3 A HERANÇA KANTIANA E A REVOLUÇÃO COPERNICANA DO PENSAMENTO Adriano Ricardo Mergulhão1 INTRODUÇÃO Neste artigo pretendemos apresentar as linhas de força de duas interpretações filosóficas contemporâneas a respeito do significado e das conseqüências do primeiro momento do projeto crítico de Kant, i.e. duas leituras sobre o viés teórico da filosofia transcendental. Neste registro, desejamos focalizar nossa discussão na interpretação do filósofo Martin Heidegger sobre os objetivos alcançados pela primeira Crítica2, localizando em sua argumentação as convergências ou os contrapontos frente à interpretação colocada pela escola Neokantiana de Marburgo3. Desta forma posicionaremos frente a frente, duas tradições filosóficas, historicamente definidas como Neokantismo e Fenomenologia, e a partir desta “situação problema” promoveremos um diálogo entre ambas as partes que busca delimitar o horizonte comum dentro do qual opera uma noção filosófica do método transcendental a partir das leituras promovidas por duas perspectivas teóricas, cujas posições tornam mais evidentes as intenções que estariam ligadas as distintas vertentes intelectuais surgidas na Alemanha do final do século XIX ao início do séc. XX. Para que possamos delimitar nossa análise do desenvolvimento deste contexto propiciado pela filosofia crítica, estabelecemos como fio condutor de nossa investigação a reviravolta promovida por Kant no seio da tradição metafísica. A partir deste contraponto essencial, relativo a uma nova visão geral da temporalidade e espacialidade propiciada pela CRP e suas 1 Doutorando pela UFSCar. Bolsista CAPES. E-mail: <[email protected]>. “Kritik der reinen Vernunft”, designada aqui como CRP, citada a partir edição traduzida por Morujão. 3 Para uma discussão mais convergente com esta corrente do pensamento alemão, selecionamos apenas os dois principais representantes da escola de Marburgo, os pensadores Herman Cohen (1842-1918) e Ernst Cassirer (1874-1945). Daí decorre que nosso problema a ser investigado deva se situar no registro de uma crítica textual, embasada na hermenêutica dos autores coligidos para uma discussão que busque compreender melhor a relação dinâmica entre a fenomenologia de Heidegger e o Neo-criticismo de Marburgo. Para a argumentação Neokantiana, destacamos alguns textos exemplares. De Herman Cohen temos seu livro tido como marco fundador de sua escola de pensamento “A teoria do conhecimento de Kant” (“Kant´s theorie der Erfahrung” de 1871) o “Comentário da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant” (“Kommentar zu Immanuel Kants Kritik der Reinen Vernunft” de 1907), o livro complementar que acompanhava a edição completa das obras de Kant na Alemanha (editadas por Bruno Cassirer), cuja direção ficou a cargo de seu primo Ernst Cassirer, que elaborou como apresentação desta coleção, um volume dedicado ao estudo introdutório da obra kantiana, intitulado “Kant, vida e doutrina” (“Kants Leben und Lehre” de 1918), por fim, temos o comentário de Cassirer sobre a obra “Kant e problema da Metafísica” de Heidegger, de 1930 (CASSIRER, E. Kant und das Problem der Metaphysik , KantStudien, 36 de 1931.) Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 2 4 subseqüentes apropriações, iremos expor em linhas gerais o desenvolvimento histórico e exegético desta problemática, relacionando-a ao conjunto de questões suscitadas pela proposta de uma “revolução do modo de pensar” aos moldes kantianos, neokantianos e fenomenológicos. Pois uma mudança abrupta nos rumos da “ciência do supra-sensível” se delineia a partir daquilo que Kant estabeleceu no prefácio da segunda edição da CRP como uma “Revolução Copernicana do Pensamento” (vide BXVI-BXVII), ou seja, uma revolução a partir do método transcendental inaugurado pela filosofia crítica que se evidencia ao longo desta obra, como uma tentativa de estabelecer uma criteriosa revisão dos limites e pretensões da antiga “rainha das ciências” para que assim, esta disciplina pudesse ser encaminhada na mesma trilha segura já percorrida por outras ciências do período como a matemática e a física/mecânica newtoniana.4 Como sabemos esta metáfora aparece somente na segunda edição da CRP, assim ao definirmos esta “virada conceitual” como o parâmetro mais importante de nossa investigação, é necessário que nos utilizemos das obras mais significativas dos intérpretes de Kant para que o paradigma desta “revolução filosófica” seja explicitado dentro de seu caráter problemático à luz de seu desenvolvimento histórico e conceitual. Assim supomos