TCC BIANCA 2015

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BIANCA DE PAULA BALBINO
DEPRESSÃO: UMA VISITA A VÁRIOS AUTORES
IJUÍ, DEZEMBRO, 2015
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UNIJUÍ-UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA
DEPRESSÃO: UMA VISITA A VÁRIOS AUTORES
BIANCA DE PAULA BALBINO
ORIENTADOR: NILSON HEIDEMANN
Trabalho de conclusão de curso
apresentado como requisito parcial
para conclusão do curso de formação
de Psicólogo.
IJUÍ, DEZEMBRO, 2015.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Juçara e Sebastião pela ajuda, pelo incentivo e por
sempre acreditarem na minha capacidade, principalmente as palavras de amor e
carinho nos momentos mais difíceis. Por poder contar com o apoio da família como
minha base em qualquer situação. Amo vocês.
À minha irmã Pietra que sempre se fez presente, por ser minha companheira,
“meu amor de mana”. Meu riso é tão feliz contigo, minha melhor amiga é a minha
irmã! Te amo baixinha.
Aos meus avós, pelos “mates” oferecidos para descontração quando o nível
de nervosismo ficava muito elevado. Amo-os.
Ao meu namorado Tobias, ofereço um agradecimento especial, por estar do
meu lado me dando força, vivenciando e me ajudando em todas as etapas desse
trabalho. Pela paciência, pela compreensão, pelo apoio e pelas palavras, que me
confortavam nos momentos árduos. Pelo carinho e o respeito que sempre teve, em
especial quando me aturava nos estados de ansiedade, nos momentos de estresse,
nos devaneios e nas minhas chatices. Tornando meus dias melhores e mais felizes.
Te amo!
As minhas colegas e amigos que compartilharam dessa experiência comigo,
escutando meus desabafos. Muito obrigada!
Ao meu orientador Nilson, agradeço pela paciência, pelos apontamentos,
pelas ideias, pelo conhecimento compartilhado que foram essenciais para o
desenvolvimento desse trabalho.
A minha banca, fico muito grata, pela professora Sônia que prontamente
aceitou o convite e foi muito receptiva e disponível para avaliar o meu trabalho.
Só tenho a agradecer a todos que de alguma forma fizeram parte deste
processo. Não consigo achar palavras que meçam a minha eterna gratidão, mas fica
aqui, o meu muitíssimo obrigado!
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TÍTULO: DEPRESSÃO: UMA VISITA A VÁRIOS AUTORES
ALUNA: BIANCA DE PAULA BALBINO
ORIENTADOR: NILSON HEIDEMANN
RESUMO :
A depressão tem sido uma das síndromes com maior incidência e prevalência, no
que diz respeito à saúde das pessoas, ainda mais quando falamos sobre saúde
mental. Diante dessa preocupação, objetiva-se falar sobre este assunto. Para tanto,
foi realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito do tema depressão. Para abordálo, foi feito um levantamento teórico pelo alicerce psicanalítico para desenvolver o
conceito e a etiologia da depressão e suas formas de manifestação. Expõe o olhar
da psicologia, da psiquiatria, e as possíveis terapêuticas de tratamento. Articulando
a ”epidemia da pós-modernidade” com questões contemporâneas dos crescentes
diagnósticos da depressão, somando as contribuições de autores, os quais refletem
sobre o assunto do estado depressivo e também o importante aporte do “pai da
psicanálise”, a respeito do luto e melancolia para melhor entendimento desse
transtorno da alma.
Palavras - Chave: depressão, luto, melancolia, contemporaneidade, terapêuticas.
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SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................................ 4
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 6
DEPRESSÃO .................................................................................................................................. 8
DEPRESSÃO O DISCURSO DOMINANTE ................................................................................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................38
6
INTRODUÇÃO
Embasado nos estudos de pesquisa bibliográfica de caráter teórico com
suporte na teoria psicanalítica, este trabalho faz uma construção conceitual sobre a
depressão à “epidemia da pós-modernidade”, juntamente com as diferentes formas
de manifestação e os possíveis tratamentos.
Esta produção acadêmica será dividida em dois capítulos: o primeiro,
Depressão; e o segundo, Depressão o discurso dominante.
A proposta inicial do trabalho foi por consequência da experiência do estágio
clínico, pois há uma prevalência dos encaminhamentos através do CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial) dos diagnósticos de depressão.
Em decorrência disso surgiu uma questão: porque certo tipo de adoecimento
(síndrome) é tão dominante na atualidade?
Além da minha experiência pessoal, notei o disseminamento através das
mídias sociais dessa patologia, bem como as possibilidades de tratamentos que
eram vendidas como “mágicas”- total eficácia contra dor e sofrimento. Nota-se que
estes tratamentos vendidos como “milagrosos” (no caso dos medicamentos)
melhoravam o estado dos sintomas da depressão, contudo não acabava com a
melancolia, angústia e a culpa que tomava conta do sujeito.
Então, fez questão em compreender as formas de manifestações da
depressão.
No primeiro capítulo será abordada sobre o assunto da atualidade, a
síndrome da depressão, em que se observa uma ênfase muito forte. Foi relevante
buscar nos manuais de psiquiatria DSM-IV e DSM V (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais); e no CID-10 (Classificação Internacional de
Doenças) para compreensão do olhar da medicina de como se manifesta o
transtorno depressivo através seus sintomas.
Fala-se também em uma breve relação de autores contemporâneos que
situam a depressão como o mal-estar da atualidade; para assim poder adentrar na
caracterização do estado depressivo, que acompanha o sujeito em sua estruturação
psíquica.
Isso se deu através das contribuições de autores, os quais definiram a
depressão como um estado de luto muito primitivo que beira a normalidade; a
7
depressão melancólica que aborda o estado patológico, caracterizando-a como uma
neurose narcísica, possibilitando o entendimento desta enfermidade.
Portanto, estas afecções foram explanadas através da teoria psicanalítica.
No segundo capítulo, devido à sociedade pós-moderna ter cada vez mais o
crescimento de diagnósticos da depressão, foi fundamental caracterizar a
psicopatologia da pós-modernidade, e dar uma atenção maior a sociedade e a
cultura, diante dos sofrimentos psíquicos, e como se tornou intolerante para conviver
com o padecimento.
Nesta perspectiva os psicofármacos foram ganhando um espaço cada vez
maior para o tratamento das perturbações mentais, questiona-se neste momento se
ainda a psicanálise está em segundo plano da terapêutica?
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DEPRESSÃO
A cada ano aumenta o número de diagnóstico da depressão, digo
depressões, pois as formas em que a depressão se manifesta são muitas. Em
especial é importante abordar a depressão caracterizada pelo luto a qual não implica
o sujeito na culpa, e a depressão melancólica onde o sujeito fica tomado pela culpa.
Visto que na clínica aparecem muitos destes estados depressivos.
Neste capitulo será abordado o conceito e etiologia sobre a depressão (e
depressão melancólica), por duas vertentes: primeiro da psiquiatria biológica síndrome depressiva; por conseguinte, a visão psicanalítica da depressão no luto e a
depressão melancólica.
Depressão é uma doença que segundo o manual de psiquiatria DSM-IV
(2000), é caracterizada como um Episódio Depressivo, caso os sintomas sejam
decorrentes por um período mínimo de duas semanas em que o indivíduo manifesta
humor deprimido. Tem a classificação de transtorno de humor por Depressão Maior,
e Transtorno Distímico como forma de depressão mais leve. Diferente da tristeza
que pode fazer parte do cotidiano decorrente de acontecimentos ou noticias ruins,
tristes, trágicas, que quando superadas não continuam por muito tempo.
A depressão é conhecida como doença afetiva. É um estado constante de
tristeza em que o paciente representa humor baixo, comportamento parado, baixa
autoestima e autoconfiança que permanece constante na vida do sujeito, redução de
energia com pensamentos de impotência, estado de ânimo sem graça e sem
motivação, fadiga e cansaço mesmo que não tenha feito esforço algum. Pode refletir
no apetite alimentar, déficit de autocuidado, higiene corporal e vestuário, oscilações
e perturbações do sono, perda de vontade sexual e interesse das atividades diárias.
De acordo com o CID-10(1993) o humor depressivo não muda muito ao
decorrer dos dias, ou das situações cotidianas, pode acompanhar sintomas
somáticos1: agitação, lentidão psicomotora e perda de libido. Os sintomas variam de
acordo com os episódios depressivos leve, moderado e grave.
1
Do psiquismo que reflete em sintomas no corpo.
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O episódio depressivo leve (CID-10: F32.0) apresenta geralmente dois ou
três sintomas, onde o paciente sofre com a existência dos sintomas, mas que não
chega a impedir de desempenhar a maioria das suas atividades. O episódio
depressivo moderado (CID-10: F32.1) mostra-se presente quatro ou mais sintomas
depressivos, e o paciente tem maior dificuldade para continuar a desempenhar as
suas atividades. O episódio grave sem sintomas psicóticos (CID-10: F32.2), são
vários sintomas que se manifestam por angústia, perda de autoestima e ideias de
desvalia ou culpa. As ideias e os atos suicidas são comuns e observa-se em geral
uma série de sintomas somáticos.
