Alergia ao latex - Luzimar Teixeira

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Texto de apoio ao curso de Especialização
Atividade física adaptada e saúde
Prof. Dr. Luzimar Teixeira
Alergia ao látex em pacientes portadores de mielomeningocele
ANTÔNIO CARLOS FERNANDES
SIMONE DE OLIVEIRA BITTENCOURT BITU
FRANCISCO HÉLIO VIOLANTE JÚNIOR
INTRODUÇÃO
O látex é um composto derivado da planta Hevea brasiliensis, que contém proteínas, lipídios,
aminoácidos, nucleotídeos, co-fatores e cis-1,4-poliisopreno. Há entre 2 a 3% de proteína livre
residual, que parece ser o agente antigênico(1-6). Essa proteína livre, também chamada
heveína, existe em grande quantidade nas luvas cirúrgicas, consideradas como fator
determinante do aumento da sensibilização ao látex. A quantidade de heveína das luvas pode
variar em 3.000 vezes entre as diferentes marcas(5).
Os primeiros relatos de alergia ao látex usado na fabricação de luvas cirúrgicas foram
apresentados por Nutter, em 1979; as manifestações clínicas variavam desde dermatite de
contato até a anafilaxia(1-2,4,6-9).
Além das luvas, o látex está presente em inúmeros objetos, muitos de manuseio médico,
como garrotes e cateteres. Outros numerosos objetos de uso habitual, como chupetas, mamadeiras, brinquedos, balões, cosméticos e roupas, também contêm látex em sua
composição(5,10).
A alergia ao látex foi recentemente identificada como um problema de saúde pública mundial.
Tem maior incidência em pacientes com mielomeningocele, malformações geniturinárias,
profissionais de saúde, trabalhadores das indústrias que manipulam a substância, pacientes
atópicos e nos que são submetidos a múltiplos procedimentos cirúrgicos ao longo da vida.
Esses pacientes são considerados de alto risco(1,6,11).
As manifestações clínicas variam desde rinite, conjuntivite, dermatite de contato, até reações
sistêmicas leves, moderadas ou graves, como anafilaxia(4,9).
Alguns autores afirmam que existe relação entre os sistemas imunológico e nervoso,
resultando em maior sensibilização em pacientes com distúrbios neurológicos, como a mielo-
meningocele(12-14). Além disso, a sensibilização ocorre ao longo dos anos e tem relação
com o número de procedimentos cirúrgicos realizados(7,15); muitos pacientes com
mielomeningocele têm história de múltiplos procedimentos cirúrgicos e, alguns deles, antes do
primeiro ano de vida(8).
Os pacientes com mielomeningocele têm risco de anafilaxia em procedimento cirúrgico 500%
maior do que a população em geral. Entre 28 e 67% dos pacientes com mielomeningocele
têm anticorpos IgE específicos ao látex, mas nem todos têm manifestações clínicas de
hipersensibilidade ao látex. Infelizmente, a primeira reação pode ser anafilaxia durante
procedimento médico no centro cirúrgico ou outro local do hospital. História de doença
atópica, como asma, alergia a alimentos, anafilaxia ou urticária relacionados ao contato com
látex, ajuda a identificar os pacientes com mielomeningocele e alto risco de anafilaxia(11).
A FDA (United States Food and Drug Administration) recomenda que todos os pacientes
sejam questionados sobre alergias prévias ao látex, principalmente os portadores de
mielomeningocele e os demais pertencentes aos grupos de risco, além de preconizar o uso de
ambiente desprovido de látex para os casos confirmados ou suspeitos(1).
O objetivo deste estudo é mostrar a prevalência de alergia ao látex em pacientes com
mielomeningocele e verificar se a prevalência de sensibilização aumenta com a idade.
MÉTODOS
Foram avaliados 187 pacientes portadores de mielomeningocele, em acompanhamento na
AACD, com idade entre seis meses e 35 anos, sendo a média de sete anos e três meses.
Noventa e oito pacientes (52,4%) eram do sexo feminino e 89 (47,6%), do masculino.
Os pacientes tiveram amostra de sangue retiradas e submetidas a teste em equipamento
uniCAP® da Pharmacia & Up-john, usando um antígeno do látex (K82) para detectar resposta
de anticorpos IgE específicos, através do método enzimaimunofluorimétrico (FEIA).
Os resultados qualitativos foram interpretados em classes, de acordo com a metodologia do
laboratório. Estas variaram de 0 a 4: classe 0 – indetectável; classe 1 – fraco; classe 2 –
moderado; classe 3 – forte; classe 4 – muito forte.
Consideramos por meio dessas classes dois grupos de pacientes: não alérgicos (classes 0 e
1) e alérgicos (classes 2, 3 e 4). Os grupos tiveram suas idades comparadas através do teste
estatístico de Mann-Whitney. Adotou-se como valor de significância p ≤ 0,05.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da AACD sob o no 65/2005.
RESULTADOS
Os resultados obtidos estão descritos nas tabelas 1 e 2.
DISCUSSÃO
Crianças com mielomeningocele são consideradas como uma população de alto risco para
desenvolver reações alérgicas ao látex. Kelly et al e Grayhack et al relataram que essas
crianças têm risco 500% maior de anafilaxia intra-operatória provocada pelo látex(11,16).
