Esquistossomose mansônica em Carajás, Pará, Brasil

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ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA EM CARAJÁS, PARÁ, BRASIL: ESTUDO RETROSPECTIVO
REALIZADO NO HOSPITAL YUTAKA TAKEDA
Schistosomiasis mansoni in Carajás, Pará, Brazil : retrospective study
carried out in the Yutaka Takeda hospital
Yuri Matsuo Nomura1, Maria Odete Camargos2, Cléa Nazaré Carneiro
Bichara3, Izabel Raimunda de Carvalho Rodrigues4
RESUMO
A esquistossomose mansônica é uma endemia que avança acompanhando os processos
migratórios da população e se instala de acordo com as condições epidemiológicas e
ambientais favoráveis. Neste sentido, realizou-se um trabalho no município de
Parauapebas, área de intensa migração no sudeste do Pará, onde prevalece a extração
de minérios, com a proposta de avaliar a possibilidade da existência de transmissão
ativa de esquistossomose. Foi traçado o perfil epidemiológico dos pacientes com
esquistossomose atendidos no Hospital Yutaka Takeda em Carajás, no período 20042005. O estudo resultou do levantamento de dados em fichas de notificação, em
prontuários do paciente e de investigação epidemiológica. Dados complementares
foram obtidos mediante estudo prospectivo com aplicação de questionário em pacientes
e familiares. Realizou-se investigação epidemiológica em 20 indivíduos, todos procedentes
de regiões endêmicas ou de áreas focais. Não foi detectado nenhum caso que sugerisse
autoctonia. Noventa e cinco por cento dos pacientes são do gênero masculino, idade
média de 27 anos e trabalham para empresas que prestam serviços em atividades
ligadas à mineração. Considerando-se a constante migração para a região, conclui-se
a necessidade de estudo amplo de controle da esquistossomose e adoção de medidas
preventivas, como a educação em saúde.
PALAVRAS-CHAVE
Esquistossomose mansônica, transmissão, epidemiologia
ABSTRACT
Schistosomiasis mansoni is an endemic disease that follows the population migration
process and is installed according to the favorable epidemiologic and environmental
conditions. Therein, a study was accomplished in the city of Parauapebas aiming at
evaluating the possibility of schistosomiasis active transmission. Parauapebas is an
area of intense migration in the southeast of the Pará state, where the mining exploration
is the main economic activity. The epidemiologic profile of the patients infected with
schistosomiasis was outlined. These patients were cared for at Hospital Yutaka Takeda
in the years 2004 and 2005, in Carajás, which is located in the city of Parauapebas.
1
Especialista em Saúde e Ciências Sócio-ambientais. Enfermeira do Hospital Yutaka Takeda.
E-mail: [email protected]
2
Especialista em Saúde e Ciências Sócio-ambientais.
3
Mestre em Ciências Biológicas. Professora Assistente da Universidade Estadual do Pará.
4
Mestre em Bioquímica e Imunologia. Pesquisadora Titular do Instituto Evandro Chagas / SVS.
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Data acquisition was made from notification forms and medical records. Complementary
data was obtained through a prospective study with questionnaires answered by the
patients and their families. Epidemiologic investigation was performed with twenty
patients, all of them proceeded from endemic regions or from regions that presented
the disease’s focus. It was not found any case that suggested autochthony. Ninety-five
per cent of the patients are male, the average age is 27 years-old and they work for
companies that render services to the mining. Taking into account the constant migration
to the region and knowing that the patients cared for at Carajás Hospital represent
only a parcel of the city’s ill people, one can conclude that there is need for a wider
study of schistosomiasis and the need of adoption of preventive measures as education
on health.
KEY WORDS
Schistosomiasis mansoni, transmission, epidemiology
1. INTRODUÇÃO
A esquistossomose mansônica, ou barriga d’água, é causada por um parasita
trematódeo – Schistosoma mansoni, que tem o homem como hospedeiro definitivo e
caramujos de água doce do gênero Biomphalaria como hospedeiros intermediários.
No Brasil, são conhecidas três espécies: B. tenagophila, B. glabrata e B. straminea,
distribuídas de acordo com a região geográfica.
Apesar de ser uma doença descrita há mais de cem anos, a esquistossomose
constitui, ainda hoje, um sério problema de saúde pública. De acordo com dados
da Organização Mundial de Saúde, é uma das parasitoses mais difundidas no
mundo e de maior prevalência entre aquelas veiculadas pela água. No Brasil, a
endemia está em franca expansão e atinge 19 estados, entre os quais Bahia, Minas
Gerais, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Maranhão, Espírito Santo, Piauí,
São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pará (Brasil, 2004).