Segundo dados estatísticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), existem
mais de 350 milhões de pessoas no mundo com depressão. Os estudos sobre o
Transtorno Depressivo Maior relatam valores muito variáveis para a proporção da
população adulta com o transtorno. O risco para Transtorno Depressivo Maior
durante a vida em amostras comunitárias tem variado de 10 a 25% para as
mulheres, e 5 a 12% para os homens. A prevalência do Transtorno em adultos, nas
amostras comunitárias, tem variado de 5 a 9% para as mulheres, e de 2 a 3% para
os homens. Os índices de prevalência parecem não ter relação com etnia,
educação, rendimentos ou estado civil. (PSIQUIATRIA GERAL, 2015)
A depressão pode ser motivada por fatores externos, mas também podem ser
internos, ou seja, não há nenhum motivo aparente para que a pessoa entre no
estado de depressão, algo que o indivíduo não sabe explicar e que de repente o
mundo fica “cinza”. A depressão endógena pode ser ocasionada também pela
tendência familiar. O próprio ambiente familiar da depressão aumenta ainda mais o
estado depressivo do sujeito, ou propicia para que a doença se desenvolva, além do
fator hereditário, ambiental e social.
Temos a Depressão reativa que era aplicada aos episódios que pareciam ser
causados por fatores psicológicos ou perdas significativas.
A esse respeito, ALMEIDA(1996):
A depressão reativa está enraizada em fatores desencadeantes a partir de
acontecimentos externos ao sujeito, desde alguma noticia ruim, acidentes,
separações, perdas, mudanças bruscas, doenças, dentre outras. Isso pode
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afetar o funcionamento orgânico como sono, alimentação e apetite sexual. A
partir da intensidade das reações refletem diretamente no individuo e no
ambiente. (p.245)
Além disso, é preciso considerar que:
O termo "depressão endógena" (endogeniforme, melancólica) é utilizado
para descrever uma forma mais severa de depressão acompanhada por
sintomas somáticos (anorexia ou perda de peso, insônia, despertar precoce
e variação circadiana do humor), retardo psicomotor e culpa acentuada. A
presença destes sintomas pressupõe uma predisposição biológica e a
necessidade de tratamento medicamentoso. (ALMEIDA, 1996, p.245).
Algumas pessoas compensam a depressão com comportamentos de saúde
propensos a riscos, sendo alguns deles: nutrição desequilibrada, uso de drogas
lícitas e ilícitas, disfunção sexual, padrão de sono perturbado, risco de intolerância à
atividade física. Esses são usados como mecanismos de defesa, caracterizando
fuga da realidade. Muitas vezes o depressivo pode achar inconscientemente um
ganho secundário que advém da doença, e em alguns casos podem se prolongar
por muito tempo e cronificar-se, podendo o doente não querer se libertar da
enfermidade para trazer algum tipo de benefício. Mesmo que a situação seja
negativa, no caso de um sofrimento ou de afastamento da realidade, trazem algum
ganho inconsciente, e muitas vezes o depressivo tem que usar medicamentos
contínuos por longa data, até por toda a vida, tornando-se assim cronificada sua
situação patológica. Essas são algumas das nomeações da psiquiatria biológica a
respeito da depressão.
Cabe abordar agora a etiologia da depressão na visão psicanalítica.
A depressão é considerada por vários autores como uma das condições mais
marcantes de mal-estar da atualidade.
Tavares (2000, p.16) “simbolicamente representa o fracasso do sujeito na
participação da cultura do narcisismo e do espetáculo.”
“Uma cultura em que a imagem tem mais valor do que o ser, o sujeito passa a
viver de um modo particularmente narcisista, o eu passa a ser o objeto de
investimento libidinal e o outro passa a ser usado como recurso de prazer imediato.”
(TAVARES, 2000, p.14).
11
Neste ponto o sujeito vive em função da imagem, das máscaras que o
representam.
Bauman (1998) “relata que do início do capitalismo até os dias de hoje, nunca
se viu uma época tão agudamente alienante para o sujeito como a que acontece
agora na dita pós-modernidade” (apud TAVARES, 2010, p.13).
A mídia impõe cada vez mais estereótipos padrões de como o indivíduo deve
ser e o que deve ter, criando necessidades em que muitas vezes o sujeito não
consegue alcançar relações cada vez mais frágeis, regadas por imagens,
aparências e globalização de costumes.
Tavares (2000) “o capitalismo que impulsionou o sujeito para uma dialética
do ter em detrimento do ser; hoje, por outro lado temos o deslizamento do ter para
parecer. Em um mundo onde a aparência é fundamental, o (a) parecer na cena
social se torna questão de existência”. (p.13)
Quando se vive em determinada realidade que exigem certos modos de ser, e
existe a impossibilidade de acompanhar as exigências da demanda social, o
indivíduo pode vir a entrar em sofrimento psíquico. Uma das causas do sofrimento
se coloca pela necessidade de responder a demanda do social que impera a
resposta do tempo presente/just time, o qual não permite que o sujeito tenha tempo
para elaborar suas perdas, seus lutos, deparar-se com suas faltas, mas que precisa
responder ao hiperativo da eficiência. A eficiência no trabalho, no cuidado dos filhos,
cuidado da casa, no cuidado da sociedade e nos eventos sociais, com isso
convocam ao sujeito a responder como uma máquina em que toda a engrenagem
está conectada.
No mundo contemporâneo, a dominância de algumas psicopatologias é
decorrente das novas configurações simbólicas oriundas dos discursos sociais
atuais que atravessam os sujeitos e geram novas formas de subjetivação, um sujeito
acuado e temeroso de enfrentar a realidade, muitas vezes com poucos recursos
subjetivos que possam reposicionar ou reparar as suas experiências.
“Entre as modalidades de sofrimento psíquicas mais frequentes na atualidade
estão as mais variadas formas de drogadições, síndrome do pânico, principalmente,
as depressões”. (FUKS, 1999, p. 32).
A cultura, o social e a história de cada indivíduo estão diretamente ligados à
constituição do sujeito. Birman (2001) em seu livro: “Mal-estar na atualidade: a
psicanálise e as novas formas de subjetivação” trata deste contexto sócio histórico
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da contemporaneidade, das novas ideologias e hábitos que caracterizam o mal estar
nos tempos atuais. A violência, as drogas, as novas formas de sofrimento psíquico e
a crise da psicanálise são algumas das questões da atualidade. O sofrimento não
participa de uma categoria de diagnóstico. Na atualidade as categorias diagnósticas
se alicerçam nos sinais e nos sintomas dando lugar às afecções, como sendo da
ordem do individuo, deixando-o a deriva, que por muitas vezes bate em retirada2,
pois não consegue produzir um saber sobre o seu sintoma. O valor e o saber estão
depositados no objeto, onde o sujeito fica perdido sem conseguir encontrar um lugar
no discurso social, deixando a sua subjetividade de lado e passando a ser usado
apenas como um instrumento para fazer o objeto que possui o saber.
De acordo com Jerusalinsk (2000), “esse é o paradigma próprio da sociedade
industrial” (p.37).
Cabe citar previamente o autor, Joel Birman 3 (2001) que parte da ruptura
epistemológica para pensar no que se configura a pós-modernidade, e estabelece
que haja falência dos projetos sociais para superar o mal-estar. O que levou à ruína
do sujeito epistêmico e social. Neste sentido a fragmentação da subjetividade
advinda de um mundo marcado pela diversidade e a velocidade das mudanças que
constituem um aspecto fundamental do mal-estar, o qual o sujeito precisa mobilizarse para responder às demandas do social, que desaprova no sujeito a produção de
sentido e o coloca em depressão.
Levando em consideração o discurso da pós-modernidade que desenlaça o
sujeito de seus contatos com o outro.
Para abordar o trabalho de Berlinck no texto: “A clínica da depressão:
questões atuais” (2000). Nota-se que o autor fez considerações com o campo
melancolia que se mescla com a depressão. O mesmo procura neste artigo trabalhar
com o campo semântico específico da depressão, dando pouca ênfase a melancolia
e a depressão na melancolia. Como na maioria dos textos a melancolia e a
depressão se mesclam, a presente pesquisa vai a Freud para fazer contribuições a
estas afecções.
2
JERUSALINSKY A. N. Papai não trabalha mais. In: O Valor Simbólico do Trabalho e o Sujeito
Contemporâneo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. P. (35-49)
3
BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
13
Berlinck (2000) caracteriza a depressão como um estado de luto primitivo sem
culpa, a qual implica em um vazio na existência do sujeito depressivo; já a
melancolia envolve as instâncias psíquicas do ego e superego remetendo o sujeito à
culpa.