delimitar o problema a ser abordado em nossa discussão, visto que pretendemos privilegiar nestas obras de referência as passagens que fazem alusão direta a interpretação que os determinados autores supracitados defenderam acerca das possíveis definições do significado e do uso dos conceitos kantianos, visando com isto fundamentar e demarcar suas próprias posições teóricas. Embora a economia de nossa exposição não nos permita explorar detidamente este assunto, sinalizamos que o elo entre o ponto de vista da vertente fenomenológica de M. Heidegger “contra” a escola Neokantiana de Marburgo, sobre a “adequada” interpretação da C.R.P. se encontra prioritariamente nas obras “Ser e Tempo” de 1927, “Kant e o problema da Metafísica” (“Kant und das Problem der Metaphysic”) de 1929 e a preleção de inverno de 1927-8, 4 Vejamos quais são as palavras do autor, ao expor resumidamente a reviravolta promovida por seu método, isto se encontra na nota de B XXII: “Assim as leis centrais do movimento dos corpos celestes trouxeram uma certeza total ao que Copérnico de início admitiu como hipótese e demonstraram, simultaneamente, a força invisível que liga a fábrica do mundo (a atração de Newton), que para sempre ficaria ignorada se Copérnico não tivesse ousado, de uma maneira contrária ao testemunho dos sentidos e, contudo verdadeira, procurar a explicação dos movimentos observados, não nos objetos celestes, mas no seu expectador. Neste prefácio unicamente apresento a título de hipótese, a mudança de método exposta na crítica e que é análoga a esta hipótese copernicana. Esta mudança será, contudo estabelecida no corpo da obra, a partir da natureza das nossas representações do espaço e do tempo e a partir dos conceitos elementares de nosso conhecimento. Será assim provada, já não hipotéticamente, mas apodicticamente. Apresento-a aqui como hipótese, unicamente para vincar o caráter sempre hipotético dos primeiros ensaios de uma reforma como esta.” (p. 23 grifo nosso) Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 5 que ficou conhecida como a “Interpretação fenomenológica da Crítica da Razão Pura” (“Phänomenologische Interpretation von Kants Kritik der Reinen Vernunft”). DESENVOLVIMENTO Nestas obras Heidegger sugere a impossibilidade da leitura da CRP como uma teoria do conhecimento científico, destacando em sua visão da obra a referencia ao conhecimento ontológico/metafísico (em detrimento do conhecimento ôntico).5 Assim ele começa a explicitar sua concepção, dizendo que deveríamos nos libertar da interpretação clássica da revolução copernicana de Kant: A fundamentação da metafísica em sua totalidade, quer dizer: revelação da possibilidade interna da ontologia. Aqui, o verdadeiro sentido por ser metafísico (posto que tem a metafísica por único tema) do que se tem chamado a “revolução copernicana” de Kant, título que leva constantemente a interpretações equivocas.(...) Com isto Kant quer dizer o seguinte: nem “todo conhecimento” é ôntico e onde ele existe, se fez factível graças a um conhecimento ontológico. O “antigo” conceito da verdade, segundo o qual o conhecimento há de “adaptar-se” (adequatio) ao ente, não sofre sacudida alguma pela revolução copernicana, senão ao contrário, esta o pressupõe a até o fundamenta pela primeira vez. O conhecimento ôntico não pode se adaptar ao ente (“os objetos”) senão quando o ente se tem manifestado já como ente, é dizer , quando se conhece a constituição do seu ser. Os objetos, é dizer, a determinabilidade ôntica dos objetos, tem que se ajustar a este último conhecimento. A patentibilidade do ente (verdade ôntica) gira ao redor da revelação da constituição do ser do ente (verdade ontológica); mas o conhecimento ôntico por si só não pode nunca se conformar “segundo” os objetos já que, sem o conhecimento ontológico, carece de possível direção de uma relação que. Com isto ficou claro que a fundamentação da metafísica tradicional tem como ponto de partida a questão da relação da possibilidade interna da ontologia como tal. (Heidegger 1964 p.19-20 nossa tradução, grifo nosso). Esta “divisão de caminhos” entre epistemologia e fenomenologia foi detectada por Michael Friedman como uma cisão iniciada pela diferente abordagem do criticismo kantiano, mas este foco na “cisão” intelectual dos autores aqui mencionados poderia ser proveitosamente interpretado, dentro de nossa perspectiva, como uma “partilha de caminhos”, onde ao invés de submetermos os dois movimentos a uma análise de suas 5 De acordo com HAMLIM.KROIS (2004 p. 234), este projeto se inicia em Ser e Tempo, com a proposta de destruição da Metafísica tradicional: “Thus Heidegger, in Being in Time, explicitly rejects the “Copernican revolution” favored by both neo-Kantian schools in favor a “direct realist” conception of truth and relation to object derived from the Husserlian notion of “identification” and the work of Emil Lask”. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 6 divergências, nos propomos a um estudo que busque sintetizar quais os principais pontos de convergência entre suas posições filosóficas a respeito de uma mesma questão comum, a saber, o método transcendental kantiano. Heidegger não pode admitir uma visão, que enfatize o pensamento em detrimento da intuição e da imaginação transcendental6 e assim, com seus dois primeiros livros sobre Kant, ele pretende demonstrar seu profundo desacordo com todas as concepções esboçadas pelo neokantismo. Seria fortuito, e mesmo leviano, afirmar que esta escolha do autor é arbitrariamente baseada em sua leitura pessoal da crítica, o fundo desta questão está intimamente ligado à sua afronta direta com toda uma tradição que se cristalizava a partir das colocações de seus contemporâneos ligados ao movimento neo-kantiano7, porém esta sua posição de antípoda do movimento, acaba por colocá-lo em uma divida de principio com o mesmo, pois é justamente esta sua afronta, que ira mover e dar força ao seu pensamento sobre as questões em disputa. Para ilustrar seu contraponto ele diz: “É fundamental e duplamente errôneo conceber a Crítica como uma teoria do conhecimento da ciência matemática da natureza; e não ver, inicialmente que se trata de ontologia e não da teoria do conhecimento”(“Interpretátion phenomenológique de la critique de la raison pure” p.78 grifo nosso) As justaposições destas linhas argumentativas devem resultar em um “inventário filosófico” capaz de ressaltar e evidenciar por si mesmo as possíveis aproximações entre estas correntes, ainda assim decidimos lançar mão de alguns conhecidos comentadores 6 Este seria um ponto importante, pois a avaliação de Heidegger se interessa principalmente pelas teses sobre a imaginação transcendental presente na edição A da dedução transcendental da CRP. Podemos citar o que Heidegger (1964 p.138) diz a esse respeito:“Na segunda edição Kant começou por eliminar as duas passagens principais, em que havia tratado explicitamente a imaginação como a terceira faculdade fundamental ao lado da sensibilidade e do entendimento.[...]E mais: ainda a passagem onde Kant introduz pela primeira vez a imaginação na CRP, como uma “função indispensável da alma” foi modificada posteriormente de uma forma muito significativa; ainda que não seja senão no exemplar que ele usava. Em vez de “função da alma” escreve agora “função do entendimento”. Deste modo se atribui a síntese pura ao pensamento puro.” (nossa tradução) 7 De acordo com COHEN (1918 p. 41): “O Fato da ciência é a suposição fundamental de onde parte a filosofia, e sem o qual ela não pode começar”(nossa tradução).Tal afirmação irá de certa maneira dar suporte a uma interpretação que tende a subordinar a Estética a Analítica. Cohen ira explicitar, que de seu ponto de vista a CRP parte de um discurso transcendental irredutível a uma disciplina empírica (a física newtoniana), portanto sua posição tende a ser uma reação ao psicologismo que dominava a interpretação kantiana de seu tempo, retornando ao factum da ciência como o apoio para leitura desta obra, O que esta tese implica, se alinha a noção epistemológica dada pela interpretação da revolução copernicana de Kant, segundo Cohen: “Assim Kant formula seu princípio supremo, conforme segue: “As condições de possibilidade da experiência em geral são ao mesmo tempo as condições de possibilidade dos objetos da experiência, estes por sua vez (possuem) uma validade objetiva em um juízo sintético a priori.” Isto tem por conseqüência que: “De fato, a concepção copernicana do transcendental atinge sua expressão definitiva e adequada. Primeiro: Os objetos só são possíveis a partir da possibilidade da experiência. Segundo: Os objetos tornados possíveis pela experiência tem uma validade objetiva.” (COHEN 1918 p.190-191, grifo nosso, nossa tradução). Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 7 para embasar e justificar a existência destas comparações que estamos supondo existir. Muito do que já foi escrito a partir desta temática sempre tendeu a aprofundar o abismo entre as bem demarcadas posições filosóficas destas correntes antagônicas, o que pretendemos inovar em nossa proposta, é a análise da Revolução Copernicana como uma possível ponte conceitual que possa unir as extremidades deste precipício teórico por sobre a qual, fosse possível ao leitor atento se sustentar sem os riscos de uma precipitação no incondicionado. Ao caminharmos ao longo desta ponte situada entre dois extremos filosóficos, poderíamos observar entre os andaimes que jazem sob nossos pés, a gênese comum destes movimentos, que os interliga a partir de elos e conexões à primeira vista insólitos, mas que se revelam muito estreitos do ponto de vista histórico, e principalmente a partir de uma exegese de suas questões mais relevantes e fundamentais. Cabe dizer, que suas discordâncias, funcionam muitas vezes como os princípios da eletrostática de Coulomb, onde a despeito das diferentes cargas dos imãs, a lei do eletromagnetismo infere que os “opostos se atraem”. Se isto tudo que foi exposto ira proceder da forma como supomos, só tempo nos poderá dizer, pois se trata de uma proposta em desenvolvimento embrionário, deixemos estar, pois como diz o ditado latino: “Tempus est optmus judex rerum omnion” *(“O tempo é o melhor juiz de todas as coisas”). Nós desejamos nos situar dentro de uma problemática comum a toda a tradição posterior à Kant. Pois vemos em nossa proposta uma atualização das intrigas clássicas entre empirismo & racionalismo idealista, ceticismo & dogmatismo, pois temos como objeto uma nova configuração destas disputas intelectuais, agora figurada pelo embate entre Epistemologia & Fenomenologia. Importante ressaltar que mesmo dentro do que aqui denominamos movimento neokantiano, não podemos supor levianamente uma unidade harmoniosa total entre seus autores, embora possamos colocar dentro de uma mesma proposta tanto Heidegger, quanto os membros deste movimento, pois todos estes estavam se contrapondo a uma leitura hegeliana da história da filosofia8. Após a decadência do “período romântico”, 8 Neste quesito, a crítica de Cassirer, sobre Hegel se apóia no conteúdo da revolução do modo de pensar, pois esta somente se realiza quando; “Se inverte, pois, como se vê a ordem dos problemas. O que até aqui se vinha considerando como o verdadeiro fundamento da verdade passa a ser agora matéria discutível e é analisado e rebatido com argumentos críticos. Esta intervenção dos términos do problema constituía tal como Kant a viu, o centro de seu aporte filosófico e a arma daquela “revolução total” da metafísica que ele comparava a revolução levada a cabo por Copérnico no campo da astronomia. No entanto os sistemas que vem imediatamente depois de Kant, e que acreditam atrelar-se diretamente a ele não seguem ao filósofo de Königsberg por este caminho. Não vêem na exposição “transcendental” do problema como ele o via, o meio seguro de que dispôs a razão humana para limitar-se a si mesma, senão que, ao contrário, acreditam ter nela precisamente o instrumento que os permite subtraí-la a todas as limitações que até Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 8 aquele antigo movimento de idéias, gerado a partir do pensamento naturalista, que foi denominado “Romantismo Alemão”, surgido junto às teorias estéticas de Goethe, Novalis, Schiller, Holderlin, ente outros ilustres integrantes da grandiosa república de Weimar, temos o Idealismo Alemão como o grande sistema de uma época, exemplo duradouro de um movimento totalizante que monopolizou grande parte do pensamento filosófico europeu, deixando uma marca profunda ao longo de sua passagem (ditando as regras do final séc. XVIII até meados do séc. XIX), onde o filósofo Hegel surgiria como a principal influência teórica, depois de Kant, junto com as interpretações sobre este autor, oferecidas pelas teorias de Schelling e Fichte. Em resumo, estamos querendo sugerir que certos elementos da filosofia contemporânea não somente se situavam dentro desta mesma ruptura, frente à tradição que costumamos designar como “idealismo alemão” stricto senso, mas também procuravam ambos os movimentos (o neokantismo e a fenomenologia), inaugurar uma nova maneira de se fazer filosofia, uma original tentativa de reapropriação das teorias kantianas, como uma alternativa criativa à superação de um modo de filosofar já ultrapassado em suas premissas. Somente a partir desta perspectiva poderíamos alinhar na mesma trincheira crítica de batalha tanto o neokantismo quanto a fenomenologia, como adversários comuns, unidos no mesmo front, contra o antigo monopólio teórico do “Idealismo Absoluto”. Neste registro, devemos nos lembrar da grande influência