A herança kantiana e a revolução copernicana do

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A HERANÇA KANTIANA E A REVOLUÇÃO COPERNICANA DO
PENSAMENTO
Adriano Ricardo Mergulhão1
INTRODUÇÃO
Neste artigo pretendemos apresentar as linhas de força de duas interpretações
filosóficas contemporâneas a respeito do significado e das conseqüências do primeiro
momento do projeto crítico de Kant, i.e. duas leituras sobre o viés teórico da filosofia
transcendental. Neste registro, desejamos focalizar nossa discussão na interpretação do
filósofo Martin Heidegger sobre os objetivos alcançados pela primeira Crítica2,
localizando em sua argumentação as convergências ou os contrapontos frente à
interpretação colocada pela escola Neokantiana de Marburgo3. Desta forma
posicionaremos frente a frente, duas tradições filosóficas, historicamente definidas
como Neokantismo e
Fenomenologia, e
a partir desta “situação problema”
promoveremos um diálogo entre ambas as partes que busca delimitar o horizonte
comum dentro do qual opera uma noção filosófica do método transcendental a partir das
leituras promovidas por duas perspectivas teóricas, cujas posições tornam mais
evidentes as intenções que estariam ligadas as distintas vertentes intelectuais surgidas na
Alemanha do final do século XIX ao início do séc. XX. Para que possamos delimitar
nossa análise do desenvolvimento deste contexto propiciado pela filosofia crítica,
estabelecemos como fio condutor de nossa investigação a reviravolta promovida por
Kant no seio da tradição metafísica. A partir deste contraponto essencial, relativo a uma
nova visão geral da temporalidade e espacialidade propiciada pela CRP e suas
1
Doutorando pela UFSCar. Bolsista CAPES. E-mail: <[email protected]>.
“Kritik der reinen Vernunft”, designada aqui como CRP, citada a partir edição traduzida por Morujão.
3
Para uma discussão mais convergente com esta corrente do pensamento alemão, selecionamos apenas os
dois principais representantes da escola de Marburgo, os pensadores Herman Cohen (1842-1918) e Ernst
Cassirer (1874-1945). Daí decorre que nosso problema a ser investigado deva se situar no registro de uma
crítica textual, embasada na hermenêutica dos autores coligidos para uma discussão que busque
compreender melhor a relação dinâmica entre a fenomenologia de Heidegger e o Neo-criticismo de
Marburgo. Para a argumentação Neokantiana, destacamos alguns textos exemplares. De Herman Cohen
temos seu livro tido como marco fundador de sua escola de pensamento “A teoria do conhecimento de
Kant” (“Kant´s theorie der Erfahrung” de 1871) o “Comentário da Crítica da Razão Pura de Immanuel
Kant” (“Kommentar zu Immanuel Kants Kritik der Reinen Vernunft” de 1907), o livro complementar que
acompanhava a edição completa das obras de Kant na Alemanha (editadas por Bruno Cassirer), cuja
direção ficou a cargo de seu primo Ernst Cassirer, que elaborou como apresentação desta coleção, um
volume dedicado ao estudo introdutório da obra kantiana, intitulado “Kant, vida e doutrina” (“Kants
Leben und Lehre” de 1918), por fim, temos o comentário de Cassirer sobre a obra “Kant e problema da
Metafísica” de Heidegger, de 1930 (CASSIRER, E. Kant und das Problem der Metaphysik , KantStudien, 36 de 1931.)