A melancolia é aquilo que não se pode mascarar e disfarçar. É a total perda
de autoestima e vontade de viver, sendo dada a ela a categoria de neurose
narcísica. Freud (1914/1916) em sua obra “Luto e melancolia” que apesar de não
ter trabalhado especificamente a depressão, trabalhou a melancolia, fazendo uma
diferenciação com o luto. A melancolia implica o sujeito na culpa, caracterizada
como uma neurose narcísica, assim como a depressão melancólica. O luto mais
para o lado da depressão, agindo sem culpa, caracterizado como um estado, o qual
requer tempo subjetivo para ser elaborado, assim como a depressão, cada sujeito
tem um tempo.
Berlinck (2000, p.12-15), afirma que a depressão é um estado que se da em
todas as estruturas clínicas, visto que não existe sujeito a-depressivo, pois o
aparelho psíquico é fundado através da perda e da falta. Sendo assim, pode-se
comparar a depressão como um estado de luto muito primitivo.
Para melhor entendimento do porquê de uma depressão melancólica de
estado letárgico e retorno ao eu, mesclarei ambos os autores supracitados.
Berlinck4 observou a diferença em pacientes que consumiam antidepressivos
e que estavam em tratamento psicoterapêutico. Os pacientes saiam do estado de
depressão, mas não melhoravam os sintomas melancólicos com medicamento. Visto
que não existem sujeitos a-drepressivos. A depressão faz parte da constituição
psíquica, é caracterizada como um estado que está presente na neurose, na psicose
e na perversão. Pode se manifestar em todas as estruturas, mas nem todos
deprimem, uns adoecem e outros não. A questão é como cada um lida com a falta e
o vazio que a depressão produz.
Tomando as ideias de Berlinck e outros autores para poder caracterizar o
estado depressivo que deixa a pessoa com imensa sensação de vazio, sentimento
4
BERLINCK, M.T; FEDIDA, P. A Clínica da Depressão: questões atuais. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, Ano III, número 2, junho de 2000. ( VOL 3). (p.9-25).
14
de tristeza profundo e duradouro, desamparo, perda de esperança, medo, perda de
interesse no mundo externo, falta de energia, apatia, perda de interesse sexual e
das atividades que antes lhe eram prazerosas. Pode manifestar também por
dificuldades de concentração, pensamentos negativos, sono irregular, perda ou
aumento de apetite os quais resultam em desconforto gástrico, corpo fica pesado e
lento. O corpo entra num estado de adormecimento perante a perda da
sensorialidade, a qual é herdeira da passagem da animalidade para a humanidade.
Freud
(1914)
apresenta
a
fundação
do
psiquismo
humano
como
psicopatológica, devido à perda da sensorialidade, que regulava a normalidade
humana. Isto aconteceu no tempo da catástrofe ecológica na era glacial, onde a
terra congelou e o homem foi obrigado a passar da animalidade para a humanidade.
“A influência das privações impostas pelo desencadeamento da era glacial, a
humanidade em geral tornou-se angustiada”. Freud (1914, p. 75).
A depressão é um estado onde o sujeito não sente mais a sua sensorialidade,
que era o que garantia ao homem assegurar a sua sobrevivência através da
regulação da sua sexualidade e continuação da espécie. Através dos cheiros do
ciclo reprodutivo da fêmea hominídea, o hominídeo vivia tranquilo e seguro com os
recursos que eram disponibilizados pela natureza. Então surgiu o grande desastre
natural, a “catástrofe da era glacial”, que podemos chamar até de “a era do gelo”. A
terra ficou congelada e o que sobraram dos alimentos estava no alto das árvores,
isso fez com que o hominídeo saísse de sua posição segura de quadrúpede e
passasse à bípede, obrigando-o a se colocar em pé para poder se alimentar. Foi
obrigado a sair e procurar um lugar seguro para abrigar-se, onde encontrou às
cavernas frias e escuras como proteção. Isto nos remete ao estado em que o sujeito
depressivo se encontra: frio, acuado, amedrontado, e sem saber o que será do seu
futuro. Assim que o sujeito depressivo toma o terapeuta, que serve como uma
caverna onde o depressivo pode se proteger da realidade.
Freud (1980) declara:
A periodicidade orgânica do processo sexual persistiu, é verdade, mas seu
efeito sobre a excitação sexual psíquica foi invertido. Parece mais provável
que essa modificação tenha sido vinculada à diminuição dos estímulos
olfativos, por meio dos quais o processo menstrual, produzia efeito sobre a
psique masculina. Seu papel foi assumido pelas excitações visuais, que, em
15
contraste com os estímulos olfativos intermitentes, conseguiram manter um
efeito permanente. (...) A própria diminuição dos estímulos olfativos parece
ser consequência de o homem ter-se erguido do chão, de sua adoção de
uma postura ereta; isso tornou seus órgãos genitais, anteriormente ocultos,
visíveis e necessitados de proteção, provocando desse modo um
sentimento de vergonha nele. (p. 119-120)
Neste sentido, em que os estímulos olfativos foram trocados por estímulos
visuais, e que os órgãos genitais ficaram a mostra, o que antes não acontecia
decorrente da posição quadrúpede. Cabe lembrar Freud (1927-1931) em “Mal estar
na civilização” aborda o tema em que felicidade é buscada no gozo da beleza, onde
quer que ela apareça de nossos gostos, julgamentos, formas e gestos humanos,
paisagens e natureza, criações, artes e ciência. Podemos pensar no que se refere
ao homem contemporâneo que se preocupa, atrai-se e vive em função das imagens
e das aparências. Algo do olhar, do cheiro, dos gostos, de algum traço inconsciente
que lhe “pega” e o chama em busca de um objeto de satisfação. A imagem na
atualidade é utilizada também para fisgar o olhar do outro, ou seja, para atraí-lo,
para conquistá-lo, e para a exaltação do próprio eu. A própria imagem serve para
seduzir o outro e a satisfação dessa conquista serve de gozo para o ego, e o outro
acaba sendo utilizado como objeto de “caça”.
Pode-se perceber até aqui, que a transformação do hominídeo para homem,
deu-se apenas através da perda, marcando constantemente pela falta, deixando-o
perdido e angustiado. Essa falta que funde a constituição psíquica é o que lhe causa
a dor, o medo, o desamparo, o vazio e a depressão.
Este mito da catástrofe glacial é o que explica o estado de depressão que
toma o sujeito e acompanha o homem na sua metamorfose. É a partir daí que a
constituição psíquica é psicopatológica, por ter sido algo em que o humano foi
brutalmente forçado a mudar para garantir a sua sobrevivência. De acordo com a
teoria evolucionista de Charles Darwin, a evolução é a mudança ao longo das
gerações, mas como toda a mudança gera sofrimento, a depressão, o vazio, o
sofrimento, a dor e a tristeza fazem parte da constituição humana. A sensação de
vazio que toma o sujeito jamais será preenchida, sendo que é impossível obter o
objeto primitivo de satisfação novamente.
16
A fundação do aparelho psíquico fica como a parte do sistema imunológico
constituída no humano durante a catástrofe glacial. Trata-se de uma organização
narcísica do vazio correspondendo à perda do objeto de satisfação, à perda do
contato com a regularidade sexual e visando proteger o humano da dor, da própria
depressão e da angústia. (BERLINCK, 2000,p.15).
As manifestações no corpo em oposição ao psíquico na depressão são
decorrentes da transformação da posição vegetativo-vital 5 deste estado da psique
humana.
A depressão ajuda o doente a se manter longe da realidade, visto que a
mesma pode ser frustrante, ela o auxilia a se proteger, voltando-se para si. Neste
sentido é que a depressão é uma organização narcísica, sendo que ela recolhe a
libido que estava exposto-investida em outro objeto (sensorialidade) e investe no
próprio eu. Pode ser vista como uma tentativa de cura, onde tenta reestruturar a
própria forma do eu.
A não aceitação da perda remete também a primeira relação humana, que
seria com a mãe. O bebê humano tem esta mesma constituição, de que a mãe é
completa, mas com o rompimento dessa relação, perde-se a noção de completude,
onde ali se instala a falta.
Como o homem não consegue superar a perda; o sofrimento e a depressão,
não têm hora para acabar. Fica em uma posição de negação, não acreditando que
possa melhorar ou ser curado da sua doença achando-se incapaz de enfrentá-la.
Foram observadas algumas citações de Freud utilizando o termo “depressão”
para descrever uma série de diversidades de sintomas. Em 1926 Freud 6 descreveu
o termo “depressão” que foi utilizado para demonstrar e expor as variadas
psicopatologias. Mesmo que a tenha abordado em pouquíssimas ocasiões
demonstrando apenas alguns informativos para que o leitor pudesse entendê-la,
conceituou-a no sentido descritivo do termo, como uma manifestação possível em
5
Termo utilizado pelo autor para caracterizar o estado letárgico do depressivo. BERLINCK, M.T;
FEDIDA, P. A Clínica da Depressão: questões atuais. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, Ano III, número 2, junho de 2000. ( VOL 3). (p.9-25).
