MatériaA doença do custo

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CAPA | saúde
NOAH BERGER/THE NEW YORK TIMES
UM
PLANO
EFICAZ
Como a operadora de saúde americana Kaiser
Permanente se tornou um exemplo de
frugalidade e eficiência num país com um dos
sistemas de saúde mais inchados, caros e
perdulários do mundo
DADOS Á MÃO: a cada
atendimento, os médicos
da Kaiser Permanente
podem consultar todo o
histórico dos pacientes
SÉRGIO TEIXEIRA JR., DE SAN LEANDRO, CALIFÓRNIA
N
UM GALPÃO DE 3 500 METROS
QUADRADOS NA CIDADE de San
Leandro, perto de San Francisco,
na Costa Oeste americana, Sean
Chai aponta para uma estrutura
de vigas de madeira peladas, sem
paredes ou móveis. “Este é um
estudo para determinarmos o tamanho ideal de um
quarto de hospital”, diz Chai. “O pessoal do financeiro quer aproveitar ao máximo o espaço, mas
também temos de ouvir os médicos e enfermeiros
que vão trabalhar aqui.” Estamos no Centro de Inovações Garfield, onde a Kaiser Permanente, um dos
planos de saúde mais eficientes e admirados dos
Estados Unidos, faz testes e simulações que serão
aplicados mais tarde em sua rede de clínicas e hospitais. Uma área reproduz a recepção típica que se
encontra num hospital. A ideia é encontrar a disposição ótima do mobiliário. Chai mexe em um
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computador e um cubo metálico de mais ou menos
um metro e meio de altura começa a se movimentar sozinho pelo corredor. “É um robô para transportar roupas de cama da lavanderia para os quartos, um tipo de tarefa que não deveria tomar o
tempo dos enfermeiros”, diz Chai, diretor do centro de inovações. Esse é o negócio da Kaiser Permanente: tirar o máximo retorno de todos os cantos possíveis do negócio da saúde.
Em um país com um dos sistemas de saúde mais
inchados, caros e perdulários do mundo, a Kaiser
é vista como um exemplo de frugalidade e eficiência sem par. A empresa, que não tem fins lucrativos,
adota um modelo integrado. Toda estrutura oferecida aos clientes é própria: hospitais, clínicas e até
mesmo as farmácias. A ideia é que os leitos hospitalares e os caríssimos equipamentos de exames
não sejam considerados geradores de receita, o que
é a norma quando se conta com o pagamento dos
Quanto menos tempo
o paciente ficar internado,
mais eficiente é a operação
da Kaiser Permanente
seguros de saúde tradicionais. Pelo contrário,
quanto menos tempo o paciente ficar internado,
mais eficiente é a operação da Kaiser. Os mais de
17 000 médicos também são funcionários assalariados, o que reduz o incentivo para a marcação de
consultas desnecessárias e estimula o compartilhamento de informações entre os colegas. Quanto
melhor for o acompanhamento preventivo — em
outras palavras, quanto maior o cuidado com a
saúde dos pacientes —, melhor. “Não tenho dúvidas
de que o sistema de saúde vai evoluir do estado
atual de ‘consertar’ (os pacientes) para um modelo futuro de um sistema preocupado com a saúde
geral”, disse a EXAME Bernard Tyson, presidente
da Kaiser Permanente.
A empresa foi fundada em 1945 como uma gestora de hospitais e hoje atende 9,6 milhões de clientes em oito estados, a grande maioria na Califórnia.
As receitas do ano passado foram de 56,4 bilhões
de dólares. Existem outras seguradoras maiores no
país, mas nenhuma é tão admirada quanto a Kaiser.
Uma das razões é o sistema de prontuários eletrônicos, um investimento de 6 bilhões de dólares
realizado ao longo de uma década. Quando um
paciente pede para marcar uma consulta, o médico já dispõe de todo o histórico pertinente: resultados de exames, notas de outros médicos, remédios receitados e assim por diante. A tecnologia
permite que o acompanhamento seja mais frequen27 de maio de 2015 | 45
CAPA | saúde
TUDO EM CASA
Entenda o modelo integrado da Kaiser Permanente
Médicos contratados
Foco na prevenção
A ideia é fazer um
acompanhamento
geral da saúde dos
clientes. A medicina
preventiva é um
ponto-chave para
baixar os custos.