promovida pelas palavras de ordem de Otto Liebman, “Zurück zu Kant” que ainda ressoavam claramente no horizonte deste período. Acerca desta “volta a Kant” vejamos o que é dito a seguir: En realidade, ésta vuelta se inicia mucho antes, inmediatamente después de la muerte de Hegel(1831), no siendo el neokantismo “institucional” sino la culminacioón de dicho proceso. Em este “retorno a Kant” hunde sus raíces lá filosofia contemporánea. Entiendo por tal las dos grandes tradiciones que marcaron el pensamiento del siglo XX, la filosofía analítica y la filosofia fenomenológico-hermenéutica. (PORTA 2005 p.36: grifo nosso) Nesta configuração, o filósofo Heidegger é quem se contrapõe de modo mais enfático a corrente hegeliana, se apoiando em uma metodologia que começava então a despontar, a “fenomenologia” de caráter hermenêutico. Porém o pensamento do I Heidegger, ainda estaria inserido dentro do contexto do críticismo acadêmico, cujo então se viam impostas. O idealismo crítico de Kant se troca assim por um idealismo absoluto.” (1948 p.11) Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 9 contraponto neokantiano torna ainda mais evidente suas intenções, posto que ele se posicione na contramão do que era promovido pela cartilha da escola neokantiana9, conforme Heidegger (2006 p.241): Mas o passo dado por Hegel, de Kant até o idealismo absoluto não é senão uma conseqüência do desenvolvimento da filosofia ocidental, esta conseqüência tornou-se possível e necessária através de Kant, porque em Kant mesmo o problema do ser-aí humano, a finitude, não se tornou um verdadeiro problema da filosofia, isto significa um problema central da filosofia. O próprio Kant – tal como a segunda edição da Crítica da Razão Pura o indica encorajou-nos a seguir este caminho que consiste em se evadir de uma finitude incompreendida e a aquietar-se na infinitude.(...)Não me interessava fornecer uma melhor interpretação de Kant. O que os neokantianos e os kantianos tradicionais quiserem pensar sobre Kant, me é totalmente indiferente. A conseqüência citada, é uma conseqüência necessária e no modo como Hegel a conduziu digna de admiração. No entanto já como conseqüência ela é o sinal de uma infinitude usurpada. À finitude pertence – não como falta nem como elemento embaraçador, mas, ao contrário, como força atuante – (in)conseqüência. A finitude torna a dialética impossível, ela demonstra como aparência à finitude pertence a ausência de um próximo elemento da série, ausência de fundamento, velamento do fundamento.(grifo nosso) Dentro deste cruzamento entre as questões de interesse do neokantismo e da fenomenologia podemos vislumbrar um diálogo profícuo entre autores (que como vimos não é assumido abertamente por nenhum dos lados), haja vista que tanto Heidegger quanto os neokantianos ressaltam peremptoriamente a importância de trazer ao primeiro plano da Crítica o método transcendental, embora isto seja feito por diferentes vias. Isto nos leva a supor que este debate possa deixar de ser maculado pela presumível “incomensurabilidade” ocasionada por suas perspectivas opostas quanto à questão metodológica da obra kantiana. Todavia, se é a partir da CRP que se esboçam as principais diretrizes destas correntes filosóficas, existe então um núcleo comum de investigação, cujas formulações teóricas orbitam (em ambos os movimentos) no entorno de uma questão fundamental, aquela concernente a pesquisa da estrutura temporal. Conseqüentemente, é somente a partir de uma releitura de Kant que se delineiam estas 9 Algumas diretrizes fundamentais, inspiradas na filosofia crítica de Kant são a rejeição à metafísica e ao psicologismo, a aceitação do método transcendental como fio condutor de um novo criticismo, a negação da intuição intelectual, a ponto de assumirem um certo idealismo (o que ficou conhecido como idealismo objetivo) não mais fundamentado pela existência da “coisa em si”, mas pelo factum da ciência. A escola de Marburgo se tornou eminente pela presença de grandes pensadores, mas como dissemos, estamos restritos aos nomes de Cohen e Cassirer. Estes pensadores são a parte fundamental do que aqui iremos denominar como movimento Neokantiano, os quais se agrupam ao proporem uma interpretação epistemológica da Crítica da Razão Pura de Kant, sendo este o interesse que os unifica. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 10 duas novas diretrizes conceituais. Para melhor formularmos o problema, vejamos o que diz Ernildo Stein, quanto à herança neokantiana de Heidegger: Não deixa de causar surpresa para o estudioso descobrir como Heidegger (...) recebeu os impulsos mais decisivos da fenomenologia husserliana e da problemática neokantiana. Mais surpreendente ainda é o fato de Heidegger ter herdado um elemento fundamental de seu pensamento dos arraiais neokantianos. A diferença ontológica, cuja envergadura se desdobrou muito com o labor do filósofo, lhe foi ao menos possibilitada pelas análises de Emil Lask. O problema de Heidegger que se quer nos antípodas do problema gnosiológico develhe contudo, algo de essencial. É certo que o filósofo supera de longe a problemática e o estilo de análise dos neokantianos. Impõe-se entretanto a pergunta: não há no pensamento do filósofo uma problemática tipicamente transcendental, portanto , um problema de metafísica do conhecimento?. (STEIN 1973 p.155, grifo nosso) Mas se nos perguntarmos sobre o que concerne a questão do tempo em Kant, e a partir deste questionamento essencial acerca da estrutura interna da temporalidade, estabelecermos que Heidegger poderia ser o filósofo alemão mais indicado para a investigação deste problema, e se deste modo, definirmos como parâmetro de nossa investigação suas obras sobre Kant, supomos que temos aí um fértil caminho a ser trilhado em nossa exploração filosófica. Alguns comentadores que também ressaltam a originalidade de Heidegger preferem explorar as distinções entre tais propostas, um exemplo de caso está em Michel Fichant, que nos diz como os pensadores da escola de Marburgo se posicionaram frente à estética transcendental, e como Heidegger o fez em sentido oposto: A Estética transcendental provocou na interpretação mais recente outras oposições de princípio: com a escola de Marburg (Cohen, Natorp, Cassirer) pôde-se ver nela um vestígio de concepções pré críticas, cuja reminiscência na Crítica só teria um significado provisório. Outros, dos quais estou mais próximo encontram aí, ao contrário, a mais fundamental e mais original descoberta da filosofia crítica, sua base ou fundação. Se há uma ontologia própria à Crítica, ao invés de ver nela essencialmente uma teoria do conhecimento científico ou uma epistemologia, é a Estética Transcendental que deve em primeiro lugar designar seu traço característico: a finitude de um sujeito adstrito à doação. É um ponto bastante aceito hoje em dia, parece-me, que, quaisquer que sejam as formidáveis sugestões e arejamento que representou na origem a interpretação heideggeriana, é possível optar hoje por uma leitura ontológica da Crítica sem por isso mesmo, fazer dela o conjunto dessa interpretação.” (FICHANT p. 12, 1999 grifo nosso) Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 IX Edição (2013) 11 CONCLUSÃO De tudo que foi exposto, o que nos é licito concluir, reside no fato, de que tanto Heidegger, quanto os neokantianos, procuram averiguar fundamentalmente, por caminhos paralelos, uma mesma e definitiva questão. A saber, a grande e insolúvel questão que versa sobre a essência do Ser em geral, e da sua correlação com os seres particulares, tomando por base o método transcendental kantiano para a análise daquele ente que dentre todos os outros, é único capaz de dar explicações coesas sobre a estrutura do que é existente em seu entorno e da possível compreensão sobre os limites intelectuais de sua própria condição humana finita, a qual por necessidade intrínseca busca sempre formular uma explicação acerca do enigma de estarmos inseridos como uma parte integrante do Todo: Porque existe afinal ente e não antes o nada? . E se não foram suficientes destacados os meios pelos quais desejam atingir este fim, a partir de nossa exposição geral destes pensadores ao menos nosso texto deverá servir como uma indicação sobre uma possível chave de leitura que pretendemos propor para a interpretação destes grandes filósofos que buscaram com grande afinco formular uma a resposta para aquilo que resulta das três primeiras dúvidas de Kant, e que se resumiria na questão fundamental, que talvez nunca encontre sua crucial e derradeira resposta : “Was ist der Mensch?” ; “O que é o homem?”. BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA: CASSIRER , E. Kant, vida y doctrina Tradução: Wenceslau Roces Ed. Fondo de Cultura Económica, México 1993 ___________.Kant und das Problem der Metaphysik , Kant-Studien, 36 (1931)p.1 ___________. El Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas. De la Muerte de Hegel a Nuestros Dias (1832-1932), Ed. Fondo de Cultura Economica, Mexico-Buenos Aires, 1956; COHEN, H. 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