6
Freud. S. Inibições, sintomas e angústia. In:_____. Obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Edição Brasileira. 2. Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1988. V. 81-171
17
qualquer estrutura clínica, e como pode existir em qualquer pessoa é constitutivo do
ser humano.
Haja visto que a depressão é um estado motivado por uma organização
narcísica do vazio. (BERLINCK, 2000, p.15).
Freud no seu texto “luto e melancolia” (1914-1916) utilizou primeiramente dos
sonhos como modelo dos distúrbios psíquicos narcísicos e tentou esclarecer a
natureza da melancolia comparando com o luto. Sendo que há depressão na
melancolia7se faz necessário abordar sobre este estado emocional acerca do estudo
de Freud.
Freud (1914-1916) demonstra os dois principais tipos de depressão que estão
sendo abordadas nesse trabalho: o luto e a melancolia. O primeiro, fica mais para o
lado da normalidade, pode ser comparada com o trabalho que o luto faz diante de
uma perda. O segundo, entra no campo psicopatológico e também é uma maneira
de lidar com a perda de objeto.
O luto se da pela perda de uma pessoa amada, ou algo que ocupe seu lugar.
Neste caso o luto só se dá pela perda, falecimento de um ente querido ou algo do
tipo. Este estado não é patológico, mesmo que ocorra um grande afastamento do
sujeito perante a sua vida normal. Acredita-se que o luto será superado, só é
necessário tempo para elaborá-lo. Na melancolia acorre enfraquecimento físico,
muito doloroso, perda de interesse pelo mundo exterior e pelas atividades que antes
lhe eram prazerosas; perda de interesse pelos outros, incapacidade de amar, junto
com inibição e baixa autoestima, onde o doente acusa-se, culpa-se e faz ofensas a
si mesmo, podendo chegar a uma expectativa delirante de punição.
Assim se da à diferença do luto e da melancolia, que tem os mesmos
aspectos, mas na melancolia ocorre uma drástica diminuição da autoestima, e um
sentimento ruim quanto ao próprio Eu, de auto depreciação e culpabilidade; sendo
que no luto a autoestima, o ego não é afetado.
7
. Chegou a esta conclusão devido a perceber que os antidepressivos não são antimelacólicos. E a
partir da disseminação do consumo de antidepressivos em clientes em tratamento psicoterapêutico,
que observou a diferença entre depressão e melancolia. BERLINCK, M.T; FEDIDA, P. A Clínica da
Depressão: questões atuais. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, Ano III,
número 2, junho de 2000. ( VOL 3). (p.11)
18
Cabe refletir que objeto é este que faz o sujeito padecer? Como o objeto da
pulsão8 que foi perdido existe apenas no imaginário do sujeito, cabe à análise para
fazer esta investigação do objeto que causa o adoecimento.
A perda do objeto no luto causa muita dor e sofrimento. Então é necessário
um tempo para que o trabalho do luto seja elaborado. A libido, o afeto, a energia
psíquica que estava investida naquele objeto amado é retirada, e aos poucos o
sujeito vai conseguindo desapegar do objeto que perdeu. Esse processo gera
grande oposição no inconsciente, pois sabemos que quando a pulsão encontra
satisfação em um determinado objeto, não quer mais largá-lo. Quando a oposição é
muito forte, pode produzir um afastamento da realidade e até um apego ao objeto,
como uma psicose de desejo alucinatório9. Entretanto não vamos nos ater a esta
questão até porque o normal é que vença a realidade. E então, o eu fica livre
novamente para encontrar novos objetos amorosos.
Na melancolia, assim como no luto e nas depressões, ocorre à perda do
objeto, seja ele amado, um ideal, uma coisa, enfim sempre há uma perda marcante
para o sujeito, seja ela inconsciente, o doente consegue até ver quem perdeu, mas
não consegue definir o que perdeu nesse alguém, é uma perda desconhecida do
imaginário do paciente.
Há uma diferença marcante no processo de luto da melancolia. No luto o
sujeito não se culpa pela morte ou pela perda do objeto, ele sofre por ter perdido,
mas como vimos anteriormente, quando o trabalho do luto é elaborado o sujeito fica
livre para substituir o objeto; já na melancolia o sujeito se culpa e se recrimina pela
perda do objeto. Como acha que é o culpado de tudo, identifica-se com o objeto
perdido, transferindo-o para o eu, toda a raiva, dor e angústia.
Na melancolia acontece um trabalho interno que consome totalmente o eu,
sendo que o melancólico menospreza a si mesmo, recrimina-se, incapacita-se, auto
8
Empregado por Sigmund Freud* a partir de 1905, tornou-se um grande conceito da doutrina
psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do
organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem. ROUSINESCO, Elisabeth; PLON,
Michel. Dicionário de Psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998, p 628.
9
De acordo com Freud “fique claro que a psicose de desejo alucinatória — no sonho ou em outros
casos — realiza duas operações que absolutamente não se confundem. Não apenas leva à
consciência desejos escondidos ou reprimidos, mas apresenta-os, em inteira boa fé, como
satisfeitos.” (1914-1916, p.121).
19
lamenta e considera-se inferior. Tudo de ruim advém dele, espera ser julgado e
castigado; e não era de se esperar por menos já que no trabalho da melancolia o
doente se nomeia culpado pela perda, transferindo todos os sentimentos negativos
para si próprio. Na verdade todos esses sentimentos ruins que o melancólico
designa ao eu, são para outra pessoa. O que acontece é uma mudança de objeto,
que ao invés de insultar o outro por tê-lo abandonado, insulta a si mesmo. Em vez
de perder o objeto, acaba perdendo o próprio eu, que fica modificado pela
identificação. Conforme Freud (1914-1916), esse quadro “é completado pela insônia
e pela recusa a se alimentar, e o que é psicologicamente notável por uma superação
do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida”. (p.130).
Nessa substituição do objeto perdido, pelo próprio eu, explica o porquê do
risco de suicídio. Ele trata o ego como se fosse um objeto fora dele, do mundo
exterior, então lança toda a sua agressividade ao Eu.
Após a importante explanação e diferenciação de luto e melancolia pela base
Freudiana, que constituem o estado de depressão e a depressão melancólica, cabe
abordar as reflexões acerca dos estados depressivos que o autor Pierre Fédida trás
no seu livro “Depressão” 10.
O paciente pode adoecer de depressão através de uma perda muito
significativa, e essa perda e a falta do objeto se tornam muito dolorosas. O corpo
para, por não conseguir aceitar e simbolizar essa falta, então entra no agir
depressivo, ficando num estado imóvel, ao qual imita a ausência do outro, que
invade o seu corpo. Fédida (1999) denomina esta “função de um si, atento, imóvel e
silencioso, representando a ausência” (p.21). É uma defesa que o sujeito encontra
para lidar com a perda e com as emoções dolorosas que tomam conta de si.
De acordo com Fédida (1999) “a depressão pode ao mesmo tempo ser
comparada com um trabalho de luto e ser concebida como uma organização
narcísica primária protetora de um luto e defensiva contra um luto”. (p.23).
O depressivo precisa muitas vezes recorrer ao luto para sair do seu estado, já
que não quer largar, nem acreditar que o objeto já se foi ou que não existe mais.
10
FÉDIDA, P. Depressão. Editora: Escuta, ed 1, 1999.
20
Então a depressão defende o sujeito de um luto impossível no sentido que “toma o
lugar” daquele que se foi, ou seja, encena-se a partir do jeito ou dos gestos outro
com a intenção de incorporá-lo; ou então, a depressão prepara o eu para o processo
de luto.
No luto “quando a morte retira da fala e do seu gesto corporal o outro que
fundava o reconhecimento de uma realidade, garantindo assim sua íntima
identidade”. (FÉDIDA, 1999, p. 38). A ausência do outro se torna muito marcante e
presente no depressivo, que fica difícil de encontrar uma temporalidade própria, ou
algum traço seu, prefere abandonar seus atos para assumir os gestos do outro,
alienando-se e então se ausenta, larga o que é, e o que já foi, para atuar como o
objeto perdido, no caso do luto impossível.
A depressão pode ser considerada como uma técnica de defesa diante da
morte/perda. O luto também auxilia na separação do eu e do morto. A questão é que
desde os primórdios da constituição, temos dificuldade em lidar com a morte, sendo
que a morte, o morto, a figura do cadáver de acordo com Freud foi o primeiro
representante de “objeto mau".
Temos essa questão muito forte com a morte, a ausência, a perda e a falta. A
depressão tem essa “posição econômica que diz respeito a uma organização
narcísica do vazio (segundo uma determinação própria à inalterabilidade tópica da
psique), que se assemelha a uma “simulação” da morte para se proteger dela”
(FÉDIDA, 1999, p.39).