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subseqüentes apropriações, iremos expor em linhas gerais o desenvolvimento histórico e
exegético desta problemática, relacionando-a ao conjunto de questões suscitadas pela
proposta de uma “revolução do modo de pensar” aos moldes kantianos, neokantianos e
fenomenológicos. Pois uma mudança abrupta nos rumos da “ciência do supra-sensível”
se delineia a partir daquilo que Kant estabeleceu no prefácio da segunda edição da CRP
como uma “Revolução Copernicana do Pensamento” (vide BXVI-BXVII), ou seja, uma
revolução a partir do método transcendental inaugurado pela filosofia crítica que se
evidencia ao longo desta obra, como uma tentativa de estabelecer uma criteriosa revisão
dos limites
e pretensões
da antiga “rainha das ciências”
para que assim, esta
disciplina pudesse ser encaminhada na mesma trilha segura já percorrida por outras
ciências do período como a matemática
e a
física/mecânica newtoniana.4 Como
sabemos esta metáfora aparece somente na segunda edição da CRP, assim ao definirmos
esta “virada conceitual” como o parâmetro mais importante de nossa investigação, é
necessário que nos utilizemos das obras mais significativas dos intérpretes de Kant para
que o paradigma desta “revolução filosófica” seja explicitado dentro de seu caráter
problemático à luz de seu desenvolvimento histórico e conceitual. Assim supomos
delimitar o problema a ser abordado em nossa discussão, visto que pretendemos
privilegiar nestas obras de referência as passagens que fazem alusão direta a
interpretação que os determinados autores supracitados defenderam acerca das possíveis
definições do significado e do uso dos conceitos kantianos, visando com isto
fundamentar e demarcar suas próprias posições teóricas. Embora a economia de nossa
exposição não nos permita explorar detidamente este assunto, sinalizamos que o elo
entre o ponto de vista da vertente fenomenológica de M. Heidegger “contra” a escola
Neokantiana de Marburgo, sobre a “adequada” interpretação da C.R.P. se encontra
prioritariamente nas obras “Ser e Tempo” de 1927, “Kant e o problema da Metafísica”
(“Kant und das Problem der Metaphysic”) de 1929 e a preleção de inverno de 1927-8,
4
Vejamos quais são as palavras do autor, ao expor resumidamente a reviravolta promovida por seu
método, isto se encontra na nota de B XXII: “Assim as leis centrais do movimento dos corpos celestes
trouxeram uma certeza total ao que Copérnico de início admitiu como hipótese e demonstraram,
simultaneamente, a força invisível que liga a fábrica do mundo (a atração de Newton), que para sempre
ficaria ignorada se Copérnico não tivesse ousado, de uma maneira contrária ao testemunho dos sentidos
e, contudo verdadeira, procurar a explicação dos movimentos observados, não nos objetos celestes, mas
no seu expectador. Neste prefácio unicamente apresento a título de hipótese, a mudança de método
exposta na crítica e que é análoga a esta hipótese copernicana. Esta mudança será, contudo estabelecida
no corpo da obra, a partir da natureza das nossas representações do espaço e do tempo e a partir dos
conceitos elementares de nosso conhecimento. Será assim provada, já não hipotéticamente, mas
apodicticamente. Apresento-a aqui como hipótese, unicamente para vincar o caráter sempre hipotético
dos primeiros ensaios de uma reforma como esta.” (p. 23 grifo nosso)
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que ficou conhecida como a “Interpretação fenomenológica da Crítica da Razão Pura”
(“Phänomenologische Interpretation von Kants Kritik der Reinen Vernunft”).
