MENINGORRADICULITE ESQUISTOSSOMÓTTCA ESTUDO ANTONIO DE CLÍNICO-LABORATORIAL SOUZA ANDRADE FILHO * DE TRÊS CASOS — ARISTIDES TRATADOS CHETO DE QUEIROZ ** R E S U M O — Os a u t o r e s a p r e s e n t a m t r ê s casos de m i e l o r r a d i c u l i t e p o r Schistosoma Mansoni, com avaliação c l í n i c o - l a b o r a t o r i a l , d i s c u t i n d o aspectos fisiopatológicos e s a l i e n t a n d o q u e o e s q u e m a t e r a p ê u t i c o m o s t r o u - s e eficaz. Schistosomic myeloradiculitis: clinical and laboratory study ot three treated cases. SUMMARY — T h e a u t h o r s p r e s e n t t h r e e cases of m y e l o r a d i c u l i t i s c a u s e d by Schistosoma Mansoni w i t h clinical a n d l a b o r a t o r y evaluation, discuss p h y s i o p a t h o l o g i c a l aspects, a n d s t r e s s t h e efficacy of t h e r a p e u t i c a l scheme a d o p t e d . A neuroesquistossomose ( N E ) é complicação não muito freqüente da esquistossomose e só mais recentemente, vêm sendo estudados aspectos anatomopatológicos 2,5,7,10,11,17^ nos quais são discutidos mecanismos do acometimento do sistema nervoso central. As melhores correlações clínicas são observadas em formas medulares, a resposta inflamatória granulomatosa ao ovo do «Schistosoma Mansoni» (S. Mansoni) sendo capaz de determinar formas paraplégicas de quadros compressivos medulares ou, mesmo, de mielite 3,8,9,14,15. Recentemente, casos de comprometimento medular ou de raízes nervosas têm sido descritos na ausência de lesões granulomatosas ao nível do tecido nervoso ou de meninge 3,8,16 associados à chamada síndrome do líquido cefalorraquidiano (LCR) na neuroesquistomossomose 6.18. o estudo do plexo coróide nesta doença trouxe subsídios para melhorar o atendimento da NE, com a demonstração da deposição de complexos imunes nesta estrutura 4,12,13, a exemplo do que já está bem demonstrado em relação ao glomérulo renal. Estes trabalhos permitem considerar que os depósitos podem ser responsáveis pelo aparecimento da doença medular em alguns casos de esquistossomose mansônica, levando a crer na existência de outro mecanismo de agressão ao tecido nervoso, além daquele causado pela reação granulomatosa à presença do ovo. Vivendo em área endêmica e dispondo de casos da doença, resulta oportunidade para avaliação clínica e laboratorial das complicações neurológicas da esquistossomose, dando ênfase ao papel da reação imunológica, ainda que duvidosa, na determinação das mielites e radiculites, cujos mecanismos ainda são desconhecidos. O presente trabalho mostra o estudo clínico-laboratorial de três casos de mielorradiculite esquistossomótica e sua evolução após tratamento clínico específico da parasitose. e CASUÍSTICA Caso 1 — BBSS, paciente com 47 anos de idade, do sexo masculino, natural de Salvador, Bahia, casado, lavrador. Apresentou-se com queixas de dor lombar ha 60 dias, acompanhada de dormência nos membros inferiores e impotência sexual, dificuldade de deambular T r a b a l h o realizado nos D e p a r t a m e n t o s de N e u r o p s i q u i a t r i a e de A n a t o m i a P a t o l ó g i c a e Medicina L e g a l d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d a B a h i a ( U F B a ) : * P r o f e s s o r A s s i s t e n t e , Mestre, Clínica N e u r o l ó g i c a ; ** P r o f e s s o r A j u n t o , N e u r o p a t o l o g i a . Dr. Antonio de Souza Andrade Filho — Departamento de Neuropsiquiatria, Faculdade de Medicina, UFBa - Av. Reitor Miguel C a l m o n s/n , Canela - 40000 Salvador BA Brasil. o e retenção urinária. O exame físico geral no internamento foi normal. Exame neurológico — Paraparesia crural, hipotonia, reflexos vivos bilateralmente, reflexos cutaneoplantares invertidos, anestesia superficial e profunda até nível de. L2. Exames complementares — Mielotomografia normal. Parasitológico de fezes: ovos de S. Mansoni. Intradermo-reação para esquistossomose: forte reator. Punção lombar com estudo do LCR: resultados na tabela 1. Evolução — Foi tratado com oxamniquina e corticoïde com regressão do quadro neurológico após 6 meses do tratamento. Caso 2 — HGC, paciente com 37 anos de idade, do sexo masculino, natural de Salvador, Bahia, branco, casado, corretor de imóveis. Há 8 meses, iniciou com dormência em ambos os pés que ascendeu às pernas e coxas, dificuldade de deambular. Desenvolveu ainda retenção urinária e fecal e impotência sexual. O exame físico geral no internamento foi normal. Exame neurológico — Paraparesia crural, hipotonia, reflexos vivos, cutaneoplantares invertidos, anestesia superficial e profunda até nível de T i l e LI. Exames complementares — Mielotomografia normal. Parasitológico de fezes: ovos de S. Mansoni. Intradermoreação para esquistossomose: forte reator. Punção lombar com estudo do LCR: resultados na tabela 1. Evolução — Foi tratado com oxamniquina e corticóide, havendo regressão