Então a psique do depressivo assume uma forma que não é dela. Assume a
morte do outro que não consegue simbolizar, e coloca em cenário “a experiência
vital de morte impossível” (FEDIDA, 1999, p. 40).
Diante de uma perde/morte de um objeto amado, temos o luto como uma
reação, um acontecimento. “Da mesma maneira que a memória, ele precisa do luto
para passar pela prova da lembrança e descobrir momentaneamente a impotência
do esquecimento. Como o pudor e a vergonha, o luto é o acontecimento - por assim
dizer, transcendental - da subjetividade” (FÉDIDA, 1999, p. 48).
No trabalho do luto o normal é que vença a realidade, e o eu tem que acatar
isso, mas como um objeto amoroso vai sumir assim por completo das lembranças?
21
É aí que surge a relíquia11 para guardar alguma coisa, algum vestígio daquele objeto
perdido, afinal algo do morto precisa ser conservado. A relíquia é aquilo que nos faz
lembrar dos mortos sem negar a perda, “é a conservação da sua própria vida”.
(FÉDIDA, 1999, p.53) É o limite para a representação da morte, essa capacidade de
conseguir lembrar-se do morto é o que nos protege da morte.
Fédida lança o luto como um grande enigma subjetivo que “talvez seja o
poder de um tempo que concebe aos vivos o sono para sonhar a morte, protegendoo assim, de uma violência que apenas o melancólico conhece”. (1999, p. 49)
Hoje a melancolia cede terreno à depressão, que implica diminuição, redução
e decréscimo. (TOURINHO, 2003, p. 7)
Na melancolia, a libido não consegue investir em outro objeto de apego por
não saber o que se perdeu no objeto amado, retornando a libido para eu por meio de
identificação narcísica. É a forma em que a depressão melancólica encontra para
preservar este objeto que perdeu vivo. Mesmo que a pessoa saiba que o objeto não
existe mais, ela não consegue acreditar nisso, é como o exemplo de quando a
pessoa amada morre e o que permanece vivo exclama: “eu sei que ele morreu, mas
ainda não consigo acreditar, não caiu a “ficha””! Permanece no plano do sentido do
saber que aconteceu, mas não consegue crer que seja verdade, movimenta o
mecanismo de defesa diante da angústia do eu, pelo choque da perda do objeto
amado que não consegue simbolizar. No imaginário afirma e nega ao mesmo tempo.
O melancólico vive em meio desse conflito ambivalente querendo destruir o
objeto amado para ao mesmo tempo salvá-lo. Neste sentido Fédida nomeia o
canibalismo melancólico como uma tendência do paciente retroceder à fase oral, “no
desejo de se apropriar do objeto destruindo-o, (...) a devoração é o meio imaginário
do qual se serve o eu – prazer na esperança de negar o objeto enquanto tal – ou
seja, existindo separadamente dele” (FÉDIDA, 1999, p. 61).
“Assim, nada parece mais simples do que fazer do canibalismo o conceito
autocompreensivo da ambivalência inerente à identificação narcísica na escolha do
objeto.” (FEDIDA, 1999, p 61).
11
A relíquia é aquilo que, do morto, é conservado para garantir, em nome da realidade, que ele não
voltará mais. FÉDIDA, Pierre. Depressão. Tradução de Martha Gambini. São Paulo: Editora Escuta,
1999, p. 52 (grifo do autor)
22
Depressão melancólica surge como uma tentativa de escapar do conflito
ambivalente entre eu e o objeto, construindo o sintoma como sinal de que algo não
está bem e revelando o seu sofrimento psíquico. Nesta perspectiva em que a
depressão melancólica é a tentativa fantasmática de manter o objeto vivo, pois vem
como uma defesa contra a vontade de destruir o objeto de amor, então regride para
o próprio eu toda agressividade destinada ao objeto, visto que, a melancolia serve
como uma conservação do objeto amado.
Neste ponto temos um estado de depressão, a depressão melancólica, e a
melancolia, com os mesmo sintomas, que explicam porque os antidepressivos
diminuem o estado da depressão, mas não os sintomas melancólicos que implicam
o sujeito na culpa.
Frente às linhas de cuidados em saúde mental, existem os medicamentos que
melhoram a sintomatologia do estado depressivo, mas não o melancólico. Neste
sentido se coloca uma questão: Qual é o dispositivo que pode produzir efeitos na
melancolia, haja visto que se trata de uma neurose narcísica que acompanha os
sintomas individuais e sociais.
23
DEPRESSÃO O DISCURSO DOMINANTE
Neste segundo capítulo, será abordado a questão do tratamento da
depressão, pela via medicamentosa e psicanalítica. Para isso é necessário abordar
como surgiu o medicamento e como ele virou tratamento de primeira linha para os
transtornos da mente. Decorrente deste acontecimento histórico, a cura pela fala
acabou perdendo espaço e ficando como segunda alternativa para o tratamento dos
transtornos da “alma”.
Ao decorrer deste trabalho quero responder a questão que originou esta
pesquisa: porque a psicanálise ter decaído como escolha terapêutica de tratamento
dos transtornos psicossociais e através do imediatismo contemporâneo, ter aberto
um espaço maior para os medicamentos? E por que das pessoas não quererem
saber dos seus sofrimentos e apenas tampona-los? Pois afinal de contas, o que é a
nossa sociedade atual diante do sofrimento?
A grande questão que se põe na pós-modernidade, é como as pessoas não
suportam e são inflexíveis diante do sofrimento. O sofrimento não é mais visto como
algo que constitui a essência humana, que nos faz crescer, aprender e amadurecer,
é visto atualmente como uma derrota do sujeito. Sendo assim não procuram mais a
cura da doença, e sim somente querem tamponar os seus sintomas. O sofrimento,
seja qual for, tem que ser afastado. Podendo resultar no uso excessivo de
medicamentos antidepressivos, ansiolíticos, enfim, que hipoteticamente abafam,
”terminam” com a dor e o sofrimento.
Podemos destacar o livro da autora Roudinesco “Porque a psicanálise?”
12
mesclando com o autor Joel Birman “A Psicopatologia na pós-modernidade: As
alquimias no mal-estar da atualidade”13 que referenciam os modos de sofrimento da
atualidade.
A psiquiatria biológica se tornou uma área da medicina que assumiu toda a
questão da medicalização do espírito. Neste ponto temos o declínio da psicanálise
na contemporaneidade. E para isso, é preciso caracterizar como se trabalha a
psicopatologia da atualidade.
12
ROUDINESCO, E. Porque a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2000.
BIRMAN, J. A psicopatologia na pós-modernidade: As alquimias no mal-estar da atualidade.
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 2, n1, 1999.
13
24
Com
o
crescente
contemporaneidade,
nota-se
aumento
a
de
ampliação
diagnósticos
da
indústria
da
depressão
farmacêutica
na
que
consequentemente ganhou espaço para o comércio de psicotrópicos, principalmente
os antidepressivos.
A venda da pílula “mágica” da felicidade que foi induzida na cultura, por meio
de mídias sociais com a fantasia de cura imediata.
Com o advento das neurociências, a clínica medicamentosa se expandiu e as
patologias ditas contemporâneas adquiriram o estatuto da clinica medicamentosa.
Com isso levando a procura dos profissionais médicos, os quais receitam
medicamentos para depressão como primeira instância de tratamento.
O surgimento das neurociências deu um espaço maior para a psiquiatria que
era vista até então como uma pseudo medicina. Passou a explicar o funcionamento
da psique através da biologia, basicamente através dos neurotransmissores, e da
bioquímica do cérebro. Desta forma explicando o funcionamento do psiquismo e da
subjetividade. Assim a psiquiatria obteve o reconhecimento de especialidade no
campo médico.
Como é possível ver algo que não está materialmente presente? Para um
diagnóstico de alguma deficiência corporal, ou um braço quebrado, um corte,
machucado na perna, enfim, é fácil definir a olho nu, e caso não seja visível, os
raios-x demonstram. Já um diagnóstico de esquizofrenia, depressão, enfim, as
psicopatologias, os transtornos mentais, as formas de subjetivação, não ficam
visíveis a olho nu, ou pelo resultado de um raios-x.
Nesta lógica ficou mais fácil de explicar o funcionamento da psique através da
biologia e das neurociências. Com o surgimento dos medicamentos pela década de
50, através da ciência biológica, os psicofármacos aproximaram a psiquiatria da
medicina e influenciaram diretamente o tratamento das psicopatologias.