DESENVOLVIMENTO
Nestas obras Heidegger sugere a impossibilidade da leitura da CRP como uma
teoria do conhecimento científico, destacando em sua visão da obra a referencia ao
conhecimento ontológico/metafísico (em detrimento do conhecimento ôntico).5 Assim
ele começa a explicitar sua concepção, dizendo que deveríamos nos libertar da
interpretação clássica da revolução copernicana de Kant:
A fundamentação da metafísica em sua totalidade, quer dizer:
revelação da possibilidade interna da ontologia. Aqui, o verdadeiro
sentido por ser metafísico (posto que tem a metafísica por único tema)
do que se tem chamado a “revolução copernicana” de Kant, título que
leva constantemente a interpretações equivocas.(...) Com isto Kant
quer dizer o seguinte: nem “todo conhecimento” é ôntico e onde ele
existe, se fez factível graças a um conhecimento ontológico. O
“antigo” conceito da verdade, segundo o qual o conhecimento há de
“adaptar-se” (adequatio) ao ente, não sofre sacudida alguma pela
revolução copernicana, senão ao contrário, esta o pressupõe a até o
fundamenta pela primeira vez. O conhecimento ôntico não pode se
adaptar ao ente (“os objetos”) senão quando o ente se tem manifestado
já como ente, é dizer , quando se conhece a constituição do seu ser. Os
objetos, é dizer, a determinabilidade ôntica dos objetos, tem que se
ajustar a este último conhecimento. A patentibilidade do ente (verdade
ôntica) gira ao redor da revelação da constituição do ser do ente
(verdade ontológica); mas o conhecimento ôntico por si só não pode
nunca se conformar “segundo” os objetos já que, sem o conhecimento
ontológico, carece de possível direção de uma relação que. Com isto
ficou claro que a fundamentação da metafísica tradicional tem como
ponto de partida a questão da relação da possibilidade interna da
ontologia como tal. (Heidegger 1964 p.19-20 nossa tradução, grifo
nosso).
Esta “divisão de caminhos” entre epistemologia e fenomenologia foi detectada
por Michael Friedman como uma cisão iniciada pela diferente abordagem do criticismo
kantiano, mas este foco na “cisão” intelectual dos autores aqui mencionados poderia ser
proveitosamente interpretado, dentro de nossa perspectiva, como uma “partilha de
caminhos”, onde ao invés de submetermos os dois movimentos a uma análise de suas
5
De acordo com HAMLIM.KROIS (2004 p. 234), este projeto se inicia em Ser e Tempo, com a proposta
de destruição da Metafísica tradicional: “Thus Heidegger, in Being in Time, explicitly rejects the
“Copernican revolution” favored by both neo-Kantian schools in favor a “direct realist” conception of
truth and relation to object derived from the Husserlian notion of “identification” and the work of Emil
Lask”.
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divergências, nos propomos a um estudo que busque sintetizar quais os principais
pontos de convergência entre suas posições filosóficas a respeito de uma mesma questão
comum, a saber, o método transcendental kantiano. Heidegger não pode admitir uma
visão, que enfatize o pensamento em detrimento da intuição e da imaginação
transcendental6 e assim, com seus dois primeiros livros sobre Kant, ele pretende
demonstrar seu profundo desacordo com todas as concepções esboçadas pelo
neokantismo. Seria fortuito, e mesmo leviano, afirmar que esta escolha do autor é
arbitrariamente baseada em sua leitura pessoal da crítica, o fundo desta questão está
intimamente ligado à sua afronta direta com toda uma tradição que se cristalizava a
partir das colocações de seus contemporâneos ligados ao movimento neo-kantiano7,
porém esta sua posição de antípoda do movimento, acaba por colocá-lo em uma divida
de principio com o mesmo, pois é justamente esta sua afronta, que ira mover e dar força
ao seu pensamento sobre as questões em disputa. Para ilustrar seu contraponto ele diz:
“É fundamental e duplamente errôneo conceber a Crítica como uma teoria do
conhecimento da ciência matemática da natureza; e não ver, inicialmente que se trata
de ontologia e não da teoria do conhecimento”(“Interpretátion phenomenológique de
la critique de la raison pure” p.78 grifo nosso)
As justaposições destas linhas argumentativas devem resultar em um “inventário