O avanço da doença na Amazônia deve-se aos movimentos migratórios de
doentes procedentes de áreas endêmicas. No Pará, a migração deu-se inicialmente
com nordestinos, atraídos pelas plantações de seringueira na localidade de
Fordlândia, município de Itaituba (Machado & Martins, 1951). Os autores
descreveram os primeiros casos de esquistossomose autóctone naquela localidade.
O foco de Fordlândia se extinguiu (Moraes, 1972) após falência da Ford
Motor Company.
Cerca de dez anos depois, foram descritos mais dois focos de esquistossomose
no Pará: Quatipuru (1959) e Belém (1968). Posteriormente, foram encontrados
casos autóctones na Ilha de Marajó e em Altamira (Paraense, 1986; Bichara et al.,
1997). Estudos mais recentes em seis municípios demonstraram que a transmissão da
esquistossomose no nordeste do Pará está controlada (Rodrigues & Amaral, 2005).
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O município de Parauapebas localiza-se no entorno de grandes projetos de
extrativismo mineral. A sua exploração efetiva iniciou na década de 80, com o
povoado do Rio Verde, hoje um dos principais bairros da localidade de mesmo
nome (Parauapebas, 2003). No Sistema de Vigilância à Saúde, foram notificados
13 e 14 casos de esquistossomose nos anos de 2004 e 2005, respectivamente, sem
informações de algumas variáveis epidemiológicas destes pacientes (SEMSA, 2006),
mas existiam casos classificados como alóctones, conforme demonstrado por Frahia
e Moraes (1983).
A partir de 2004, o número de lâminas positivas para esquistossomose
aumentou consideravelmente no Hospital Yutaka Takeda, despertando o interesse
para realização deste trabalho. Paralelamente, considerou-se ainda a necessidade
de avaliar a importância do processo migratório no sudeste do Pará, Parauapebas,
em relação à introdução da esquistossomose mansônica na região, com a possibilidade de estabelecimento de focos de transmissão ativa da doença.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. ÁREA DO ESTUDO
A pesquisa foi desenvolvida em residências do município de Parauapebas e
no ambulatório do Hospital Yutaka Takeda, referência de atenção à saúde dos
prestadores de serviço das grandes empresas da região.
O município de Parauapebas está localizado no sudeste do Estado do Pará
(W 6 º 3" e S 49 º 55"), distante aproximadamente 700 km de Belém. Limita-se com
os municípios de Marabá, Curionópolis, Canaã dos Carajás e Água Azul do Norte.
O Núcleo Urbano de Parauapebas, onde foi implantada a sede do município, está
situado no curso médio e à margem direita do rio Parauapebas, no sopé da Serra
dos Carajás, e apresenta dois subtipos de clima, o de planícies e o de montanhas,
ambos de natureza tropical, quente e úmido, com precipitação pluviométrica
elevada. A extensão territorial do município é de 7.658,9 km2, dos quais a Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD), os índios Xikrins e o Governo Federal, através de
Projetos de Preservação Ambiental detêm a concessão de 80% do total da área
(Parauapebas, 2006). A população é de 101.440 habitantes. A área urbana concentra
aproximadamente 55% dos habitantes, sendo que em torno de cinco mil residem
no Núcleo Urbano da CVRD, na Serra dos Carajás ( Jornal Parauapebas, 2006).
2.2. POPULAÇÃO ESTUDADA
Foi realizado um estudo qualitativo e quantitativo, com investigação
epidemiológica, dos indivíduos com diagnóstico de esquistossomose confirmado,
notificado pelo Hospital Yutaka Takeda – Carajás, nos anos de 2004 e 2005,
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incluindo familiares. A confirmação do diagnóstico foi realizada através da
visualização dos ovos no exame parasitológico de fezes, amostra única, pela técnica
de sedimentação espontânea e método de Hoffman, Pons e Janer.
2.3. AMOSTRAGEM
A escolha da amostragem obedeceu critérios pré-estabelecidos. Os critérios
de inclusão contemplaram: a) trabalhadores das minas de Carajás, atendidos no
ambulatório do Hospital Yutaka Takeda; b) indivíduos que não trabalham em
Carajás, mas são atendidos no Hospital Yutaka Takeda através de convênios de
saúde e c) familiares de pacientes notificados no Hospital Yutaka Takeda. Os
critérios de exclusão foram: a) residentes fora da área de Parauapebas; b) residentes
há menos de 45 dias em Parauapebas; c) critério de exclusão específico para o
formulário de educação em saúde: familiares com idade inferior a dez anos,
devido à impossibilidade de responder a entrevista.