Assim Birman destaca:
A psicofarmacologia se transformou no referencial fundamental da
terapêutica psiquiátrica, dado que as neurociências pretenderam fundar
uma leitura do psiquismo. Com isso, a medicação psicofarmacológica
pretende ser a modalidade essencial da intervenção psiquiátrica. Em
25
consequência disso, a psicoterapia tende a ser eliminada do dispositivo
psiquiátrico, transformando-se num instrumento totalmente secundário face
à intervenção psicofarmacológica. (1998, p 40)
Com base deste acontecimento o tratamento psicoterapêutico acabou sendo
deixado como complementar. Tendo assim um afastamento da psicanálise frente à
psiquiatria. Entretanto “na psiquiatria com bases psicodinâmicas, é comum a divisão
do tratamento, ficando a psicoterapia indicada para as desordens de base
psicológica, enquanto as de base biológica devem ser tratadas com medicação”.
(SIBEMBERG, 2001, p. 66.)
O desenvolvimento da psicofarmacologia na década de 50 foi promovido
como uma nova concepção teórica para a psiquiatria, mas a psicanálise não deixou
de ter a sua influência na psiquiatria que sempre teve seu estatuto. Desde que a
psicanálise foi inaugurada ela teve a sua referência marcada na psiquiatria
psicodinâmica até os anos 70. Roudinesco (2000, p.22), relembra que “já era opinião
de Jean Delay, principal representante Francês da psiquiatria biológica, que afirmou,
em 1956: “convém lembrar que, em psiquiatria, os medicamentos nunca são mais do
que um momento do tratamento de uma doença mental, e que o tratamento básico
continua a ser a psicoterapia”.” (apud DELAY, 1956).
De 1950 em diante os medicamentos auxiliaram aos que eram denominados
“loucos” e não tinham espaço na sociedade. Mesmo que os fármacos não curem as
doenças dos nervos, e sim apenas regulem alguns dos sintomas, foram eles que
mudaram o tratamento dos ditos “loucos”, e foram sendo substitutos dos choques
elétricos (eletroconvulsoterapia), das camisas de força, e dos manicômios. Portanto
os sujeitos puderam se inserir na sociedade novamente.
A respeito disso, considera-se que:
A psicopatologia contemporânea que se interessa fundamentalmente pelas
síndromes e pelos sintomas, no sentido médico do termo. Com isso, a
concepção tradicional de enfermidade, centrada na ideia de etiologia, perde
terreno face à articulação de sintomas sob a forma de síndromes. (BIRMAN,
1998, p. 42).
26
Nesta perspectiva temos os manuais de psiquiatria DSM V e CID 10, que
nomeiam as psicopatologias através de sintomas biológicos específicos para cada
transtorno ou doença, em que o paciente relata em uma consulta, construindo então
a sua síndrome.
Consideraram o medicamento como eficiente sobre um somado de sintomas
que acabou por ser utilizado como “melhor resultado” sobre as síndromes.
Atualmente preocupa-se em acabar com os sintomas dolorosos, com as síndromes,
sem dar ênfase à origem dos sintomas.
Os medicamentos vêm sendo utilizados atualmente para regular qualquer
irregularidade corpórea que apareça, deixando em segundo plano a história, a
origem e o tempo da patologia, pois na sociedade do espetáculo nada pode estar
fora dos conformes, sendo que a performance e o estilo sobrepõe a estrutura
psíquica.
Neste ponto é que a psicopatologia da atualidade integrou-se ao modo de
pensamento da medicina biológica levando em consideração primeiramente a
síndrome. Como se pode observar na psicopatologia voltada para pesquisa das
“depressões” no plural; pois mostram várias desordens psíquicas e corporais,
nomeadas de acordo com os medicamentos pré-estabelecidos para um determinado
conjunto de sintomas como intervenção terapêutica.
Bem como aborda a autora Roudinesco que:
O mesmo se aplica à utilização dos ansiolíticos e dos antidepressivos. Uma
dada pessoa “normal” atingida por uma série de infortúnios (...) vê ser lhe
receitado, em caso de angústia ou de uma situação de luto, o mesmo
medicamento receitado a outra que não tem nenhum drama para enfrentar,
mas apresenta distúrbios idênticos em virtude de sua estrutura psíquica
melancólica ou depressiva. (2000, p. 24).
Portanto, caracterizando a psicopatologia da pós-modernidade que se firma
pelo biológico e pelo estudo do sistema nervoso como embasamento teórico,
deixando à deriva o estatuto teórico que da lugar ao sujeito do inconsciente. Nesta
esteira entram os medicamentos como amortecedores da alma humana.
27
Cabe destacar aqui o autor Moreno (1999, p. 25) que define sobre a dinâmica
de funcionamento dos antidepressivos:
Os antidepressivos com estruturas químicas diferentes possuem em comum
a capacidade de aumentar agudamente a disponibilidade sináptica de um
ou mais neurotransmissores, através da ação em diversos receptores e
enzimas específicos. Apesar de essencial, este efeito não explica a demora
para se obter resposta clínica (de 2 a 4 semanas em média), sugerindo que
a resolução dos sintomas da depressão requeira mudanças adaptativas na
neurotransmissão. A principal teoria aceita para explicar tal demora é a da
subsensibilização dos receptores pós-sinápticos. O aumento dos níveis de
neurotransmissores por inibição da MAO (monoamina oxidase) ou bloqueio
das bombas de recaptura de monoaminas resulta nesta subsensibilização,
cuja resolução se correlaciona com o início da melhora clínica.
Para que haja mudanças adaptativas na neurotransmissão é preciso que haja
mudanças no agir do sujeito, ou seja, onde está a etiologia da doença? O que na
história de vida dessa pessoa, na sua singularidade, está o sofrimento. O que a faz
padecer no seu interior é preciso ser observado, investigado, falado e ressignificado.
É preciso fazer o aparelho psíquico trabalhar, mas quando o medicamento é
excessivo, como trabalhar? É preciso ter outras possibilidades fazendo o sujeito agir,
e esse agir implica no pensar.
Porem, para a psiquiatria moderna, o transtorno de humor depressivo é
desencadeado pelos baixos níveis do neurotransmissor serotonina - mediador
cerebral das emoções, enfatizando a síndrome biológica da doença. Enquanto
doente o sujeito não pensa, sua posição é passiva.
A evolução da neurociência e psicofarmacologia para o enfrentamento do mal
estar da atualidade:
Nas últimas cinco décadas, a psicofarmacologia da depressão evoluiu muito
e rapidamente. Os primeiros antidepressivos – os antidepressivos tricíclicos
(ADTs) e os inibidores da monaminooxidase (IMAOs) – foram descobertos
através da observação clínica.(...) A nova geração de antidepressivos é
constituída por medicamentos que agem em um único neurotransmissor
(como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina ou de
noradrenalina) ou em múltiplos neurotransmissores/ receptores, como
venlafaxina, bupropion, trazodona, nefazodona e mirtazapina, sem ter como
alvo outros sítios receptores cerebrais não relacionados com a depressão
(tais como histamina e acetilcolina). (MORENO, 1999, p.24)
28
O transtorno de humor depressivo é quadro dominante no uso de
antidepressivos, ansiolíticos e psicotrópicos. Cada vez mais a população
contemporânea faz uso de medicamentos sem levar em consideração outras
possibilidades de tratamento que potencializam o efeito destes, pelo qual poderia
levar a um melhor resultado frente ao tratamento, assim oportunizando um
deslizamento da posição subjetiva e da representação da cena social, a qual para o
deprimido permanece estática. Um sujeito que fala tem a possibilidade de
movimentar as cenas que marcam a sua travessia de experiências.
Por outro lado é necessário admitir que o medicamento deu certa liberdade e
tranquilidade aos usuários, pois elas modificam algumas representações psíquicas,
formando um novo indivíduo, o individuo da “normalidade”, situado pelo
tamponamento de seus afetos, com isto o ser desejante se põe à deriva.
Mas afinal o que é a normalidade? A palavra normal se define como: usual,
regular (conforme a norma), exemplar, ou seja, o que está dentro dos padrões do
que a sociedade considera ou não normal, norma, regra, certo ou que está dentro da
média padrão dos indivíduos.
No geral temos certa globalização do que é ou não é normal, mas é
necessário também levar em consideração a cultura e os costumes da sociedade
em que se vive. O conceito de normalidade remete também ao conceito de saúde
que significa o estado de normalidade de funcionamento do organismo humano. Ter
saúde é viver com boa disposição física e mental14. De acordo com a Lei Federal nº
8.080 do SUS, Parágrafo único: Dizem respeito também à saúde (...) garantir às
pessoas e à coletividade condição de bem-estar físico, mental e social. Neste ponto
trazer o sujeito à “normalidade” para que possa viver de acordo com o que
sociedade espera dele.
No campo da psicopatologia a normalidade inclui o
significado de saúde, e doença mental.
