Sheila Regina Andrade Ferreira RELAÇÃO PROPRIETÁRIO-CÃO DOMICILIADO: ATITUDE, PROGRESSIVIDADE E BEM-ESTAR Tese apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciência Animal, área Medicina Veterinária Preventiva, sob orientação do Professor Dr. Ivan Barbosa Machado Sampaio. Belo Horizonte Escola de Veterinária - UFMG 2009 1 2 Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Veterinária A Banca Examinadora abaixo assinada aprova a tese de doutorado RELAÇÃO PROPRIETÁRIO-CÃO DOMICILIADO: ATITUDE, PROGRESSIVIDADE E BEM-ESTAR --------------------------------------------------Prof. Dr. Ivan Barbosa Machado Sampaio (Presidente/Orientador) ---------------------------------------------------Prof. Dr. Vanner Boere ----------------------------------------------------. Profª Dra. Vanusa Patrícia de Araújo Ferreira ----------------------------------------------------Prof. Dr. Nelson Rodrigo da Silva Martins ----------------------------------------------------Prof. Dr. Paulo Roberto de Oliveira Belo Horizonte, 05 de março de 2009 3 4 Aos grandes amores de minha vida Walter, Fernanda e Gustavo 5 6 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus e aos seus prepostos a realização de mais uma conquista em minha vida. Ao meu orientador, professor emérito Ivan Barbosa Machado Sampaio, pela paciência, dedicação e precisos ensinamentos que revelaram a sua competência e maestria. Ao professor Dr. José Newton pelas críticas pertinentes e pela sua atenção durante todo o curso de doutorado. A querida amiga do coração Maria do Carmo Verza Sartori pela preciosa amizade e valioso incentivo. Ao inteligente, sensível e afetuoso cão Leo of Nashville, pelos ensinamentos e companheirismo durante esta trajetória marcante em minha vida. A todos os proprietários e cães que participaram no fornecimento de dados para esta pesquisa. Aos funcionários da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte pela oportuna colaboração que propiciou a seleção das residências visitadas. Aos amigos e todas as pessoas que me ajudaram e incentivaram. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa de estudo concedida. Finalmente, agradeço aos autores consultados e citados, muitos pioneiros da ciência bem-estar animal, que subsidiaram o conhecimento teórico e empírico empregado na elaboração desta tese. 7 8 A verdadeira ciência deve ter como finalidade tornar melhores os homens. Eis a nova estrada que precisa ser palmilhada. Pietro Ubaldi Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Neste dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a humanidade. Leonardo Da Vinci 9 10 SUMÁRIO 1. 2. 2.1. 2.1.1. 2.1.2. 2.1.3. 1.1.4. 2.2. 2.2.1. 2.3 2.3.1. 2.3.2. 2.3.3. 2.3.4. 3. 3.1. 3.2. 3.2.1. 3.3. 3.4. 3.5. 3.5.1. 3.5.1.1. 3.5.1.2. 3.5.1.3. 3.5.2. 3.5.3. 3.5.3.1. 3.5.3.2. 3.5.3.3. 3.5.3.4. 3.5.4. 3.5.4.1. 3.5.4.2 3.6. 3.7. RESUMO . ABSTRACT 15 16 INTRODUÇÃO FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA BEM-ESTAR ANIMAL Sentimento e bem-estar Necessidade e motivação Estresse e bem-estar A dimensão do sofrimento animal AVALIAÇÃO DO BEM-ESTAR ANIMAL Definição de indicadores A RELAÇÃO HOMEM-ANIMAL Os benefícios da relação O cão no contexto familiar e o bem-estar mútuo A relação afetiva As implicações da relação 17 21 22 26 29 33 39 43 51 53 56 61 64 66 79 80 80 80 81 81 82 82 82 82 82 82 85 85 86 86 87 87 88 88 91 92 METODOLOGIA HIPÓTESE LOCAL DE ESTUDO Caracterização do município AMOSTRA PROCEDIMENTOS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS Formulários Formulário socioeconômico Formulário do sistema de criação Formulário da Avaliação Física e Comportamental do animal Observação direta Questionário Atitudes e progressividade Técnica de mensuração Elaboração e execução Medição da fiabilidade Determinação da condição corporal canina Índice de condição corporal Índice de massa corporal canino DEFINIÇÃO DOS INDICADORES DE BEM-ESTAR ANÁLISE DOS DADOS 11 3.71. 3.7.2. 3.7.3. 4. 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 4.5. 4.6. 4.7. 4.8. 5. 6. 7. Formulários Questionário Análise multivariada de correspondência múltipla RESULTADOS E DISCUSSÃO IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA SISTEMA DE CRIAÇÃO OBSERVAÇÃO DIRETA NECESSIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA INDICADORES DE BEM-ESTAR PROGRESSIVIDADE E ATITUDE ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIA MÚLTIPLA A RELAÇÃO HOMEM-ANIMAL CONCLUSÕES CONSIDERAÇÕES FI NAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 92 93 93 95 95 100 106 107 110 120 127 136 139 139 145 QUADRO Quadro 1 Índice de condição corporal para caninos, Laflamme (1997) 89 Quadro 2 Índice de massa corporal de cães de médio porte (Müller, 2007) 91 Quadro 3 Graduação dos indicadores de bem-estar, da condição Corporal segundo Laflamme (1997) e caracterização do bemestar de acordo com as graduações 111 FIGURAS Figura 1 Medição da estatura do cão 90 Figura 2 Representação gráfica dos proprietários de cães, segundo as coordenadas de atitude e progressividade 121 Figura 3 Representação gráfica das variáveis selecionadas, segundo os eixos 1 e 2 na análise multivariada de correspondência múltipla 129 12 TABELAS Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Identificação dos cães residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte- MG. 2007 97 Características socioeconômicas dos proprietários residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - 2007 98 Características do sistema de criação utilizado por proprietários de cães de estimação residentes na Região da Pampulha Belo Horizonte - MG - 2007 102 Freqüência das variáveis referentes às necessidades físicas e psicológicas de cães de estimação residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - MG - 2007 107 Freqüência das variáreis referentes aos indicadores de bem-estar de cães de estimação residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - MG. 2007 112 Perfil da condição corporal de cães residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte- MG. 2007 112 Freqüência relativa de respondentes que concordaram, ou não tinham opinião formada sobre as questões referidas à progressividade e atitude em relação ao bem-estar animal 122 Valores da inércia nos eixos 1, 2 e 3 análise de correspondência múltipla. Inércia total de 62% 128 Valores das coordenadas da análise de correspondência múltipla e freqüência relativa (%) das variáveis estudadas referente aos cães de estimação da Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - MG - 2009 130 13 14 RESUMO O objetivo principal deste estudo foi verificar alguns aspectos da associação entre a relação homem-animal e o bem-estar do cão. Foram estabelecidas as relações funcionais entre as condições de criação de 60 cães, a progressividade e a atitude de seus proprietários e o bemestar animal, por meio de análise multivariada de correspondência múltipla. O modelo de investigação utilizado na pesquisa foi do tipo exploratório de caráter descritivo com pesquisa de campo. Para avaliar os aspectos de uma população definida em um determinado momento, realizou-se um inquérito e observações das condições de criação de cães domiciliados. A seleção das residências foi realizada de modo fortuito e sistemático, visando obter variabilidade do tipo de residência e diversidade socioeconômica dos participantes. A índole, o estado de tranqüilidade e a avaliação corporal foram os três indicadores utilizados para a avaliação do bem-estar animal. O cão simultaneamente manso, tranqüilo e com condição corporal ideal foi considerado desfrutar do bem-estar adequado. Exatamente 83,3% dos cães investigados eram mansos, 90% eram tranqüilos e 60% apresentavam condição corporal ideal. Entretanto, apenas 43,3% da população canina experimentava bem-estar adequado por ocasião da entrevista. Dentre os três indicadores utilizados, condição corporal e estado de tranqüilidade mostraram-se ser indicadores mais apropriados para medir o bem-estar pobre que o bem-estar adequado. A agressividade apresentou fraca associação com as demais classes de variáveis analisadas. Concluiu-se que a progressividade, a atitude positiva e o comprometimento do proprietário com os cuidados necessários para proporcionar uma boa qualidade de vida ao cão, não foram suficientes para favorecer o bem-estar de quase metade da população estudada. Palavras-chave: cão, vínculo homem-animal, bem-estar animal, vínculo afetivo, problemas de comportamento. 15 ABSTRACT The objective of this study was to verify the eventual association between man-dog relationship and the animal welfare. Relationships among raising conditions of 60 dogs, owner’s progressiveness and attitude and animal welfare were studied through multiple correspondence analysis. The investigation model used in the research was of the exploratory type of descriptive character with field research. To evaluate the target population, data were collected at households through an inquiry. Residences were selected according to a systematic sampling procedure covering type of residence and socioeconomical levels. Behavior, peacefulness state and body state evaluations were the three indicators used for measuring animal welfare. Dogs simultaneously tame, peaceful and with ideal body condition were considered to experience appropriate welfare. Exactly 83,3% of the investigated dogs were tame, 90% were peaceful and 56,6% presented ideal body condition. However, only 43,3% of the canine population could be classified as under appropriate welfare during interviews and clinical evaluation. Among the three used indicators, corporal condition and state of peacefulness were shown to best characterize poor welfare rather than appropriate welfare. The aggressiveness presented a jweak association with other variables. Results suggested that progressiveness, positive attitude and the owner’s attention and care to provide a good life quality to his dog, did not imply in its adequate welfare, in nearly half of studied population. Key-words: dog, pet-human bond, animal welfare, attachment; behavior problems. 16 1. INTRODUÇÃO Decorreram milênios até que o lobo selvagem se tornasse o companheiro do homem. Inicialmente, durante o processo de domesticação, a relação foi ditada principalmente por considerações utilitárias, e progressivamente, a nova espécie Canis familiaris foi assumindo um papel social significativo na vida das pessoas. Contudo, apesar do cão ser um ser sociável e gregário, ainda partilha seu comportamento com o lobo. A domesticação somente atenuou algumas características do lobo e evidenciou outras. Estes carnívoros mostram-se favoravelmente reprimidos pela cultura humana; o progresso que realizam conduzidos pelo homem é transitório e puramente individual, pois quando, entregues a si mesmo, logo voltam a encerrarem-se nos limites que lhes traçou à natureza. Foi a partir do final do século XVIII que o processo de industrialização crescente na Europa concorreu para o surgimento de uma sociedade caracterizada pelo intenso processo de urbanização. Este momento histórico conduziu o ser humano a um modelo de comportamento marcado pela insensibilidade social e concepção individualista que conformou uma nova maneira de atendimento às suas necessidades afetivo-emocionais que se circunscrevia à sua moradia. O homem, então, tenta mitigar a sua solidão com um companheiro de outra espécie. A capacidade altruística do animal torna a relação muito prazerosa, visto que, ele é capaz de doar-se sem reservas e sem esperar retribuição, submetendo-se à vontade de seu proprietário sem julgamento. A convivência estabelecida com benefício recíproco entre as duas espécies tornou-se ainda mais expressiva quando a vinculação do tipo utilitária progrediu para uma relação mais afetiva e familiar. O animal de companhia torna-se objeto de satisfação emocional na vida privada das mais variadas classes sociais. Assim, o homem contemporâneo estabelece um processo irreversível de socialização criando um relacionamento estável e duradouro que ao ser conduzido com atenção e carinho concorre para a categorização de um grupo particular de animais, denominado animais de estimação. Neste momento, o homem passou a se envolver gradualmente com o desenvolvimento planejado das raças, treinamento, educação, alimentação e com a saúde do seu companheiro. Primeiramente, a seleção genética refletia o interesse econômico, entretanto, a intensificação da relação homem-animal modificou a percepção do homem, comprometida com fatores sentimentais. Consecutivamente, estabeleceu-se no final do século XX a preocupação em entender e aplicar elementos do conhecimento, importantes não só para garantir a expectativa de vida do animal de estimação, mas principalmente, para garantir o seu bem-estar. Este momento de inquietação favoreceu a busca do conhecimento referente à identidade morfológica, biológica e, naturalmente, identidade psicológica e comportamental. A preocupação com o bem-estar animal ensaiava seus primeiros passos. O ser humano começou a compreender que o respeito ao animal está na conscientização da real identificação da espécie canina, que ao longo dos séculos foi se modificando por influência do homem. Assim, respeitar o cão significa respeitar ao mesmo tempo o animal selvagem original e o animal moderno, resultado de uma evolução aspirada e acompanhada pelo ser humano. É importante considerar que cão nos primórdios da evolução fazia parte de uma matilha, estando sujeito a uma hierarquia instintiva e imposta, mas necessária para sua sobrevivência; já o animal moderno, ao 17 preservar a sua natureza e comportamento, apresenta uma capacidade extraordinária de adaptação a todas as formas de sociedades humanas. A criação do cão deve conduzida com respeito e firmeza. Dispensar-lhe apreço significa, indubitavelmente, reconhecer sua natureza social e atender satisfatoriamente suas reais necessidades biológicas, psicológicas e comportamentais. A percepção e a aceitação dessa nova realidade podem promover mudanças significativas no trato com o animal, uma vez que o modelo de relação entre o homem e o cão até então difundido e padronizado no cotidiano, se amplia e reestrutura (Faraco, 2004). É imperativo nos esforçarmos para entender esse ser que partilha conosco a sua existência para tornar sua vida efetivamente agradável (Fogle, 1995). Não obstante, mesmo que alguns proprietários o considerem parte da família, eles não possuem os mesmos direitos e privilégios dos outros membros. Os direitos e importância do ser humano são, decisivamente, diferentes dos animais (Singer, 2002). Apesar disto, este companheiro que compartilhou com o homem trabalho e lazer por milhares de anos, tornou-se dentre os demais animais de estimação o mais adaptado aos papéis afetuosos e emocionalmente encorajadores. Hoje em dia, quando a interação resulta em alto nível de afeição, o cão tende a ser visto como um membro da família nas residências urbanas. O cão pode ser uma notável fonte de afeto e de apoio para pessoas que experimentam transições críticas no curso de vida como viuvez, divórcio, após a emancipação e saída dos filhos e quando estão morando sozinho. (Albert e Bulcroft, 1988). Como um ente querido, apresenta a maioria dos atributos desejados pelos membros da família. Entre os diversos papéis que ele desempenha o companheirismo inseparável e incondicional é o mais representativo. Para alguns, o cão lhes permite estar só sem estar solitário, além de aumentar as oportunidades para conhecer as pessoas. (Beck e Meyers, 1996). Qualquer pessoa que conviva intimamente com um cão pode divisar a complexidade dos seus sentimentos, pode reconhecer nele momentos de alegria, outros de tristeza ou ansiedade sem precisar de provas científicas. Os cães, igualmente a muitos outros animais, podem experimentar sofrimento físico e psíquico, e foi admitindo essa realidade já no século XIX quando Bentham et al. (1996, p.283) ao referirem-se ao direito dos animais nos deixou a célebre frase: A questão não é: "Eles são capazes de raciocinar?" Nem tampouco seria: "Eles são capazes de falar?" A questão é: “Eles são capazes de sofrer”? Tempo passou e somente na década de 70 do século XX foi retomada a bandeira em defesa aos animais. O filósofo Peter Singer desempenhou um papel significativo no impulso inicial do moderno movimento de defesa dos direitos dos animais. Ele defende a idéia de que só se deve viver uma vida que valha a pena ser vivida (Singer, 2002). Após este movimento, a Ciência de bem-estar animal desenvolveu-se rapidamente nos anos oitenta do século passado (Broom e Fraser, 2007). A posição filosófica predominante dos estudiosos neste momento baseava-se em um princípio universal: os animais domésticos são seres sencientes e, portanto, credores de tratamento humanitário. Um indivíduo que experimenta dor, sofrimento e prazer, pode ser considerado sob o ponto de vista filosófico um ser senciente, atributo que o torna objeto de consideração moral e obriga ao ser humano cumprir com os seus deveres e atender os seus interesses (Tischler, 1983). Os interesses de um cão, por exemplo, pode ser o cumprimento de suas necessidades básicas e 18 comportamentais por parte de seu proprietário e a omissão do atendimento de seus interesses poderá comprometer sua saúde física e mental. Até recentemente, os médicos veterinários, fundamentados no Código de Ética Veterinária (CRMV, 2001), reconheceram a necessidade de evitar sofrimento desnecessário aos animais. Porém, o conceito de sofrer segurado por veterinários normalmente é restringido a sofrimento físico, acrescido da idéia dos animais domésticos terem uma baixa sensibilidade para dor (Dantezer, 1994). Os conceitos de bem-estar e conforto são relativamente novos ao campo veterinário. Por muito tempo, foi pensado que estes conceitos eram equivalentes à ausência de dor e estresse, no entanto, as preocupações éticas expressas pela sociedade vão além da idéia simples de dor. A condição negativa de dor, estresse e sofrimento está sendo substituída gradualmente pelas condições positivas de conforto e bemestar. Favorecer o estado de bem-estar requer educação e treinamento do animal de companhia. Para cumprir efetivamente esses propósitos, torna-se imprescindível adquirir o conhecimento relativo a dois tópicos importantes: motivação e aprendizado de cães. A obtenção desse conhecimento somente se torna factível se os proprietários e profissionais se instruírem sobre comportamento animal. Esse desígnio assume maior importância para veterinários que deveriam oferecer conselho profissional em comportamento. Estes profissionais necessitam ter competência para identificar os problemas comportamentais e outros conexos a fim de propor métodos de redução ou eliminação das causas inerentes ao bem-estar pobre. Nas universidades o assunto de bem-estar animal é em geral uma questão científica e ética proposta em termos ambíguos que suscita numerosos dilemas para ciência e sociedade (Clark et al., 1997a). Hesitação e polêmica surgem em um processo decorrente da prática de julgamentos de valor à medida que conceitos relacionados ao assunto de bem-estar são formulados e critérios de avaliação desenvolvidos. Esta situação, não obstante, reclama um posicionamento mais coeso e deliberativo, prepositivo à abertura de disciplinas voltadas para o estudo do comportamento e bem-estar animal. Para etologistas, os especialistas na ciência do comportamento, o conceito de bemestar vai além de considerações de desempenho de produção e saúde física, suas necessidades não são somente fisiológicas, mas também comportamentais e psicológicas. Se suas necessidades não podem ser satisfeitas, os animais podem sofrer intensa frustração e, conseqüentemente, serem acometidos de sofrimento mental. Este seria o caso de um cão ávido por passeio permanecer preso em sua residência impedido de experimentar estímulos. Sob esta perspectiva, é imperioso que o conceito de bem-estar considere os estados mentais dos animais (Dantezer, 1994). A Ciência compilou uma quantidade volumosa de conhecimento sobre animais em base científica e tecnológica avançada, contudo ainda se sabe muito pouco sobre o bem-estar mental deles e sobre os fatores que influenciam os fenômenos psicológicos. A visão de bem-estar em animal evoluiu inicialmente a partir de critérios de prevenção e controle de doenças e produtividade que refletiam as metas de valores humanos. Até recentemente, muita ênfase foi colocada em fatores físicos do meio ambiente, houve pouco interesse no bem-estar psicológico de animais. Estudiosos de comportamento animal conscientes da importância do estudo do bem-estar psicológico de animais são acusados de antropomorfismo e 19 subjetivismo por conferir-lhes atributos humanos. A percepção comum de bem-estar deveria atentar para a realidade concreta: emoções positivas decorrentes do entusiasmo e alegria favorecem o aumento de bem-estar e as emoções negativas como medo e estresse induzem a redução do bem-estar. Neste sentido, os estudiosos em bem-estar animal precisariam desenvolver teorias de bem-estar que tem os sentimentos como núcleo (Duncan, 1996, p.33). Hodiernamente, acredita-se que os critérios utilizados no estudo do bem-estar animal deveriam refletir as reais necessidades do animal, ou seja, a perspectiva do animal. Embora os humanos não possam avaliar o bem-estar logicamente da perspectiva do animal, uma perspectiva antropomórfica crítica pode ser eticamente preferível a uma perspectiva antropocêntrica (Clark et al., 1997a, p.565). A polêmica referente à definição do bem-estar surge, conseqüentemente, com a preocupação em adotar simultaneamente ou exclusivamente as duas perspectivas éticas. Independente da perspectiva ética a ser adotada em estudos de bem-estar animal, a trajetória comum entre o homem e os animais ao longo da história nos permite identificar os significados conferidos aos animais e a suas participações em papéis que configuram sua posição social em uma determinada cultura e, conseqüentemente, a sua importância junto ao homem. Estima-se que no Brasil existam 31 milhões de cães e de 15 milhões de gatos que em 2007 apresentaram um consumo potencial de 3,96 milhões de toneladas de alimentos, sendo o faturamento do mercado de animais de estimação em torno de US$ 4,1 bilhões, além de gerar milhares de empregos, na indústria e no comércio de alimentos, medicamentos e acessórios (ANFAL, 2008). Diante deste quadro, é de crucial importância atentar para a transfiguração da relação homem-animal, pois, hoje em dia, ela reflete indiretamente sua ação na vida comunitária, tornado obrigatória alteração no modo de tratamento do animal o que pressupõe uma nova leitura da realidade no campo jurídico e ético associados ao bem-estar animal. A evolução do vínculo entre o homem e o cão é, portanto, um fato constatado pelo senso comum. Nós testemunhamos o aumento cada vez maior do número de proprietários de cães e das facilidades e segurança na criação do animal, representadas principalmente pelas rações balanceadas e vacinas contra um grande número de doenças. Esses avanços tornamse os grandes fomentadores do interesse dos pesquisadores, veterinários e também da população, impedindo, desse modo, que temas relacionados ao bem-estar animal e à relação homem-animal não se esgote. A produção de conhecimento científico objetivo sobre estes dois temas visando propiciar uma vida melhor para o companheiro animal tem causado interesse crescente do meio científico. A relevância das pesquisas consiste em proporcionar bem-estar a essas duas espécies - ser humano e o cão - e melhorar o tratamento dispensado ao animal que depende da qualidade desta influência mútua. Muitos estudiosos em comportamento animal tentaram desenvolver critérios seguros para avaliar o bem-estar de um indivíduo ou de uma população fundamentados no seguinte princípio: uma resposta a uma situação de estresse pode ser capturada de forma incompleta pelo indicador escolhido ou a resposta ao estresse pode incluir componentes energéticos, hormonais, imunológicos e comportamentais que podem ser invocados a graus diferentes por indivíduos diferentes e medir um só componente pode implicar em uma conclusão incorreta (Hofer e East, 1998). Em virtude das reações neuroendócrinas ao estresse diferirem 20 dependendo da situação e, também do comportamento dos animais e processos emocionais concomitantes, é necessário que qualquer avaliação de bem-estar inclua variadas mensurações (Broom e Fraser, 2007). Neste sentido, este estudo avaliará o bem-estar de uma população fundamentado em três indicadores: índice de massa corporal, índole do animal (mansuetude/agressividade) e estado de tranqüilidade. Há uma extensa informação científica sobre a relação homem-animal e o bemestar animal, não obstante, não houve nenhum estudo empírico relativo à associação desses dois temas utilizando o cão como animal experimental. No panorama mundial, a pesquisa em bemestar freqüentemente refere-se a animais de produção e a medição baseia-se em indicadores de saúde, comportamentais, produtivos, reprodutivos, endocrinológicos e imunológicos. Apesar da considerável literatura teórica sobre sofrimento e sentimento animal, ainda não existe nenhum trabalho experimental que considere o estado subjetivo de intranqüilidade de um cão como um indicador de bem-estar pobre. Situação análoga ocorre com o emprego do indicador massa corporal (Hofer e East, 1998) utilizado na medição dos estados de estresse dessa espécie. Estudos relacionados à interação homemanimal e bem-estar animal ainda são inexpressivos em nosso país e esforços devem ser conduzidos de modo incrementar pesquisas sobre este tema. A base teórica para fundamentar qualquer trabalho nessa área tem que ser buscada principalmente em bibliografias internacionais. Nesta perspectiva, torna-se essencial conhecer o modo de condução implícito na relação dos familiares com os seus cães para entender as intenções do grupo social e avaliar a sua capacidade de comportamento animal característico. O objetivo principal deste estudo foi verificar alguns aspectos da relação homem-animal associados ao bem-estar do cão. Para alcançar tal desígnio, foram estabelecidas as relações funcionais entre as condições de criação dos cães, a progressividade e a atitude de seus proprietários e o bem-estar animal, por meio de análise multivariada de correspondência múltipla. Considerando o manifesto direcionamento das pesquisas acadêmicas em favor de demandas da sociedade, este estudo primordialmente descritivo, além do que propõe o seu objetivo principal de caracterizar relação homem-animal e o bem-estar do cão em uma população definida em um determinado momento, deverá contribuir com o fornecimento de parâmetros científicos para o desenvolvimento de outras investigações sobre o tema e levantar questões pertinentes. Algumas questões só se tornam evidentes quando reunimos conhecimento suficiente num campo de pesquisa, de modo que nos tornemos capazes de ter uma visão global da pesquisa nessa área. A análise crítica de um problema deve ser aplicada a mensurações, estratégias, definições e conjeturas de vários estudos. Finalmente, espera-se que as observações e os resultados alcançados nesse trabalho possam servir à elaboração e a condução de novas pesquisas multidisciplinares comprometidas com a divulgação da realidade da relação homem-animal e o bem-estar do cão em nossa sociedade contemporânea. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Muitos conceitos foram estabelecidos e muitos estudos empíricos foram desenvolvidos durante as últimas cinco décadas sobre a relação homem-animal e o bem-estar animal. Houve um grande avanço na aquisição de informações 21 objetivas sobre métodos envolvidos com a elucidação de fatores que afetam o comportamento, a relação homem-animal e o bem-estar dos animais de produção. Contudo, nenhuma pesquisa foi conduzida com o desígnio de conhecer a realidade sobre o bem-estar dos cães. Esta é uma tarefa difícil, pois o cão entre todos os animais domésticos é o que apresenta maior envolvimento afetivo com o ser humano. Para a concretização deste desafio, foi necessário inicialmente, realizar o levantamento de uma revisão bibliográfica referente aos conceitos e aos aspectos subjacentes a compreensão do bem-estar animal e da relação homem-animal. Em um primeiro momento tratar-se-á sobre o bemestar animal em um aspecto mais amplo, no que se refere à multiplicidade de fatores envolvidos e linhas de pesquisa. Seqüencialmente, serão revisados alguns trabalhos importantes sobre o conhecimento científico relativo à medição do bem-estar animal; e finalmente, será abordada a relação homem-animal, sua importância na promoção do bem-estar do homem e do animal, problemas decorrentes e sua relevância profilática na instauração de um vínculo interespécie sadio. Toda a informação compilada além de contribuir para o entendimento do status quo dos dois temas principais abordados neste estudo, servirá de fundamentação para a reflexão sobre a realidade da relação homem-cão instituída em nossa sociedade moderna. 2.1 Bem-estar animal Os conceitos bem-estar e necessidade psicológica são relativamente novos na área da Medicina Veterinária. Acreditou-se até pouco tempo que os cuidados dispensados para assegurar saúde e condição física adequada eram suficientes para promover o bem-estar do animal. Muitos estudos estão sendo conduzidos há décadas para tornar a preocupação de pesquisadores e pessoas comuns em uma ciência promissora de caráter multidisciplinar. O bem-estar animal desenvolveu-se como uma ciência própria aplicada, indispensável aos profissionais envolvidos com a interação homem-animal. Ela presta-se muitas vezes, como base para a reforma de legislações referentes à qualidade da vida animal, cujo desígnio funda-se na melhora das condições de criação dos animais destinados a servirem de alimento, utilizados em laboratórios, mantidos em cativeiro ou designados a compartilhar da convivência humana. Estudiosos do comportamento animal têm mobilizado esforços intelectuais e morais, para desenvolver uma definição aceitável de bem-estar animal e implementar meios válidos e objetivos para avaliar bem-estar das diversas categorias de animais. O bemestar animal ainda é conceituado de forma imprecisa e não pode ser definido ou avaliado de uma maneira meramente objetiva. Fatores como saúde, necessidades e percepção do animal; antropomorfismo crítico, valores sociais e perspectivas individuais dos seres humanos, representam uma multidimensionalidade que repercute no estudo científico do bemestar animal. Variados e prósperos campos de pesquisa que estudam a biologia e comportamento animal e a psiconeuroimunologia são exemplos de áreas que apóiam a visão holística do estudo do bem-estar animal. Pesquisas existentes sugestionam um sistema de interação dinâmica que conecta o ambiente interno fisiológico, psicológico, neurológico, imunológico, endócrino e bioquímico com o ambiente externo físico e psicossocial. A homeóstase, um estado harmonioso de corpo e mente é um aspecto fundamental de bem-estar e está definida como a 22 manutenção de um estado de equilíbrio do corpo pela interação complexa de ações reguladoras fisiológicas e comportamentais. O estado de homeóstase ou bem-estar é estabelecido por diversos fatores representados por estímulos externos e estímulos internos como respostas biológicas e mentais do animal. Estes fatores interagem, por sua vez, com diversas variáveis: genética, ambiente social, capacidade de adaptação e percepção do animal (Clark et al. 1997a). Tanto na experimentação científica quanto na criação dos animais de produção e de estimação, o homem tem determinado o que é melhor para os animais sob sua perspectiva antropocêntrica ditada pelo conceito utilitário da sociedade industrializada (Dantezer, 1994). Hoje, o ajuizamento do bem-estar sob ponto de vista do antropomorfismo crítico vem crescendo entre os estudiosos desse tema em consonância ao estabelecimento de uma nova ética. Inclusive, está havendo maior rigor na definição e descrição de termos de estados adversos como necessidade, ansiedade, angústia, medo, dor e sofrimento, antes negligenciados por veterinários e pesquisadores. Em inglês o termo bem-estar tem duas conotações (Fox,1990 p.832), mas em português ele tanto é apropriado para descrever os padrões de cuidado e saúde que causam estresse mínimo e angústia aos animais e satisfazem a exigência comportamental e social básica (well-being) como para ser usado de forma mais ampla contemplando as altercações sociais e os assuntos éticos (welfare). O bem-estar é influenciado por múltiplos fatores inter-relacionados. Desordens físicas e psicológicas têm determinantes múltiplos e explicá-los através de uma única causa seria algo demasiado simplista. Uma visão holística evidencia que os fenômenos físicos e psicológicos são inseparáveis, que as células, a mente (processos subjetivos), o psicológico (fenômenos comportamentais e mentais) e vida social e o ambiente são interativos. Os fenômenos psicológicos podem afetar o estado físico e o comportamento e reciprocamente os eventos físicos podem alterar processos psicológicos (Kandel et al., 1997). Clark et al. (1997a) propõe o termo biopsicossocial por ser mais apropriado e menos ambíguo que os termos holístico e psicossomático. O bem-estar de um animal, pois, é um estado interno que envolve qualidade de vida e, esta, pode ser afetada pelas respostas à estímulos ambientais internos (somáticos ou psicológicos) e externos (ambiente físico ou psicossocial). Estímulos somáticos incluem perda de sangue, hipoxia, intoxicação, desidratação, trauma, doenças, anestesia, cirurgia, desnutrição e exercício. Estímulos físicos e químicos externos são fatores percebidos pelos sentidos, associados às instalações e ao ambiente como: temperatura, luz, som, odores, comida e movimento. Estímulos psicológicos incluem mudanças, incertezas, conflito e eventos ameaçadores e imprevisíveis e estímulos psicossociais incluem fatores como relações intraespecifica e interespecífica, representados por separação, isolamento e interações. Assim, os estímulos podem ser agradáveis ou aversivos e as respostas do animal para estímulos intrínsecos e extrínsecos determinam o seu estado o bem-estar. Geralmente, as respostas que funcionam como um mecanismo protetor e o novo processo de homeóstase provocam uma resposta normal, designada para devolver no animal um estado de equilíbrio. Sendo as respostas influenciadas pela interação de vários fatores intrínsecos ou extrínsecos, se as respostas não são eficazes para facilitar a manutenção ou retomada da homeóstase, o animal pode desenvolver um processo de deficiência orgânica, inaptidão, desordem, 23 doença, ou morte (Clark et al., 1997). A avaliação do bem-estar, neste sentido, poderá ser estabelecida recorrendo às respostas internas e comportamentais do animal. Muito é conhecido sobre as causas e fatores predisponentes associados com o comprometimento do bem-estar físico. Correspondentemente muito menos é conhecido sobre fatores que afetam bemestar psicológico. Conceitualmente, os mesmos mecanismos funcionam em bemestar físico e psicológico. Esses fatores ao influenciarem o processo adaptativo e a homeóstase induzem geralmente respostas de adaptação devolvidas para permitir o organismo voltar ao seu estado normal de equilíbrio. Outrossim, estas respostas representadas por sintomas e sinais continuam a ser influenciadas pela interação de fatores das variáveis intrínsecas e extrínsecas que podem prevenir, atenuar ou aumentar a ação dos estímulos causativos da resposta precursora de desordens ou doenças no animal. Estes fatores podem ser inerentes ao animal (filogenético) ou adquirido (ontogênico): genético, variação individual (idade; sexo; estado fisiológico, mental e de saúde), percepção de previsibilidade e controle, aprendizado, experiência anterior e a duração, intensidade, freqüência e a singularidade do estímulo (Kagan e Levi, 1974, Moberg e Mench, 2000). Se o processo adaptativo de homeóstase à uma resposta for grave e prolongado, ele pode conduzir inicialmente o animal à um estado de alterações patológicas físicas ou psicológicas, contudo, se o processo adaptativo de homeóstase não resultar em desordem ou doença, esse novo estado é considerado pré-patológico (Moberg e Mench, 2000). Todos estes conceitos levaram os estudiosos do assunto a estabelecerem definições próximas sobre o bem-estar. Para Hurnik (1988, p. 107) bem-estar animal é um estado ou condição de harmonia física e psicológica entre o organismo e seus ambientes. Burchfield ( 1979) define bem-estar como um estado no qual um animal está usando adequadamente e conservando seus recursos corporais e se adaptando às necessidades internas e ambiental exigidas para manter homeóstase. O bem-estar de um individuo é o seu estado em relação as suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente (Broom, 1986, p.524) foi a conceituação concisa feita por Donald Broom, o primeiro professor de bem-estar animal na Inglaterra. Estas conceituações revelam ser o bem-estar um complexo dinâmico do estado interno que varia em uma série contínua em suas manifestações (Clark et al, 1997a). Esta variação pode diferir entre indivíduos, bem como no mesmo indivíduo, pois as necessidades de um indivíduo, as motivações, as preferências e circunstâncias fisiológicas mudam dependentemente do seu período de vida. Não seria possível o animal, assim como os humanos, estarem sempre em um ótimo estado de bem-estar. Mesmo em ambientes naturais os animais experimentam fome, depredação, variações do ambiente físico e doenças (Moberg e Mench, 2000). O bem-estar deve ser concebido de modo abrangente, compreendendo sua relação com outros conceitos imprescindíveis como: necessidades, sentimentos, adaptação, estresse, sofrimento, saúde, dor, ansiedade, medo e tédio. Uma definição admissível de bem-estar envolverá certamente referência às necessidades do animal, e requererá a delimitação de uma perspectiva antropomorfa crítica. Assim como as necessidades humanas (Maslow, 1970), as necessidades dos animais poderiam obedecer a uma organização hierárquica de prioridade: necessidades físicas, necessidade de segurança e necessidades psicológicas. 24 As necessidades físicas e de segurança foram consideradas por muito tempo como necessidades básicas na criação adequada de um animal: nutrição; ambiente físico (temperatura, corrente de ar, luz, gases); práticas humanitárias; cuidado veterinário e depredação. Webester (1995) instituiu uma hierarquia de necessidades semelhante identificada mundialmente como as "Cinco Liberdades": liberdade de sede, fome e desnutrição; liberdade de desconforto; liberdade de dor, agravo e doença; liberdade para expressar comportamento normal e liberdade de medo e angústia. Quando estes fatores relativos o bem-estar animal foram criados, chamaram a atenção da comunidade científica para alguns pesquisadores que já predicavam uma conceituação de bem-estar mais ampla (Kitchen et al, 1987; Baxter, 1988b; Dawkins, 1988; Rowan, 1988), a qual deveria compreender os sentimentos dos animais, particularmente os sentimentos desagradáveis de dor e sofrimento. Por muito tempo, as necessidades mentais foram relegadas à importância secundária. Não se explorava o conhecimento da associação do bem-estar com a necessidade cognitiva dos animais, entretanto, hoje, sabe-se que geralmente, quando as necessidades cognitivas são satisfeitas, a saúde física e mental do animal é protegida. O animal não é um autômato como postulou Descartes, eles têm conceitos complexos sobre o ambiente onde vive. Através da cognição eles são capazes de avaliar um objeto ou um evento que não estão presentes ou acontecendo no momento presente. Um cão ao ficar sozinho em casa, mantém-se mentalmente ligado ao seu proprietário através de imagens mentais representativas durante o período enquanto estiver mostrando angústia e, talvez, depois disso. Qualquer animal ao trabalhar para uma meta utilizará processos cognitivos em seu controle comportamental (Broom e Fraser, 2007). O bem-estar depende principalmente dos processos cognitivos e para atender essas necessidades é preciso que as habilidades cognitivas do animal sejam conhecidas (Duncan e Petherick, 1991). Somente através desse conhecimento seria possível saber até que ponto animais estão atentos ao estado interno deles enquanto executando comportamentos indicativos de sofrimento, medo e frustração. Este é um grande desafio para a ciência do bem-estar animal. Sendo a cognição um conjunto de processos mentais que permitem a aquisição de um conhecimento e a percepção, classificação e reconhecimento do entorno, ela guarda relação, de acordo com Duncan e Petherick (1991, p.5019), com as ‘sensações’ ou o ‘sentir’ e, por conseguinte, pode ser definida também como uma atividade específica em um sistema sensório no qual um animal está atento. A atenção é apenas uma parte da contribuição sensória e a consciência está intimamente relacionada com a atenção, pois envolve o processo sensorial consciente correlacionado com o processo fisiológico que proporciona ao animal o conhecimento do mundo externo. Este processo denominado sensação, é desenvolvido por áreas sensórias corticais secundárias e terciárias do cérebro e encerra um processo de interpretação. A área sensória primária somente apresenta plasticidade nas primeiras fases de desenvolvimento. Neste momento na vida do animal a percepção não significa ‘estar atento às sensações’, as sensações (fome, sede, quente, frio etc.) são apenas sentidas, não interpretadas. Sentir, portanto, é estar atento aos eventos corporais e perceber é interpretar os sinais que normalmente se originam de eventos externos. O animal pode estar atento a um estímulo interno (sentir) ou a um evento externo (perceber). Sentir e perceber são os tipos mais simples de processos cognitivos. Consciência, aprendizado e memória são processos mais 25 complexos. Consciência segundo Broom e Fraser (2007, p.329) é um estado no qual a análise complexa do cérebro é usada para processar estímulos sensórios ou construções baseadas em memória. 2.1.1 Sentimento e Bem-Estar Durante um processo lento e contínuo, os animais superiores evoluíram as capacidades cognitivas de suas necessidades. A cognição atrelada ao estado subjetivo afetivo como sentimentos e emoções, é responsável por motivar o comportamento de um modo flexível, contudo, os sentimentos são considerados como apenas um componente das emoções relacionadas ao processo cognitivo, à estimulação fisiológica e às reações comportamentais (Duncan, 1996). Na iniciação dos sentimentos é claramente pertinente à relação entre, ter sentimentos e estar consciente ou atento. A emoção, considerando a atividade neural nos centros de emoção do cérebro ou mudanças hormonais específicas, pode acontecer sem qualquer sentimento (Broom, 1998). Broom (1998) assinala que o sentimento é uma elaboração dentro do cérebro do indivíduo de ocorrência periódica que pode seguir três direções quando experimentado: (a) contribuição aos sistemas sensórios; (b) promoção de modificações neurais e hormonais e (c) condução à criação de sentimento interno (prazer, enfado, culpa) sem que necessariamente haja alguma manifestação externa. A contribuição ao sistema sensório pode resultar em sensações ou percepções e em processamento (informação), armazenamento (memória). As modificações neurais e hormonais se referem ao estado emocional e podem envolver atividade elétrica e neuroquímica em distintas localizações do cérebro com liberação de hormônio e conseqüências periféricas. Estas mudanças podem ainda resultar em sentimentos, como, por exemplo, ansiedade. A ausência de contribuição sensória, de mudança hormonal ou de atividade em centros emocionais do cérebro pode conduzir à existência da criação de sentimentos sem exteriorização. O animal pode estar sentindo angústia sem demonstrá-la. Os sentimentos agem freqüentemente como reforçadores do aprendizado e podem mudar o comportamento imediatamente ou eventualmente, mas necessidade não atua desse modo. Podem ainda, ser positivos ou negativos dependendo da aproximação ou evitação que eles promovem. Estão representados pelos estados de: fome, sede, desconforto térmico, fadiga, dor, inquietação, ansiedade, aflição, frustração, medo, culpa, depressão, enfado, solidão, cobiça, ciúme, fúria, sofrimento geral, prazer sexual, prazer de comer, alegria, outros prazeres sensórios, prazer de realização e felicidade geral (Broom, 1998). Os diferentes tipos de sentimentos podem variar largamente de acordo com a magnitude e duração da contribuição da resposta interna. O funcionamento sensório, o processo fisiológico e a habilidade analítica de cada indivíduo variarão de acordo com o genótipo e ambiente ao qual ele é submetido durante a sua vida. Conseqüentemente, sentimentos variarão de um individuo para outro. Sentimentos, por envolverem a consciência, são fundamentais no processo de adaptação do animal com o ambiente e na conceituação de bem-estar. É impossível estabelecer conceitos de bem-estar sem associá-los aos sentimentos (Dawkins, 1990; Broom, 1996). Eles persistem em populações porque a seleção favorecerá a sobrevivência dos indivíduos que se servem dele prosperamente no processo de adaptação. Os sentimentos como um componente genético são provavelmente características adaptáveis. Contudo, parte dos sentimentos sentidos pelos animais são atividades neurais de epifenômenos 26 (Broom e Johnson, 1993) que não participam no processo de adaptação com o ambiente. No processo de evolução, os epifenômenos a despeito de serem um sistema não funcional poderiam ter se tornado sentimentos, mas também é possível que haja sentimentos que eram funcionais nos antepassados dos animais mas que atualmente tem pequena ou nenhuma função. A resposta a predadores, por exemplo, poderia prejudicar os indivíduos a desenvolverem respostas mais apropriadas para a convivência com o homem. (Broom e Johnson, 1993) (Wiepkema, 1985; Dawkins, 1990 ). Broom (1996) acentua que o sentimento ao agir como reforçador aumenta as chances de o indivíduo aprender e desenvolver comportamento adaptável. A lembrança do efeito benéfico poderá favorecê-lo em situações semelhantes. Dawkins (1977) destacou que os sentimentos devem ser produtos de seleção natural, pois eles fazem parte da biologia. Experimentar medo ou dor estimula o animal a afastar-se de situações ameaçadoras para a sua vida. O indivíduo experimenta sentimentos de fome porque isso faz parte do seu mecanismo para retificar um déficit de comida e adquirir algo para comer. Experimenta dor e medo porque elas o induziram à reação do seu corpo para afastá-lo de situações que são ameaçadoras para sua vida. Estas experiências conscientes são essenciais à sobrevivência (Cabanac, 1979). O sistema de adaptação pode incluir sentimentos de prazer e sentimentos prejudiciais. Se os sentimentos são apropriados para manter o animal tranqüilo, é provável que este indivíduo esteja em um bom estado, indicado pela fisiologia do corpo, estado de cérebro e comportamento. No entanto, se os sentimentos são inapropriados e se prolongarem por um período longo passam a ser denominados de sofrimento. Esta asserção, aceita por alguns autores, os impeliram a considerarem o sentimento como algo importante para o estudo do bem-estar. Gradualmente, eles desenvolveram a tese em que bem-estar está correlacionado com o que os animais sentem (Duncan & Petherick, 1989, 1991; Dawkins, 1990; Broom, 1998, 2006; Broom e Fraser, 2007). Uma ampla série de estados emocionais desagradáveis é denominada de sofrimento (angústia, medo, solidão, fome, sede) e os estados agradáveis de satisfação ou bem-estar. A evolução dotou os vertebrados superiores com cérebros complexos que não só regulam o produto de respostas automáticas para estímulos, mas toda a interação dos mecanismos envolvidos com o sentir e o perceber. Seus sentimentos controlam por monitoração a efetividade de ações reguladoras mentais e hormonais necessárias à evolução da sua adaptação no ambiente físico e social. As ações reguladoras, porquanto, serão efetivas quando favoráveis à adaptação do indivíduo, ao contrário, quando essa regulação não for apropriada, o processo de adaptação será comprometido e, conseqüentemente, a sua aptidão Em virtude de o cão viver em um ambiente muito complexo (condições físicas, influências psicossociais