filosófico” capaz de ressaltar e evidenciar por si mesmo as possíveis aproximações entre
estas correntes, ainda assim decidimos lançar mão de alguns conhecidos comentadores
6
Este seria um ponto importante, pois a avaliação de Heidegger se interessa principalmente pelas teses
sobre a imaginação transcendental presente na edição A da dedução transcendental da CRP. Podemos
citar o que Heidegger (1964 p.138) diz a esse respeito:“Na segunda edição Kant começou por eliminar as
duas passagens principais, em que havia tratado explicitamente a imaginação como a terceira faculdade
fundamental ao lado da sensibilidade e do entendimento.[...]E mais: ainda a passagem onde Kant
introduz pela primeira vez a imaginação na CRP, como uma “função indispensável da alma” foi
modificada posteriormente de uma forma muito significativa; ainda que não seja senão no exemplar que
ele usava. Em vez de “função da alma” escreve agora “função do entendimento”. Deste modo se atribui
a síntese pura ao pensamento puro.” (nossa tradução)
7
De acordo com COHEN (1918 p. 41): “O Fato da ciência é a suposição fundamental de onde parte a
filosofia, e sem o qual ela não pode começar”(nossa tradução).Tal afirmação irá de certa maneira dar
suporte a uma interpretação que tende a subordinar a Estética a Analítica. Cohen ira explicitar, que de seu
ponto de vista a CRP parte de um discurso transcendental irredutível a uma disciplina empírica (a física
newtoniana), portanto sua posição tende a ser uma reação ao psicologismo que dominava a interpretação
kantiana de seu tempo, retornando ao factum da ciência como o apoio para leitura desta obra, O que esta
tese implica, se alinha a noção epistemológica dada pela interpretação da revolução copernicana de Kant,
segundo Cohen: “Assim Kant formula seu princípio supremo, conforme segue: “As condições de
possibilidade da experiência em geral são ao mesmo tempo as condições de possibilidade dos objetos da
experiência, estes por sua vez (possuem) uma validade objetiva em um juízo sintético a priori.” Isto tem
por conseqüência que: “De fato, a concepção copernicana do transcendental atinge sua expressão
definitiva e adequada. Primeiro: Os objetos só são possíveis a partir da possibilidade da experiência.
Segundo: Os objetos tornados possíveis pela experiência tem uma validade objetiva.” (COHEN 1918
p.190-191, grifo nosso, nossa tradução).
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para embasar e justificar a existência destas comparações que estamos supondo existir.
Muito do que já foi escrito a partir desta temática sempre tendeu a aprofundar o abismo
entre as bem demarcadas posições filosóficas destas correntes antagônicas, o que
pretendemos inovar em nossa proposta, é a análise da Revolução Copernicana como
uma possível ponte conceitual que possa unir as extremidades deste precipício teórico
por sobre a qual, fosse possível ao leitor atento se sustentar sem os riscos de uma
precipitação no incondicionado. Ao caminharmos ao longo desta ponte situada entre
dois extremos filosóficos, poderíamos observar entre os andaimes que jazem sob nossos
pés, a gênese comum destes movimentos, que os interliga a partir de elos e conexões à
primeira vista insólitos, mas que se revelam muito estreitos do ponto de vista histórico,
e principalmente a partir de uma exegese de suas questões mais relevantes e
fundamentais. Cabe dizer, que suas discordâncias, funcionam muitas vezes como os
princípios da eletrostática de Coulomb, onde a despeito das diferentes cargas dos imãs,
a lei do eletromagnetismo infere que os “opostos se atraem”.
Se isto tudo que foi
exposto ira proceder da forma como supomos, só tempo nos poderá dizer, pois se trata
de uma proposta em desenvolvimento embrionário, deixemos estar, pois como diz o
ditado latino: “Tempus est optmus judex rerum omnion” *(“O tempo é o melhor juiz de
todas as coisas”). Nós desejamos nos situar dentro de uma problemática comum a toda
a tradição posterior à Kant. Pois vemos em nossa proposta uma atualização das intrigas
clássicas entre empirismo & racionalismo idealista, ceticismo & dogmatismo, pois
temos como objeto uma nova configuração destas disputas intelectuais, agora figurada
pelo embate entre Epistemologia & Fenomenologia.