Todos os médicos
são funcionários
e recebem um
salário, em vez de
ganhar por
consulta realizada.
Isso incentiva a eficiência.
Informação compartilhada
As informações médicas dos clientes
ficam guardadas num sistema eletrônico
acessível por todos os médicos, o que
permite diagnósticos mais rápidos e precisos
Rede própria
Pesquisa e desenvolvimento
Os hospitais,
clínicas
e laboratórios
são próprios. A ideia é
evitar procedimentos e
exames desnecessários
A empresa tem um centro
de inovações para testar
novas tecnologias
e aumentar a eficiência
de seus hospitais, clínicas
e laboratórios
A KAISER PERMANENTE EM NÚMEROS(1)
Clientes
Hospitais
Consultórios
e clínicas
9,6 38 618
milhões
Médicos
Enfermeiros
17 425 48 285
A KAISER PERMANENTE É
FATURAMENTO
(em bilhões de dólares)
56,4
40,3
12%
mais eficiente
em termos de custos
em comparação
com outros planos
de saúde integrados
17%
2008
2014
mais eficiente
quando comparada
aos planos de saúde
tradicionais
(1) Número de clientes em dezembro de 2013; demais dados de dezembro de 2014
Fontes: empresa e pesquisa Aon Hewitt 2014 Health Value Initiative
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te, mesmo sem a necessidade da presença no consultório. “Os pacientes podem trocar e-mails e
fazer teleconferências com seus médicos”, diz Jack Cochran, diretor da Kaiser responsável pelos
médicos da empresa. “Os dados sugerem que os
pacientes que usam o sistema de prontuários eletrônicos acabam indo a menos consultas e estão
mais satisfeitos com o atendimento que recebem.”
Os médicos da Kaiser realizam mais de 10 milhões
de consultas à distância por ano.
A análise dos dados gerados pelo sistema tem
outro impacto ainda mais importante. A Kaiser
estima que a probabilidade de morte de um paciente em seus hospitais seja 26% menor que a média
nacional americana — e a centralização das informações é apontada como a grande responsável por
isso. O banco de dados também permite à empresa
identificar uma epidemia de gripe duas semanas
antes dos Centros de Prevenção e Controle de Doenças, o órgão do governo americano que faz esse
tipo de acompanhamento. Mas nem todo tipo de
inovação está na fronteira da tecnologia. Uma das
soluções desenvolvidas no centro de inovações da
Kaiser é uma simples faixa amarelo fluorescente
usada pelas enfermeiras. A faixa serve para indicar
que elas estão separando e organizando os remédios para os pacientes e não devem ser interrompidas. “Um pequeno erro na entrega dos medicamentos pode ter consequências gravíssimas”, diz
Sean Chai. “Com essa inovação, que envolve zero
tecnologia, reduzimos os erros em 82%.”
Um estudo da empresa Aon Hewitt indica que a
Kaiser Permanente é 12% mais eficiente em termos
de custos comparada com planos de saúde tradicionais. Por mais impressionantes que sejam, os
benefícios do modelo da empresa não podem ser
replicados com facilidade. Um dos obstáculos é o
sistema integrado – tanto do lado dos médicos
quanto dos pacientes. Muitos preferem atuar de
forma independente, por mais atraentes que sejam
os salários de uma empresa como a Kaiser. Do outro lado do balcão, uma parcela importante dos
consumidores faz questão de escolher os médicos
que quiser, um traço especialmente importante da
cultura americana no que diz respeito à medicina.
“Mesmo que custe mais caro, muita gente faz questão de ter o poder de escolha”, diz Lawrence Baker,
professor da Universidade Stanford especializado
em políticas de saúde. A grande chave para baixar
o custo da saúde e gerar eficiência no sistema, porém, está nas mãos dos indivíduos: dieta saudável,
exercícios físicos, acompanhamento preventivo.
“Todo mundo sabe que vai gastar menos se se cuidar melhor”, diz Baker. “Mas é um caso clássico de
‘falar é fácil’.”