e patógenos), o comportamento adaptável encerra muitos outros elementos importantes além do sentimento. Assim, os métodos de adaptação incluem também mudanças fisiológicas no cérebro, na glândula suprarenal e no sistema imune, ademais de modificações do comportamento que alteram a motivação e um sistema que envolve o uso de peptídeos opióides naturais do cérebro. Alterações na glândula adrenal podem induzir a ação de linfócitos que apresentam receptores de opióides potencialmente capazes de alterar atividade 27 de cérebro. Peptídeos opiato como βendorfina e metencefalina têm efeitos de analgésico em situações dolorosas ou particularmente difíceis para o animal (Broom, 1988b). O desempenho de certo padrão motor repetitivo, como comportamento estereotípico ou estereotipia acontecem em um contexto particular que não fazem parte dos sistemas funcionais normais do animal. Estereotipias comuns são exemplificadas por mordedura de barras de baia de suíno; andadura de um lado para o outro ou em círculos em grandes felinos enjaulados em zoológico; balançar de cabeça em elefantes; movimentos rotatórios para apreender a cauda, agressão, lambedura ou mordedura da pata e do dorso em cães. A estereotipia seria, pois, padrões de comportamentos repetitivos e invariáveis para os quais não há nenhum propósito óbvio a ser satisfeito. Os animais praticariam esses movimentos repetitivos que podem chegar à auto-mutilação, como uma possível solução para lidar com a dificuldade da falta de liberdade por período longo, acompanhadas muitas das vezes, de condições desfavoráveis para a saúde física e mental. Alguns tipos de estereotipias poderiam ajudar o animal a adaptar-se ao ambiente (Broom, 1988b; 1991a). Dantzer e Mormed. (1983); Weipkema (1985) e Hughes e Duncan (1988b), pontuam que a estereotipia serviria para estimular a liberação de opióides (endorfina) no cérebro do animal a fim de reduzir a dor e sofrimento de animais estressados, contudo, há a possibilidade da estereotipia ser reforçada com a liberação de opióides. Hugues (1988) destacou que as estereotipias, assim como os comportamentos de fuga e alguns tipos de agressão, são critérios úteis para identificar a presença de angústia e necessidades importantes. Se o animal encontra-se em bom estado de saúde e psicológico e consegue se adaptar às condições que encontra, o bem-estar pode ser alcançado com pequeno esforço e gasto de recursos, entretanto, se as tentativas de adaptação são malsucedidas, o animal gasta muito tempo e energia, a sua adaptação pode ser difícil e o seu bem-estar ser considerado pobre. Fracasso prolongado para se adaptar ao ambiente pode resultar em comprometimento do crescimento, da reprodução ou até mesmo o acometimento de doença e morte. Igualmente, o animal terá mais dificuldade de adaptação e, conseqüentemente um bem-estar pobre, se a sua aptidão estiver reduzida, mas, assim que o animal haja logrado um bom estado geral, volta a alcançar o bem-estar. Estes conceitos validam a definição de bem-estar feita por Broom (1986) “O bem-estar de um individuo é o seu estado em relação as suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente” e isto inclui sentimentos e saúde. Os sistemas de adaptação para alcançar o bem-estar preparam o animal para os desafios a fim de que ele consiga estabilidade mental e corporal. Os potenciais desafios incluem fatores externos e internos: predadores, competição social, falta de estímulos fundamentais e contato social, excitação excessiva com comprometimento do processamento de informação, inabilidade para controlar interações com o ambiente, falta de excitação global, desordem fisiológica, patógenos e danos físicos. O enfado, a ansiedade e a frustração podem fazer parte dos desafios ao sistema de controle. As respostas aos desafios são interdependentes e envolvem atividades em partes do cérebro e respostas fisiológicas endócrinas, imunológicas e também comportamentais (Broom e Fraser, 2007). A adaptação, portanto, é realizada em nível individual por intermédio de sistemas reguladores ou respostas, que ajudam o animal a se adaptar às condições ambientais. Nestes termos, dependendo do sucesso da adaptação, o bem-estar pode ser 28 bom ou pobre enquanto a adaptação está acontecendo. Quando a adaptação é fácil e exige pouca energia do animal, durante o processo o bem-estar pode ser muito bom. Quando a adaptação é difícil pode haver envolvimento de respostas fisiológicas de emergência (Broom, 2006) ou comportamentos anormais, freqüentemente com sentimentos impróprios como dor ou medo. Neste caso, o bem-estar é pobre ainda que não haja nenhuma ameaça em longo prazo à vida do indivíduo. 2.1.2 Necessidade e Motivação Sendo o bem-estar o estado do animal em relação as suas tentativas de adaptar-se ao seu ambiente, ele somente será considerado adequado se o ambiente onde o animal vive for apropriado e lhe permite satisfazer suas necessidades (Broom, 1996). Hurnik (1988, p.111) definiu necessidade como uma exigência fisiológica e psicológica de um organismo necessária para desenvolvimento normal e manutenção de boa saúde. Estas necessidades de importância suprema ao bem-estar de um animal foram categorizadas como mantenedoras da vida, da saúde e do conforto. O não atendimento das necessidades que mantêm a vida (oxigênio, pressão atmosférica e temperatura, comida, água etc.) poderia levar o animal à morte imediata. O fracasso em cumprir o atendimento das necessidades que mantêm a saúde poderia levar o animal ao enfraquecimento físico progressivo, à doença e eventualmente à morte. O malogro da necessidade de conforto, representada pela complexidade ambiental apropriada no que se refere ao contato social e a evitação de excitação aversiva, levaria o animal à frustração; ao desconforto e enfado; ao desenvolvimento de comportamentos anormais ou indesejáveis. Estes comportamentos podem levar o animal a causar dano a si mesmo ou a outros indivíduos e a fracassar na execução de ações que contribuiriam ao seu bem-estar. O fracasso persistente em longo prazo para satisfazer as necessidades de conforto não é muito óbvio ao observador, e poderia ter conseqüências mais graves para o animal que um fracasso temporário e de conseqüência imediata quando não são satisfeitas as necessidades que mantêm a saúde. A conjuntura na vida animal requer muito mais atenção dos pesquisadores. Os indicadores de bem-estar deveriam estar relacionados às três categorias de necessidade. As conseqüências de fracasso para satisfazer as necessidades que mantêm a vida são muito complexas e dependem da duração e magnitude de tal um fracasso. Os fenômenos de caráter subjetivo que caracterizam o comportamento do animal que se encontra nesta situação incluem: excitabilidade aumentada, frustração e sinais de angústia; nível mais alto de agressão; ocorrência mais alta de atividades de deslocamento, estereotipias e atividades vazias; atividade motora reduzida e letargia (Hugues, 1988). Os comportamentos que identificam as necessidades de conforto são: busca de estímulos apropriados (inclusive busca de estímulos sociais); excitabilidade aumentada e frustração; tendência para nível mais alto de agressão; ocorrência mais alta de atividade de deslocamento, estereotipias e atividades de vazio. Em situações específicas, dependendo da duração e intensidade da privação, a ordem dos tipos de comportamento pode ser diversa e nem todos os tipos de comportamentos são manifestados. Tentar descobrir o possível fracasso para satisfazer as necessidades que mantêm a vida é mais fácil que tentar identificar o fracasso relativo ao cumprimento das necessidades de conforto. No primeiro caso os comportamentos e sintomas são mais óbvios e fáceis de descobrir, no entanto, no segundo caso, são mais difíceis, porque 29 dependem do conhecimento do observador de psicologia animal e familiaridade com o comportamento da espécie ou do patrimônio genético do animal. Hurnik (1988, p.111) define o desejo do animal como a motivação de um organismo para adquirir controle ou experiência de algum aspecto do ambiente e revela-se categórico ao dizer que o bem-estar animal deveria ser considerado como uma função da satisfação das necessidades do animal em lugar de uma função da satisfação dos desejos do animal. Os desejos seriam interpretados a partir de comportamento observado, e pode ou não ser indicador de falsa necessidade. A distinção entre necessidade e desejo somente poderia ser entendida quando o animal se comportasse de modo a arriscar a saúde ou a vida. A vontade de comer algo venenoso, por exemplo, serviria somente para satisfação do desejo do animal. Odendaal (1994) descreveu necessidades básicas como exigências primárias para um animal ter uma qualidade aceitável de vida, considerando que os desejos como representações cognitivas dessas necessidades são secundários e não necessário para uma qualidade aceitável de vida. O atendimento das necessidades básicas por um animal significa manter um estado de equilíbrio físico e psicológico ou homeóstase. Se circunstâncias não permitirem a satisfação das necessidades, o animal poderá sofrer alterações somáticas, psicológicas e patológicas. As necessidades são espécie-específica assim como necessidades individuais variam consideravelmente devido a interação de variáveis que contribuem para diferenças individuais. Para Duncan (1996) os animais apresentam necessidades básicas representadas por exigências de condições de sobrevivência, manutenção da saúde e reprodução, e eles reagirão adversamente se estas necessidades não são satisfeitas. Geralmente, o estado de estar consciente dos sentimentos ou emoções desenvolve a motivação de comportamentos de um modo mais adaptável às circunstâncias que os reflexos. Quando o estado é negativo, redunda em sofrimento e quando positivo em é denominado de prazer. Em contrapartida à Hurnik (1988) e Odendaal (1994) que consideram a ocorrência bemestar uma função de satisfação das necessidades do animal em lugar de uma função de satisfação dos desejos do animal, Duncan (1966) argumenta que as necessidades são irrelevantes para o bemestar, que seriam os desejos ou estados emocionais associados com as necessidades, os elementos de importância suprema para o bem-estar. De acordo com Broom e Fraser (2007) as disposições interiores de tempo e recursos para diferentes atividades fisiológicas e comportamentais, dentro de um sistema funcional, que permitem o indivíduo controlar suas interações com seu ambiente, são controladas através de mecanismos motivacionais. Por outro lado, quando um animal apresenta sua homeóstase comprometida, e encontrar-se em uma situação em que há o comprometimento de executar uma ação em virtude de alguma situação ambiental, diz-se que ele tem uma necessidade. Diante da necessidade, a possibilidade de confrontar uma situação de modo efetivo não só depende da habilidade do animal para selecionar a estratégia apropriada, mas também de sua aptidão em empregar recursos disponíveis do ambiente social. Provavelmente, as necessidades estão associadas às exigências para obter um recurso particular ou responder a um particular estímulo ambiental ou corporal. A necessidade estabelece, por conseguinte, relação com o desempenho de todos os comportamentos espécie-específica e esses se constituem em um complexo para a obtenção de metas ou objetivos e executar 30 padrões motores. A descrição de comportamento como uma necessidade depende do conhecimento sobre o contexto ambiental e, deste modo, o comportamento será chamado de necessidade em uma situação particular. sistemas de motivacional, é possível responder perguntas pertinentes à adequação do sistema de criação. O bemestar estaria ameaçado se as necessidades não forem satisfeitas (Jensen e Toates, 1993). O impedimento de um animal em concretizar certo comportamento em uma determinada situação poderia causar-lhe sinais de sofrimento (Jensen e Toates, 1993). Hughes e Duncan (1988b) ressaltaram que o conceito ecológico de necessidade só pode ser entendido dentro de um modelo satisfatório de motivação, sendo o estado motivacional um estado do sistema nervoso que pode incluir uma representação de meta. A Motivação é um processo interno que controla o momento da expressão do comportamento e das mudanças fisiológicas. A motivação é afetada através de fatores internos enquanto a produção de comportamento é modulada pela percepção de estímulos externos. Quando o padrão de comportamento é amplamente governado através de fatores internos, o nível de motivação aumentará mais cedo ou mais tarde sobre o limiar. O comportamento será ativado, mas em alguns ambientes faltos de estímulos será impossível chegar à consumação do comportamento. O comportamento em algumas situações poderá continuar de forma abreviada ou incompleta, refletindo subseqüentemente na elevação motivação. Apreciação de bem-estar pobre surgirá em situações onde a motivação alcança níveis altos, mas o comportamento não chega ao termo, ou ainda, quando a interação do comportamento com o ambiente não prover as conseqüências funcionais apropriadas. Estes padrões de comportamento têm a possibilidade de ser coadjuvantes para o desempenho da meta ou podem ter considerável importância para o animal (Hughes e Duncan, 1988b). Se o animal perceber sua meta como já alcançada, não será mais motivado e nenhum comportamento seria executado, neste caso, a necessidade comportamental não surgiria (Hughes, 1988). Hughes (1988) preceituou que a necessidade comportamental surge quando um animal estiver motivado. Neste preceito está implícito que o desempenho de comportamento que constitui necessidade é motivacionalmente distinto do outro comportamento do repertório do animal. Sendo o sistema motivacional ativado pela ação de fatores internos e externos, a hierarquia de necessidades variará de acordo com a situação ambiental. Determinadas necessidades de comportamento de uma determinada espécie não seriam válidas para todos os ambientes, visto que há de se considerar a fonte de variação na contribuição interna para motivação que pode ser muito diferente. Estes fatores internos que geram certo estado motivacional podem apresentar grande importância em estudos onde o comportamento é utilizado como um indicador de bem-estar animal. Mediante a avaliação das sutilezas de Esta abordagem oferece um conhecimento fundamental para explicar o comportamento de intranqüilidade de muitos animais pobremente estimulados. Esses animais insatisfeitos provavelmente por não alcançarem suas metas, tornam-se ansiosos, não conseguindo, conseqüentemente, expressar tranqüilidade e satisfação. O comportamento considerado anormal, motivo de reclamação de proprietários, muitas vezes é demonstrado pela excitação, irritabilidade, impaciência, agressividade e latidos freqüentes. As recomendações de veterinários e 31 especialistas de comportamento animal para esse problema baseiam-se essencialmente no aumento de atividades físicas através de passeios e da interação com o proprietário para manter um nível mínimo de estimulação e atividade. As necessidades podem ser identificadas por estudos de motivação e por meio da avaliação de bem-estar de animais cujas necessidades não estão satisfeitas (Hughes e Duncan, 1988a,b; Dawkins, 1990). O reconhecimento de uma necessidade vem acompanhado da evidência de angústia e comportamento anormal (Hughes, 1988). Baxter (1988b) rejeita o conceito de necessidade comportamental e sugere substituí-la por necessidade psicológica. O autor considera que necessidade comportamental é um termo mais útil e mais pertinente para ser utilizado em discussões sobre o bem-estar de animais destinados à exploração agropecuária. Para Tannenbaum (1991) os animais possuem necessidades de comportamento e sociais básicas e, portanto, o bem-estar animal deve incluir estados mentais positivos como prazer e bem-estar psicológico. O cão como um animal senciente, capaz de sentir e desenvolver sentimentos tem necessidades associadas a sentimentos também denominadas de experiências subjetivas. Estes sentimentos provavelmente se alteram quando certas necessidades básicas são satisfeitas, entretanto, se estas necessidades não são satisfeitas haverá uma reação adversa de forma holística, envolvendo simultaneamente os componentes físicos e psicológicos. O não atendimento das necessidades, no entanto, pode freqüentemente, mas nem sempre (Broom e Fraser, 2007), estar associado aos sentimentos que prejudicam o animal, enquanto sentimentos que favorecem o bem-estar estão associados à satisfação das necessidades. Os sentimentos são aspectos da biologia de um animal que devem ter evoluído para auxiliar o individuo a sobreviver (Broom, 1998), exatamente como os (aspectos) da anatomia, fisiologia e comportamento. Eles fazem parte de um processo para se atingir um objetivo, exatamente como as respostas fisiológicas e comportamentais para a regulação do organismo. Sob o ponto de vista evolutivo, o individuo estará propenso a ter bons sentimentos na maioria das circunstâncias, contudo, se o seu estado está associado a sentimentos desagradáveis, ele será motivado a se esquivar ou desempenhar qualquer outra ação. O bem-estar será adequado quando ele não tem necessidades imediatas e provavelmente experimenta sentimentos positivos. A existência de determinadas necessidades não satisfeitas poderá configurar sentimentos inapropriados e bem-estar pobre (Broom e Molento, 2004). Os animais que vivem em ambientes pobres e sofrem déficits sensórios ou contato insuficiente com outros indivíduos, apresentam respostas impróprias a estímulos. Neste sentido, foram identificadas quatro categorias de comportamentos anormais indicadores de bem-estar reduzido em animais (Hughes, 1988): 1) comportamento prejudicial (lambedura ou mordedura de patas e dorso em cães); 2) movimentos anormais (excitação sensória, movimentos rotatórios de apreensão de cauda); 3) redirecionamento de comportamento (agressão); 4) Comportamento apático. Todas estas categorias de fenômenos estão provavelmente relacionadas às necessidades do animal. O sentimento de angústia advém quando as necessidades não são satisfeitas. Ao prover cuidado ao animal, as necessidades podem não ser satisfeitas ou não ser conhecidas. Se as necessidades não são satisfeitas, elas são consideradas deficiências e pode ser o resultado de crueldade, abuso, negligência ou privação. 32 Crueldade envolve a inflição voluntariosa de dor ou pela indiferença ou prazer. Abuso está associado com o uso impróprio ou prejudicial do animal, mas não com satisfação. Negligência acontece quando é negado ao animal o atendimento de sua necessidade física ou de segurança (alimento, água, cuidado médico, ou abrigo), deliberadamente ou por ignorância. Por outro lado, privação envolve freqüentemente a negação de necessidades também consideradas vitais. Muitas destas necessidades são psicológicas, enquanto envolvendo vários aspectos psicossociais do ambiente onde o animal interage. Geralmente, estas necessidades não são conhecidas ou até mesmo averiguadas. É a forma de abuso mais difícil avaliar. Privação é manifestada freqüentemente de modo sutil por enfado, solidão, desconforto, estimulação, ansiedade, incerteza, frustração, irritação, agressão, alarme, conflito, medo e angústia. Mudanças de atitudes do proprietário acompanhadas por terapia comportamental e farmacológica podem aliviar e até acabar com o sofrimento1 do animal, todavia, a prevenção apoiada em conhecimento sobre comportamento animal será sempre o melhor caminho para evitar o sofrimento deste ser admirável. 2.1.3 Estresse e Bem-Estar Os animais assim como em seres humanos, apresentam essencialmente, a mesma base anatômica e fisiológica quando são submetidos à experiência da percepção de estímulos nocivos. Os mecanismos fisiológicos como respostas autonômicas e mudanças neuroendocrinológicas são 1 Sofrimento é um estado subjetivo que pode ser gerado igualmente através de estímulos prejudiciais e através de estímulos puramente psíquicos, como a perda de um amado ou a impossibilidade de obter um objeto desejado (Dantzer, 1994, p.299). semelhantes. Igualmente, para as respostas de comportamentos aversivos, os animais também evitam estímulos nocivos que são dolorosos para seres humanos. Semelhanças qualitativas e quantitativas em percepção de angústia são difíceis de definir em seres humanos como também em animais. Não obstante, animais exibem sinais clínicos comportamentais e fisiológicos de angústia, semelhante aos humanos. Essas respostas para estímulos nocivos são modificadas por drogas de modo que qualitativamente e freqüentemente quantitativamente são semelhantes às modificações observadas em seres humanos (Kitchen et al.,1987). Outro exemplo é a dor física sentida pelos animais. Como eles não podem informar a existência da dor por meio da fala, a intensidade de dor percebido pelos animais deveria ser estimada por critérios idênticos que se aplicam ao seu reconhecimento em observações fisiológicas e de comportamento em seres humanos. O conhecimento alcançado pela neurociência vem demonstrando que os animais por possuírem habilidades cognitivas, são capazes de sentir sofrimento físico e psíquico, ainda que não tenha alcançado o mesmo grau de desenvolvimento de seres humanos. Tal sofrimento tem graduações diferentes em diferentes espécies e estas graduações dependem de experiência prévia. Não obstante, o bem-estar psicológico ser um tema muito subjetivo e propenso à interpretação antropomorfa, o pesquisador envolvido com a avaliação do bem-estar animal deverá se utilizar de certos critérios objetivos baseados em aproximações diferentes, mas complementares. Os critérios incluem a avaliação da saúde física, a observação do comportamento e a reação ao estresse. Segundo Novak e Suomi (1988) o bem- 33 estar psicológico guarda uma estreita relação com saúde física. A avaliação da saúde física pode ser realizada de várias maneiras: a) qualidade dos sinais externos, como condição da pele e da pelagem ou aspecto dos olhos, (b) taxa de crescimento e envelhecimento e (c) medição de variáveis fisiológicas. Para a avaliação final deve-se fazer uma conexão precisa entre a idade do animal e saúde psicológica e física. Uma condição física pobre exibida por um animal idoso, não atestaria necessariamente um bem-estar pobre e, um animal fisicamente saudável ainda poderia estar infeliz ou descontente. O critério relativo ao comportamento para avaliar o bem-estar psicológico estaria baseado na expressão das respostas espécie-específicas dentro de certos padrões esperados para a raça e para o contexto ambiental. Um perfil considerado favorecedor de bem-estar incluiria alto nível de comportamento social, comportamento ativo, exploratório e brincalhão, com baixos níveis de agressão e atividades estereotípicas. Seria observado ainda o quanto o animal é responsivo a eventos ambientais que acontecem naturalmente, a propriedade da resposta dada a estímulos e a efetividade das estratégias para contornar situações pouco favoráveis. Neste contexto, outro critério utilizado na avaliação de bem-estar é a reação ao estresse. Moberg e Mench (2000) sugerem que o bem-estar seja definido como a ausência de estresse por ser o estado de satisfação incompatível com o estresse. O conceito de estresse útil para pesquisa de comportamento baseia-se particularmente nos trabalho do fisiólogo americano Walter B. Cannon e colaboradores e do médico húngaro Hans Selye. Em termos gerais, Selye (1956) definiu estresse como uma resposta não específica de um organismo para qualquer demanda excessiva. Cannon (1946) em seus estudos considerou as emoções como sensações subjetivas passíveis de serem analisadas objetivamente através de fenômenos fisiológicos e componentes etológicos. Concluiu que as mudanças nas funções corporais em animais e humanos em situações emocionalmente estimulantes aumentavam a capacidade de um indivíduo para reagir ativamente a situações críticas preparando-o para luta ou fuga. A inabilidade ou impossibilidade do animal em mudar uma situação desagradável poderia ativar um comportamento apático, inativo e conduzir, entre outras coisas, uma redução em taxa de pulso e pressão sanguínea. Esse conhecimento alcançado nos últimos quarenta anos sobre os conceitos de estresse desenvolvido dentro dos limites de psicologia e medicina é uma condição prévia importante para entender os efeitos de interações sociais na fisiologia dos animais. O sistema social mantido através de contato constante entre os animais e os seres humanos afeta não só o comportamento dos indivíduos, mas também pode influenciar positiva ou negativamente a fertilidade deles/delas, a saúde e, conseqüentemente o bem-estar. O sofrimento do cão não é limitado exclusivamente ao sofrimento físico, já que ele é capaz de sentir sofrimento mental. Segundo estes conceitos, reações fisiológicas ao estresse são ativadas geralmente através de processos nervosos centrais (emoções ou sentimentos), que sempre acontecem quando uma situação é caracterizada por incerteza ou imprevisibilidade, quer dizer, quando o controle do indivíduo em cima da situação é impróprio ou impossível. A variabilidade das respostas ao estresse ao depender do contexto ambiental/comportamental e da adaptação dos indivíduos provê uma pista do mundo subjetivo do animal. 