Mas será que essa normalidade de que a sociedade espera de todos nós,
leva a normalidade e a felicidade? Ou será que esta tentativa de ser normal de estar
dentro dos padrões leva ao adoecimento? Utilizar o parâmetro que a maioria das
14
20
Significados. Disponível em: http://www.significados.com.br/saude/ Acesso em: 30 de outubro de
29
pessoas acredita, acaba por excluir quem pensa diferente, mesmo usufruam de boa
saúde, acabam denominados de “anormais” por pensarem ou agirem diferente da
maioria.
Ribeiro destaca:
“O processo operatório inconsciente incide sobre universos simbólicos plurais
e mutantes, o que torna importante a compreensão das particularidades (crenças,
valores, ideais, etc.) envolvidas em cada inserção social singular” (RIBEIRO, 2001,
p. 51).
Mas a globalização de costumes e de valores, e a comparação que a
sociedade faz entre as pessoas (sem levar em consideração as individualidades),
acabam por fazer com que os indivíduos neguem o seu verdadeiro ser e se
comportem como os outros, negando e excluindo a sua verdadeira identidade. Neste
ponto que Freud (1930) acusa que “uma grande parte da culpa pela nossa miséria é
de nossa chamada cultura”. (p.81).
Assim é que a crença de cura no medicamento coloca o sujeito numa posição
alienante pela ilusão da modificação da natural essência humana, pois “o homem
não caminha sem a sua tristeza”15, que é um sentimento ao qual todos os seres
humanos passam, seja por algo que lhes desagrade, decepcione ou que até mesmo
não esteja de acordo com suas crenças e desejos. A tristeza é um sentimento assim
como o ódio, o amor e a felicidade. “Estamos vivendo a democratização da tristeza
em sua dimensão mais aguda. Não é mais uma forma de situar-se no mundo, porém
uma característica do homem da atualidade”. (PERES, 2003, p.8)
Assim sendo característica da atualidade, ninguém mais pode ficar triste,
chateado ou frustrado; então transformam a tristeza em doença. Pois afinal, é uma
sociedade feliz, qual o motivo para estar triste? “O homem triste é também o homem
profundo, a alegria é superficial.” (PERES, 2003, p.15). E para abolir estes
sentimentos “ruins”, o uso irracional de psicotrópicos vêm a calhar, na fantasia de
uma recuperação instantânea.
15
PERES, U.T. Depressão e melancolia. 3.ed - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010, p.13.
30
A Tristeza é uma dos sintomas que compõe a depressão, mas não podemos
confundi-las, às vezes é apenas preciso dar tempo para que o sujeito possa agir, e
através da palavra simbolizar suas desorganizações psíquicas.
“Alguns psicanalistas têm interpretado que essa designação (depressão)
tende a ocultar a essência dos conflitos inconscientes, na medida em que desloca o
problema para as relações entre o ego e o meio social.” (RIBEIRO, 2001, p. 51)
Neste sentido é que temos que ficar atento as formas de subjetivação e de
sofrimento, podendo assim reconhecer a dinâmica das relações sociais em que o
paciente está inserido.
Birman (1999, p.43) retoma “o fato de que neste campo psicopatológico se
privilegiem as depressões, as toxicomanias e a síndrome do pânico”.
Atualmente tudo está catalogado, e o discurso psiquiátrico padroniza todas
as patologias como síndromes, esquecendo-se da singularidade e a história do
sujeito. Não podemos acreditar cegamente no discurso da psiquiatria biológica,
temos que nos questionar sobre esses conjuntos de sintomas que resultam em
determinadas síndromes, temos que levar em consideração como é vista a
subjetividade na contemporaneidade.
Em razão desta subjetividade trazer a origem das psicopatologias, da mesma
forma que se deve observar qual é o ideal de valores16 que rege sobre as formas em
que o individuo deve ser no mundo contemporâneo. A sociedade foi impulsionada a
novos valores simbólicos que demonstram as novas formas de civilização e laços
que estavam sendo produzidos, ou seja, novas formas de subjetivação, com novos
tipos de moral e estereótipos pré-definidos de como a sociedade deve ser, ter,
comparecer e agir.
Para representar a sociedade atual das imagens, narcísica e exibicionista
denominou-as “no final dos anos 60, o autor francês G. Debord de “sociedade do
espetáculo” as modalidades originais de sociabilidade que então se forjavam;
enquanto o norte-americano Lasch as interpretou segundo a lógica da “cultura do
narcisismo”, no final dos anos 70.”(Birman, 1999, p. 44)
16
(BIRMAN, 1999, p.48)
31
Para Debord “o espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo,
indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é “o que aparece de bom, o que de
bom aparece”” (1931-1944, p. 17).
Neste sentido em que o que importa na sociedade pós-moderna e pósindustrial, são os objetos que possuem o que elas têm de valor se sobressai sobre o
que ela é. Visto que o valor fica depositado no objeto, deixando o desejo do sujeito à
deriva.
Na sociedade do espetáculo, Debord comenta que “toda a vida das
sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se enuncia como
uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se
esvai na fumaça da representação.” (1931-1944, p.13).
Assim, na sociedade do espetáculo temos o exibicionismo, onde as pessoas
sempre querem aparecer, ser exaltadas, como se elas estivessem num teatro,
agindo como artistas na cena social, ou seja, o que elas aparentam querer ser são
as máscaras que elas vestem para se mostrar na sociedade. É um engrandecimento
do ego e o ser passa a ser estático, da imagem hipervalorizada pelos indivíduos.
Nas palavras de Lasch:
Embora o narcisista possa funcionar no mundo cotidiano e, com
frequência, encantar outras pessoas (não menos que com a
“pseudopercepção interna de sua própria personalidade”), a desvalorização
de outros, junto com a falta de curiosidade a respeito deles, empobrece sua
vida pessoal e reforça a “experiência subjetiva do vazio.(...) Ele possui
pouca capacidade de sublimação. Depende, consequentemente, dos outros
para constantes injeções de aprovação e admiração. (1983, p. 65)
Na sociedade atual o narcisismo fica em ênfase, uma vez que a imagem, o
aparecer, vem antes de tudo. A performance que o sujeito forja vai ser voltado para
o outro, mas esse outro não vai ser escolhido como objeto de satisfação, e sim o eu
como objeto de satisfação para seduzir o outro, então esse outro vai ficar apenas
como um objeto para o gozo da vangloriação do eu por ter conquistado esse objeto.
Virando uma sociedade individualista, tratando as pessoas como descartáveis, e
quando este objeto não satisfaz mais fica fácil de descarta-lo. Assim a capacidade
de o sujeito se relacionar com seus semelhantes, tende a quietude e ao
esvaziamento. (Birman, 1999, p. 44-45)
Este imaginário que os indivíduos têm do que o social é ou deve ser; se firma
através da mídia, que também insere os estereótipos padrões do ser e do ter.
32
Agregam muito valor as imagens no teatro social, colocando o sujeito numa posição
de exterioridade e autocentramento para seduzir e encantar o outro. Formam
pessoas rasas e moldadas no enquadre social. Efeito disto é uma normalidade de
comportamento
produzido
no mundo
globalizado,
jovens chineses, jovens
americanos e jovens brasileiros possuem o mesmo estilo, e de certa maneira os
gestos, a linguagem que organizam a geração que está com acesso às redes sociais
franqueadas por um sistema de produção e de controle.
Diante do exposto, a psicopatologia atual se configura a partir das
metamorfoses do homem social e moral, que modificaram a maneira de ser do
sujeito que é submetido às regras e valores da modernidade.
Lasch observa no narcisista “um candidato maduro para a análise
interminável. Ele procura na análise uma religião ou modo de vida e espera
encontrar na relação terapêutica o apoio externo para suas fantasias de onipotência
e da juventude eterna.” (1983, p.65).
Pois o sujeito narcisista se acha o dono do saber e tem medo do
envelhecimento e da morte. Como suas relações são rasas pela própria dificuldade
que tem de manter laços afetivos com as pessoas, pode ser o resultado do fracasso
da análise por não conseguir manter fortalecida a aliança terapêutica com o analista.
A partir dessa nova configuração da psicopatologia da atualidade, fica mais
fácil entender a relação dos enigmas das “depressões”, que ganham ênfase nos
diagnósticos clínicos da modernidade. Historicamente tanto a psicopatologia quanto
a cultura vão dando outro lugar, outras possibilidades discursivas e formações de
laços, os quais vão produzir efeitos na subjetividade e que por consequência novas
patologias começam a marcar o sujeito contemporâneo. As formas de sofrimento
psíquico da atualidade são vistas como a condição humana da depressão.
O sujeito voltado para si, como é o depressivo, destaca como estes não
conseguem se adequar à glorificação do eu, e de aparecer na cena social, ou seja,
os depressivos não combinam com essa sociedade pós-moderna do espetáculo,
narcísica e líquida17.
17
Chama-se de sociedade líquida “A passagem da fase “sólida” da modernidade para “líquida” – ou
seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas
individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável)
33
Para os que são mais embotados e não conseguem se exaltar perante os
outros e serem extrovertidos, existe uma solução: “Pílulas mágicas da felicidade!”