J
capa | saúde
Ouça a reportagem na versão digital de EXAME
a doença
do custO
á Virou Rotina: todo fim de ano, as empresas
recebem de suas operadoras de plano de saúde
O Brasil vai
gastar em 2015
mais de 10% do
PIB com saúde,
e a maior parte
dessa conta é
paga pelo setor
privado. Seria
uma boa notícia
se os recursos
fossem usados
de forma
eficiente — mas
eles não são
Hospital da Amil,
no Rio de Janeiro:
algumas operadoras
optam pela verticalização
para controlar os custos
34 | www.exame.com
Marcelo Correa
Daniel Barros
propostas para reajustes de preços na casa dos dois
dígitos. A variação em 2015 deve atingir 18% no Brasil, segundo a previsão de uma das maiores gestoras
de benefícios do mundo, a inglesa Aon. A estimativa
para a inflação é, mesmo rompendo o teto da meta
do Banco Central, ficar abaixo da metade disso. A
conta será especialmente difícil de digerir no momento atual da economia brasileira, em que famílias,
empresas e governos estão apertando os gastos. Mas
a explosão no custo da saúde não é um fenômeno
novo — ele só está incomodando mais agora. Nos
últimos dez anos, esse gasto quadruplicou no Brasil.
A maior parte do aumento recaiu sobre o setor privado, responsável por quase 6 de cada 10 reais despendidos. Em 2015, o Brasil deve ultrapassar a marca dos 10% do PIB gastos com saúde (em 2013 foi
9,7%). Proporcionalmente, é mais do que despendem Reino Unido, Austrália e Coreia do Sul. A chamada inflação médica ficou, em média, 7 pontos
percentuais acima da inflação geral na última década. A lista de países em que a subida de preços ultrapassa a do Brasil é cada vez menor: só Venezuela, Sérvia e Líbano produziram reajustes maiores do
que a taxa brasileira de 16% de inflação médica em
2014. O mal não é só financeiro: o descontrole está
enraizado na cadeia produtiva do sistema privado
de saúde, com efeitos negativos para o bem-estar
dos 52 milhões de brasileiros que são segurados e
para as empresas, que bancam 80% dos planos.
A agência de publicidade Ogilvy, com 1 000 funcionários no país, resolveu mudar de plano de saúde depois de receber a fatura de 2014: 25% de reajuste sobre o valor pago no ano anterior. Em apenas
três anos, o gasto da Ogilvy com esse benefício aumentou 30% mais que os salários. “É o item que mais
cresceu na nossa tabela de custos nos últimos seis
anos”, diz Ricardo Silva, diretor financeiro da Ogilvy. A rede Fogo de Chão, que tem churrascarias no
Brasil e nos Estados Unidos, gasta 50% mais com
27 de maio de 2015 | 35
capa | saúde
saúde na operação brasileira do que na americana.
“O último reajuste reduziu nossa margem de lucro”, diz Marcelo Macedo, diretor financeiro da
Fogo de Chão. “Não dá para repassar ao cliente no
momento.” A consultoria Towers Watson, que
aconselha empresas na gestão de benefícios ao trabalhador, fez um levantamento com seus clientes
e mostrou que o gasto com saúde privada saiu de
uma média de 7,6% da folha salarial, em 2004, para 11,4%, em 2014 — uma elevação real de 50%. As
principais montadoras de carros do país já gastam
15% da folha com saúde. Se nos próximos 20 anos
a tendência de alta se mantiver, a Towers Watson
prevê que o gasto médio poderá chegar a 25%.
O que faz a conta com saúde crescer tanto? Como
se sabe, isso ocorre no mundo todo em resposta ao
anseio das pessoas de viver mais e melhor. Isso significa ter acesso ao que há de mais novo e eficaz em
matéria de remédios, equipamentos e tratamentos
— e pagar para que os avanços da medicina e da
tecnologia não cessem. No caso do Brasil, além de
tudo isso, há uma peculiaridade da estrutura de assistência médica privada: ela está voltada para que
haja mais procedimentos, mais exames complexos
e o maior uso possível dos materiais caros, independentemente do benefício que os pacientes obtenham. As evidências mais claras estão dentro dos
hospitais. Pelo menos metade dos gastos das operadoras é com internações. Quando um paciente dá
entrada em um pronto-socorro ou é internado para
uma cirurgia, o hospital ganha uma espécie de che-
Estudos estimam que haja um
desperdício de 500 bilhões de
dólares no sistema de saúde
privado dos Estados Unidos
que em branco. O tipo de tratamento a ser ministrado fica a critério dos médicos e do estabelecimento. Além das diárias dos leitos, o hospital cobra
do plano de saúde por insumo aplicado no paciente. Então, quanto mais procedimentos fizer, mais
dinheiro receberá. Essa forma de cobrança por
procedimento é comum nos Estados Unidos, país
que mais gasta com saúde (17% do PIB por ano, enquanto o Reino Unido gasta 9%). Estudos apontam
que os americanos desperdiçam 500 bilhões de
dólares por ano com gasto ineficiente em saúde. Não
existe o mesmo cálculo para o Brasil porque há menos transparência aqui, mas a lógica não muda.