34 O mundo dos animais é organizado de forma que muitos dos eventos são previsíveis. A imprevisibilidade é um acontecimento potencialmente aversivo. Experiências desagradáveis prévias também resultam em expectativa, de forma que um cão ao experimentar medo em uma determinada situação, irá provavelmente evitá-la. Por meio da previsibilidade, os animais se preparam para reagir com mudança de comportamento aos eventos aversivos e não aversivos. A inabilidade de prever um evento torna a regulação do corpo mais difícil. A imprevisibilidade de um considerável número de eventos dificulta a adaptação do animal, podendo causar reações adversas. Weiss (1971) demonstrou que ratos que recebiam choques previsíveis apresentavam maior controle ao apresentarem menos úlceras no estômago que os ratos que recebiam choques de forma imprevisível. Kitchen et al. (1987, p.1187) definem estresse como o efeito de fatores físicos, fisiológicos, ou emocionais (estressores) que induzem alteração na homeóstase ou estado de adaptação do animal. Mudanças ou condições do ambiente são denominadas freqüentemente de estressores, o estado interno do organismo é denominado de estado de estresse, e as ações do organismo de resposta ao estresse. O conceito de estresse, portanto, emergiu do conceito de homeóstase que se refere à manutenção de um ambiente interno constante, apesar de flutuações nos ambientes externos, esta condição só é possível se o corpo tiver processos reguladores que superam excessos e deficiências. Qualquer sujeição no corpo a um estressor provoca um contra-reação para recuperar o equilíbrio inicial e esta resposta é a reação ao estresse. Independente do estímulo iniciador o propósito desta resposta não especifica sempre é o mesmo, preservar homeóstase. Como o organismo está constantemente exposto a estímulos que comprometem a homeóstase, o estresse está inevitavelmente presente ao longo de vida do animal. Os estressores incluem características físicas e químicas do ambiente (temperatura, radiação, pH, salinidade, catástrofes ambientais), fatores que dizem respeito à espécie (densidade populacional, disponibilidade de recurso, predadores, patógenos), fatores antropogênicos (efeitos ambientais, como , poluição, barulho e perturbações conseqüentes das atividades humanas) (Hofer e East, 1998). A resposta do animal a um estressor é vista como uma resposta adaptável para devolver ao animal o equilíbrio dos estados fisiológico e comportamental. Esta resposta que pode variar de acordo com a experiência prévia do animal; sexo; idade; estado fisiológico e psicológico; comportamento e processos emocionais concomitantes; envolve geralmente alterações nos sistemas neuroendócrino e nervoso autônomo, induzidas pelo sistema nervoso central, e este, pelo estado mental e comportamental do animal. Nem todos os estímulos que comprometem a homeóstase são necessariamente desagradáveis, alguns podem ser muito agradáveis, como acasalamento, passeios e brincadeiras. Selye (1956) propôs os termos "eustress" e "distress" para distinguir o estresse agradável do estresse desagradável, embora ele não tenha fornecido argumentos para justificar esta distinção. As reações fisiológicas podem ser prejudiciais ao indivíduo se elas alcançarem intensidade suficiente ou forem de duração longa. As tensões sociais ou psicossociais ativam processos nervosos centrais que induzem reações fisiológicas capazes de causar efeitos prejudiciais na vitalidade do animal ao longo prazo. O processo emocional como um fator subjacente nas reações de estresse pode em uma determinada situação ou estímulo, variar em seu efeito de um individuo para outro atuando como um estressor 35 extremamente prejudicial ou como uma influência inofensiva, e até mesmo como um gatilho positivo. Os indivíduos podem reagir aos mesmos estímulos de modos muito diferentes, no entanto, se o estressor é muito forte (queimaduras severas, temperaturas extremas), a morte pode resultar dentro de algumas horas. Os gatilhos de reações de tensão são principalmente processos físicos, sendo o resultado da avaliação de uma situação por um indivíduo. Estes processos dependentes do comportamento de adaptação conduzem a padrões de respostas fisiológicas diferentes que podem resultar em vários efeitos de patológicos. Os efeitos subseqüentes à estressores, por conseguinte, podem ser caracterizadas como adaptativa e não adaptativa. A resposta adaptativa não é em si prejudicial ao animal, uma vez que não melhora nem ameaça o bem-estar. Envolve alterações ambientais que podem ter efeitos potencialmente benéficos para o animal. A resposta não adaptativa denominada de angústia é um estado no qual o animal tem dificuldade ou não consegue se adaptar a estímulos internos alterados e/ou a um ambiente alterado. Se o animal consegue ter uma resposta satisfatória ao estressor ocorre a adaptação ao curto prazo, ao contrário, a angústia prolongada resulta em efeitos prejudiciais: alimentação anormal, reprodução ineficiente, interação social insatisfatória, hipertensão, imunossupressão, lesões gástricas e intestinais. A angústia quando induzida por mudança no estado interno através da ocorrência de doença, náusea, ansiedade excessiva e medo pode se tornar uma parte permanente do repertório do animal (von Holst, 1998) e ameaçar o seu bem-estar. A condição social de um indivíduo, assim como suas interações de sociais positivas e a estabilidade do sistema social são variáveis determinantes para a vitalidade e fertilidade do indivíduo. O conflito social provoca uma resposta de alarme aguda imediata caracterizada por ativação dos sistemas simpático-adrenal medular (catecolaminas epinefrina e noreprinefina) e do hipotalâmico-pituitário-adrenocortical (hormônio adrenocorticortrópico, cortisol, corticosterona e outros corticosteróides). O predomínio do hormônio da ação norepinefrina - representa a primeira resposta ao desafio que provavelmente é caracterizada pelo sentimento de raiva se a situação estressante não pode ser solucionada através de respostas de comportamento - luta ou fuga. A percepção de perda de controle possivelmente conduz a uma mudança de raiva para medo, como é indicado por uma produção crescente de epinefrine - hormônio da fuga - e comportamento subordinado. Se o conflito se mantém, a reação ao estresse caracteriza-se pela cronicidade. A intensidade da resposta dependente da percepção do animal e do seu controle sobre a situação social; são fenômenos quase que exclusivamente psicológicos. A continuidade da situação ameaçadora pode concorrer para a mudança de uma adaptação ativa ou para uma adaptação passiva e apática, acompanhada por atividade de adrenocortical aumentada e associado com os sentimentos de desamparo e depressão (von Holst, 1998). Outro efeito do estresse é um aumento no gasto de energia metabólica, enquanto implicando em um custo (Odum et al., 1979). O custo energético para evitar predadores ou mesmo perturbação humana por vigilância aumentada é dispendioso para o animal. Geralmente, a adaptação seguida ao estresse é energeticamente cara, enquanto favorecendo genótipos que apresentam uma taxa metabólica reduzida. O estresse reduz a aptidão de indivíduos desviando energia de processos como manutenção, reprodução, crescimento e adaptação genética, estando, portanto, relacionado inversamente à aptidão (De Kruipf, 1991). Animais socialmente subordinados podem sofrer fracasso reprodutivo em conseqüência de uma produção aumentada de glicocorticóides causada por molestamento. Comprometimento do orçamento 36 energético também ocorre a animais que convivem com estímulos estressantes imprevisíveis e em ambientes sociais instáveis (Hofer, 1998). A resistência ao estresse está associada com o uso eficiente de recursos metabólicos para crescimento e reprodução e é altamente variável entre indivíduos dentro de populações. Segundo Hofer (1998, p. 437), o mesmo contexto pode se apresentar como um desafio diferente para os indivíduos diferentes da mesma população. Esta variação parece ser um mediador importante da associação entre variação fenotípica e variação individual. Fenótipos de resistência ao estresse tendem a ter uma baixa taxa metabólica e uma baixa exigência, e neste caso, a manutenção é incluída. Considerando que animais são expostos normalmente à uma variedade de condições e a altos níveis de estresse, podese supor que a resistência ao estresse e, conseqüentemente, a eficiência metabólica que confere aptidão global ocorre normalmente em vários indivíduos de uma mesma espécie (Parsons, 1991). Estes indivíduos apresentam desenvolvimento rápido e uma vida longa, baseados na eficiência metabólica de genótipos resistentes ao estresse que serão passados para as próximas gerações (Parsons, 1996). O aprendizado também pode facilitar a mudança genética do custo de energia e ajudar na adaptação promovendo a integração genética de componentes de comportamento no agrupamento de genes (Anderson, 1995). Thornhill e Furllow (1998) enfatizam que a adaptação de uma espécie contra o estresse é evidência inequívoca que o estresse era importante para aptidão no contexto da história evolutiva da espécie. Em um sentido amplo, todas as adaptações estão envolvidas com redutores de estresse, porque adaptações são geradas através de seleção, e toda seleção envolve a força hostil do estresse. Uma resposta ao estresse é considerada uma adaptação se houver variação genética (Hofer e East, 1998). A adaptação, portanto, é uma solução evolvendo fenótipos para um problema ou estressor ambiental e, o comportamento está relacionado ao estresse, porque todo comportamento é a produção da adaptação psicológica sobre o processamento da informação. Os indivíduos que se ajustam à presença do estressor através das respostas ao estresse seriam favorecidos através da seleção natural em relação aos indivíduos que não o fazem. Estes indivíduos segundo Seyle (1956) estariam mal adaptados no sentido evolutivo. Charles Darwin em 1872 deixou registrado em seu livro que uma situação difícil de desespero ou aflição não podendo ser mudada, poderia ativar comportamento apático, inativo e conduzir, entre outras coisas, a redução da taxa de pulso e pressão sanguínea (Darwin, 2000). Um conceito geral que poderia ser empregado para estresse ou estressor seria qualquer coisa que ameaça a mudança de homeóstase. Este conceito não distingue entre estímulos agradáveis e aversivos e, assim, inclui acasalamento como estressor. No entanto, a visão adotada em bem-estar animal e psicologia restringem a definição de estresse à experiência de um estímulo a nocivo. Quando o animal está familiarizado e têm o controle do ambiente, consegue o prever os estímulos aversivos sob certas circunstâncias e ativar uma resposta interna mais significativa que o próprio estímulo. Estas respostas podem evocar uma resposta não específica que resultam em comportamentos semelhantes ou mudanças hormonais sob estímulos agradáveis ou aversivos. Por exemplo, infecções, dor e exercício estimulam o hipotálamo a conduzir um aumento de secreção de 37 corticosteróide. Quando o estímulo é aversivo espera-se que os animais mostrem certos tipos de comportamentos quando em uma situação estressante, por exemplo, diminuição do tempo reflexo, mudanças na vivacidade e atenção, supressão da alimentação e comportamento sexual. (Hofer e East, 1998). Agitação extrema e retirada apática também poderiam ser consideradas respostas a situações estressantes (Mason, 1991). Neste caso, a definição de estresse é mais restritiva ao considerar uma situação estressante somente aquela em que a reação do organismo não restabelece a homeóstase. É possível que uma resposta possa alcançar restauração da homeóstase lentamente, depressa ou possa falhar, mantendo o organismo em um estado modificado. A expectativa de um cão pelo momento do passeio pode se tornar uma situação estressante se a espera ultrapassar o horário usual, mas logo que o animal é atendido, alcança a homeóstase. Entretanto, se o animal não é atendido sistematicamente, pode advir à frustração e esta evoluir para angústia, caracterizando o passeio como uma necessidade. Neste caso o organismo do animal pode apresentar um estado modificado, contudo se o estado permanecer, configura-se um estado prépatológico (Moberg e Mench, 2000). O conceito de estresse que considera a redução de aptidão devido às respostas do organismo a estímulos é largamente utilizado em estudos de bem-estar animal (Broom e Johnson, 1993). O estresse é considerado como um efeito ambiental capaz de reduzir a aptidão Darwiniana do organismo. A aptidão Darwiniana de um genótipo é a taxa per capta do aumento do fenótipo correspondente às características que o indivíduo leva em seus os genes. Na prática, aptidão pode ser aproximadamente a capacidade reprodutiva em longo prazo e sucesso reprodutivo individual esperado. As conseqüências da ação dos estressores para aptidão incluem fracasso para criar a prole, abandono de descendência, aumento de mortalidade e declínio da longevidade (Hofer e East, 1998). O estudo da aptidão pode ser utilizado objetivamente para avaliar se um animal está adaptado, isto é, se mantém o controle e a estabilidade mental e corporal. (Broom,1991b), no entanto seria um equívoco assumir que a adaptação protegeria o animal de todas conseqüências da aptidão prejudicial. A seleção natural maximiza a aptidão, mas não necessariamente o bem-estar dos organismos (Hofer e East, 1998, p.439). A eliminação de conseqüências da aptidão prejudicial depende da condição antropogênica atual. Se ela é diferente, ainda que sob respostas evoluídas de estresse, a nova resposta ao estresse pode não ser eficiente, porque o contexto ambiental e a magnitude do estresse devido às ações humanas poderiam ser maior que nas condições anteriores. A pesquisa sobre estresse a partir de 1970 seguiu uma linha diferente dos princípios básicos desenvolvidos pelos biologistas. Os psicólogos clínicos ao analisarem a angústia psíquica em pessoas expostas a circunstâncias difíceis reconheceram a insuficiência de um modelo linear do tipo de estímulo/resposta proposta por Selye (1956) para explicar os efeitos de tensão no corpo. Um novo modelo proposto para compreender o estresse envolvia a avaliação da situação que é confrontada, em termos de expectativas e recursos pessoais. As estratégias satisfatórias de adaptação à situação incluíam estratégias focalizadas no problema para tentar mudar a situação e estratégia focalizada na emoção para tentar mudar emoções causadas pela situação (distanciando ou negação). O estresse ou angústia psíquica ocorreria, portanto, em conseqüência do modo como o indivíduo percebe e confronta a situação. 38 O controle comportamental e a habilidade de predição são importantes fatores psíquicos utilizados pelo indivíduo para reagir a uma situação ameaçadora. A psicologia os considera elementos básicos úteis na implementação das estratégias apropriadas de adaptação. O controle comportamental é alcançado quando o indivíduo se torna capaz de perceber as conseqüências da ação e aplicar este conhecimento na modificação do comportamento subseqüente. Já a predição baseia-se na habilidade para usar informação disponível para predizer a ocorrência ou ausência de um determinado evento (Dantzer e Mormed, 1983; Dantezer, 1994). O controle que um indivíduo tem sobre suas interações com seu ambiente é um aspecto importante em estudos de bemestar animal. O bem-estar será considerado mais pobre quando for afetado pelas conseqüências de falta de controle (Broom, 1991b). A manutenção do estado de controle por ser um tanto complexa, depende de uma grande variedade de respostas fisiológicas e comportamentais. O animal incapaz de manter o controle pode apresentar problemas comportamentais e comprometimento da função imune. 2.1.4 A dimensão do sofrimento animal As palavras dor e sofrimento são utilizadas comparativamente pelo senso comum, contudo, uma pessoa pode experimentar dor sem sofrer (sadomasoquismo) e pode experimentar sofrimento sem dor (angústia e medo). Seguramente, lesões de tecidos orgânicos podem conduzir ao sofrimento, mas é a reação mental a tal dano a causa que graduará o sofrimento. O sofrimento seria qualquer percepção de ameaça à integridade do indivíduo, compreendendo além dos danos físicos, outras emoções negativas decorrentes de eventos aversivos como medo e ansiedade, muito estudados em humanos através de modelos animais (Chapmam, 1990). Rowan (1988) destaca que a noção de sofrer como uma ameaça à integridade de uma pessoa tem grande importância para a discussão de sofrimento de animal e, a extensão do sofrimento neste caso, variará segundo a complexidade mental do animal. O cérebro ao mesmo tempo em que analisa toda informação encaminhada pelos sentidos, determina as respostas apropriadas. As áreas do córtex cerebral dos vertebrados foram mapeadas de acordo com suas funções, e em animais como os cães, todo o córtex está empenhado potencialmente na análise da entrada sensorial (Carthy, 1980). Os caminhos anatômicos e químicos de percepção de dor entre animais e humanos são muito semelhantes (Morton e Griffiths, 1985). A maioria dos sinais externos que nos levam a inferir a ocorrência de dor em seres humanos pode ser observada em outras espécies, principalmente em mamíferos e aves. Os sinais comportamentais incluem contorções corporais e tentativas de evitar a fonte causadora da dor, contorções faciais, gemidos, ganidos e outras expressões vocais, semblante e gestos de retraimento indicativos de medo ante a perspectiva de sentir dor etc. Estas evidências se devem a grande semelhança existente entre o sistema nervoso do ser humano e de alguns animais superiores. Tanto os seres humanos quanto os animais apresentam também reações fisiológicas indicativas de dor: dilatação das pupilas, elevação inicial da pressão arterial, transpiração, aceleração do pulso e, caso o estímulo continue, uma queda de pressão arterial. Conquanto os seres humanos tenham um córtex cerebral mais desenvolvido entre todos os animais, essa parte do cérebro está mais associada às funções do pensamento, e não aos impulsos, emoções e sentimentos 39 básicos que estão associados ao diencéfalo, estrutura bem desenvolvida em mamíferos e aves (Singer, 2002). O cérebro do mamífero por apresentar estrutura límbica faculta a esses animais algumas capacidades tais como: comunicação auditivo-vocal, brincar, sentir emoção, empatia e compaixão. As experiências obtidas através dessas aptidões constituem o que se denomina “inteligência” do animal e a sua disposição para empatia favorece o consórcio emocional com outros indivíduos (Chapman, 1990). Em seu livro intitulado In the Shadow of Man sobre o admirável estudo realizado com chimpanzés, Jane Goodall (1971) assinalou que os sinais básicos que o homem usa para expressar estados emocionais como a dor, a raiva, a alegria, a surpresa, o medo, o amor, a excitação sexual não são exclusivos da espécie humana. o estudo de bem-estar. Experiências subjetivas somente são conhecidas ao serem experimentadas individualmente, e o único modo possível de dedução sobre a existência de experiências subjetivas em qualquer ser, humano ou não-humano, seria por analogia. O sofrimento é um fenômeno subjetivo e a realidade da mente de uma pessoa não é identificável em condições objetivas. Em virtude dos sinais clínicos de dor e angústia serem diferentes nas diferentes espécies, a determinação precisa do estado de dor, desconforto ou angústia é muito difícil. Sofrimento é descrito como emoção desagradável que as pessoas prefeririam evitar normalmente e quadros clínicos de dor e angústia que envolvem estados mentais internos, são impossíveis de distinguir com precisão, até mesmo em seres humanos (Morton e Griffiths, 1985). No entanto, modelos animais de dor ou ansiedade provaram ser úteis na investigação neurológica e de elementos neuroquímicos que parecem mediar dor ou ansiedade em seres humanos (Kitchen et al., 1987). A dor é uma experiência sensória distinta de sofrimento que é um estado emocional, mas apesar dessa diferença, tanto a dor como o sofrimento são adversos ao bemestar. Geralmente em animais não é muito fácil descobrir a origem do sofrimento. Se um dano ou doença estiver associado a um sentimento desagradável o bem-estar estará significativamente comprometido. Determinadas medidas de bem-estar podem ser avaliadas de acordo com o sofrimento, no entanto, embora o sofrimento e bemestar pobre aconteçam freqüentemente juntos, o bem-estar não deveria ser avaliado somente em termo de experiência subjetiva. Um animal pode ter seu bemestar comprometido, a causa de uma alimentação deficiente, e não estar sofrendo. Esta realidade científica serve como base para a analogia da dor e da ansiedade em animais não-humanos. Em razão de eles estarem também sujeitos aos fenômenos emocionais semelhantes, uma consideração antropomorfa é de capital importância para Angústia severa poderia estar associada com o tédio resultante da falta de excitação ambiental e com as experiências de desamparo, privação de comida e água ou contato social por longos períodos. Os sentimentos subjetivos de um indivíduo são aspectos importantes de seu bem-estar (Broom, 1991b, p.118), uma vez que tanto os sentimentos de prazer ou desagradáveis afetarão o bem-estar do indivíduo. Estes sentimentos se intercalam ao longo da vida do animal, assim como bem-estar pobre e adequado. Dawkins (1990) sugere que a ocorrência de sofrimento em virtude da impossibilidade do animal fazer algo que ele está altamente motivado poderia comprometer a sua aptidão. Ao mesmo tempo, salienta que não existe nenhuma relação clara entre sentimento de sofrimento e motivação. O 40 animal poderia experimentar um estado de sofrimento sem estar motivado a fazer algo e vice versa. Bons exemplos seriam a incapacidade resultante de uma doença ou lesão, que leva o animal ao sofrimento sem haver motivação e um animal que tem uma coceira temporária moderada; mesmo que não consiga se coçar não estaria necessariamente sofrendo. O sofrimento pode não estar acompanhado da motivação, mas o reconhecimento da saúde física e psicológica como um critério importante para o bem-estar, não pode deixar de considerar o efeito da motivação. não implica somente no impedimento de um animal executar comportamento típico da sua espécie, mas também em efeitos adversos que surgem como resultado. O reconhecimento do sofrimento, pois, pode ser estabelecido observando como intensamente o animal é motivado a fazer algo e as conseqüências para a sua aptidão. Estar privado da alimentação, por exemplo, se constitui em uma ameaça à sua sobrevivência; o animal se tornará altamente motivado e sofrerá (fisicamente e mentalmente) se for incapaz de fazê-lo (Dawkins, 1983). Para o estudo do bem-estar, é importante conhecer as possíveis causas do sofrimento do animal. Na ausência de sinais clínicos de doença ou dano físico, os animais podem suportar sentimentos desagradáveis intensos por dois motivos de acordo com Dawkins (1988): a) sofrimento causado pela ocorrência de situações que o animal tenta evitar, mas não consegue (aversão) ; b) sofrimento causado