Importante ressaltar que mesmo dentro do que aqui denominamos movimento
neokantiano, não podemos supor levianamente uma unidade harmoniosa total entre seus
autores, embora possamos colocar dentro de uma mesma proposta tanto Heidegger,
quanto os membros deste movimento, pois todos estes estavam se contrapondo a uma
leitura hegeliana da história da filosofia8. Após a decadência do “período romântico”,
8
Neste quesito, a crítica de Cassirer, sobre Hegel se apóia no conteúdo da revolução do modo de pensar,
pois esta somente se realiza quando; “Se inverte, pois, como se vê a ordem dos problemas. O que até aqui
se vinha considerando como o verdadeiro fundamento da verdade passa a ser agora matéria discutível e é
analisado e rebatido com argumentos críticos. Esta intervenção dos términos do problema constituía tal
como Kant a viu, o centro de seu aporte filosófico e a arma daquela “revolução total” da metafísica que
ele comparava a revolução levada a cabo por Copérnico no campo da astronomia. No entanto os sistemas
que vem imediatamente depois de Kant, e que acreditam atrelar-se diretamente a ele não seguem ao
filósofo de Königsberg por este caminho. Não vêem na exposição “transcendental” do problema como ele
o via, o meio seguro de que dispôs a razão humana para limitar-se a si mesma, senão que, ao contrário,
acreditam ter nela precisamente o instrumento que os permite subtraí-la a todas as limitações que até
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aquele antigo movimento de idéias, gerado a partir do pensamento naturalista, que foi
denominado “Romantismo Alemão”, surgido junto às teorias estéticas de Goethe,
Novalis, Schiller, Holderlin, ente outros ilustres integrantes da grandiosa república de
Weimar, temos o Idealismo Alemão como o grande sistema de uma época, exemplo
duradouro de um movimento totalizante que monopolizou grande parte do pensamento
filosófico europeu, deixando uma marca profunda ao longo de sua passagem (ditando
as regras do final séc. XVIII até meados do séc. XIX), onde o filósofo Hegel surgiria
como a principal influência teórica, depois de Kant, junto com as interpretações sobre
este autor, oferecidas pelas teorias de Schelling e Fichte.
Em resumo, estamos querendo sugerir que certos elementos da filosofia
contemporânea não somente se situavam dentro desta mesma ruptura, frente à tradição
que costumamos designar como “idealismo alemão” stricto senso, mas também
procuravam ambos os movimentos (o neokantismo e a fenomenologia), inaugurar uma
nova maneira de se fazer filosofia, uma original tentativa de reapropriação das teorias
kantianas, como uma alternativa criativa à superação de um modo de filosofar já
ultrapassado em suas premissas. Somente a partir desta perspectiva poderíamos alinhar
na mesma trincheira crítica de batalha tanto o neokantismo quanto a fenomenologia,
como adversários comuns, unidos no mesmo front, contra o antigo monopólio teórico
do “Idealismo Absoluto”. Neste registro, devemos nos lembrar da grande influência
promovida pelas palavras de ordem de Otto Liebman, “Zurück zu Kant” que ainda
ressoavam claramente no horizonte deste período. Acerca desta “volta a Kant” vejamos
o que é dito a seguir:
En realidade, ésta vuelta se inicia mucho antes, inmediatamente
después de la muerte de Hegel(1831), no siendo el neokantismo
“institucional” sino la culminacioón de dicho proceso. Em este
“retorno a Kant” hunde sus raíces lá filosofia contemporánea.