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gastos em alta
Em tempos de corte de despesas, a escalada nos preços dos planos de saúde tem impacto crescente sobre as empresas
O Brasil é um dos campeões em inflação médica no
(variação dos custos com a saúde acumulada de 2008 a 2013)
Brasil
Turquia
Colômbia
14,5% 16% 18%
12% 12% 15%
10% 12% 9%
E a tendência de aumento de preços muito acima
da inflação geral no Brasil já vem de longa data
mundo, segundo levantamento da consultoria Aon
Estados Unidos
África do Sul
9,2% 9%
9%
9%
10% 6,5%
Chile
China
7,5%
7%
7%
3%
5%
6%
Inflação médica
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA)
16,1%
13,9%
10,7%
2013 2014 2015(1)
2013 2014 2015
2013 2014 2015
2013 2014 2015
2013 2014 2015
2013 2014 2015
2013 2014 2015
Como a maioria dos planos de saúde é corporativa,
a alta afeta sobretudo as empresas
Mas o que pressiona os custos do sistema de saúde?
Eis os principais fatores
(custo médio dos planos de saúde no Brasil em relação
à folha de pagamentos)
(divisão das despesas das operadoras de planos de saúde por tipo de procedimento)
7,6%
11,4%
14%
17%
25,5%
Internações
Exames
Consultas
Outros(2)
5,7%
6,5%
2005
2011
6,4%
2014
Variação
95,8%
do custo
43,2%
31,3%
acumulada de
2008 a 2013
(em %)
Inflação (IPCA) Consultas Internações
Dentro da rubrica internações, o pior vilão
é o custo dos materiais, que vão de gases
e esparadrapos a stents coronários e próteses
(divisão das despesas do item internação)(3)
2004
2014
2019
2024
22%
2034
Se a tendência de aumento de custos
de saúde dos próximos 20 anos
for a mesma dos últimos dez anos, o quadro
pode piorar muito, segundo previsão
da consultoria Towers Watson
18%
50%
10%
Materiais
33%
Medicamentos
20%
Diárias
17%
Taxas
13%
Honorários
12%
Exames
3%
Outros
2%
(1) Previsão (2) Outros atendimentos ambulatoriais e terapias (como tratamento de câncer) (3) Dados de 2010, de uma operadora de autogestão, divulgados pelo IESS
Os stents usados em cirurgias cardíacas servem
de exemplo do exagero no Brasil. Pacientes com
diabetes e com vasos coronários muito finos costumavam ter algumas lesões no local em que era colocado o stent. Para resolver o problema, os fabricantes desenvolveram o chamado stent farmacológico. Ele solta um remédio que impede o surgimento de lesões. Custa até seis vezes mais que o stent
convencional. Os diabéticos ou pacientes com vasos
finos representam 25% dos casos de cirurgia de coração. Entretanto, 80% dos stents usados no sistema
de saúde suplementar são farmacológicos. “A evolução da medicina não é o vilão”, diz Martha Rocha,
presidente interina da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), reguladora dos planos de saúde. “A forma de incorporar as novas tecnologias é
que é.” Os médicos do Hospital Albert Einstein, em
São Paulo, reavaliaram a condição de quase 1 500
clientes da seguradora Bradesco Saúde que estavam
prestes a fazer uma cirurgia de coluna. Conclusão:
dois terços deles não precisariam da operação. O
Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS),
uma entidade privada, acompanhou durante cinco
anos um plano de saúde para descobrir os fatores
que mais influem nos custos. Os gastos do plano com
internações cresceram 54%, o dobro da inflação
acumulada no período. E o gasto com materiais usados nos pacientes internados cresceu 129%. “Muitos
hospitais ganham dinheiro vendendo insumos a
preços bem mais altos do que pagam por eles”, diz
Luiz Augusto Carneiro, superintendente do instituto. A Associação Nacional de Hospitais Privados
(Anahp) reconhece o fato. “A maior parte de nosso
lucro está nos insumos”, afirma Francisco Balestrin,
presidente da associação. “O ganho com taxas hospitalares e diárias estacionou porque elas estão congeladas pelo governo desde os anos 90.”