pela ausência de certas condições onde o animal é motivado para executar um comportamento, mas por causa da ausência de um estímulo satisfatório ou a presença de alguma barreira física ou social o comportamento não pode acontecer. Então, se o nível de motivação que induz um comportamento é alto suficiente para a ocorrência do comportamento, e esse comportamento por algum motivo não é executado, é muito provável, que o animal experimente frustração. Dawkins (1988) advertiu que a existência de diferenças em comportamento entre animais não sugere necessariamente privação ou sofrimento e as conseqüências de não executar um comportamento também podem ser muito variável. Alguns animais quando são privados de um comportamento básico para a sua sobrevivência (comer, beber) podem sofrer uma motivação crescente e sofrerem se a privação persistir, não obstante, se um animal é privado de um comportamento que não aumenta a sua motivação ele provavelmente não sofrerá e, conseqüentemente a privação não afetará o seu bem-estar. A privação se torna um sofrimento quando um animal for impedido ou frustrado de executar comportamento importante para ele, experimentando intensos ou prolongados sentimentos desagradáveis. Um ambiente pobre de estímulos onde não há oportunidades do animal se comportar adequadamente, torna o animal passível de pagar um alto custo para se adaptar. Se o animal é motivado a executar um comportamento e é impedido de fazê-lo, o seu bem-estar será prejudicado. Duncan e Wood-Gush (1971) ao cobrirem o comedouro de algumas galinhas com uma tampa transparente observaram andaduras estereotípicas e aumento de agressão entre as aves. Episódios esporádicos de frustração podem ser algo corriqueiro na vida do animal, mas se frustração é intensa ou prolongada ou ambos, pode levar o animal ao estado de sofrimento e prejudicar seu comportamento e aptidão. A privação de comportamento, Em um ambiente estéril ou desprovido de estímulos, o animal altamente motivado tem dificuldade em consumar certos comportamentos. O animal para controlar esses sentimentos desagradáveis se utiliza 41 de alguns artifícios comportamentais conhecidos como atividade vazia, efeito de repercussão e estereotipia. A atividade vazia é uma atividade sem propósito aparente (lambedura e mordedura de flanco) que o animal desenvolve em resposta a motivação de um comportamento instintivo que não apresenta escape disponível. O desempenho desse comportamento pode de acordo com Heiligenberg (1965) reduzir a motivação para executar outro comportamento. O efeito de repercussão (Nicol, 1987) ocorre quando os animais privados da oportunidade para executar certos tipos de comportamento mostram uma tendência grandemente aumentada para executar aquele comportamento quando eventualmente lhe é dada à oportunidade, por exemplo, a excitação exagerada ao saber que irá passear. Diferentemente das atividades vazias e dos efeitos de repercussão que são comportamentos naturais, a estereotipia é um comportamento despropositado para o seu contexto, executado de forma repetitiva e constante. Se em um determinado momento, um animal não executar um comportamento para o qual está altamente motivado, e a situação se constituir em um risco para a sua aptidão, considera-se que esse comportamento tenha um alto custo para o animal. Este custo, portanto, seria o custo de preservação da sua aptidão. Igualmente, se o sofrimento acontece quando os animais são impedidos de executar um comportamento, os comportamentos considerados com um alto custo para o animal podem estar relacionados diretamente ao sofrimento e a aptidão. A constatação do comprometimento da aptidão de um animal é feita quando sua habilidade para reproduzir e sua saúde física ou psicológica são afetadas. Quando um animal estiver em seu ambiente natural, mecanismos internos os levam a se comportar de modos que maximizem a aptidão. Porém, em ambientes antinaturais, esses mesmos mecanismos podem ser ativados independentes das conseqüências para aptidão. Se em uma determinada situação o animal avaliar que ele está em grande perigo por não conseguir executar certo comportamento, sofrerá até mesmo se não estiver de fato em perigo. Logo, a estimativa de sofrimento de um animal, deve considerar não somente o custo para preservar sua aptidão, mas também o “custo percebido”. Por outro lado, o “alto custo” percebido pode ou não envolver sentimentos desagradáveis, no entanto, quando eles tiverem atrelados a um componente subjetivo, ele passa a ser denominado de estado de sofrimento (Dawkins, 1990, p.3). Deste modo, a condição corporal pode ser preservada ainda que o animal experimente sofrimento. A saúde física não requer somente que o animal esteja livre de lesões e infecções, que lhe garanta a sobrevivência e a reprodução, ele deverá estar livre também de perturbações fisiológicas menos óbvias potencialmente capazes de comprometer a sua higidez (Dantezer et al, 1983). A saúde psicológica é de igual importância, todavia, é mais difícil determiná-la com precisão (Broom, 1986; Duncan, 1996). Um animal pode ter aparentemente uma boa saúde física e experimentar sofrimento se o “custo percebido” em relação ao seu ambiente psicossocial for alto. A saúde psicológica está associada, portanto, a um baixo custo de percepção, pois como já foi assinalada anteriormente, a ausência de oportunidade para realizar um comportamento não implica necessariamente em sofrimento. Alguns tipos de comportamento podem refletir em diferentes tipos de anormalidade fisiológica que existe em um espectro largo 42 de debilitação progressiva em um animal. Qualquer tipo de modificações estruturais e/ou funcionais produzidas por doença no organismo pode conduzir o animal a sentir dor e/ou mal-estar, e, conseqüentemente, envolver algum grau de bem-estar pobre. A associação da doença ao bem-estar pobre não se caracteriza somente pela ausência de equilíbrio orgânico, mas também por diminuir a resistência ou aumentar a susceptibilidade do animal a patógenos e a efeitos adversos (Broom, 2006). Sendo o bem-estar pobre o resultado de uma variedade de causas, esta condição pode tornar o surgimento de uma enfermidade mais provável, freqüentemente iniciada por imunossupressão. Destarte, tendo o bemestar uma conexão importante e complexa com as patologias, o bem-estar adequado e a proteção contra doença podem ser alcançados com respostas mentais e comportamentos positivos facilitados pelo apoio social multiespecífico. (Broom, 1988a, Broom e Fraser, 2007). 2.2 Avaliação do Bem-Estar A conscientização popular a respeito da premente necessidade de rever as condições de criação intensiva de animais ocorreu inicialmente na Inglaterra em 1964 com a publicação do livro “Máquinas animais” escrito por Ruth Harrison citada por Duncan (1981). A indignação popular era tão intensa que o Governo Inglês constituiu um comitê sob a presidência do professor Rogers Brambell para investigar os sistemas de criação intensiva de animais de produção. Após a averiguação meticulosa da situação, o comitê redigiu um relatório hoje popularmente conhecido como o “Relatório Brambell”. O relatório se referiu ao bem-estar como um termo amplo que deveria compreender o bemestar físico e mental dos animais e, qualquer tentativa para avaliar o bem-estar, necessariamente teria que considerar a evidências científicas relativas ao sentimento dos animais. Preconizaram que os animais possuíam uma consciência que lhes facultavam experiência mental e, portanto, eram passíveis de sentir sofrimento. A partir deste relatório, todo estudo de bem-estar animal teria com o objetivo principal de revelar se um animal mantido sob os cuidados humano poderia experimentar sofrimento. Os pesquisadores não são capazes de saber com exatidão o que acontece na mente de um animal, mas podem observar e comparar o seu comportamento. Baxter (1988a, p.349) propôs que os pesquisadores deveriam olhar além do comportamento para identificar as necessidades de bem-estar. Esta proposição envolve o caminho da subjetividade, visto que os sentimentos não são diretamente acessíveis à investigação científica, mas isso não significa que eles não existam. A mesma dificuldade que existe para provar o sentimento de um ser humano existe também para os animais. A fisiologia e o comportamento dos seres humanos e de alguns animais são muito semelhantes e, por isso, eles são utilizados como objeto de experiência em estudos para investigar a fisiologia e o comportamento humano. Broom e Fraser (2007), baseados nesta realidade, alegaram que Nunca poderão ser conhecidos os sentimentos de outro humano com certeza e, semelhantemente, só uma estimativa dos sentimentos de indivíduos de outras espécies pode ser obtida. O estado de sofrimento representado pelo desconforto - fome, sede, frio, calor, doença, dor, medo, ansiedade, frustração, tédio, angústia, solidão - pode ser resultante de estímulos prejudiciais ou de necessidades não atendidas. A neurociência tem demonstrado que os animais possuem habilidades cognitivas e, portanto, são passíveis de experimentar sofrimento psíquico. Este sentimento varia entre as 43 diferentes espécies e entre indivíduos e por ser um estado subjetivo, somente pode ser avaliado ao nível individual, jamais ao nível de população. O estudioso em bem-estar animal deverá conhecer e interpretar as reações do animal baseando-se em observações precisas do comportamento que são complementadas com a avaliação do estado de saúde e medidas de respostas fisiológicas. Anormalidade na expressão de comportamento significaria o não cumprimento de necessidades comportamentais e psicológicas, evidenciando alteração patológica nos mecanismos de neurônios relacionados ao comportamento, e tais circunstâncias ocorrem somente em certos indivíduos que têm sistemas neuroquímicos hipersensíveis dentro do cérebro (Dantezer, 1994, p. 300). O animal por possuir sistemas de reconhecimento de estímulos prejudiciais ou favoráveis e monitorar os efeitos de condições ambientais, é capaz de desenvolver métodos para se adaptar às adversidades. Entre eles está a aprendizagem que tende maximizar os acontecimentos que aumentam a aptidão e minimizar as ocorrências que poderiam reduzir a aptidão. É através destes sistemas e métodos que se processa a evolução dos sentimentos positivos e negativos, importantíssimos ao cumprirem um papel biológico complementar aos mecanismos anatômicos, fisiológicos comportamentais (Broom, 1998). O bem-estar está intimamente relacionado com os estados subjetivos e, por conseguinte, a medição de bem-estar não deve ser baseada somente em indicadores que medem a função biológica, mas também, em indicadores próprios que consideraram os sentimentos ou as emoções dos animais (Duncan, 1996). Broom (1998, p. 400) foi categórico em advertir que a avaliação de bem-estar deveria envolver uma combinação de estudos de sentimentos e de outros fatores que provêem informação sobre adaptação. Procedimentos de adaptação e efeitos do ambiente sobre o indivíduo necessitariam ser avaliados através do teste de preferência e de indicadores de estresse. O teste de preferência empregado para avaliar mais diretamente os sentimentos e outros aspectos do bem-estar, permite o animal expressar uma escolha e o observador a descobrir a natureza de prioridades do animal. Juntamente com outros testes diretos ele fornece informação sobre quais condições o bem-estar poderia ser considerado adequado. Embora as reações resultantes do estado de estresse possam ser biologicamente adaptáveis em algumas situações, elas não têm efeitos benéficos. Em conformidade com a qualidade e intensidade dos estímulos recebidos, as respostas comportamentais são diversas, variando de supressão de atividades normais a preparação para ação, fuga, defesa ou isolamento. Se os estímulos estressantes continuam e o comportamento regulador é suficiente para promover uma adaptação à situação, todas as respostas comportamentais ativas podem cessar e o animal voltar ao estado anterior deequilíbrio. A indiferença aos eventos no mundo ao redor do animal representada pelo baixo nível de atividade ou apatia, talvez pudesse ser utilizada como um indicador de bem-estar tal como o indicador intranqüilidade. Moberg e Mench (2000) ao considerarem os conceitos de estresse e bem-estar interrelacionados de modo antagônico, sugeriram que o bem-estar deve ser definido como a ausência de estresse. Porém, na realidade vivenciada pelo animal, não é factível favorecer o bemestar psicológico simplesmente eliminando o estresse ou a angústia resultante. Haveria, 44 ainda, situações em que o animal não experimentaria angústia, mas também não experimentaria bem-estar psicológico. Esta condição poderia ser exemplificada por um animal entediado mantido em um ambiente sob baixa estimulação. Sendo, provavelmente, o estresse umacaracterística periódica e onipresente na vida da maioria dos cães, o importante a ser pesquisado seria a adaptação do indivíduo à condição estressante e não a medição do nível de estresse. Neste sentido, o bem-estar psicológico (Novak e Suomi,1988) seria a habilidade de um animal para estabelecer estratégias a fim de responder efetivamente aos eventos ambientais que ocorrem naturalmente e habilidade para se restabelecer rapidamente após experiências frustrantes ou eventos nocivos. Novak e Suomi determinaram alguns critérios que poderiam ser usados para estabelecer a presença de bem-estar psicológico em primatas não humanos: a) apresentar boa saúde física; b) exibir uma gama significativa do repertório de comportamento da espécie se mora individualmente e, não exibir níveis altos de padrões desorganizados de comportamento estranho ou estereotípico; c) não estar em um estado crônico de angústia e d) responderem efetivamente a desafios ambientais. A afirmação de dois critérios anteriores constituiria evidência razoável para a existência de bem-estar psicológico. A escolha de dois critérios não diminuiria a importância dos demais, pois os quatro critérios estão até certo ponto os relacionados. Geralmente, nos estudos que utilizaram animais, o estresse é tipicamente medido através de reações fisiológicas e não através do comportamento. Entretanto, devido haver vários caminhos relativos à gênese do estresse – sistema hipotalâmicopituitário-adrenocortical no qual são monitorados o ACTH e o cortisol e outro que envolve o sistema simpáticoadrenomedular no qual são avaliados os níveis de várias catecolaminas e seus metabólicos – os sistemas envolvidos podem ser ativados ou podem ser igualmente suprimidos sob diferentes condições ambientais (Moberg e Mench, 2000). O tipo de estressor pode ter uma importância decisiva na determinação da resposta hormonal e em implicações do bem-estar. Quando um animal é desafiado por algum tipo de estressor ambiental – encontro agonista ou estímulo incomum – o eixo de adrenomedular simpático é ativado. Em resposta a sua ativação, o organismo do animal é submetido à elevação da pressão sanguínea, do débito cardíaco, da coagulação do sangue, da freqüência respiratória e da secreção de adrenalina. À medida que a situação volta à normalidade e o animal se acalma e relaxa, o sistema nervoso simpático tem seu tônus reduzido. É difícil definir quando certo grau de uma mudança fisiológica particular reflete negativamente no bem-estar. Provavelmente seja mais seguro determinar bem-estar pobre quando o fracasso da tentativa de adaptação é ao longo prazo e existe comprometimento mensurável em saúde (Mendl, 1991). Talvez, devido à dificuldade de entender completamente o significado preciso das mudanças hormonais, seja mais apropriado classificar bem-estar em termos da ausência relativa de angústia. Em sua caracterização podese, portanto, serem utilizadas medidas de comportamento e fisiológicas de angústia (Novak e Suomi, 1988). Morton e Griffiths (1985) estudaram sinais clínicos e comportamentais seguros para o reconhecimento de angústia em primatas, como caretas, postura curvada do corpo, mudanças no estado afetivo e respiração anormal. Hofer e East (1998) abordaram o conceito 45 de estresse como o reconhecimento de organismos que podem empregar estratagemas para uma variedade de mecanismos visando à adaptação em resposta à estímulos estressantes diferentes. Os animais reagem a estressores desenvolvendo ajustes de comportamento, energético, hormonais ou imunológicos e neuroquímicos. Enfatiza que efeitos de perturbação antropogênica e mudança ambiental são importantes para a aptidão e, em um estudo prático, a ausência de medida de aptidão pode comprometer a identificação e a interpretação da resposta ao estresse. Não havendo o comprometimento da homeóstase, não haveria o comprometimento da aptidão, havendo grande chance do estabelecimento da adaptação e do bem-estar, todavia, a perda de massa corporal pode ser considerada uma conseqüência do estado de estresse e, por conseguinte, comprometimento da homéóstase. Os estados de estresse e respostas de estresse podem ser medidos de vários modos (Hurst et al.,1996). Uma avaliação inclusiva do impacto de tensão deveria incluir mais de um componente da resposta, em virtude da ativação de mais de um sistema fisiológico. Medir apenas uma resposta pode prover informação incompleta sobre a magnitude e as conseqüências do problema. Porquanto, é importante conhecer a resposta imediata que pode ser fisiologicamente cara e as conseqüências hormonais, comportamental e imunológica do estresse e considerar as ligações entre elas. Foram empregados muitos critérios para indicar se um indivíduo ou uma população está em um estado de estresse baseados no reconhecimento da "síndrome de adaptação geral" desenvolvida por Selye (1956). Esperava-se encontrar indicadores gerais que pudessem confiantemente apontar o estado de estresse. Houve, nesta época, muitos equívocos, porque os pesquisadores supuseram que todos os indivíduos de uma população ou uma espécie responderiam a um estressor de forma idêntica. Eles ignoravam a possibilidade de uma resposta estar condicionada ao estado do indivíduo. Não imaginavam que um mesmo estressor ambiental poderia ter conseqüências prejudiciais à aptidão do indivíduo se ele não estivesse em boa forma e, nenhuma conseqüência se estivesse bem em termos gerais de saúde. Os processos fisiológicos particulares poderiam ser componentes necessários de uma resposta de estresse, mas às vezes esses processos podem ser insuficientes para demonstrar a resposta ao estresse. Assim, indicadores podem ser valiosos para responder algumas perguntas, mas não outras, visto que uma resposta ao estresse pode ser capturada incompletamente pelo indicador escolhido. Uma reação do organismo pode incluir componentes enérgicos, hormonais e imunológicos que podem ser invocados a graus diferentes por indivíduos diferentes e a medição de apenas um componente pode configurar inexatidão. Igualmente, numerosos estudos demonstram que a falta de um comportamento indicativo de estresse é uma situação comum, uma vez que o comportamento é freqüentemente um guia incerto para abalizar até que ponto um organismo experimenta estresse (Hofer e East, 1998). Neste sentido, Novak e Suomi (1988) assinalaram que o bem-estar psicológico estaria definido em termos de um certo perfil desejável de comportamento. O animal deveria demonstrar um alto nível de comportamento ativo dentro de seu ambiente - exploratório e brincalhão - e mostrar baixos níveis de agressão e atividades estereotípicas. 46 Em uma extensa revisão, Maestripieri et al. (1992) concluiu que a medida de atividades de deslocamento2 poderia ser um indicador útil de tensão psicossocial. Entre outros tipos de medida para tentar avaliar o grau de perturbação experimentado por animais encontram-se a freqüência de comportamento exploratório, comportamento de evitação ou esquiva de um objeto ou evento, apatia e comportamentos anormais, como a estereotipia e agressividade excessiva. Hurst et al. (1996) ao sujeitarem Rattus norvegicus à intensa pressão social, observaram um aumento de atividade com diminuição da fase de sono e evidência de patologias fisiológicas. Paterson e Pearce (1992), não obstante, ao usarem medidas fisiológicas para verificar a possibilidade da utilização de medidas de comportamento como indicador do estado de estresse, demonstraram que o comportamento de suínos ante a aproximação humana, não apresentava correlação entre índices de cortisol e a desempenho no crescimento subseqüente. Hofer e East (1998, p. 450) salientaram que A relação do comportamento com homeóstase devido às demandas da estação de procriação e mudança adaptáveis em virtude de outro estado de estresse. Enfim, um estudo sobre bemestar, devido todos os possíveis indicadores do estado de estresse de um organismo não serem considerados elementos diacríticos, torna-se essencial à utilização simultânea de diversos indicadores. As medições relativas às reações do animal ao estado de estresse devem estar apropriadas ao período de duração desse estado. Algumas medidas são mais adequadas às respostas às condições adversas de curto-prazo, enquanto outra são empregadas somente para problemas de longo-prazo (Fraser e Broom, 1997). Independentemente do curso da resposta do animal, a dificuldade ou fracasso para adaptar-se ao ambiente podem ser demonstrado através de indicadores de bem-estar pobre. O sofrimento e bem-estar pobre freqüentemente ocorrem conjuntamente, entretanto, o bem-estar pode ser caracterizado como pobre sem o animal experimentar sofrimento e, desse modo, o bem-estar não deve ser definido somente em termos de estado subjetivo (Broom, 1991). parâmetros cardiovascular, adrenocortical, aspectos enérgicos ou imunológicos da resposta de estresse são freqüentemente obscuros, e o valor deles para predizer conseqüências de aptidão é desconhecido. Ao referir-se às corporal alegaram relação às perdas resultante de uma 2 mudanças da massa haver controvérsia em de massa de corporal alteração inesperada da Atividade de deslocamento - Comportamento normal exibido em um momento inapropriado ou fora de contexto. Os exemplos mais evidentes são vocalizações e auto-higiene excessiva O processo de adaptação ao envolver respostas de comportamento e fisiológicas, permite ao animal controlar e manter a estabilidade mental e corporal. Este processo inclui regulação do estado normal do corpo acompanhado de respostas de emergência, como atividade adrenal alta, taxa de coração ou outras atividades que podem requerer mais gastos de energia. Esse gasto de energia, no entanto depende da predição do animal, da sua percepção sobre a adequabilidade das ações reguladoras normais (Broom, 1991). O seu bem-estar dependerá do sucesso em adaptar-se às condições proporcionadas pelo ambiente físico e psicossocial onde vive. Em algumas situações a adaptação é difícil e o animal consegue adaptar-se com 47 grande dificuldade, em outras, apesar de todo o seu esforço, não alcança a adaptação, sobrecarregando o sistema de controle. Estabelece-se então, o estado de estresse, podendo ocorrer à redução de sua aptidão com o comprometimento do crescimento e das atividades reprodutivas, levando eventualmente o animal à morte. Em um estudo de bem-estar animal, o estado resultante das tentativas de adaptação ao ambiente será reconhecível através de medição científica da dificuldade ou o fracasso de adaptação. Logo, o bem-estar pobre está relacionado à dificuldade ou ao fracasso de adaptação do animal. Havendo comprovação da dificuldade de adaptação ou da impossibilidade de adaptação, deduz-se que o animal está sofrendo. Este sofrimento, contudo, pode ser um estado passageiro passível de ser modificado logo que o animal alcance a homeóstase. Morton e Griffiths (1985) ao referir-se ao reconhecimento da dor, angústia e desconforto em animais experimentais foi enfático em sua colocação ao estabelecer que a incapacidade verbal do animal não impede a apreciação segura do sentimento de dor, pois existem muitos sinais clínicos para guiar o observador diligente e inteligente que dificilmente se equivocaria. Semelhantemente, ocorrerá com a observação criteriosa de alguns aspectos comportamentais. O observador somente se enganará se assumir atitude cartesiana e negar evidências que confirmam o animal