2.4. OBTENÇÃO DOS DADOS
Estudo retrospectivo, com levantamento das fichas de notificação e investigação
padronizada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), dos
casos de esquistossomose notificados à Secretaria Municipal de Saúde de
Parauapebas (SEMSA), nos anos de 2004 e 2005, e levantamento dos prontuários
médicos de atendimento ambulatorial do Hospital Yutaka Takeda. Os dados do
SINAN incluíram nome, idade, escolaridade, residência, ocupação, antecedentes
epidemiológicos, dados clínicos e tratamento.
Foi realizado estudo prospectivo mediante aplicação de dois tipos de
questionários: o questionário modelo I, para complementação de dados
epidemiológicos sobre o paciente, contendo perguntas sobre condições de
moradia e contato com coleções de água, tempo de residência em
Parauapebas, conhecimento anterior sobre a doença, outras pessoas na família
com esquistossomose e destino dos dejetos; e questionário modelo II, aplicado
nas entrevistas com os familiares de pacientes, para avaliar o conhecimento
sobre a doença. A aplicação do questionário ao paciente, bem como as
entrevistas com os familiares, foram realizadas após a anuência do entrevistado
com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados foram
registrados em bancos de dados simples, elaborados no programa Excel e
representados em tabelas.
3. RESULTADOS
De acordo com levantamento realizado no livro de registro do Laboratório
de Análises Clínicas do Hospital Yutaka Takeda, no período de abril de 2004 a
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dezembro de 2005, foram realizados cerca de 21.600 exames coproscópicos. As
solicitações foram procedentes dos diversos setores da instituição: Internação,
Pronto Socorro e Ambulatório, onde se inclui o atendimento da Medicina do
Trabalho. No período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005, foram registrados
31 exames positivos para Schistosoma mansoni, todos procedentes do ambulatório
do hospital, especificamente da Medicina do Trabalho, exceto duas pacientes
diagnosticadas no ambulatório de clínica médica. No setor de Medicina do
Trabalho, são atendidos trabalhadores contratados por diversas empresas para
atuar em Carajás, para exames de saúde ocupacional: admissional, demissional,
periódico e retorno ao trabalho. Dos 31 pacientes identificados com
esquistossomose, 28 são do sexo masculino e três são do sexo feminino. Deste
total, cinco pacientes foram excluídos do estudo por não residirem em Parauapebas,
na época em que realizaram o exame. A distribuição por sexo e faixa etária está
apresentada na Tabela 1. Dos 26 residentes em Parauapebas na época do diagnóstico, 20 foram localizados para entrevista e geraram as informações para este
estudo. Os familiares dos pacientes também foram entrevistados para avaliação
do conhecimento sobre a doença e a possibilidade de se trabalhar com educação
em saúde no controle e prevenção da esquistossomose.
Tabela 1
Pacientes com diagnóstico de esquistossomose atendidos no ambulatório do Hospital
Yutaka Takeda, distribuídos por local de residência, faixa etária e sexo.
Fonte: Ficha do SINAN.
Todos os pacientes (n=20) foram entrevistados quanto à procedência (município
e estado) e tempo de residência em Parauapebas. Observou-se que nove (45%)
procediam de Minas Gerais. Os demais estavam distribuídos entre os estados da
Bahia (n=3), Maranhão (n=3), Rio Grande do Norte (n=2), seguidos de Pará
(n=1), Paraíba (n=1) e Pernambuco (n=1).
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Os pacientes foram entrevistados quanto à naturalidade e ao histórico na
infância, se morou em zona rural ou urbana e se desenvolveu alguma atividade
em rios ou lagos. Os resultados mostraram que os trabalhadores, tanto na infância
como atualmente, têm contato com coleções de água.
Na entrevista, foi verificado se as atividades estão relacionadas com o lazer
ou o trabalho. Nenhum entrevistado afirmou desenvolver atividades ocupacionais
em que houvesse contato com água.
Foram perguntados também quanto ao conhecimento quanto a condição de
doente e se haviam ou não realizado exame de fezes anteriormente. Todos os
pacientes estudados referiram ter realizado exames de fezes anteriormente sendo
que 19 deles haviam passado por consulta ambulatorial com realização de exame
coproscópico há um ano ou menos. Na entrevista, os pacientes também responderam a questão: Fez algum tratamento anterior? Dos 20 pacientes entrevistados,
apenas dois responderam que sim, feita ainda mais uma pergunta para verificar a
presença de familiares doentes (“Há outra pessoa na família que tem ou teve esquistossomose”?),
obtivemos 11 pacientes respondendo não e nove respondendo sim.