As tabelas que os hospitais e clínicas usam para
cobrar dos planos também estão defasadas tanto
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capa | saúde
para materiais quanto para medicamentos. Como
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a responsável pelas tabelas, não faz uma atualização
recorrente, operadoras, empresas e pacientes pagam o pato. Os quimioterápicos para o tratamento
de câncer ilustram a prática. Um dos mais vendidos
é o Paclitaxel, produzido desde a década de 70 e
usado para tratar câncer de mama e de ovário. A
dose de 100 miligramas do remédio é vendida a
clínicas oncológicas por cerca de 25 reais, mas as
clínicas cobram até 2 500 por dose, seguindo a tabela de preços publicada por revistas científicas.
As operadoras tentam reagir. No caso dos quimioterápicos, a Unimed Campinas decidiu descredenciar as clínicas que prestavam serviço para seus
planos e concentrou o tratamento de câncer em
um centro próprio. Com isso, economizou 40% do
gasto nessa área de 2009 a 2014. Mas, durante o
período de enfrentamento com as clínicas oncológicas, outro custo subiu: o da judicialização. Em
2009, a Unimed Campinas gastou 600 000 reais
com ações judiciais dos clientes. Já em 2013 o valor
passou de 12 milhões. O motivo: a proliferação do
uso exagerado de novas tecnologias, como a do
stent farmacológico — que custa seis vezes mais.
Isso ocorre frequentemente com o amparo da Justiça: como o tema é específico demais, os juízes
costumam aceitar liminares requisitando o uso do
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Quatro passos para
melhorar a saúde do sistema
1
Mensurar e divulgar os resultados dos tratamentos
Os hospitais precisam ser mais transparentes
com dados como taxas de mortalidade,
infecção, complicação e reinternação
de pacientes para cada tipo de doença
e após cada tipo de cirurgia. Com isso,
a tendência é que operadoras e empresas
estimulem seus pacientes a se tratar em
prestadores de serviços mais eficazes
2
Mudar o modelo de remuneração dos hospitais
As operadoras pagam os hospitais
por insumo usado num tratamento.
O modelo estimula o uso
exagerado de materiais e
medicamentos. Outras formas
de pagamento, como um valor fixo
por tipo de diagnóstico e de paciente,
invertem o incentivo econômico
GANHO MENOR:
o reajuste dos planos de
saúde reduziu a margem
de lucro da churrascaria
Fogo de Chão no Brasil
alexandre battibulgi
Leandro Fonseca
ESCALADA: na agência
de propaganda Ogilvy,
Ricardo Silva, diretor
financeiro, diz que o custo
da saúde é o que mais sobe
3
Algumas medidas que podem aumentar expressivamente
a eficiência dos gastos da saúde privada
Pagar mais aos médicos
A multinacional americana GE complementa
os honorários dos médicos que atendem
seus funcionários pagando quatro vezes
o que os planos pagam por consulta.
Assim, os médicos dedicam mais tempo
e atenção ao paciente. Isso gera menos
exames e internações. O gasto da GE com
saúde no Brasil cai 8% ao ano desde 2009
4
Reverter a cultura do especialista
Nos sistemas de saúde mais eficientes,
como os de Reino Unido, Holanda e Canadá,
os pacientes recorrem ao médico
de família antes de ir a um neurologista
investigar uma simples dor de cabeça.
Isso proporciona o acompanhamento
da saúde do indivíduo ao longo do tempo
e reduz exageros nos pedidos de exames
material mais caro. Depois o processo fica anos
consumindo dinheiro com advogados. “No início,
perdemos muitos processos, mas depois conseguimos mostrar na Justiça que o atendimento em nossa clínica acabava sendo melhor e mais barato”, diz
José Windsor, presidente da Unimed Campinas.