como um ser senciente. Para o pesquisador lograr êxito em suas observações é essencial que esteja atento a aparência física, ao desempenho e ao padrão de comportamento normal da espécie estudada. Deverá ainda, extrapolar a variação de resposta à diferença entre raça e entre indivíduos da mesma raça que poderão mostrar respostas discrepantes. Mudanças na aparência global de um animal e o modo como ele interage e o seu comportamento pode indicar os primeiros sinais de anormalidade. Desleixo com o auto-cuidado pode ser um sinal básico para posteriores observações de muitos destes sinais. Se a dor, angústia ou desconforto for sentido por algum tempo, a pelagem poderá perder seu brilho natural; haver descargas dos olhos e nariz; as orelhas podem estar abaixadas; o dorso pode apresentar-se curvado e o animal poderá buscar superfícies frias; beber água e urinar com maior ou menor freqüência; apresentar-se ansioso, arredio, agressivo ou extremamente submisso; diminuir a mobilidade; latir de modo distinto ou uivar. A inapetência prolongada resultará na produção reduzida de fezes, redução do peso corporal e do crescimento. Um esquema experimental para a avaliação da magnitude do sofrimento poderá basear-se nas seguintes variáveis: aparência, peso corporal, sinais clínicos, comportamento e respostas apropriadas para um estímulo. Essas variáveis independentes baseadas em sinais mensuráveis e padrões de comportamento devem ser adequadamente observadas e medidas com precisão. A avaliação de cada variável é feita dentro de uma amplitude de 0 a 3 sendo o valor zero determinado quando nenhuma variação anormal é descoberta (Morton e Griffiths, 1985). A aparência de um animal resultante do auto-cuidado reflete sua condição geral pode ser classificada subjetivamente segundo critério estabelecido pelo pesquisador, em contrapartida, o peso corporal tem a vantagem de ser medido objetivamente. Um fracasso para manter o peso corporal em adultos ou um fracasso para alcançar peso esperado em animais em crescimento indicará alguma anormalidade (Broom e Fraser, 2007). O aparecimento de falsos positivos pode surgir devido à insuficiência pancreática, condições que aumentam a taxa metabólica, absorção 48 intestinal diminuída e diabetes melito comumente acompanhada do aumento do consumo de comida e de água. Desaparecendo a causa de sofrimento o retorno à normalidade da ingestão descartará a possibilidade de diabete (Morton e Griffiths, 1985). Os animais que sentem dor ou sofrimento podem apresentar sinais clínicos mensuráveis por ativação do sistema nervoso autônomo simpático. Observa-se freqüentemente a elevação o nível de catecolaminas, elevação das taxas cardíacas, taxa respiratória e a temperatura do corpo, exceto nas extremidades do corpo que tem um suprimento de sangue reduzido. A ocorrência de tremor muscular deve-se, possivelmente, a elevação da temperatura. Vômito, diarréia ou constipação podem acompanhar os outros sinais clínicos. Em situações graves os parâmetros clínicos podem ser alterados e apresentarem-se diminuídos. Em relação ao comportamento do animal que experimenta sofrimento, podem-se observar mudanças caracterizadas por isolamento, agressividade, inquietude ou letargia, choramingos, latidos ou uivos (Breazile, 1987; Reisner, 1991; Knol, 1994). O comportamento é um recurso utilizado pelo animal como uma resposta de emergência ou como um elemento regulador, necessários ao processo de adaptação. Tanto as respostas requeridas para a adaptação quanto às respostas de caráter patológico que apontam desordem mental ou física são indicadores de bemestar. Ambas as respostas são consideradas comportamentos anormais por diferirem do padrão, na freqüência e no contexto onde são mostrados pela maioria dos indivíduos da espécie, podem tornar-se prejudiciais (Fraser e Broom, 1997). O aumento ou diminuição da freqüência de alimentação ou de cuidado do corpo, por exemplo, podem comprometer a condição corporal do animal e levá-lo a lambeduras ou mordeduras causativas de lesões. O grande interesse da utilização de comportamento como um índice de bemestar é provavelmente devido às dificuldades e limitações associadas ao emprego e outros indicadores na avaliação do bem-estar. A investigação do comportamento de um modo geral envolve o conhecimento dos interesses do animal através de teste de preferência e a busca de comportamentos incomuns, impróprios ou anormais resultantes de privação, frustração ou medo. Duncan (1981, p. 492) acrescenta que o comportamento transtornado pode indicar mais sutilmente e mais depressa quando o bem-estar de um animal é adversamente afetado. Sendo o bem-estar o estado do animal em relação às suas tentativas de adaptação (Broom, 1986), a avaliação de bem-estar mede as tentativas de adaptação em uma escala que varia de adequado a pobre. A caracterização de bem-estar adequado significaria que o animal não tem nenhum problema para resolver alcançando com facilidade à adaptação. Este animal, provavelmente, encontra-se em uma situação em que há predominância de bons sentimentos evidenciados pela expressão de conforto e prazer. A caracterização de bem-estar pobre expressaria o empenho do animal em enfrentar a condições adversas através de extremas respostas fisiológicas ou respostas comportamentais. O enfrentamento implica na utilização de uma gama de mecanismos de adaptação para manter o controle da estabilidade mental e corporal. A dificuldade prolongada para obter sucesso pode resultar em diminuição da aptidão com falência no crescimento e problemas reprodutivos. Possivelmente, os animais que têm dificuldade de superar o problema 49 experimentam sentimentos pouco salutares associados a sua situação. (Broom e Molento, 2004). Conquanto uma medida possa indicar que um indivíduo esteja tendo dificuldade em adaptar-se às condições do ambiente onde vive, é um procedimento básico em qualquer avaliação de bem-estar empregar uma variedade de indicadores. O exame simultâneo a fim de conhecer as semelhanças ou diferenças entre indivíduos envolve vários aspectos e, um animal, valer-se-á de um método próprio para adaptar-se a um único problema ambiental (Fraser e Broom, 1997). Se o animal utiliza vários métodos para tentar se adaptar aos diferentes efeitos adversos, o uso de apenas um indicador para avaliar a reação de um animal às condições aparentemente difíceis poderia, portanto, indicar que o animal está adaptado ao ambiente. No entanto, se forem utilizados conjuntamente indicadores fisiológicos, comportamentais e medidas de aptidão, aumentaria a validação da avaliação dos métodos de adaptação do animal e a caracterização do bem-estar seria mais precisa. Logo, para conhecer os sentimentos positivos ou negativos dos animais e caracterizar o bem-estar, devem ser utilizadas uma variedade de medidas diretas e indiretas. A avaliação pode ser realizada mediante métodos gerais com o emprego de: indicadores diretos de bemestar adequado e bem estar pobre; teste de evitação; teste de preferência positivo e habilidade de realizar comportamento normal e outras funções (Broom e Frazer, 2007). Informações precisas sobre como os animais passam o tempo deles em um ambiente rico em estímulos servem também como um guia valioso para promoção do enriquecimento do ambiente onde o animal vive. Os indicadores gerais de bem-estar pobre incluem indicadores de aptidão reduzida (probabilidade de vida reduzida, atraso de crescimento, comprometimento da atividade reprodutiva, dano corporal, doença), imunossupressão, atividade adrenal, anomalias de comportamento e egonarcotização. Entre as medidas diretas de bem-estar pobre encontram-se as medidas fisiológicas: aumento do débito cardíaco, atividade adrenal, índices de ACTH e imunossupressão (Broom, 1991). O sucesso reprodutivo vitalício (Broom, 1991) seria a melhor estimativa de aptidão biológica, enquanto o comprometimento representado por atraso do início do desempenho reprodutivo, intervalos alongados entre procriações, redução do número e morte prematura das crias, seriam ocorrências definidoras de bemestar pobre. A avaliação de dano corporal seria assinalada por ossos fraturados, a freqüência de ferimentos e de úlceras estomacais. A doença e a suscetibilidade à infecção assumem grande importância como indicadores, porquanto o bemestar de um animal doente comumente é é mais pobre que em animais saudáveis. Quando um animal está sob estresse, há uma grande probabilidade de o seu bemestar ser pobre. A implicação direta sobre a sua aptidão inclui os efeitos de manipulação rude, perturbação e isolamento social. Ao se utilizar de seu sistema de controle, o animal pode gastar muita energia e, conseqüentemente, reduzir o seu índice de massa corporal que pode ser medida diretamente. Entre todas as medições de bem-estar, o comportamento é o indicador menos complexo. Ele pode oferecer orientação fundamental sobre as necessidades, preferências e estado interno do animal. O comportamento anormal é visto freqüentemente como indicador de bemestar pobre por estar associado à ambientes faltos de estímulos e motivação frustrada 50 que levam o animal aos estados de frustração, conflito, dor, medo, doença, etc. O comportamento utilizado como indicador apresenta um valor peculiar na avaliação do bem-estar. Apesar de ele medir a tentativa do animal em adaptar-se às adversidades como os demais indicadores, o pesquisador ao estimar o comportamento de ansiedade, intranqüilidade ou de evitação do animal em relação a um objeto, a um indivíduo ou a um evento, obtém importante informação sobre seus sentimentos e conseqüentemente sobre seu bem-estar. Comportamentos impróprios podem ser quantificados e usados como indicadores de problemas de bem-estar em longo prazo (Broom e Fraser, 2007) como a agressividade excessiva e o comportamento de indiferença ou inatividade. Um comportamento anormal pode ajudar o animal a adaptar-se ao ambiente, mas ainda assim, indica bem-estar pobre se comparado ao comportamento de outro animal que não experimenta muita dificuldade durante a adaptação. Algumas respostas são somente patológicas, não havendo envolvimento do animal com o processo de adaptação. Quanto mais freqüente é a exibição de comportamento patológico, mais pobre é o bem-estar. A estereotipia como um comportamento realizado sem nenhum propósito óbvio acontece também com seres humanos saudáveis que não conseguem controlar os eventos ambientais onde experimentam ameaças ou frustração em conseqüência da baixa estimulação. Ainda que o cérebro do animal produza opióides como analgésicos internos durante o processo de adaptação, a auto-narcotização desenvolvida nesse processo indica claramente bem-estar pobre (Broom, 1988b). Todos esses indicadores ajudarão o pesquisador a definir o estado do animal em uma escala de bem-estar que varia de muito bom a muito pobre. A graduação de bem-estar obtida o auxiliará na discriminação do sentimento em positivo ou negativo. A despeito da aparente dificuldade em realizar medições diretas para identificação de prazer, é desejável que o reconhecimento do bem-estar adequado seja efetuado através de evidência positiva ao invés de ausência de evidência negativa. Em seu livro sobre comportamento e bem-estar do animal doméstico Broom e Fraser (2007, p.58) lista vários indicadores que poderiam ser utilizados da avaliação do bem-estar. Entre os principais indicadores estão: indicadores fisiológicos e comportamentais de prazer; presença ou supressão de comportamento normal; tentativas fisiológicas e comportamentais de adaptação (prevalência de doenças e danos corporal, imunossupressão, comportamentos preferenciais e aversivos; comportamento patológico) e mudanças bioquímicas cerebrais. 2.2.1 Definição dos indicadores de bem-estar O cão, como um animal domesticado, é mantido em condições onde ele não pode ou não executa comportamentos típicos de seus ancestrais. Um estudo de bem-estar animal fundamenta-se exatamente na tentativa de saber se as condições onde esses animais são criados lhes favorecem a adaptação ou lhes causam sofrimento. Portanto, qualquer investigação nessa área deverá considerar se os animais sentem particularmente um sentimento desagradável (Dawkins, 1988, 1990; Duncan, 1996; Broom, 1998, 2006; Broom e Fraser, 2007). O sentimento envolvido na privação de um comportamento varia largamente entre indivíduos. Alguns animais podem sentir uma motivação crescente para concretizar um comportamento e sofrer se há prosseguimento da privação. Outros animais, no entanto, não são motivados 51 pelo mesmo tipo privação e as conseqüências em relação ao seu bem-estar não são comprometedoras (Nicol, 1987). Clark (1997b) ressaltou que a avaliação do bem-estar poderá ser estabelecida recorrendo à medição de respostas internas (neurobiológica, endocrinológica, imunológica, morfológica) e comportamentais do animal. Igualmente, Brown (1981); Banks (1982); Dantzer e Mormede (1983) Dantezer (1994); Dawkins (1988); Duncan (1996) acentuam que em um estudo de bem-estar a definição de indicadores externos observáveis que denotam as atividades psíquicas, sentimentais, emocionais e volitivas do animal, é uma empreitada de grande importância. O estabelecimento da condição da saúde física não é tarefa muito difícil, no entanto, se o sofrimento não pode ser revelado por sintomas clínicos, é de suma importância empregar outros indicadores fisiológicos e comportamentais para se avaliar quais os índices destas variáveis constituem sofrimento. Hughes (1980) citado por Dawkins (1988) adverte que mudanças hormonais ou variação na freqüência de certos tipos de comportamento não se constituem necessariamente em sofrimento, pois alguns animais suportam sentimentos desagradáveis de forma bem-sucedida. Este é um ponto importante no estudo de bemestar, os pesquisadores têm que descobrir indicadores precisos ou modos de perceber como o animal se sente sob certas condições. Broom (1998) não aceita o argumento sobre o reconhecimento de o sentimento ser algo inseparável de descrição verbal, e coerentemente, aponta o sentimento como algo um tanto difícil de ser investigado experimentalmente. Adverte que até mesmo técnicas sofisticadas, não são capazes de estimar com precisão o sentimento de um indivíduo, mas podem ser feitas predições razoáveis utilizando-se avaliações fisiológicas e evidências confiáveis a partir de estudos cuidadosos do comportamento. Entre as medidas fisiológicas que podem coincidir ou preceder às mudanças em sentimento estão: débito cardíaco, mudanças da atividade do córtex adrenal, medidas hormonais e mudanças de atividade de neural. Técnicas de esquadrinhamento do cérebro podem evidenciar a existência de sentimentos através da demonstração da existência de relação entre mudanças cerebrais e mudanças de comportamento. Broom reconhece que um problema relevante no reconhecimento de sentimento a partir de observações de comportamento, resulta da possibilidade do sentimento existir sem haver qualquer mudança fisiológica ou comportamental. Se os pesquisadores considerassem somente os sentimentos na avaliação de bem-estar, muitas evidências importantes, concorrentes para a validação do resultado não seriam observadas. Evidências como inabilidade para crescer e reproduzir, condição física, longevidade, imunossupressão, estresse, doença e anormalidade do comportamento não seriam utilizadas para indicar bem-estar pobre. A categorização do bem-estar, portanto, não deve se basear somente na demonstração de sentimentos adequados ou inapropriados do animal, mas também em evidências outras que concorrem para a validação do resultado. Estas evidências são aspectos importantes vinculados aos métodos de adaptação do animal e, portanto, devem ser incorporadas ao estudo de bem-estar (Broom, 1998). Um animal ao apresentar agressividade excessiva e condição corporal inapropriada estaria menos adaptado ao seu ambiente que um animal manso com condição corporal ideal. O bem-estar desse animal estaria ainda pior se ele estivesse experimentando sofrimento percebido pelo seu estado de intranqüilidade. 52 Sendo o bem-estar o estado do animal em relação as suas tentativas de adaptar-se ao ambiente, o bem-estar pode variar de adequado a pobre (Broom, 1986). Os animais ao se utilizarem de uma variedade de métodos de adaptação poderão alcançar sucesso ou fracasso e, naturalmente, as várias conseqüências do fracasso que caracterizarão o bem-estar pobre, deverão ser medidas através de uma variedade de indicadores. Um resultado seguro não poderia ser obtido com a medição de apenas um indicador, pois se usarmos o indicador comportamental, por exemplo, o animal poderia estar sofrendo sem apresentar qualquer comportamento anormal. Igualmente, quando animal é aparentemente saudável e o sofrimento, se existir, não resulte em sintomas clínicos, ainda há a obrigação do pesquisador em tentar descobrir quais indicadores, tanto os fisiológicos como os comportamentais são os mais adequados (Banks, 1982; Dantzer e Mormede, 1983; Dawkins, 1988). Assim, para estudar o bem-estar animal empiricamente nós precisamos de uma base objetiva segura para saber se um animal está sofrendo. A avaliação de bemestar deve referir-se às condições físicas e psíquicas do animal como individuo, e não a algo proporcionado ao animal pelo homem. O proprietário de um cão pode favorecer o bem-estar do animal atendendo suas necessidades físicas, psicológicas e comportamentais, mas esse atendimento não é, na realidade, o que deve ser medido na avaliação o bem-estar. Broom e Fraser (2007) reiteram que em toda a avaliação de bem-estar é importante considerar a variação individual nas tentativas de adaptação às adversidades e aos efeitos que essa adversidade causa ao animal. Neste contexto, sendo as respostas fisiológicas e comportamentais diferentes para diferentes indivíduos e para diferentes problemas, é necessário que um estudo de bem-estar inclua variados indicadores para a realização de distintas medidas, mas que conjuntamente, revelarão a severidade do problema. Os principais conceitos apontados pelos diferentes autores citados foram: a) um estudo sobre bem-estar deverá considerar o que os animais sentem; b) o sentimento envolvido na privação de um comportamento varia largamente entre indivíduos; c) a avaliação do bem-estar poderá ser estabelecida recorrendo às respostas internas e comportamentais do animal; d) indicadores externos observáveis denotam aspectos subjetivos do animal; e) em alguns indivíduos, o sofrimento pode não ser revelado por sintomas clínicos; f) mudanças hormonais ou variação na freqüência de certos tipos de comportamento não se constituem necessariamente em sofrimento para alguns indivíduos; g) sentimento comprometedor pode existir sem haver qualquer mudança fisiológica ou comportamental; h) a presença de estresse não indica necessariamente bem-estar pobre. 2.3 A relação homem-animal Há milhares de anos atrás quando o homem vivia em aldeias, a domesticação do ancestral do cão e a sua evolução social passou a ser influenciada pela proximidade íntima com o homem. A interação com o lobo foi provavelmente uma das estratégias mais prósperas de sobrevivência do homem (Beck e Meyers, 1996). Os animais além de haver se tornado companheiro de caça, favoreceram a segurança e a tranqüilidade ao homem, servindo como sentinelas para o perigo e proteção contra o predador. Este senso de segurança é mantido até hoje pelo homem ao utilizar o cão como vigia do ambiente doméstico e propriedades de uma forma geral. Em razão dos lobos viverem em matilha, a sua adaptação ao homem ocorreu naturalmente. A integração próspera os afastou de sua origem. Passaram por 53 mudanças genéticas que resultaram em transformações físicas e atenuação de sua agressividade. Os filhotes de lobos criados por humanos tornavam-se inteiramente dependentes e, conseqüentemente, desenvolveram a neotenia, a persistência do comportamento juvenil em animais adultos. Esta característica permitiu o lobo a aumentar a sua proximidade íntima e integração com o grupo humano. Em conseqüência, instalou-se entre as duas espécies o mutualismo - associação entre duas espécies diferentes com benefícios para ambas. O lobo domesticado passou a servir ao homem de muitas formas ao longo dos séculos. Ao assumir alguns papeis utilitários, foi submetido artificialmente à seleção genética responsável pelo aparecimento de uma grande variedade de raças. O cão, assim como o gato, subiu na hierarquia dos animais domesticados tornando-se o animal de estimação. Hoje, a despeito dos efeitos prejudiciais que podem advir do contato animal, exemplificados por zoonoses (doenças infecciosas e parasitárias), alergias e danos traumático, resultantes de mordidas e arranhões, os cães cumprem um papel importante nas vidas de muitas pessoas. Neste novo contexto, muitos estudos foram conduzidos para a elaboração de rações, vacinas, antiparasitários e quimioterápicos para preservar a sua saúde e, paralelamente, houve o aprimoramento de legislações que preceituam normas relativas ao controle sanitário e à proteção animal. Na opinião Levinson (1962, p.59) a importância do animal de estimação para o homem é psicológica em lugar de prática. A relação entre homem e o cão, especialmente entre criança e o cão, pode ser mais saudável que entre dois seres humanos. Um cachorro fiel satisfará a necessidade do mestre dele por lealdade, confiança, obediência respeitosa, como também submissão. O homem, intuitivamente, sempre esteve atento à satisfação de algumas necessidades psicológicas alcançadas pela atuação sutil dos animais de estimação. De acordo com Heiman (1965) O cão é para homem civilizado o que o Totem foi para o primitivo, representando Um protetor - um talismã contra o medo de morte. Pelos mecanismos de deslocamento, projeção e identificação, um cachorro ou outro animal de estimação pode servir como um fator principal na manutenção de equilíbrio psicológico. Entre todas as possíveis relações interespecíficas entre animais selvagens, animais domésticos e o homem, a comunicação entre o humano e o cão ou gato costuma ser mais sofisticada (Miklósi et al., 2005) e, entre todos os animais de estimação, somente o cão habituado a viver afetuosamente com o homem, tem capacidade psíquica de representar qualquer papel requerido pelo seu proprietário. Este, ao se inter-relacionar de modo complexo com o animal, o utiliza como se fosse um objeto humano na resolução de seus conflitos (Heiman, 1965). Tanto o cão como o homem pode identificar o outro como provedor de suas necessidades e se tornar dependente. Cada um explora os benefícios do outro, sendo essa interseção algo importante em suas vidas. Siegel (1962, p. 1046) desenvolveu um estudo baseado na seguinte pergunta: “Por que as pessoas se relacionam freqüentemente melhor com outros animais do que com os humanos?”