Para mudar o que não está dentro dos padrões. Hoje em dia ninguém mais precisa
sofrer, todos podem e devem participar do espetáculo.
O conflito psíquico neurótico contemporâneo é tratado como uma depressão e
fazem parecer que não há nenhuma causalidade do inconsciente, mas os sintomas
psicossomáticos surgem pelo corpo, o que acaba entregando o inconsciente. O
sujeito que se opõe e resiste às terapias que tentam reforça-la, e como não
conseguem “cura-la” nem sabem da exatidão da sua dor, dá-se o fracasso das
terapias. Sendo que estes só melhoram seu estado para conseguir continuar e
esperar por
melhoras,
já
que
o
depressivo
é tomado
pelo
sofrimento.
(ROUDINESCO, 2000)
Podemos observar que a sociedade da pós-modernidade, que além da
bioquímica do cérebro, também tem certa responsabilidade pela medicalização da
vida, que agem como “antídoto para as depressões”
18
. Portanto existem
medicamentos para todo o tipo de anormalidade.
Atualmente temos o sujeito moderno, tomado como depressivo para afastarse de seu inconsciente e das circunstancias que lhe atormentam. É um sujeito
perdido, tentando encontrar a felicidade em causas impossíveis de serem
realizadas, “ele busca na droga ou na religiosidade, no higienismo ou no culto de um
corpo perfeito ou ideal de uma felicidade impossível” (ROUDINESCO, 2000, p.19).
Como dito anteriormente, o sofrer não é mais suportado, a melancolia e a
tristeza não se encaixam mais na sociedade especular, onde o olhar dos outros
sempre têm que estar sob os sujeitos, independente de qual seja o significado.
Mesmo assim, a quantidade de depressivos aumenta e domina a subjetividade atual,
consequentemente também aumentam os tratamentos a serem disponibilizados ao
consumidor, para assim ter uma solução “respeitável” e “rápida” para normalizar os
processos psíquicos.
não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem espera que o façam), pois se decompõem
e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las, uma vez organizadas para que se
estabeleçam.” BAUMAN, Zygmund. Vida líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. 2.ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009.
18
(BIRMAN, 1999, p. 48)
34
O sujeito desiludido, desacreditado, tomado pela sua dor, sentimento de
impotência, não acreditando em mais nada que possa curá-lo, perdido no vazio “em
busca da identidade e o culto de si mesmo. O homem deprimido não acredita mais
na validade da terapia. No entanto, antes de rejeitar todos os tratamentos, ele busca
desesperadamente vencer o vazio de seu desejo. Por isso passa da psicanalise
para a psicofarmacologia e da psicoterapia para a homeopatia, sem se dar tempo de
refletir sobre a origem de sua infelicidade.” (ROUDINESCO, 2000, p 13)
“Sem refletir”, aí está um dos paradigmas da nossa sociedade, andamos
perdidos em busca de respostas que venham prontas ou que venham rápidas, pois
não temos tempo de parar, cada segundo é precioso na era pós-industrial e
consumista. A valorização está no objeto e não no sujeito. “A sociedade democrática
moderna quer banir de seu horizonte a realidade do infortúnio, da morte e da
violência.” (ROUDINESCO, 2000, p. 16) Vivendo em uma ilusão da sociedade de um
espetáculo.
Nessa sociedade ilusória o depressivo não combina por ele entregar o
sofrimento, e a psicanálise por dar um valor de reconhecimento do desejo subjetivo
que “foi atingida pelo mesmo sintoma e já não parece adaptar-se à sociedade
depressiva” (ROUDINESCO, 2000. P27-28).
Mas voltando, é importante conciliar o psicossocial com a psicofarmacologia
da depressão, pois ambas têm as suas particularidades que auxiliam no tratamento
desta doença, enquanto os medicamentos melhoram os sintomas da doença, a
psicanalise auxilia no trabalho psíquico de enfrentamento e simbolização.
Ambas terapêuticas não deveriam rivalizar entre si, mas sim, serem utilizadas
como
tratamento
complementares,
pois
são
duas
clínicas
diferenciadas:
medicamentos e psicoterapias.
Como cada sujeito, cada corpo responde de um jeito singular, depende muito
de cada caso, não podemos generalizar.
Freud já nos ensinou que não temos conhecimento do que nos move, visto
que é a nível do inconsciente, nos tornamos reféns do que não entendemos. Então
temos a psicanálise para ajudar a desvendar, através de suas técnicas específicas,
35
os traumas que provocam um sintoma, ou desencadeiam uma neurose.
(SOLOMON, 2002)
Neste sentido em que “os dois devem funcionar bem juntos, porque a
medicação tornará as pessoas mais disponíveis para a psicoterapia, ela ajudará a
iniciar um processo espiral crescente” (SOLOMON, 2002, P.98)
As pessoas precisam falar, expor seus medos, seus desejos, suas angustias,
alegrias, tristezas, fantasias, seus sentimentos, precisam ser sujeitos. No entanto a
medicação não trabalha com o tratamento pela fala, e é este ponto que precisa ser
trabalhado, e a psicanálise visa o tratamento da cura pela fala, da transformação
existencial do sujeito.
A psicoterapia é fundamental para fazer a reparação da depressão, pois é só
através de se escutar e ser escutado que o sujeito pode trilhar novas possibilidades.
A depressão vem com o apelo de dar um novo sentido para a existência do sujeito,
por isso o tratamento psicológico é indicado para sua eficácia. O contexto da
psicoterapia é o lugar onde a pessoa tem espaço de poder pensar e trabalhar as
suas questões.
Atualmente a psicoterapia começa a ganhar seu espaço novamente, pois
aumentou o numero de pessoas que querem falar. As resistências vêm em grande
parte do pagamento, do investimento que o paciente tem que fazer.
Se houvesse mais instituições que contratassem psicólogos e mais acesso
aos tratamentos multidisciplinares, seriam grandes as possibilidades para as
comunidades buscarem a direção da cura, mas mesmo assim, o social em sua
organização
discursiva
produziria
o
não
sentido.
A
depressão.
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo realizado, percebe-se que a Depressão pode se
desenvolver de várias formas, em especial a caracterizada pelo luto e a melancólica.
Frente às situações dar-se-á importância, pois há uma grande demanda na
clínica, e ampliando esta sob dois pontos, na psiquiatria biológica, e na visão
psicanalítica da depressão (no luto e melancolia).
Sendo a depressão caracterizada como uma das formas mais marcantes de
mal-estar da sociedade pós-moderna, e com a prevalência do aumento da patologia,
foi possível perceber que a sociedade tem certa ligação com a medicalização do
espírito, a negação e a intolerância ao sofrimento. Decorrente das suas novas
formas de subjetivação, configurações simbólicas, globalização e homogeneização
de gostos e costumes. Sendo marcada pelo consumo e pelo narcisismo.
Também ficaram evidenciados através desta pesquisa as linhas de
tratamento do transtorno depressivo pela via medicamentosa (antidepressivos,
ansiolíticos, psicotrópicos) que vão aplacar aquilo que produz os sintomas da
doença. Auxiliam para que o sujeito possa se ”reerguer”, possibilitando que ele
consiga ir até o tratamento psicoterapêutico, o deixando mais acessível às
atividades e ao vínculo terapêutico. Mas também é preciso ficar atento ao uso
excessivo desses fármacos que podem deixar o sujeito refém da sua doença,
repetindo o mesmo discurso.
A outra possibilidade apresentada é via da terapia da fala, pela psicanálise ou
das psicoterapias, onde o terapeuta serve de suporte para que o paciente fragilizado
possa ter a sustentação necessária para começar a agir que implica no pensar,
articulando as ideias, trazendo elementos da vida e dos possíveis traumas do
adoecer para então elaborar suas conflitivas.
Neste sentido tanto o medicamento quanto a psicanálise servem de aliados
para o tratamento da doença e não deveriam lutar entre si por um lugar privilegiado
para a terapêutica das perturbações de espírito, e sim lutarem juntas como melhor
eficácia de intervenção.
37
Porém através destes tratamentos mostra-se a importância que estes
pacientes recebam orientações para dar seguimento aos cuidados frente a essa
patologia, para que ela também saiba sobre si e sobre a sua doença. É de vital
importância para que possa fortalecer a aliança terapêutica, entre os futuros
profissionais de psicologia e pacientes. Com isso evitando o desencadeamento de
possíveis situações de crises e desestabilização psicológica ou emocional.
Para isso, é fundamental que as Universidades, enquanto formadoras de
profissionais capacitados possam envolver os futuros psicólogos, com o intuito de ter
uma visão ampla em relação ao processo saúde-doença, e que estes consigam
buscar melhores recursos, para a singularidade de cada paciente. Como um suporte
para que os sujeitos possam buscar uma posição ativa frente seus direitos,
necessidades e o principal: seus desejos.
38
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