Entiendo por tal las dos grandes tradiciones que marcaron el
pensamiento del siglo XX, la filosofía analítica y la filosofia
fenomenológico-hermenéutica. (PORTA 2005 p.36: grifo nosso)
Nesta configuração, o filósofo Heidegger é quem se contrapõe de modo mais
enfático a corrente hegeliana, se apoiando em uma metodologia que começava então a
despontar, a “fenomenologia” de caráter hermenêutico. Porém o pensamento do I
Heidegger, ainda estaria inserido dentro do contexto do críticismo acadêmico, cujo
então se viam impostas. O idealismo crítico de Kant se troca assim por um idealismo absoluto.” (1948
p.11)
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contraponto neokantiano torna ainda mais evidente suas intenções, posto que ele se
posicione na contramão do que era promovido pela cartilha da escola neokantiana9,
conforme Heidegger (2006 p.241):
Mas o passo dado por Hegel, de Kant até o idealismo absoluto não é
senão uma conseqüência do desenvolvimento da filosofia ocidental,
esta conseqüência tornou-se possível e necessária através de Kant,
porque em Kant mesmo o problema do ser-aí humano, a finitude, não
se tornou um verdadeiro problema da filosofia, isto significa um
problema central da filosofia. O próprio Kant – tal como a segunda
edição da Crítica da Razão Pura o indica encorajou-nos a seguir este
caminho que consiste em se evadir de uma finitude incompreendida e
a aquietar-se na infinitude.(...)Não me interessava fornecer uma
melhor interpretação de Kant. O que os neokantianos e os kantianos
tradicionais quiserem pensar sobre Kant, me é totalmente indiferente.
A conseqüência citada, é uma conseqüência necessária e no modo
como Hegel a conduziu digna de admiração. No entanto já como
conseqüência ela é o sinal de uma infinitude usurpada. À finitude
pertence – não como falta nem como elemento embaraçador, mas, ao
contrário, como força atuante – (in)conseqüência. A finitude torna a
dialética impossível, ela demonstra como aparência à finitude pertence
a ausência de um próximo elemento da série, ausência de fundamento,
velamento do fundamento.(grifo nosso)
Dentro deste cruzamento entre as questões de interesse do neokantismo e da
fenomenologia podemos vislumbrar um diálogo profícuo entre autores (que como
vimos não é assumido abertamente por nenhum dos lados), haja vista que tanto
Heidegger quanto os neokantianos ressaltam peremptoriamente a importância de trazer
ao primeiro plano da Crítica o método transcendental, embora isto seja feito por
diferentes vias. Isto nos leva a supor que este debate possa deixar de ser maculado pela
presumível “incomensurabilidade” ocasionada por suas perspectivas opostas quanto à
questão metodológica da obra kantiana. Todavia, se é a partir da CRP que se esboçam as
principais diretrizes destas correntes filosóficas, existe então um núcleo comum de
investigação, cujas formulações teóricas orbitam (em ambos os movimentos) no entorno
de uma questão fundamental, aquela concernente a pesquisa da estrutura temporal.
Conseqüentemente, é somente a partir de uma releitura de Kant que se delineiam estas
9
Algumas diretrizes fundamentais, inspiradas na filosofia crítica de Kant são a rejeição à metafísica e ao
psicologismo, a aceitação do método transcendental como fio condutor de um novo criticismo, a
negação da intuição intelectual, a ponto de assumirem um certo idealismo (o que ficou conhecido como
idealismo objetivo) não mais fundamentado pela existência da “coisa em si”, mas pelo factum da ciência.
A escola de Marburgo se tornou eminente pela presença de grandes pensadores, mas como dissemos,
estamos restritos aos nomes de Cohen e Cassirer. Estes pensadores são a parte fundamental do que aqui
iremos denominar como movimento Neokantiano, os quais se agrupam ao proporem uma interpretação
epistemológica da Crítica da Razão Pura de Kant, sendo este o interesse que os unifica.