. Ponderou que possivelmente, a causa era a comunicação estabelecida mais facilmente com um animal de estimação. Algumas pessoas cansadas de decepções e das dores resultantes das lutas diárias com outros seres humanos, sofrem grande necessidade 54 de sentirem-se amadas. Muitas delas incapazes de aprender a trocar calor e afeto, têm dificuldade em se relacionar bem com outras pessoas, embora, freqüentemente, são afetuosas com animais, tornando-se mais "humanas" e agradáveis com a permuta. O animal parece demolir alguma barreira psicológica. O cão proporciona ao seu proprietário oportunidades para sentir-se importante como protetor e cuidador de um companheiro animal. Sua intensa dedicação é incondicional, independe da condição social do seu proprietário. Diferentemente de qualquer outra espécie doméstica, o cão e o gato passaram a participar intensamente da vida do ser humano. Hoje, é notória a consideração dispensada ao cão como um membro importante para famílias de muitas sociedades contemporâneas. Vários estudos demonstraram que o cão é percebido como um membro da família, enquanto apresenta muito dos atributos de um consorte familiar (Messent, 1983a; Albert e Bulcroft, 1988; Voith et al. 1992; Melson et al., 1997). A convivência com o cão enriquece a qualidade de vida das pessoas, reduz a solidão e contribui para um sentido geral de bem-estar ao longo de vida (Muchel, 1984). Durante as três últimas décadas, muitas pesquisas exploraram as relações complexas entre crianças e animais sob uma variedade de perspectivas (Kidd e Kidd, 1985,; Arkow, 1994,; Paul e Serpell, 1996,; Melson et al., 1997,; Ledger, 2000,; Church e Church, 2004) e teorias psicológicas (Poresky et al., 1987,; Albert e Bulcroft, 1988,; Marks et al., 1994,; Tópal, 1998). As pesquisas aquiesceram sobre a importância dos diversos papéis do animal de estimação na vida e no desenvolvimento da criança. Lee Zasloff (1996) sugeriu que a experiência emocional de ter uma relação íntima e atenciosa com um animal de estimação, independe da espécie animal. Entre os principais aditamentos da propriedade de um animal, a companhia revela-se ser o mais importante, seguidos do conforto tátil na forma de acariciar e segurança, que influenciam o cultivo do amor-próprio. A convivência contribui ainda para experiências importantes de aprendizagem da vida como o desenvolvimento de sentimentos positivos de autonomia, amizade, bondade e bemquerer; a responsabilidade de cuidar do outro e a participação de eventos como nascimento e morte. Não menos importante é a sustentação da saúde mental positiva (McNicholas et al., 2005) com a obtenção de afeto, prazer e a prática do amor. O ensejo de uma relação terna sem julgamento permite as crianças, os jovens e os adultos a experimentarem a conveniência de dar e receber afeto sem temer rejeição. Todas essas experiências positivas na infância podem resultar em acertadas atitudes na vida. Paul e Serpell (1996) ao desenvolverem um trabalho longitudinal sobre os efeitos da obtenção de um cão sobre a criança e seus familiares, não conseguiram demonstrar diferenças significativas para as variáveis interação social e saúde entre as crianças que ganharam um cão e as crianças que não tinham um cão. Apesar de algumas considerações acerca do desenho experimental, os autores concluíram que alguns dos efeitos aparentes da propriedade animal estavam associados com o nível da relação afetuosa da criança com o animal. A natureza da relação existente entre a criança e o animal, e o papel que o cão desempenhava na vida da criança individualmente, pareciam ser os fatores de maior influência sobre os prováveis efeitos psicológicos e físicos da propriedade do animal de estimação. Em um estudo baseado na suposição psicológica da importância de experiências prévia para o desenvolvimento humano, Poresky et al. (1987) atestaram que a 55 relação interativa da criança com o animal de estimação favorece o auto conceito e o desenvolvimento de relações interpessoais e atitudes mais positivas para animais. Igualmente, validaram a hipótese que os adultos que tiveram seu primeiro animal de estimação durante a fase psicossocial mais ativa, apresentam um auto-conceito mais satisfatório. 2.3.1 Os benefícios da relação O cão como animal de estimação tem vários atributos que facilitam a sua interação com os humanos (Case, 1999). Como o homem, o cão é um animal que obedece a uma organização social que concorre para a relação de afeto intraespecífica. Esta relação é estabelecida por padrões de comunicação expressados através de comportamentos ritualizados típicos como posturas representativas de saudação, solicitações e oferecimento de toque. Além de serem altamente responsivos as solicitações do seu mestre, demonstram um afeto incondicional que reforça o vínculo. O seu entusiasmo e o seu prazer em compartilhar exercício e brincar com as pessoas mesmo quando adulto, podem facilitar e fortalecer a relação de afeição. Porém, nem sempre esses atributos faz do Canis familiaris um companheiro ideal. Algumas pessoas ao apreciarem a inatividade, preferem um cão com espírito independente. Neste caso, o compartilhamento da necessidade de companhia, conforto e prazer torna-se possível ao escolher a raça adequada. Se um cão não participa das atividades físicas, pode preencher as necessidades sócioemocionais. Para algumas pessoas, inclusive para crianças (Heiman, 1965), ele pode representar um substituto, um companheiro, uma imagem de espelho de seu proprietário ou um bode expiatório para hostilidade como também para sentimentos positivos. O animal de estimação apresenta um papel muito significativo na vida da criança, da família e da sociedade em termos de higiene mental. O fortalecimento do ego e o estabelecimento da autoconfiança da criança podem ser alcançados mediante a satisfação da relação de dominância que ela exerce sobre o animal. O animal de estimação pode funcionar como uma âncora de segurança e amor pra a criança e o idoso nos eventos da vida que se configuram como perdas. Ao ser utilizado como um objeto seguro de toque e conversação pode servir de base para o tratamento individual e familiar de desordens emocionais (Fox, 1968b). A sua inclusão como um adjuvante importante em psicoterapia, se deve a grande necessidade de afeto requerida por certos pacientes. A presença e o contato com o animal pode ser o apoio decisivo no desenvolvimento da confiança do paciente e no desvio da transferência de apego à figura do terapeuta e de outras pessoas (Rynearson, 1978), em tratamento de crianças transtornadas (Levinson, 1978) e esquizofrênicas (Siegel, 1962). Levison (1962, p. 60) asseverou que as mudanças desenvolventes ao longo da vida de uma pessoa podem ser facilitadas com o convívio harmonioso com um animal de estimação que provem proteção, estímulos e afeto incondicional. Estes benefícios ajudam a diminuir a alienação ao prover contato físico, companhia, conforto emocional e uma forma de comunicação com natureza representada pelo animal. Destarte, o cão serve como um agente catalítico, nos processos de descoberta do ego. Talvez algum dia o conhecimento sobre os animais e o significado deles para o ser humano alcance e um nível tão satisfatório que seria possível prescrever certo tipo de animal de estimação para o tratamento de desordens emocionais. Há décadas, já se percebe que o tipo de animal de estimação escolhido 56 por uma pessoa é reflexão da sua personalidade Levinson (1962). Brown et al. (1972) inferiram que as pessoas pouco afetuosas para cães apresentavam pouco afeto para outras pessoas, enquanto as pessoas que apresentavam muito afeto para os cães, igualmente apresentavam muito afeto para as outras pessoas. Os benefícios adquiridos com a convivência com um animal se devem, principalmente, ao amor que os proprietários sentem pelo animal sem a preocupação de rejeição ou ciúme. Embora Keddie (1977) tenha manifestado preocupação com a dificuldade de se avaliar os benefícios da propriedade animal em condições científicas, muitos autores reconhecendo a premência de estudos nesta área começaram empenhar-se na elaboração de projetos científicos que comprovassem o valor do animal de estimação para a vida do ser humano. Beck e Katcher (1984) analogamente escreveram um artigo crítico sobre a falta de estudos mais efetivos na área de terapia facilitada por animal de estimação. Alegaram que a maioria dos estudos era estudo descritivo derivados de relatórios, sem desígnio de pesquisa formal e sem nenhum controle. Exortaram a aplicação de pesquisas científicas para distinguir de forma mais clara a resposta emocional a animais e à terapia. Blackshaw (1996) aditou que desde os anos oitenta do século passado, a produção de muitos artigos e eventos como conferências, promoveram os benefícios da propriedade do animal de estimação, no entanto, era freqüente a falta de evidência empírica. Cientes da necessidade de utilização do método científico com parâmetros mais rigorosos, muitos autores passaram a projetar estudos qualitativos e quantitativos baseados em questionários, entrevistas e observações em campo com colocações da vida real. O emprego de escalas na coleta de dados e técnicas estatísticas na análise dos dados passou, então, a fazer parte do estudo de interações homem-animal. Kidd e Kidd (1980) ao conduzirem um estudo para verificar as influências da personalidade do dono sobre as preferências do tipo de animal de estimação, concluíram que as diferenças demonstradas pelo sexo e pela personalidade de dono, verdadeiramente influenciam a escolha do tipo de animal, facilitam o envolvimento do proprietário com o animal e maximizam os benefícios terapêuticos físicos e psicossociais decorrentes do convívio. Os autores acrescentaram ainda, que os aspectos benéficos da propriedade de um animal de estimação poderiam ser aumentados se tais associações fossem consideradas pelas pessoas que decidem compartir sua vida com um companheiro não-humano. Alguns estudos sugerem que a condição de envolvimento afetuoso com um animal de estimação pode auxiliar na diminuição da ansiedade e depressão resultantes dos efeitos negativos dos eventos da vida (Akiyama et al., 1986/1987; Garrity et al., 1989). Messent (1983a) informou que Corson e Corson (1981) ao trabalharem com psicoterapia facilitada envolvendo pessoas idosas, utilizaram o termo catalisador para caracterizar o animal de estimação como facilitador da interação de pacientes, residentes e os funcionários das instituições geriátricas. A capacidade dos animais de estimação em reduzir o estresse na vida de seus proprietários já é conhecida há algumas décadas. Estudos empíricos controlados evidenciaram que parâmetros sanguíneos e cardíacos apresentavam-se diminuídos enquanto as pessoas estavam próximas, acariciando ou falando com um cão amigável (Katcher et al., 1983). 57 Em humanos, a excitação do sistema nervoso simpático, comumente conhecida como resposta de luta ou fuga, causa uma elevação na taxa de coração, pressão sanguínea, e resistência vascular. Em contrapartida, quando uma pessoa é tocada e sente relaxamento, há um efeito no sistema nervoso central que resulta na diminuição da estimulação simpático. Esta variação pode explicar porque uma pessoa ao usufruir da presença, da vivacidade e do toque em um cão, pode desenvolver uma resposta fisiológica no sistema nervoso simpático que conduz a sentimentos diminuídos de ansiedade e tensão. Esta condição torna-se uma contribuição importante para a relação homem-animal. Falar com um animal, por exemplo, é muito relaxante; a pressão sanguínea e taxa de coração não aumentam como ocorre durante conversação com outras pessoas (Case, 1999)-. A relação amigável com o animal, diferentemente de uma conversação com outra pessoa, não compreende julgamento. A pessoa pode se expressar abertamente e experimentar um contato reconfortante. Um estudo experimental amplamente divulgado de Friedmann et al. (1980), mostrou que a propriedade de um animal de estimação é um fator altamente correlacionado com a sobrevivência de pacientes que sofreram angina peitoral severa ou infarto do miocárdio, aparte da severidade fisiológica da doença cardiovascular. Neste estudo, os 92 pacientes que viviam com animais de estimação apresentaram uma taxa de sobrevivência de um ano a mais em relação aos outros pacientes sem cães. Foram criadas várias teorias para explicar este achado. A primeira é que a presença de um cão, poderia aumentar o nível de exercício que poderia estar correlacionado com a taxa de sobrevivência. Contudo, a análise dos dados mostrou que até mesmo para pacientes proprietários de um animal de estimação diferente do cão, a taxa de sobrevivência era de um ano, não sendo o estímulo à prática exercício, provavelmente, a resposta. A segunda teoria era que o animal de estimação poderia contribuir para a diminuição do estresse do paciente e a última seria que o animal de estimação auxiliaria na manutenção de uma rotina diária de atividades. Em outro trabalho, os mesmos autores Friedmann et al. (1983) examinaram a mudança da pressão sanguínea e o débito cardíaco em dois grupos de crianças que estavam descansando e lendo em um lugar onde havia um cão. Foi observado que a pressão sanguínea e o débito cardíaco apresentaram-se reduzidos até mesmo sem haver interação tátil ou verbal entre a pessoa e o animal. Sugeriu-se que o efeito possa ter sido pela associação que as crianças fizeram entre o cão e as condições menos estressantes. Lynch (1969) em um estudo prévio demonstrou a diminuição da o débito cardíaco e pressão sanguínea de cães quando eles eram acariciados. Estes estudos evidenciam que tanto para o ser humano, quanto para o animal, a interação interespécie pode produzir uma mudança fisiológica associada à redução de estresse. Conquanto a mera presença de um acaricie pode influenciar a redução do estresse, os maiores benefícios parecem ser resultado de uma relação forte e sustentável entre o cão e o seu proprietário. Anderson et al. (1992) em um estudo sobre os benefícios da interação homem-animal, mediram parâmetros cardíacos e outros índices de saúde em um grande número das pessoas (5.500) assistidas por uma clínica de avaliação de risco cardíaca. Foram examinadas as relações entre a propriedade do animal de estimação e os fatores de risco principais para doença 58 cardiovascular. Observou-se que os proprietários apresentaram reduções de alguns fatores de riscos comuns para doença cardiovascular como: diminuição da pressão sanguínea sistólica, colesterol do plasma e triglicérides. Os fatores referentes à dieta, ao índice de massa de corporal, ao tabagismo, a falta de exercício e o perfil socioeconômico não explicavam os baixos níveis encontrados. Os autores concluíram que os proprietários que possuíam animais de estimação apresentaram os mais baixos níveis de risco aceito em comparação aos proprietários que não possuíam animais de estimação. Moody et al. (1996) desenvolveram um estudo piloto nas próprias residências de proprietários hipertensos de animais de estimação. Mediram os efeitos de uma variedade de fatores sobre os parâmetros cardiovasculares e sugeriram que as diferenças individuais entre os proprietários eram devido à variação psicofisiológica dos proprietários. Patronek e Glickman (1993) teorizaram que a companhia de um animal de estimação ao diminuir os riscos dos fatores psicossociais minora o risco de doença coronária. Serpell (1991) concluiu em sua pesquisa para estudar os benefícios da aquisição de um animal de estimação, que a obtenção de um cão ou um gato pode ter efeitos positivos sobre mudança de comportamento e estado de saúde de pessoas adultas. Apesar de não haver nenhuma explicação clara para os resultados, os proprietários durante o período de estudo de dez meses experimentaram menos problemas de saúde secundários e aumentaram o número e durações dos passeios recreativos. Katcher e Beck (1988) relacionaram e examinaram sete funções dos animais de estimação na vida dos seres humanos capazes de afetar a saúde física e emocional, e conseqüentemente, promover benefícios fisiológicos e psicológicos. Estas funções são: companhia, algo para cuidar e se preocupar, algo para se manter ocupado, algo para tocar e afagar, foco de atenção, segurança e exercício. Ao considerarem a efetividade de todas essas funções, conjeturaram que as interações decorrentes da relação homem-animal apresentam efeitos salutares para a diminuição de sentimentos de isolamento, de depressão, ansiedade e estresse, além de servirem como catalisadoras sociais para promoção de interações do proprietário com outras pessoas e estimularem oportunidades para descontração e exercício físico. Messent (1983b) e McNicholas e Collis (2000) demonstraram que pessoas ao caminharem com os cães usufruem em média de encontros sociais mais positivos e dão passeios mais longos. Selby e Rhoades (19981) ao estudarem atitudes das pessoas em relação aos cães e gatos observaram que os animais de estimação alimentam o amor-próprio de seu proprietário indiferentemente de apresentarem ou não uma aparência bonita e agradável. Observaram ainda, que a espontaneidade e a habilidade do cão em facilitar conversação, talvez fosse o fator decisivo para o desenvolvimento do sentimento de amor-próprio. Em um estudo conduzido no período de novembro de 1990 a outubro de 1992, Crowley-Robson et al. (1996) avaliaram o estresse, a depressão, a raiva, o vigor, a fadiga e a confusão mental de residentes de instituições geriátricas. Concluíram que havia uma tendência de todos os idosos residentes nas instituições geriátricas visitadas por cães, apresentaram aumento de vigor e diminuição do estresse, da depressão, da raiva, da fadiga e da confusão mental. Os animais ajudavam os residentes a se ajustarem ao ambiente proporcionado uma ligação com a sua residência anterior. Os autores sugeriram 59 que todas essas instituições deveriam desenvolver um programa de visitas regulares com cães ou outras pessoas. Quando o estilo de vida de uma pessoa idosa muda, a importância do papel de um animal de estimação pode aumentar significativamente. A companhia de um cão pode ajudar na diminuição da solidão freqüentemente associado à perda de amigos, parentes, e até mesmo um cônjuge (Case, 1999). A dependência do cão para cuidado e atenção instiga o comprometimento e motivação do idoso para com o animal e para com a vida. A freqüente limitação de oportunidades para dar e receber toque afetuoso valoriza sobremaneira o benefício do calor, do afeto e da vivacidade que um cão amoroso. Siegel (1990) desenvolveu um estudo prospectivo de um ano para avaliar os efeitos diretos e indiretos da propriedade de um animal de estimação sobre a demanda de assistência médica de dois grupos de idosos: proprietários e não proprietário. Através de um questionário foram obtidos dados sobre características demográficas, a rede social de apoio, convicções de vida, angústia psicológica, eventos da vida (conjugal, perdas, doença etc.) e aspectos da relação homem-animal (responsabilidade, tempo gasto com o animal de estimação, vínculo afetivo e relação custo e beneficio). Os resultados sugeriram que a acumulação de eventos estressantes se associava ao aumento de consultas médicas para os respondentes sem animal de estimação. O cão mais que qualquer outro animal de companhia servia como um pára-choque para o estresse resultantes dos eventos da vida e um objeto de afeição. Os proprietários de cães envolvidos com atividades gerais e ao ar livre, apresentaram vigor físico e mental e menor contato como os médicos. O autor concluiu que a propriedade de um animal de estimação influencia a saúde física, os processos psicológicos, a reunião social e, conseqüentemente, a demanda assistência médica de idosos. por Em detrimento dos resultados posteriores obtidos por vários autores a respeito dos benefícios da propriedade de animal de estimação para idosos, Robb e Stegman, (1983) não havia encontrado nenhum benefício físico e Lawton et al. (1984) e Robb e Stegman (1983) não haviam encontrado nenhum benefício psicológico. Entre os papéis representados pelo cão na vida do ser humano, a Terapia Facilitada por Animais é apenas mais um deles. A utilização do animal de estimação como elemento terapêutico não é algo recente. Jones (1955) citado por Siegel (1962) registrou em seu livro, que desde 1800 estes animais eram utilizados notavelmente mesmo sem nenhum estudo sistemático prévio. A discussão mais recente sobre o uso de animais como instrumentos de terapia ganhou aceitação pública e atraiu o interesse de um grande número de investigadores e profissionais comprometidos com o cuidado médico (McNicholas et al, 2005). Os trabalhos de Levinson (1962, 1967, 1970, 1978) serviram como um estímulo para muitos profissionais da área da saúde examinaram a Terapia Facilitada por Animais como uma terapia suplementar incorporada em uma larga variedade de colocações terapêuticas para idosos, crianças e adultos com distúrbios mentais, pessoas hospitalizadas por longo período e pessoas com inaptidão física (Hart et al., 1996, Lane et al., 1998 ). A contribuição dos cães em instituições ou em residências pode ser realizada sob a forma de programas de visitação ou como animais residentes (Lee, 1983). Independente do problema e da necessidade, o cão altamente treinado é capaz de auxiliar uma pessoa com necessidades especiais a se tornar mais 60 independente em sua mobilidade, no cumprimento de algumas tarefas domésticas, no transporte público, em suas atividades laborais e sociais. Estes maravilhosos animais podem, ainda, agir como facilitadores sociais (Hunt et al., 1992) e beneficiar emocionalmente uma pessoa de modo que ela se torne mais responsiva e aumente o seu amor-próprio. Todas estas evidências científicas mostraram-se assaz expressivas para afiançar uma nova significação aos benefícios da propriedade animal proporcionados a vários segmentos da população, especialmente a criança e ao idoso solitário (Paslow, 2005). Não obstante, mais pesquisas são necessárias para estabelecer a extensão destes benefícios a outros segmentos da saúde pública e para compreender mais profundamente os processos fisiológicos e psicológicos envolvidos na interação homem-animal. 