Em 2014, o gasto da operadora com a Justiça diminuiu pela primeira vez, na contramão do mercado.
Para começar a frear os custos galopantes do sistema de saúde é preciso mudar o modo de remuneração de hospitais e clínicas. Há diversos modelos pelo mundo, mas o que mais se espalha com
bons resultados tanto em redução de gasto quanto
em melhora dos indicadores de saúde é o sistema
em que os hospitais se especializam: recebem uma
quantia fixa para tratar um tipo de patologia, como
uma pneumonia ou um ataque cardíaco. O valor
varia de acordo com as características do paciente
— sua idade, se fuma, se tem outras doenças crônicas etc. Nesse caso o incentivo se inverte. Quanto mais eficiente o hospital for no tratamento,
maior será a margem de lucro. O sistema funciona
na maioria dos países europeus e na África do Sul.
O país africano se parece com o Brasil porque também tem um sistema de saúde público universal e
a rede privada cobre 25% da população — a mesma
parcela daqui. A taxa de crescimento dos custos
em saúde baixou fortemente lá desde 2005, quan27 de maio de 2015 | 39
capa | saúde
do mudou o modo de remuneração dos hospitais
privados pelas seguradoras. A inflação médica costumava ser o dobro da inflação geral — em média,
próxima de 5% nos últimos anos. Em 2015, a previsão da consultoria Aon é que a diferença seja de
0,7 ponto percentual. “Agora até o setor público
começou a adotar o mesmo tipo de pagamento”,
diz Etienne Dreyer, sócio da consultoria de gestão
PwC na África do Sul. O risco do modelo é que o
hospital economize demais e faltem insumos para
os tratamentos. A Suécia e a Finlândia estão resolvendo esse problema com cláusulas de desempenho: quanto menos complicações o paciente tiver
após o tratamento, maior será a remuneração.
40 | www.exame.com
obama quer: com
as novas leis criadas pelo
presidente americano, os
hospitais são obrigados a
abrir os dados aos clientes
reduzir as perdas com doenças. A equipe de 14 profissionais montada por ela passou a abordar os funcionários após cada consulta ou internação com
perguntas como “o que você achou do atendimento
médico que recebeu?” e “o que você entendeu da
explicação do médico sobre sua condição de saúde?”
Muitos funcionários tinham queixas a fazer de médicos e hospitais e raramente compreendiam quais
eram os próximos passos do tratamento de sua doen­
ça — embora o gasto com exames fosse alto. A equipe da GE passou a se reunir com os médicos e propôs
a eles até 170 reais por consulta, quando o plano de
saúde costuma pagar 40. A condição: o atendimento do funcionário teria de ser mais cuidadoso. A GE
também passou a pagar por terapias que o plano de
saúde não autorizava porque não era obrigado a cobrir, como ondas de choque para tratar tendinites
— o que pode, muitas vezes, evitar cirurgias. Em
2011, para cada dólar investido no programa, 4,38
REUTERS/Jonathan Ernst
O momento é propício para promover reformas
como essas aqui no Brasil. Em janeiro, a presidente
Dilma Rousseff sancionou a lei que permite a entrada de capital estrangeiro como sócio de hospitais. A expectativa é que um movimento de consolidação do setor se acentue com a chegada de dinheiro de fora. Um aperitivo foi o investimento de
1,7 bilhão de reais do fundo americano Carlyle na
rede D’Or em abril. A empresa, que possui 27 hospitais, foi avaliada em 20 bilhões de reais. Em 2010,
quando recebeu investimento do banco BTG Pactual para ir às compras, a rede D’Or tinha seis hospitais e valia um décimo do que vale hoje. A formação de grandes grupos deve melhorar a gestão dos
hospitais, mas também vai fortalecer suas posições
na negociação de preços com as operadoras. Se não
forem estabelecidas bases para que a negociação
leve em conta também o interesse dos pacientes, o
problema do alto custo pode se agravar.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar organizou conversas entre redes de hospitais e operadoras em 2013 para tentar mudanças na forma como
os serviços são pagos. Mas até agora não houve avanços. “Não houve empenho de nenhuma das partes
nessa negociação”, diz Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde e da Federação Nacional de
Saúde Suplementar. O fato é que para as administradoras de planos de saúde a situação também é cômoda. “Como apenas os preços dos planos indivi­
duais são regulados pela ANS, as operadoras simplesmente distribuem seus aumentos de custo pela
carteira de planos coletivos”, diz Márcia Agosti,
gerente de gestão de risco em saúde da multinacional GE. Como principais clientes, são as empresas
que têm o poder de mudar a lógica da saúde suplementar no Brasil. Afinal, elas têm na mão uma valiosa variável dessa equação: a demanda. A GE no
Brasil começou a mudar as coisas em 2009, quando
criou a vaga ocupada por Márcia, contratada para
ZHAI JIANLAN/Xinhua/Landov
o poder dos clientes
Lição Africana: a
África do Sul transformou
seu sistema privado
de saúde e os gastos
passaram a crescer menos
Hospitais e operadoras
até agora não mostraram
disposição de mudar a forma
de cobrança dos serviços
dólares foram economizados por cirurgias evitadas,
empregados que deixaram de faltar por doença e
ganho de produtividade. Nos últimos cinco anos, a
GE economizou, em média, 8% por ano em gasto
com saúde na subsidiária brasileira.