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duas novas diretrizes conceituais. Para melhor formularmos o problema, vejamos o que
diz Ernildo Stein, quanto à herança neokantiana de Heidegger:
Não deixa de causar surpresa para o estudioso descobrir como
Heidegger (...) recebeu os impulsos mais decisivos da fenomenologia
husserliana e da problemática neokantiana. Mais surpreendente ainda
é o fato de Heidegger ter herdado um elemento fundamental de seu
pensamento dos arraiais neokantianos. A diferença ontológica, cuja
envergadura se desdobrou muito com o labor do filósofo, lhe foi ao
menos possibilitada pelas análises de Emil Lask. O problema de
Heidegger que se quer nos antípodas do problema gnosiológico develhe contudo, algo de essencial. É certo que o filósofo supera de longe
a problemática e o estilo de análise dos neokantianos. Impõe-se
entretanto a pergunta: não há no pensamento do filósofo uma
problemática tipicamente transcendental, portanto , um problema de
metafísica do conhecimento?. (STEIN 1973 p.155, grifo nosso)
Mas se nos perguntarmos sobre o que concerne a questão do tempo em Kant, e a
partir deste questionamento essencial acerca da estrutura interna da temporalidade,
estabelecermos que Heidegger poderia ser o filósofo alemão mais indicado para a
investigação deste problema, e se deste modo, definirmos como parâmetro de nossa
investigação suas obras sobre Kant, supomos que temos aí um fértil caminho a ser
trilhado em nossa exploração filosófica. Alguns comentadores que também ressaltam a
originalidade de Heidegger preferem explorar as distinções entre tais propostas, um
exemplo de caso está em Michel Fichant, que nos diz como os pensadores da escola de
Marburgo se posicionaram frente à estética transcendental, e como Heidegger o fez em
sentido oposto:
A Estética transcendental provocou na interpretação mais recente
outras oposições de princípio: com a escola de Marburg (Cohen,
Natorp, Cassirer) pôde-se ver nela um vestígio de concepções pré
críticas, cuja reminiscência na Crítica só teria um significado
provisório. Outros, dos quais estou mais próximo encontram aí, ao
contrário, a mais fundamental e mais original descoberta da filosofia
crítica, sua base ou fundação. Se há uma ontologia própria à Crítica,
ao invés de ver nela essencialmente uma teoria do conhecimento
científico ou uma epistemologia, é a Estética Transcendental que deve
em primeiro lugar designar seu traço característico: a finitude de um
sujeito adstrito à doação. É um ponto bastante aceito hoje em dia,
parece-me, que, quaisquer que sejam as formidáveis sugestões e
arejamento que representou na origem a interpretação heideggeriana, é
possível optar hoje por uma leitura ontológica da Crítica sem por isso
mesmo, fazer dela o conjunto dessa interpretação.” (FICHANT p. 12,
1999 grifo nosso)
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CONCLUSÃO
De tudo que foi exposto, o que nos é licito concluir, reside no fato, de que tanto
Heidegger, quanto os neokantianos, procuram averiguar fundamentalmente, por
caminhos paralelos, uma mesma e definitiva questão. A saber, a grande e insolúvel
questão que versa sobre a essência do Ser em geral, e da sua correlação com os seres
particulares, tomando por base o método transcendental kantiano para a análise daquele
ente que dentre todos os outros, é único capaz de dar explicações coesas sobre a
estrutura do que é existente em seu entorno e da possível compreensão sobre os limites
intelectuais de sua própria condição humana finita, a qual por necessidade intrínseca
busca sempre formular uma explicação acerca do enigma de estarmos inseridos como
uma parte integrante do Todo: Porque existe afinal ente e não antes o nada? . E se não
foram suficientes destacados os meios pelos quais desejam atingir este fim, a partir de
nossa exposição geral destes pensadores ao menos nosso texto deverá servir como uma
indicação sobre uma possível chave de leitura que pretendemos propor para a
interpretação destes grandes filósofos que buscaram com grande afinco formular uma a
resposta para aquilo que resulta das três primeiras dúvidas de Kant, e que se resumiria
na questão fundamental, que talvez nunca encontre sua crucial e derradeira resposta :
“Was ist der Mensch?” ; “O que é o homem?”.
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