimônio e receitas mantidos e financiados por toda a sociedade estarem prescritos no artigo 195 da Constituição Federal. Este artigo trata da seguridade social, matéria correlacionada à autarquia previdenciária. Foi preciso todo um raciocínio e também se socorrer a uma informação jurídica para concluir que a utilização do vocálbulo “que” refere-se à autarquia previdenciária. Tudo isto seria evitado se esta partícula fosse substituída pelo também pronome relativo “a qual”, pois acompanhado de um artigo definido não restaria dúvida quanto a sua correlação com o substantivo feminino “autarquia” e não com o substantivo masculino “Estado”. 3.2 Discurso indireto É corriqueiro nos textos jurídicos nos deparamos com a palavra “que” empregada no discurso indireto, nos quais a fala do personagem é transcrita pelo narrador (quem escreve o texto). Não ocorre a transcrição literal do discurso do personagem, mas a transcrição pelo narrador do texto. Por exemplo, os testemunhos podem ser reduzidos a termo, pelo juiz no papel de narrador, descrevendo os dizeres da testemunha, que, no caso, exerce o papel de personagem: “A testemunha disse que esteve no local antes do incidente, que não notou nada de suspeito, que não viu a vítima, que estava chovendo”. 34 No caso do discurso indireto, o vocábulo “que” apresenta-se como uma conjunção subordinativa e é empregada após o verbo dicendi (verbo utilizado para introduzir discursos). Outra forma muito utilizada é o uso do discurso indireto, com a “personificação” de artigos de lei. Ex. “Diz o artigo 527 do CPC que ‘recebido o agravo de instrumento no Tribunal e distribuído incontinenti, o relator: (...) II – poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (artigo 558), comunicando ao juiz tal decisão’.” Na realidade, o interlocutor quer dizer que o enunciado do artigo 527 do Código de Processo Civil determina tal procedimento, pois o artigo não pode “falar”. Assim, o artigo 527 exerce o papel de autor da fala, o verbo “dizer” apresenta-se como verbo dicendi e o “que” como conjunção. 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso país, por sua natureza e por sua extensão, possui inúmeras realidades. Da mesma maneira é a forma de expressão do nosso povo, uma vez que cada seguimento possui suas próprias características e peculiaridades, não sendo possível apontar o que é certo ou errado, mas simplesmente devemos atentar para o que é o adequado para a ocasião enfrentada. Na realidade, a língua é uma entidade viva, que se transforma constantemente e assim deve ser analisada e ensinada. Contudo, não devemos nos esquecer das normas que norteiam a nossa gramática, pois a língua oficial representa a unidade do nosso povo e é ela que devemos ter sempre em mente, por traduzir a nossa identidade nacional. Com efeito, com o conhecimento da gramática teremos mais segurança e desenvoltura para nos expressarmos nas diversas situações de comunicação, tendo, inclusive, consciência se estamos ou não de acordo com o padrão culto. Entendemos que o vocábulo “que” traduz muito bem esta versatilidade lingüística, pois dentro da classificação morfológica das palavras pode se apresentar de seis formas diferentes (substantivo, preposição, interjeição, advérbio, pronome, conjunção). Pode se apresentar, ainda, como um recurso enfático quando empregado como partícula expletiva ou de realce. Na realidade, por ter inúmeras opções de emprego, hodiernamente, há um 36 abuso na sua utilização, por se tratar de um vocábulo que possui múltiplas funções. Normalmente os interlocutores se valem de sua versatilidade ou para preencher alguma lacuna na comunicação ou simplesmente o utilizam de forma indiscriminada, poluindo a mensagem. Desta forma, devemos ter consciência do seu leque de possibilidade de uso para enriquecer mensagem escrita ou falada, inserindo o vocábulo “que” de forma precisa e apropriada. Procuramos trabalhar a partícula “que” de forma abrangente, ou seja, buscamos aspectos do nosso cotidiano, inclusive do nosso cotidiano jurídico, para tornar mais prazerosa e menos distante a gramática, pois sabemos que o seu uso exacerbado ou sem critério pode tornar o texto, o discurso ou diálogo confuso ou complicado. Assim, concluímos que não podemos ignorar as regras gramaticais, cabendo ao interlocutor escolher a melhor maneira de utilizar esta partícula tão preciosa de forma mais adequada e correta possível diante da ocasião enfrentada. 37 REFERÊNCIAS ANDRÉ, H. A de. Gramática Ilustrada, 5. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1997. CAMPEDELLI, S.Y. & SOUZA, J.B. Gramática do Texto – Texto da Gramática, 1.ed. São Paulo:Editora Saraiva, 2002. CATARINO, A. Dicas de Português. Gramática Online. Disponível em <http://www.gramaticaonline.com.br/url.asp?url=http://vestibular.uol.com.br/ pegadinhas/> ___________ Usos da palavra ‘que’. Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/fovest/uso_do_que.shtml> CIPRO NETO, P. & INFANTE, U. Gramática da Língua Portuguesa/Pasquale&Ulisses, 1.ed. Editora Scipione, 2003. SACCONI, L. A. Nossa gramática contemporânea: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Escala Educacional, 2007. TERRA, E. Curso Prático de Gramática. 3.ed. São Paulo: Editora Scipione, 2002. WAGNER, L. R. Use o português adequado: aspectos gramaticais e análise de textos. 3.ed. São Paulo: All Print Editora, 2008. __________. Quê da Questão. Revista Língua Portuguesa, São Paulo: Editora Segmento 2009, n. 42, p. 42-43, 38