Nos Estados Unidos, grandes empregadores estão interferindo fortemente na lógica de funcionamento da saúde privada. Empresas como a varejista Walmart, a transportadora FedEx e a fabricante de aviões Boeing pagam adicionais por desempenho para os hospitais que têm os melhores
indicadores em cada tipo de cirurgia ou tratamento. O Walmart escolheu seis centros de referência
pelo país para cirurgias de coluna e coração, as mais
comuns entre seus mais de 2 milhões de funcionários, e direciona os pacientes para lá. Os custos da
viagem e do procedimento são inteiramente bancados pela empresa. A ideia é ir atrás dos hospitais
de excelência para evitar erros médicos. Um es­tudo
do Journal of Patient Safety estima que 210 000
americanos morram por ano por causa de erros
médicos — seja na escolha do tratamento, seja na
sua aplicação. Outras centenas de milhares sobrevivem, mas ficam impedidos de voltar a trabalhar.
“Empregadores estão aprendendo que eles precisam ir além da simples contenção de despesas e
focar a promoção da saúde”, escreveu em artigo
recente o guru de gestão Michael Porter, professor
da Universidade Harvard. “Um caminho é premiar
com mais pacientes os hospitais de melhor desempenho.” Porter tem se dedicado ao estudo da reforma do sistema de saúde americano. Uma de suas
bandeiras é que os hospitais se especializem em
tipos de procedimento, como cirurgia de coluna,
porque com isso vão ganhar escala e proficiência.
Um movimento nesse sentido está em curso nos
Estados Unidos. Os hospitais estão ampliando a
transparência e publicando dados de desempenho
para que operadoras, empregadores e o público em
geral saibam quem tem as taxas de mortalidade,
infecção e reinternação mais baixas. Essa é uma
das exigências do Obama Care, o pacote de leis
aprovado no primeiro mandato do presidente americano. A maior transparência deve guiar os enormes fluxos de pacientes no país.
O Brasil está longe de fazer isso. O que faz um
hospital brasileiro ser de referência? Apenas repu27 de maio de 2015 | 41
capa | saúde
do na abertura da Olimpíada de Londres, esse médico é conhecido como o “guardião dos portões”,
porque é por meio dele que o paciente entra no
sistema de saúde. Isso torna o sistema britânico
um dos mais eficientes do mundo. O gasto per capita com saúde é 3 500 dólares por ano no Reino
Unido, enquanto nos Estados Unidos ultrapassa
9 000. Não à toa, os ingleses inspiram novos modelos de operadoras privadas nos Estados Unidos,
com destaque para a californiana Kaiser Permanente (veja mais sobre a Kaiser na pág. 44).
