CASOS CLÍNICOS – Doenças autoimunes 1. MSS, uma senhora de cerca de 30 anos de idade, foi a uma clínica reumatológica queixando de forte dor nas mãos, com piora na parte da manhã. Outros sintomas incluíam fadiga, febre baixa, perda de peso (cerca de 2 kg) e dor no peito. MSS havia retornado recentemente de férias no litoral e relatou o uso de contraceptivo oral. Além disso, ela relatou anemia hemolítica autoimune há 2 anos atrás. Ao exame, notou-se eritema maculopapular na face e tórax e alopecia. Notou-se a presença de úlceras no palato. As articulações interfalangianas proximais estavam moderamente edemaciadas. As outras articulações não estavam afetadas, porém ela relatou dor muscular por todo o corpo. O resultado de alguns exames é mostrado abaixo: EXAME Radiografia das mãos Radiografia do tórax Hemoglobina PCR VHS Prova do látex para fator reumatóide IgG sérico FAN (fator antinuclear) Anticorpo anti-DNA de dupla fita RESULTADO Tecido edemaciado, ausência de erosão Derrame pleural na base do pulmão direito 8,0 g/dL (VR (mulher): 12,0-16,0 g/dL 48 mg/dL (VR: prova do látex < 6 mg/dL) 30 mm/hora (VR - mulher: até 15 mm/hora) < 50 UI/mL (VR: prova do látex <50 UI/mL) 1600 mg/dL (VR> 18 anos: 672-1440 mg/dL) 1/320 (VR para RIFI usando como substrato células Hep-2: título até 1/20) 1/160 (VR: 1/20 por ELISA) Foi feito o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a paciente foi tratada com cloroquina, um agente anti-malárico. Foram feitos alguns exames, que são mostrados abaixo: EXAME Uréia Creatinina Urina rotina RESULTADO 65 mg/dL(VR: 10-45 mg/dL) 3 mg/dL (VR: 0,5-1,4 mg/dL) Proteinúria 3+ (VR: negativo), 20-30 hemácias por campo (VR: 3-5 hm/campo), traços de glicose (VR: ausência de glicose) Foram prescritos um corticosteroide e um agente anti-hipertensivo, o que provocou melhora do quadro renal. O médico aconselhou-a com relação a métodos anticoncepcionais e gestações e foram combinados exames periódicos. Questões: a- Que anticorpo nesta paciente é altamente sugestivo de LES? O diagnóstico pode ser feito somente pela presença deste anticorpo? b- A que se devem os baixos níveis de C3 e C4 do complemento em pacientes na fase ativa do LES? E a anemia hemolítica relatada há 2 anos? c- Citar 2 fatores presentes em pacientes com LES que atrapalham a remoção dos imunocomplexos. d- Citar 2 fatores ambientais que podem ter sido responsáveis pela exacerbação dos sintomas desta paciente. e- Sabendo que a paciente relatou 1 parto prematuro e 1 aborto, a que anticorpo você associa esses 2 fatos? f- Que manifestação osteoarticular está ausente nessa paciente e é comumente encontrada em pacientes com artrite reumatóide? g- Vários fatores genéticos podem provocar redução da remoção de IC. A menor eliminação dos IC tem alguma relação com a patologia renal? Explicar. h- Como são pesquisados os anticorpos antinucleares? Por que se fala que a ausência destes Ac faz com que o médico suspeite do paciente ter LES? Por que anticorpos diferentes provocam a formação de padrões diferentes na RIFI? i- Por que recém-nascidos de mães com lúpus podem apresentar alguns sinais da doença após o nascimento? 2. JJA, uma senhora de 45 anos de idade, foi ao médico queixando de dor e rigidez dos punhos e dedos. Muitos anos antes ela havia tido sintomas semelhantes, sendo que eles haviam voltado durante a última gestação. Ela relatou que desde o nascimento de seu filho ela tinha dificuldade em executar atividades manuais (costura, etc). A rigidez era pior durante a manhã, embora suas mãos doessem durante todo o dia. Recentemente ela também notou formigamento do polegar e de dois dedos de ambas as mãos, o que se tornava pior à noite. Ao exame, ela tinha edema do punho, articulações metacarpo falangianas e inter falangianas e desvio ulnar dos dedos. Não havia evidência de atrofia muscular e as outras articulações não estavam comprometidas. Os resultados dos exames são mostrados abaixo: EXAME Hemoglobina Global de leucócitos PCR Prova do látex para fator reumatóide Anticorpos anti citrulina: 100 unidades Anticorpos antinucleares Nível de C3 e C4 RESULTADO 12,0 g/dL (VR mulher: 11,7-15,7 g/dL) 7.000 mm3 (VR - mulher: 4-11.000 mm3 48 mg/dL (VR: prova do látex < 6 mg/dL) 400 UI/mL (VR – prova do látex: 50 UI/mL) Valor de referência: - Não reagente: inferior a 20 Unidades. - Fracamente reagente: entre 20 e 49 Unidades. - Moderadamente reagente: entre 50 e 79 Unidades. - Fortemente reagente: superior a 80 Unidades. 1/40 (VR para RIFI usando como substrato células Hep-2: título até 1/20) C3: 100 mg/dL (VR: 90-200 mg/dL) C4: 25 mg/dL (VR: 15-45 mg/dL) Foi feito o diagnóstico de artrite reumatóide e o médico prescreveu aspirina. Essa prescrição provocou alívio de alguns sintomas, porém levou a irritação gástrica. JJA retornou ao médico 3 meses mais tarde relatando piora dos sintomas nas mãos e envolvimento dos dois joelhos. Ao exame, as articulações metacarpofalangianas estavam inchadas e havia derrame nos dois joelhos. Foi prescrito indometacina para controlar o derrame e a aspirina foi retirada. 