do quadro neurológico após 6 meses do tratamento. Caso 3 — MCPF, paciente com 42 anos de idade, do sexo masculino, branco, casado, natural de Salvador, Bahia, agricultor. Há. 7 meses iniciou com dormência nas pernas, acompanhada de dificuldade de deambular e impotência sexual. Teve ainda retenção urinária e obstipação intestinal. O exame físico geral foi normal no internamento. Exame neurológico — Paraparesia crural, hipotonia, reflexos vivos, cutaneoplantares em flexão. Alteração da sensibilidade superficial e profunda até nível de L3-L4. Exames complementares — Mielotomografia normal. Parasitológico de fezes: ovos de S. Mansoni. Intradermo-reação para esquistossomose: forte reator. Punção lombar com estudo do LCR: resultados na tabela 1. Vide resumo dos casos na tabela 2. COMENTÁRIOS 4 9 As formas medulares da esquistossomose, antes consideradas raras « , tornam-se cada vez mais freqüentes à medida que investigações clínico-laboratoriais são feitas em pacientes com síndromes medulares e radiculares, particularmente nas áreas endêmicas da parasitose. iNosso estudo chama a atenção para este fato, mostrando três casos documentados laboratorialmente e cuja evolução foi inteiramente favorável, com regressão dos sintomas medulares 6 meses após o uso da medicação específica para esquistossomose i. Vale, portanto, enfatizar o benefício que pode ser levado a estes pacientes, no momento em que é feito o diagnóstico precoce. As formas radiculares da esquistossomose, como em nossos casos, estão provavelmente relacionadas a fenômenos imunoalérgicos como mecanismo básico de agressão a raízes nervosas. Provavelmente a deposição de complexos imunes ao longo de raízes desencadearia o processo inflamatório lesionai. A resposta favorável com o uso de corticóide fortalece este tipo de raciocínio. A possibilidade de que, em nossos casos, a lesão seja determinada pela presença de ovos e granulomas é mais remota pois, por este mecanismo, os quadros clínicos observados são de secção ou compressão medular. Há, portanto, que se chamar a atenção para esta forma radicular da esquistossomose mansônica, cujo mecanismo determinante parece estar ligado a fenômenos imunoalérgicos da parasitose ao nível das raízes nervosas, a qual pode ser mais freqüente que se imagina. Deve-se lembrar que, nestas formas, a evolução é inteiramente favorável com o tratamento específico. REFERÊNCIAS 1. Bina JC. Drogas esquistossomicidas. Rev Méd Bahia 1977, 23 : 208-222. 2. Branco Corrêa RL, Braz Lima JM, Alencar A, Constantino Bastos IC, Duro LA. Comprometimento neurológico na esquistossomose mansônica. Rev Bras Neurol 1983, 19 : 101-104. 3. Canelas HM, Aidar O, Campos EP. Esquistossomose com lesões meningo-radiculo-me-¬ dulares. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1951, 9:48-55. 4. Chitiyo ME.' Schistosomal involvement of the choroid plexus. Central Af J Med 1972, 18:45-47. 5. Homem Pitttella JE. Astrocytes of the cerebral cortex hepatosplenic Schistosomiasis Mansoni and in liver cirrhosis. Wirchows Arch (Pathol Anat) 1981, 390:229-241. 6. Livramento JA, Machado LR, Silva LC, Spina-França A. Síndrome do líquido cefalor-¬ raqueano na neuroesquistossomose. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1985, 43:372-377. 7. Marcial-Rojas RA, Fiol RE. Neurologic complications of schistosomiasis. Ann Intern Med 1963, 59:215-230. 8. Oliveira C, Alencar A. Esquistossomose da medula: apresentação de um caso. Revisão da literatura fisiopatológica e clínica. J Bras Neurol 1964, 16:91-111. 9. Perpétuo FOL, Rodrigues PA. Esquistossomose medular. Rev Assoc Med Minas Gerais 1973, 24:173-178. 10. Ponde E, Chaves E, Sena PG. Esquistossomose medular. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1960, 18:166-175. 11. Queiroz AC. O envolvimento do sistema nervoso central na esquistossomose mansônica. Rev Pat Trop 1974, 3:255. 12. Queiroz AC. Lesão do plexo coróide na esquistossomose mansoni. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1981, 39:317-320. 13. Queiroz A. Estudo do plexo coróide na esquistossomose mansônica: relação de aspectos proteicos com a presença de glomerulonefrite associada. Art Méd Port 1984, 5 :219-221. 14. Ribeiro Galvão AC. Mielopatias esquistossomóticas. Dissertação de Mestrado 1983. São Paulo: USP. 15. Salomão J F , Duarte F, Ancilon M, Paola F, Almeida S Filho. Esquistossomose medular: forma tumoral. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1987, 45:312-321. 16. Scaff M, Riva D, Spina-França A. Meningorradiculomielopatia esquistossomótica. Arq Neuro-Psiquiat (São Paulo) 1971, 29:227-233. 17. Serimgeour EM, Gajdusek C. Involvement of the central nervous system in Schistosso-¬ ma mansoni and S. Haematobium infection. Brain 1985, 108 : 1023-1038. 18. Spina-França Neto A, Amato Neto V. O líquido cefalorraquidiano na esquistossomose mansoni. Rev Paul Med 1955, 46 : 274-281.