De olho em exemplos internacionais de eficiência no gasto com saúde, operadoras brasileiras como Unimed, Bradesco Saúde e Prevent Senior têm
tateado novos modelos de atendimento nos consultórios. Em Vitória, a Unimed local montou uma
categoria de plano em que o paciente é atendido
em clínicas próprias por um médico de família que
cuida de todos os aspectos de sua saúde, da alimentação à utilização de remédios para doenças crônicas. A inspiração é o modelo inglês. “O médico
não ganha por consulta, mas pelo número de vidas
de que cuida”, diz Paulo do Bem, superintendente
da Unimed Vitória, responsável por essa modalidade. “E parte do pagamento é variável. Quanto
melhor a saúde daquelas pessoas, mais o médico
ganha.” Após dois anos de programa, os resultados
são animadores. A quantidade de exames por pa-
Destaque olímpico:
o sistema de saúde
britânico foi lembrado
na abertura da Olimpíada
de Londres, em 2012
ODD ANDERSEN/AFP Photo
tação. Não é possível saber qual é o hospital mais
eficiente em cirurgia cardíaca no Brasil porque os
dados não são públicos. Nos Estados Unidos, a taxa de sucesso de fertilização in vitro subiu de menos de 10%, em 1997, quando as clínicas de reprodução começaram a publicar seus dados, para mais
de 25%, em 2011. “Hoje, se eu precisar de um transplante de medula óssea nos Estados Unidos, sei
que é em Seattle que encontrarei os melhores centros médicos especializados nesse procedimento”,
diz Patricia Medina, diretora médica da consultoria Evidências, especializada em dados da saúde.
“Aqui não. Precisaríamos de um novo arcabouço
legal, que deve envolver o Ministério da Saúde e a
Anvisa, para que medidas de qualidade sejam divulgadas obrigatoriamente.” A Anvisa está com
duas das cinco vagas de sua diretoria em aberto. A
ANS, que cuida dos planos de saúde, está com uma
presidente interina, que pode ter qualquer de suas
ações contestadas na Justiça depois.
A ineficiência do gasto com a saúde suplementar
no Brasil se deve também ao fato de que aqui, como
nos Estados Unidos, existe uma espécie de cultura
do especialista. Se o paciente tem uma dor de cabeça, geralmente ele procura direto um neurologista. Por essa lógica poderia também procurar um
oftalmologista, um otorrinolaringologista ou até
um dentista. Cada um faz uma série de exames
para investigar o problema. Uma frase muito repetida entre médicos é que, “quando um paciente
escolhe um especialista, ele escolhe uma doença”.
A peregrinação entre médicos contribui para que
no Brasil sejam feitas 80 ressonâncias magnéticas
para cada 1 000 habitantes por ano, o dobro do que
é feito em países como Reino Unido, Holanda e
Canadá. O modelo nesses países é majoritariamente público, e o paciente procura um médico generalista ou de família para se consultar toda vez que
sente que há algo de errado. Esse médico acompanha os indicadores de saúde da população de uma
região ao longo do tempo e encaminha as pessoas
a especialistas ou hospitais quando avalia que é
necessário. No Reino Unido, onde o sistema nacional de saúde é tão tradicional que foi homenagea42 | www.exame.com
Pressão do
Walmart: a varejista
incentiva os funcionários
a escolher hospitais com
os melhores desempenhos
Patrick T. Fallon/Getty Images
A Anvisa está com duas das
cinco diretorias vagas e a ANS
tem uma presidente interina
há mais de cinco meses
ciente é 48% menor do que em outros tipos de
plano, e as internações são 34% menos frequentes.
O gasto por paciente caiu 10%, e a expectativa da
Unimed Vitória é que caia 20% em breve.
Reformar o sistema privado de saúde é uma tarefa complexa no mundo inteiro. O Brasil está na vanguarda da ineficiência no gasto. Mas os ventos da
mudança virão, cedo ou tarde. As operadoras aumentam sua base de clientes cada vez mais lentamente — neste ano, é provável que a base diminua.
Muitas empresas estão retirando benefícios dos
planos de saúde. A varejista mineira Zema só oferece planos com internação em enfermaria a seus
funcionários, diferentemente do que fazia anos
atrás. Outra varejista, a paraense Yamada, parou de
dar cobertura a cônjuges dos empregados. Os hospitais, por sua vez, estão começando a ser afetados
pela verticalização das operadoras. A Amil investiu
1 bilhão de reais no ano passado na construção e na
aquisição de novas unidades hospitalares. O argumento que Michael Porter tem usado para convencer os empresários do setor de saúde nos Estados
Unidos serve para cá também: quem começar a
mudar as práticas antes vai sair na frente quando as
transformações forem inevitáveis. n
27 de maio de 2015 | 43
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