No levantamento de sinais e sintomas através das fichas do SINAN, obtivemos
os seguintes dados: 12 pacientes (60%) não referiram sintomas da doença. Dentre
os 8 (oito) pacientes que responderam positivamente, referiram: dor abdominal
(seis); diarréia (quatro); cefaléia (quatro); diarréia e obstipação (dois); fezes com
estrias sangüíneas (dois); vômito (um) e hepatomegalia (um).
Os pacientes foram entrevistados, também, quanto às condições de moradia,
destino dos dejetos e ambiente próximo à residência. Os resultados encontram-se
apresentados na Tabela 2. Pesquisou-se a existência de familiares doentes e nove
indivíduos responderam positivamente.
Tabela 2
Condições de habitação dos pacientes com EM diagnosticados em 2004 e 2005
em Parauapebas, quanto ao destino dos dejetos e existência de coleções hídricas
no peridomicílio.
Fonte: Ficha complementar do SINAN.
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Os resultados a seguir foram obtidos a partir das entrevistas com os familiares
residentes na mesma casa, para avaliação do conhecimento sobre esquistossomose,
pacientes estes atendidos no ambulatório do Hospital Yutaka Takeda. O quesito
escolaridade, mostrou que 14 dos 20 entrevistados possuem 8 a 11 anos de estudo,
e apenas três pessoas relataram ter cursado ou estar cursando o ensino superior. Ao
avaliar respostas sobre naturalidade, observou-se que os familiares dos pacientes,
também na grande maioria, vieram de outros estados, sendo que apenas quatro
nasceram no Pará. Com relação à procedência, a maioria veio de regiões endêmicas,
de alta, média ou baixa endemicidade. As demais vieram de Goiás e Pará, que
possuem focos isolados. Com referência aos locais de procedência do Pará, observouse que Marabá, Itupiranga e o próprio município de Parauapebas são indenes.
Quanto à questão tempo de permanência em Parauapebas, apenas dois
pacientes estão há menos de um ano, 11 residem entre 1 a 9 anos e sete estão
há mais de 10 anos no município.
Com relação à doença que o parasita pode causar, 60% dos entrevistados
desconhecem que doença o parasita provoca. Os oito entrevistados que responderam positivamente citaram barriga d’água, xistosa, esquistossomose, inchaço,
desnutrição, infecção no fígado e baço.
Na Tabela 3, evidencia-se que os trabalhadores, tanto na infância como
atualmente, têm contato com coleções de água. Apenas dois na infância e três
adultos responderam negativamente a esta questão.
Tabela 3
Distribuição dos pacientes com esquistossomose e atendidos no ambulatório do Hospital
Yutaka Takeda, de acordo com a moradia em zona rural ou urbana e contato com águas
naturais, na infância e atualmente.
Fonte: Ficha complementar do SINAN.
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O resultado das entrevistas com os familiares com relação à forma de diagnosticar a doença mostrou que 85% dos entrevistados entendem ser através do
exame de fezes, três não sabiam, dois entendiam que fosse pela ultra-sonografia.
Nenhum entrevistado assinalou a alternativa urina.
Houve ainda a pergunta aos familiares sobre a melhor forma de prevenir a
transmissão da doença: 25% responderam não possuir conhecimento algum, os
demais responderam que para prevenção da doença deveriam evitar contato com
água dos rios, banho em igarapés, banho em locais onde possa existir o caramujo,
em rios aparentemente sujos que podem estar contaminados com a doença, utilizar
água tratada, tomar água filtrada, higiene no preparo dos alimentos. Outras respostas foram ainda: evitar lugares de enchentes, lavar bem as frutas e verduras, não
andar descalço perto de fossas e presença de saneamento básico.
4. DISCUSSÃO
Evidenciou-se a necessidade de um estudo sobre a situação epidemiológica
da esquistossomose no município de Parauapebas.
O número de casos investigados (20) em uma população de cerca de 100.000
habitantes é baixo para que se possa ter conclusão definitiva sobre a possibilidade
de instalação de foco ou não. O baixo número de casos notificados no Sistema de
Vigilância à Saúde em Parauapebas sugere subnotificação ou a metodologia
empregada para o diagnóstico não seja específica.