As crianças com mielomeningocele parecem ser diferentes das outras populações de risco
por dois motivos: primeiro, porque têm anticorpos a diferentes antígenos do látex,
provavelmente porque foram sensibilizadas por diferentes proteínas do látex durante
procedimentos cirúrgicos; segundo, porque têm um nível significativamente maior de
sensibilização e alergia. Explicações para essa alta prevalência incluem predisposição
genética, reações neuroimunes alteradas, exposição meníngea ao látex associada aos
múltiplos procedimentos de derivação ventricular e efeitos inflamatórios da endotoxina
presente no pó das luvas. A explicação mais comum tem sido a freqüente exposição mucosa
e parenteral, possivelmente associada com a exposição ao alérgeno das luvas, desde a
instituição de Precauções Universais(5,16-17).
A hipersensibilidade ao látex é causada gradativamente por exposições múltiplas aos
alérgenos contidos nesse material decorrentes do seu sucessivo contato com as superfícies
mucosas do paciente(2,18).
Sabemos que os pacientes com mielomeningocele são submetidos a vários procedimentos
cirúrgicos ao longo da vida, desde o nascimento, quando é feito o fechamento da bolsa,
seguido por procedimentos neurocirúrgicos, urológicos e ortopédicos, além do uso freqüente
de sondagem vesical, o que promove a sensibilização(3,15-17).
As luvas cirúrgicas estão diretamente relacionadas com essa sensibilização, pois, além da
grande quantidade de heveína que elas contêm, o talco ou similar em sua superfície funciona
como veículo de liberação das proteínas do látex(7).
Os pacientes com hipersensibilidade ao látex parecem ser alérgicos a múltiplos agentes(9);
69% são atópicos e freqüentemente têm reação cruzada com frutas (banana, mamão, abacate, kiwi, abacaxi, maracujá, cereja e melancia)(19). Kim et al confirmaram a prevalência de
reações cruzadas com vários alimentos: banana (18,3%), abacate (16,3%), kiwi (12,2%),
peixe (8,1%), tomate (6,1%), melancia, pêssego e cenoura (4,1%), maçã, castanha, cereja,
coco, damasco e morango (2%)(20).
As reações alérgicas provocadas pelo látex podem ser de hipersensibilidade tipo I e IV(5).
A reação anafilática pode ser o primeiro sinal de alergia ao látex, sem sintomas alérgicos
previamente(17).
As manifestações clínicas podem ser divididas em quatro grupos, de acordo com a gravidade,
segundo classificação modificada por Mueller(1,8).
Kwittken et al referem que a incidência de hipersensibilidade está aumentando nas crianças e
que a gravidade da reação pode não ter relação com os níveis circulantes de IgE, como
também pode não haver história clínica de alergia previamente. Eles encontraram história
clínica de alergia ao látex em 18 dos 35 pacientes analisados (51,4%); referem ainda que,
para muitos pacientes/cuidadores, os sintomas não fo-ram reconhecidos como alergia ao
látex(8).
Outros estudos mostraram que 29 a 73% das crianças com mielomeningocele são
sensibilizadas pelo látex, com presença de anticorpos séricos específicos. A prevalência de
sintomas clínicos de alergia, determinados através da história dos pacientes, varia de 9,7 a
72%(16).
A dosagem de IgE sérica específica para o látex está indica-da para todos os pacientes com
história de reação a seus derivados. Pode haver falso-positivo (níveis elevados de IgE
antiheveína sem que o paciente seja atópico). Da mesma forma, indivíduos com alergia ao
látex podem apresentar valores baixos de IgE anti-heveína, quando toda IgE específica
estiver unida a mastócitos e basófilos. A dosagem de IgE sérica pode ser negativa em 20 a
45% dos pacientes com testes de puntura positivos. Nos casos falso-negativos, com história
clínica de hipersensibilidade ao látex, um teste cutâneo deve ser realizado (5).
Alguns autores propõem que se pesquise alergia ao látex em todo paciente com história de
reação anafilática/anafilac-tóide durante anestesia, devido à alta incidência (4-11%)(19).
Yassin et al encontraram 64,5% de alergia ao látex em pacientes com mielomeningocele e
preconizam que se evite qualquer produto com látex nesses pacientes(18); Ellssworth et al
referem 60%(7); Cremer et al, 40,5%(17); e Slater et al, 34%(3). Em nosso estudo
encontramos 29,5% dos pacientes com mielomeningocele e alergia ao látex.
A única maneira de evitar essa sensibilização é suprimindo o contato com látex em todos os
pacientes de alto risco, em que estão incluídos os portadores de mielomeningocele(18).
Um ambiente sem látex apresenta um custo significativamente elevado. Como exemplo,
podemos citar as luvas cirúrgicas. Um par de luvas sem látex tem seu custo 1.191% mais
elevado que um par de luvas de látex. Isso inviabiliza no Brasil o que propõem alguns autores:
fazer a profilaxia da sensibilização evitando-se completamente o contato com látex desde
o nascimento em todos os pacientes com mielomeningocele em todos os procedimentos
cirúrgicos realizados. Mas podemos e devemos ensinar pais, pacientes, cuidadores e
profissionais da saúde sobre o problema e oferecer um ambiente sem látex aos casos
confirmados de alergia, evitando-se, as-sim, as graves complicações já citadas.
CONCLUSÃO
A prevalência de alergia ao látex em portadores de mielomeningocele é alta e a sensibilização
ao látex aumenta de acordo com a idade do paciente.
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