9 meses mais tarde, a paciente desenvolveu nódulos subcutâneos bilaterais nas superfícies extensoras dos antebraços. A sensação de formigamento nas mãos havia progredido para forte dor e entorpecimento. Foi notado eritema palmar bilateral. A análise do soro foi positiva para fator reumatóide e negativa para anticorpos antinucleares. Ela tinha anemia microcítica, porém leucograma normal. A proteína C reativa e o VHS estavam aumentados e o complemento normal. O exame radiográfico dos punhos e mãos mostrou erosão nas articulações metacarpofalangianas. O tratamento foi trocado para ibuprofeno (anti-inflamatório não esteróide) e recomendou-se fisioterapia. Questões: a- Citar as alterações que permitiram fazer o diagnóstico de AR (basear nos critérios da ACR/EULAR – 2010). b- Em sua opinião, os critérios da ACR/EULAR – 2010 apresentam alguma vantagem em relação aos critérios da ACR 1987 para o diagnóstico precoce e prognóstico de pacientes com AR? c- Que outras manifestações extra-articulares são vistas em pacientes com AR? d- Citar 4 achados clínicos e/ou laboratoriais que sugeriram que a doença estava evoluindo mal e- A ausência de fator reumatoide exclui o diagnóstico de AR? Explicar baseado nos critérios da ACR/EULAR - 2010. 3- Uma mulher de 29 anos apresentava bom estado de saúde até o dia em que percebeu que havia perdido a visão em seu olho esquerdo. Seu médico a encaminhou a um neurologista que observou que o seu movimento ocular estava normal e não era acompanhado por dor. Sua retina estava normal e um exame neurológico detalhado não mostrou nenhuma alteração. Foi feito um potencial evocado visual que mostrou alteração e o neurologista diagnosticou neurite óptica. Sua história familiar mostrou que sua mãe tinha Esclerose Múltipla grave e estava inválida e uma imagem por ressonância magnética (IRM) do cérebro foi solicitada. Foi prescrito um tratamento de 5 dias com a administração intravenosa de corticosteróide e sua visão voltou ao normal após 3 semanas. A IRM mostrou múltiplas lesões na substância branca do cérebro. A injeção intravenosa de Gadolínio (contraste que extravasa para tecidos recém-inflamados) mostrou que algumas das lesões cerebrais eram, provavelmente, de origem recente. O neurologista alertou a paciente que ela tinha grande chance de desenvolver EM e a aconselhou a retornar para a realização freqüente de exames neurológicos. A paciente permaneceu bem por 3 anos e então desenvolveu fraqueza muscular no lado esquerdo da face. A nova IRM com Gadolínio identificou novas lesões. O líquido cérebro-espinhal foi obtido por punção lombar e foi analisado, como mostrado a seguir: Dosagem de proteínas: 28 mg/dL (VR proteínas: até 40 mg/dL para punção lombar) IgG no líquor: 8 mg/dL (VR IgG no líquor: 0,3-3,0 mg/dL) Linfócitos: 8 linfócitos/mL (Normal: 0-4 linfócitos/mL) Eletroforese de proteínas do líquor: Resultados da paciente Valor de referência a) pré-albumina: 4,0 % a) pré-albumina: 3,0 a 7,0% b) albumina : 60,0% b) albumina : 45,0 a 70,0% c) alfa 1 : 3,0 % c) alfa 1 : 3,0 a 7,0% d) alfa 2 : 6,0 % d) alfa 2 : 5,0 a 11,0% e) beta : 8,0% e) beta : 7,0 a 13,0% f) gama : 15,0% f) gama : 5,0 a 12,0% - Presença de bandas oligoclonais - Bandas oligoclonais: ausentes Nesse período, foi feito o diagnóstico de EM. Outro tratamento com corticosteróide foi administrado por 5 dias e os sintomas melhoraram. Injeções intramusculares semanais de IFN- foram iniciadas para evitar a progressão da doença. A paciente permaneceu bem por mais 3 anos após os quais ela desenvolveu fraqueza nas pernas e na mão esquerda. Além disso, ela passou a ter dificuldade na fala e desenvolveu nistagmo (oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou ambos os olhos) e ataxia. O médico prescreveu novo tratamento com corticosteróide, novamente com melhora dos sintomas, com recorrência após 8 meses. O tratamento com IFN-foi interrompido e ela começou a tomar altas doses de ciclofosfamida e corticosteróide com intervalos mensais. Após 3 meses, as injeções destes medicamentos foram reduzidas gradualmente a cada 12 semanas. Seu exame neurológico normalizou e não foram observadas novas lesões na IRM com Gadolínio. Questões: 1- A que se deve a presença de bandas na região gama da eletroforese do LCR? 2- As doenças autoimunes são geralmente heterogêneas e multi-fatoriais. Citar 3 fatores que podem aumentar a susceptibilidade à EM. A taxa de concordância da EM é de 30-50% em gêmeos idênticos e de apenas 2-5% em gêmeos fraternos. O que isso indica com relação aos fatores genéticos e ambientais relacionados à susceptilidade? 3- O que é mimetismo molecular? Esse mecanismo poderia estar envolvido na patogenia da doença? Comentar. 4- Por que são importantes o diagnóstico e tratamento precoce da EM? 5- Por que a doença pode apresentar alterações tão diferentes durante sua evolução (fala, audição, marcha, etc)?