Não se conhecem outros estudos publicados sobre a esquistossomose em
Parauapebas ou localidades em municípios vizinhos. Em 2002, em trabalho de
levantamento das condições de saúde da população de Serra Pelada, no município
vizinho de Curionópolis, realizado por uma equipe de profissionais sob a coordenação de Dr. Carlos Corbett, no inquérito coproscópico, foi identificado apenas um
resultado positivo para Schistosoma mansoni entre 141 exames positivos para parasitas
intestinais (dados não publicados, informado em correio eletrônico em 20/05/2005).
O método de rotina utilizado no laboratório do hospital é o de sedimentação,
e não o de Kato-Katz (Katz et al.,1972), método de escolha para inquéritos
coproscópicos e investigações epidemiológicas (Rodrigues, 2005; Brasil, 2004).
Além disso, uma única amostra utilizada não é suficientemente adequada para
diagnosticar a esquistossomose em uma área considerada indene, apesar de a
emigração ser permanente. Sendo assim, a positividade encontrada nos exames
coproscópicos não foi considerada representativa da situação real. Considerando
o grande número de moradores em Parauapebas procedentes de regiões endêmicas,
a quantidade de exames positivos deve ser significativamente maior se utilizado o
método de Kato-Katz, utilizando-se de 3-6 exames por paciente, conforme o
recomendado por Bichara et al. (1997).
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A proposta inicial de estudarem-se os moluscos junto com a Vigilância à
Saúde de Parauapebas – Setor de Endemias não foi possível no presente trabalho.
Atualmente, encontra-se em fase final o projeto “Avaliação da situação de
saúde-doença de Carajás decorrente do ecossistema local e dos movimentos
migratórios da região”, trabalho envolvendo diferentes laboratórios do
Instituto Evandro Chagas, em convênio com a Companhia Vale do Rio Doce,
no qual um dos objetivos é esclarecer a epidemiologia de algumas doenças
tropicais, inclusive a esquistossomose.
A realização de exames coproscópicos com seis meses de antecedência a este
trabalho em 55% dos trabalhadores explica-se pelo fato de que, para diversas
ocupações, as empresas solicitam exames intervalares periódicos do trabalhador,
dependendo da função. Se o exame que resultou positivo fez parte do procedimento admissional, possivelmente o paciente realizou exame demissional antes de
ser desligado da empresa anterior.
Entendemos que o maior número de pacientes masculinos (95%) pode
estar relacionado com maior número de trabalhadores deste gênero. Nenhum
paciente com idade inferior a 19 anos foi identificado bem como não há
paciente que tenha nascido em Parauapebas, o que sugere uma explicação
para a não-autoctonia da doença.
As condições de saneamento básico em Carajás diferem em muito daquelas
observadas em Parauapebas. Embora Carajás seja considerada atualmente um
bairro de Parauapebas, 100% das residências recebem água tratada e o esgoto é
canalizado para uma estação de tratamento. Difere também quanto à possibilidade
de contato com água contaminada. Não existem em Carajás rios ou lagos para
atividades de lazer, impossibilitando, até o momento, o surgimento de criadouros
de moluscos vetores da esquistossomose. O mesmo não se dá no Núcleo de
Parauapebas, onde em sua periferia existem todas as condições ambientais
necessárias para o surgimento de criadouros de moluscos capazes de transmitir a
doença (Rodrigues, 2007, comunicação pessoal). Mesmo as condições de habitação
dos pacientes em geral não oferecem riscos de se contrair a doença, pois 95%
residem em área seca durante o ano todo e apenas um paciente reside próximo à
vala que transborda em época de chuva.
Interrogados sobre a trajetória realizada pelos pacientes, verifica-se que
todos são procedentes ou tiveram residência em áreas reconhecidamente endêmicas,
o que demonstra que os entrevistados fazem parte do contingente de migrantes
economicamente ativos, em busca de trabalho. O baixo número de entrevistados
se explica parcialmente pela condição dos trabalhadores que migram para
a região sozinhos, residindo em repúblicas ou quartos alugados, tendo como
companheiros colegas de serviço e não seu núcleo familiar.
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As atividades ocupacionais dos pacientes mostraram que, mesmo que houvesse transmissão da esquistossomose, não haveria risco de contaminação. Os
trabalhadores são contratados em Carajás para atuar em área de mineração e
atividades ligadas ao processo onde não há contato direto com a água, tanto nas
minas como na usina ou no transporte. Tais pacientes procuram o ambulatório
de Medicina do Trabalho para exames de Saúde Ocupacional; portanto, a
esquistossomose é um achado, sem queixas específicas do paciente na ocasião da
consulta. Os sintomas referidos são respostas induzidas durante o preenchimento
da ficha do SINAN.
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