3 Projeção - “operação pela qual um sujeito situa num mundo exterior, mas sem identificá-los como tais, pensamentos, afetos, concepções, desejos, etc., acreditando, por isso, em sua existência exterior, objetiva, como um aspecto do mundo. Em um sentido mais estrito, a projeção constitui uma interação por meio da qual um sujeito coloca para fora e localiza em outra pessoa uma pulsão que não pode aceitar em sua pessoa, o que lhe permite ignorá-la em si mesmo. A projeção, de maneira mais diferente da introjeção, é uma operação essencialmente imaginaria’’. (Chemama, 1995, p. 166) 4 Deslocamento – “operação característica dos processos primários, por meio da qual uma quantidade de afetos se desprende da representação inconsciente, a qual está ligada, indo ligar-se a uma outra, cujos vínculos com a interior são vínculos associativos pouco intensos ou, contingentes”. (Chemama, 1993, p.46) 5 Identificação - “assimilação de um eu estranho, resultando que o primeiro se comporta como o outro em determinados pontos de vista, que ele limita, de alguma forma, a que acolhe em si mesmo, sem se dar conta disso’’. (Chemama, 1993, p.102) 2.3.2 O cão no contexto familiar e o bem-estar mútuo A família sendo o ambiente mais importante para as crianças e adolescentes, é a instituição responsável pelo contexto gerador de relações significativas. No clima familiar, a qualidade da relação dos jovens com o animal de estimação será afetada pela qualidade das relações desenvolvidas entre os membros familiares. Animais podem funcionar como projeções dos medos de crianças e adultos, desejos e fantasia. Por outro lado, a aparência, o comportamento e índole do animal podem influenciar e afetar a criança (Melson et al., 1997, p.515). A presença do animal no ambiente familiar permite projeção3 e deslocamento4 de atitudes e sentimentos desenvolvidos com o cuidado, a preocupação, a ansiedade e o temor (Bridger, 1976). Sendo o espaço familiar o ambiente natural do animal de companhia, para conhecer as perspectivas da relação homem-animal com mais profundidade, seria necessário distinguir o papel representado pelo animal no contexto familiar. Pessoas privadas de carinho e afeto podem deslocar suas necessidades para o animal. Este deslocamento com conotação patológica, estabelecido pela preocupação pouco comedida com o animal, pode servir para sustentar a identificação5 projetiva (Rynearson, 1978). Desse modo, o comportamento do animal de companhia pode refletir o cerne do contexto familiar. Sua saúde física e mental poderia estar em risco em um ambiente onde há descaso, pouca consideração ou abuso entre os familiares. O animal poderia, por exemplo, funcionar como um marcador de abusos de criança que sofrem problemas psicopatológicos. Estas crianças podem expressar tendências violentas através de atos cruéis praticados contra os animais. Crianças que maltratam animais com o desejo de infligir dor e sofrimento, 61 freqüentemente, tem necessidade de intercessão psiquiátrica (Melson et al., 1997). Veterinários clínicos deveriam utilizar em seu trabalho a prática centrada na família a fim de se beneficiar da compreensão de teoria do sistema familiar. Mostrar-se interessado sobre a posição do animal na família e de seu comportamento seria uma prática veterinária orientada para identificação prévia de problemas e favorecimento do animal e de políticas de assistência social. Este problema é bastante conhecido por psicólogos, assistentes sociais e veterinários nos Estados Unidos e na Europa. Pesquisadores envolvidos com a clínica veterinária informaram que o comportamento de animais de companhia freqüentemente espelha o sistema emocional da família (Roberts, 1994). Um estudo conduzido por Speck (1965) citado por Melson et al. (1997) demonstrou haver uma correlação entre os padrões de saúde física do animal de estimação e os padrões de saúde física dos familiares. Igualmente, os problemas de comportamento da criança e do animal de companhia eram geralmente definidos pelo modo de se comportar da família. Roberts (1994) ao realizar um estudo comparativo entre o comportamento de criança e cães, concluiu que dependendo das características individuais do animal, a sua interação com o ambiente pode afetar o seu desenvolvimento. Crianças bem-ajustadas tinham animais bem-ajustados, e ao contrário, crianças mal-ajustadas geravam problemas de comportamento e comprometimento da socialização do animal. Clínicos veterinários deveriam estar atentos às relações afetivas dos familiares para com o animal, pois uma avaliação mais precisa da qualidade dos cuidados dispensados ao animal depende da caracterização desta relação. Estes profissionais deveriam adquirir informações básicas que lhes possibilitassem compreender o sistema familiar humano a partir de uma perspectiva sistêmica. A melhor compreensão do contexto social em que o animal está inserido permitiria uma adequação do atendimento e, conseqüentemente, alcançar o objetivo de melhorar o bem-estar animal e a qualidade de vida do proprietário. Certamente, o contexto familiar, o envolvimento dos familiares e a interação satisfatória ou não com o cão, podem influenciar sobremaneira o bem-estar do animal. No entanto, não se pode esquecer que o cão tem um temperamento distinto e cumpre um papel ativo nas interações desenvolvidas no âmbito doméstico. Os profissionais que lidam com aconselhamento de pessoas devem considerar a relação homem-animal como um subsistema fundamental que afeta comportamento familiar. Similarmente, os médicos veterinários deveriam focalizar um cão como membro da família (Melson et al., 1997). Isto facilitaria a compreensão do contexto familiar e proporcionaria mais subsídios para avaliar o cuidado dispensado ao animal e os problemas comportamentais exibidos pelo animal. Lantzman (2004) ao estudar a interface entre o campo de conhecimento do veterinário e o campo de conhecimento do psicólogo para possibilitar a compreensão da inserção do cão no contexto da família urbana, assinalou ser fundamental destacar a responsabilidade do veterinário nos casos de agressividade canina. Voith (1985) considera o envolvimento entre pessoas e um animal de estimação semelhante ao comportamento desenvolvido entre uma pessoa e uma criança. Muitos atributos da criança são igualmente expressados pelo animal de estimação. O cão, por exemplo, se 62 comporta como dependente de cuidados e está sempre disposto a brincar, o que o caracteriza como uma criança perpétua. Ele pode estimular o contato tátil, demonstrar que sente falta das pessoas e a alegria esfuziante ao revê-las. Miller et al. (1986, 1990) em estudos sobre chipanzés, observaram que os jovens chipanzés reagiram à separação semelhantemente a uma criança e que o ser humano poderia servir como figura de afeição para esses animais. O cão, como a criança, pode gerar um sentimento de bem-estar, um sentimento de conforto e de bem-querer. A separação ou a perda permanente do cão poderá resultar em ansiedade de separação, aflição, e estado de luto, porque a perda de um ser amado é a perda de uma relação especial de afeição. A intensa relação de ternura que algumas pessoas desenvolvem com o cão, além de prover o conforto de proximidade, reduzir a solidão e dar um propósito à vida, pode facilitar a consciência íntima de afeição e influenciar positivamente a interação com outras pessoas (Sable, 1989, 1995). Enfim, a relação afetuosa entre o animal e os integrantes da família pode proporcionar benefícios psicológicos, físicos e sociais. Algumas pessoas acreditam que a relação homem-animal é mais intensa e mais íntima que relações interpessoais. Os cães podem se tornar tão íntimo quanto um cônjuge, uma criança e um pai (Overall, 1997). Wessels (1984) citado por Overall (1997) observou que o vínculo existente entre o homem e o animal de estimação, em geral, é um triângulo emocional formado devido a construções de ansiedade entre duas pessoas, podendo a atenção ser focalizada em um terceiro objeto representado pelo animal de estimação. O autor sugeriu que o animal faria ao mesmo tempo o papel de um receptáculo de afeto e perturbação emocional e de bode expiatório e de pacificador. Do mesmo modo, Serpell (2006) ponderou que O cão serve como uma saída conveniente e socialmente aceitável para raiva reprimida, e é uma vítima particularmente satisfatória neste respeito por causa de sua proximidade com humanos. Baseando-se na interpretação psicanalítica de outros autores, Serpell distingue amor/ódio e as atitudes tolerância/intolerância do homem para com os cães como um reflexo de sua ambivalência sobre o animal dentro dele o freudiano ‘id’ - a fonte instintual onde estão centrados os sentimentos impulsivos e desejos proibidos que o homem tenta manter reprimido. Barker e Barker (1988) idealizaram um estudo para avaliar a proximidade relativa que os proprietários sentiam em relação aos seus cães. Para tanto, foi solicitado aos proprietários que representassem as relações significantes deles usando a técnica denominada de Diagrama Espacial da Vida Familiar. Os autores concluíram que mais de um - terço destes proprietários consideravam o cão mais íntimo que qualquer outro sócio familiar, revelando a possibilidade do cão ser considerado no mesmo nível que qualquer outro componente familiar. Em um estudo clássico, Ainsworth (1989) concluiu que o animal de estimação - em particular os cães - como qualquer outro amigo da família, também tem o potencial para prover um vínculo emocional que promove um senso de bem-estar e segurança. A influência mútua entre o cão e o ser humano é uma experiência especial devido a sua relevância para o bem-estar tanto do animal quanto do homem. A qualidade do bem-estar depende da qualidade dessa relação. 63 2.3.3 A relação afetiva O início da relação entre o homem e o ancestral do cão começou há 14.000 anos quando o lobo começou a ser domesticado pelo homem (Clutton-Brock, 2006). Inicialmente, os animais selecionados para a domesticação eram escolhidos segundo suas habilidades sócio-cognitivas e afetivas para o ser humano e pelas suas características infantis (Coppinger et al, 2002). A evolução do Canis familiaris, caracterizada por mudanças físicas e a persistência de caracteres filogenéticos juvenis na fase adulta (neotenia), foi a condição prévia para o desenvolvimento da relação de afeição entre o homem e o cão. Ao mesmo tempo em que se formavam as relações cuidador-receptor entre o ser humano e cão através da socialização, se desenvolvia também através de seleção artificial a dependência do cão semelhantemente a relação pai-criança. Os 10.000 anos de seleção artificial favoreceram a socialização do cão que passou a ter preferência por humanos (Tópal, 1998). O desenvolvimento do vínculo entre o cão e seu proprietário, conquanto, foi explorado a partir do processo de seleção natural que promoveu a aproximação destas duas espécies e que, posteriormente, pela domesticação e seleção artificial, levou ao desenvolvimento do cão doméstico como conhecemos na atualidade. Os vínculos emocionais fortes do homem com os seus animais de estimação podem ser caracterizados como apego. O significado atual da palavra apego foi desenvolvido por Bowlby (1990), sua teoria está baseada na descrição do processo instintivo que constrói a ligação entre a mãe e o recém-nascido. Segundo essa teoria, a meta primária de apego é a proteção contra predadores e apaziguamento, e não somente o resultado da satisfação de necessidades primárias como facilitação da alimentação e proteção contra temperatura fria. O cão sendo um ser social, sua sobrevivência depende da manutenção de contato social e comportamentos de apego. Ao ser separado da mãe o filhote exibe comportamento de angústia, entretanto, após o reagrupamento, o comportamento é descontinuado. No cão, o apego é um processo complexo. Ao lado dos elementos comportamentais e fisiológicos, o apego permitirá importante aprendizagem exploratória sobre os diferentes estímulos do ambiente, a comunicação social e o autocontrole. Quando o filhote de cão é adotado por uma família humana, especialmente se for durante o período de socialização primária, ele adota os integrantes familiares como figuras de anexo primário tal como com sua mãe. Expressará o mesmo grau de angústia ao ser deixado sozinho, se adaptando logo aos períodos de separação. Porém, o animal que não consegue se adaptar pode sofrer de ansiedade de separação e desenvolver comportamentos típicos. Na base da teoria etológica de apego de Bowlby, o comportamento de apego tem a função biológica de proteger o indivíduo de dano físico e psicológico. Uma relação de apego prove proteção, segurança e conforto calmante. As relações de apego provêm confiança a criança e promove crescimento cognitivo, independência e autonomia. As crianças podem formar anexos múltiplos com uma variedade de indivíduos que provêem cuidado responsivo e contribuem à sua segurança. O conceito de apego pode ser aplicado como um vigamento para a medida mais precisa do vínculo homemanimal (Bretherton, 1992) e do bem-estar animal (Sable, 1995). Os comportamentos e as necessidades como fome, sexo, agressão, exploração, territorialidade, domínio e afeição, são constituintes neurofisiológicos essenciais, 64 considerados padrões previsíveis e compartilhados entre espécies. Uma vez que o cão e o homem são espécies sociais, a relação de afeto assume uma importância determinante na variedade de relações sociais que se iniciam com a mãe e parentes. No entanto, apesar de o cão participar ativamente na vida do ser humano, a influência da sua associação não foi focalizada em estudo psiquiátrico por muito tempo. Esta falta de atenção, talvez, tenha sido devido a aparente harmonia preponderante nesta relação interespecífica, visto que, a convivência e o intercâmbio de afeto entre as pessoas e o cão são menos complexas que entre os seres humanos (Rynearson, 1978). Diferentemente do homem, o cão com a sua lealdade e capacidade de dar-se, sem julgar, criticar ou exigir, proporciona às pessoas que participam de sua convivência a sensação de importância (Siegel, 1962). O cão jamais utiliza as pessoas como um objeto, é de sua natureza valer-se de sua simpatia e benevolência para dar-se e suportar os descasos e negligências das pessoas. Lorenz (1993) propôs que os traços juvenis desencadeiam mecanismos liberadores inatos de afeto e cuidado em humanos adultos. Os comportamentos associados à provisão de cuidados não se restringe aos bebês humanos, mas também a todos os indivíduos identificados como necessitados de proteção. Os mecanismos liberadores inatos provocam emoções e comportamentos de cuidado parental diante de estímulo-chave provocado até mesmo por animais adultos. Assim, o comportamento de afeição do homem apresenta semelhante significação para alguns animais. Durante infância a criança é percebida como um objeto de cuidado e na maturidade o cuidado é transformado em preocupação. A necessidade de afeição na maturidade soma-se a outras necessidades em desenvolvimento e gradualmente se diversifica para envolver figuras de apegos múltiplas. Sendo o apego uma necessidade psicobiológica, em algumas situações ele pode ser percebido externamente como um conflito interno. Uma criança privada de afeição tem comprometimento de suas expectativas de afeição na maturidade. A fixação por cuidado em uma relação pode ser vista como o apego exagerado por afeição, e estaria associado à causa de padrões patogênicos específicos. Esta fixação seria expressa clinicamente por uma dependência exagerada, ansiedade com uma constante apreensão por separação da figura de afeição e uma compulsiva necessidade por atenção e cuidado (Bowby, 1977). Seay e Harlow (1965) comprovaram experimentalmente em macacos que a frustração pode levar a uma persistente regressão social e isolamento na maturidade. O vínculo entre o homem e o cão está subordinado ao comum acordo entre os membros da família em relação ao cão e a necessidade recíproca de ambas as partes por uma relação afetuosa. Quando o homem desenvolve sentimentos de frustração em relação a pessoas pode deslocar sua necessidade de afeição para o cão. A relação afetuosa torna-se patológica em razão de seu propósito defensivo, e sua interrupção pode criar reações psiquiátricas duradoura. Rynearson (1978, p.551, 554) sugere que a exageração na determinação de necessidade de afeição pode induzir a desconfiança que é generalizada para outras relações subseqüentes. Esta confiança limitada da afeição nas relações humanas pode contribuir a intensa transferência de afeição para o acaricia que possui uma capacidade inata de exibir e responder a afeição. Sob circunstâncias normais há o compartilhamento de afeição de modo complementar devido à necessidade mútua. Quando a conjuntura é de desconfiança, a 65 pessoa transfere sua determinação compulsiva de busca de afeição para o cão. A pessoa passa a confiar, mas a transferência pode se tornar patológica enquanto diminuindo a interação e a afeição por outras pessoas. O animal de estimação pode se tornar o foco de deslocamento complicado entre pessoas em conflito. Em uma família onde os integrantes têm problema mútuo com afeição o cão pode servir como uma figura de afeição através da qual eles interagem indiretamente. O animal de estimação se torna um participante confiante em um drama de desconfiança, algumas vezes sendo sacrificado. Em virtude da intensidade desta relação, a separação ou perda do animal de estimação (Keddie, 1977) pode levar o proprietário à profunda tristeza e a distúrbios psiquiátricos. 2.3.4 As implicações da relação Em princípio, a identidade dos sistemas sociais humanos e do cão facilitou a formação de uma relação interespecífica singular. À medida que as sociedades humanas diligenciaram grandes transformações, o cão assumiu um papel de relevo, participando intensamente dos vínculos afetivos humanos. A diminuição dos espaços de moradia nos grandes centros urbanos densamente povoados se constituiu um fator preponderante para o rearranjo da organização familiar. O cão estando mais próximo física e emocionalmente ao homem passou a ser reconhecido como importante partícipe da vida pessoal e na dinâmica familiar (Albert e Bulcroft, 1987; Bulcroft, 1990). Contudo, a aliança sólida evidenciada através do companheirismo e da aceitação do cão como um membro da família, historicamente tem se mostrado conflituosa. Talvez, o conflito seja devido ao estado de consciência do homem e as expressões das diferentes percepções em relação à coexistência homem–animal e dos benefícios a ela atribuídos. Verdadeiramente, existem muitas vantagens em se possuir um animal de estimação, todavia, o proprietário deve estar atento aos problemas que podem advir com a aquisição de um cão. O compartilhamento da vida com um cão não apresenta apenas aspectos positivos, é imperioso que o proprietário faça uma profunda reflexão antes de incorporar o animal à rotina de sua vida. A aquisição de qualquer animal de estimação pode ser uma experiência extremamente gratificante, mas requer algumas responsabilidades, compromissos e dedicação que devem ser cumpridos de modo a proporcionar ao animal uma boa condição de vida. É de bom alvitre que todos os familiares adquiram conhecimentos sobre comportamento do cão e da raça escolhida. Não menos importante é a conscientização dos fatores limitantes gerados pela presença de um cão: - A criação de um animal requer um custo financeiro referente à alimentação; higienização; vacinação; vermifugação; castração; consultas de orientação e periódicas ao veterinário e, dependendo da raça, cortes de pêlo por profissionais especializados. - Dispor de tempo para cumprir com os compromissos inerentes à criação de um cão: educação, treinamento, alimentação, escovação do pêlo, higienização e atendimento das necessidades físicas e psicológicas (passeio, brincadeiras, atenção, carinho etc.). O ensinamento, o treinamento e o cuidado fazem parte do encanto de se ter um animal de estimação, e a experiência adquirida é sempre gratificante. Se o futuro proprietário não dispõe de pelo menos uma hora diária para o seu cão, é melhor não o adquirir, ou optar por outro animal de estimação que requeira menos cuidado e atenção. - Redução da liberdade, ao impedir a família de viajar ou onerar a viagem se o 66 animal for deixado em um canil particular. - Defrontar-se com reclamações de incômodos decorrentes de latidos. - Risco de agressão aos familiares, amigos ou vizinhos. - Risco de transmissão de zoonoses A escolha da raça não deve se basear somente na beleza e aparência do animal. Um proprietário previdente deveria consultar um médico veterinário e ler enciclopédias sobre raças de cães a fim de selecionar criteriosamente o seu companheiro e evitar alguns problemas inerentes à escolha do porte, da raça e do sexo: - Espaço adequado para o animal circular e brincar. Cães de porte grande não devem viver em espaços muito limitados e nenhum animal deve viver acorrentado. - O custo financeiro relativo à sanidade, alimentação e higiene é proporcional ao peso do animal. - O companheiro animal pode apresentar problemas de comportamento típicos da raça. É importante salientar que os genes não são tudo. O modo de proceder dos cães depende de muitos fatores que estão além da sua herança genética. Overall (1997) adverte que raças estão sujeitas a mudança. Raças não são estáticas e invariáveis e os representantes da mesma raça não apresentam o mesmo temperamento e personalidade. - O nível de atividade e o tipo de exercício necessário para atender as necessidades requeridas pelo indivíduo da raça escolhida. O tamanho do animal pode também ser um empecilho para levá-lo a passear; - O tamanho do cão pode ser um fator para o impedimento de sua entrada ou permanência em alguns estabelecimentos públicos ou hotéis; - A presença de crianças pequenas exige um cão de raça apropriada e orientação de como se deve conduzir a convivência. A preocupação com proteção deve ser em relação à criança e ao cão. O bem-estar do animal deve ser sempre resguardado e estimulado. - Os machos marcam mais com urina, vagueiam mais e brigam mais que as fêmeas; - As fêmeas ao entrarem em cio podem mudar o comportamento, apresentar pseudociese e sujar a mobília. Há também, para alguns proprietários, o inconveniente de ter que controlar a presença de cães machos estranhos e não conseguir vender ou dar os filhotes. Todas as pessoas já experimentaram a paixão súbita desencadeada por um filhote irresistível. No entanto, o proprietário não deve se deixar envolver por emoção arrebatadora e levar para casa aquela bola de pêlo linda e maravilhosa sem qualquer planejamento antecipado ou preparação. É importante que esteja consciente que irá compartilhar 12 a 15 anos, ou mais, de sua vida com um animal de estimação adulto. Às vezes, o relacionamento pode complicar-se devido ao comportamento indesejável do cão: desobediência, defecação e micção em locais impróprios, danificação de móveis, buracos no jardim, latidos excessivos, superexcitação, agressividade e impulsividade que se torna um estorvo para a vida social. Diante desta realidade, o proprietário geralmente tem três alternativas: a) conviver com o problema; b) pedir auxílio a um veterinário especializado em etologia clínica ou c) reagir impulsivamente e se livrar do problema entregando o animal a um canil 67 público onde será sacrificado ou soltando-o em um logradouro público longe do domicílio. Os comportamentos impróprios concorrentes para preocupação e desajuste familiar, na maioria das vezes, poderiam ser prevenidos com o conhecimento e comprometimento ou corrigidos com a ajuda de um profissional. Em muitos casos, uma análise criteriosa da circunstância pode levar a conclusão que o companheiro de quatro patas escolhido para um relacionamento ao longo prazo, não deveria ser um cão e sim um gato. Se a pessoa vive sozinha, passa muito tempo fora de casa e gosta de independência, talvez um gato seja uma melhor opção. Se além do companheirismo, a pessoa desejar proteção e deleitar-se com a dependência do cão e com o vinculo afetuoso resultante da relação, o cão seria o animal mais indicado. Kidd e Kidd (1980) ao conduzirem um estudo para averiguar as influências da personalidade do dono sobre as preferências do tipo de animal de estimação, concluíram que as diferenças demonstradas pelo sexo e pela personalidade de dono, realmente influenciam a escolha do tipo de animal, facilitam o envolvimento do proprietário com o animal e maximizam os benefícios terapêuticos físicos e psicossociais decorrentes do convívio. Os autores acrescentaram ainda, que os aspectos benéficos da propriedade de um animal de estimação poderiam ser aumentados se a escolha cão perpetrada pelas pessoas que decidem compartir a sua vida com um companheiro não-humano fosse criteriosa e coerente. É imprescindível que o proprietário analise a compatibilidade e tenha certeza de estar preparado para assumir o compromisso. Divergências irreconciliáveis, acompanhadas por conflitos e consternação familiar podem advir de um ajuizamento realizado sob um estímulo emocional. Quando a aquisição do cão é realizada de maneira imprevidente, o cão pode não corresponder às expectativas da família. Surgem, então, as situações difíceis aparentemente impossíveis de serem resolvidas. Segundo Melson et al. (1997), a maioria dos problemas de comportamento identificados pelos proprietários é considerada uma manifestação saudável do animal, mas definido como problema de acordo com a causa, onde, quando, ou como ele acontece. Muitos dos problemas são relacionados ao modo como o animal é criado e, portanto, facilmente evitáveis. Quando as famílias assumem as responsabilidades de criar um animal de estimação, são responsáveis também pelos problemas de comportamento que advém da falta de empenho na educação do animal. Alguns proprietários malsucedidos sentem-se culpados em virtude do desenvolvimento de problemas de comportamento; outros envolvidos por emoções equivocadas têm consciência que o cão é um animal, mas agem como se ele fosse igual a uma criança (Voith, 1985). Estes proprietários se recusam a aceitar a existência de um problema e, freqüentemente, criam argumentos falsos para não se sentirem culpados. Em razão da pouca expressividade dos resultados obtidos com o tratamento de problemas de comportamento de animais de estimação, a prevenção assume grande significância. Contudo, até que ponto os comportamentos anormais podem ser prevenidos é algo desconhecido. Bons resultados podem ser conseguidos se a intervenção ocorre imediatamente, diminuindo a probabilidade de o comportamento impróprio ser reforçado. Alguns comportamentos como desobediência, inadequação na eliminação de dejetos, destruição de mobília e outros itens domésticos, latidos, práticas sexuais impróprias são resultados de uma criação inadequada (Overall, 1997). Ao apresentarem comportamentos inaceitáveis, 68 associados ou não, a agressividade e ao excesso de agitação, os cães passam a ser percebidos como um problema, capaz de gerar conflito e comprometer a paz familiar. Os médicos veterinários, os zootecnistas ou qualquer outro profissional especializado em comportamento animal representam um recurso de orientação significativo por ocasião da aquisição do cão, na prevenção de problemas relativos ao comportamento e no aconselhamento do proprietário quando o problema já está estabelecido. Eles podem modificar as expectativas dos proprietários inexperientes quanto à espécie ou a raça do animal de estimação mais adequada de acordo com a constituição familiar e personalidade do proprietário. A recomendação de algumas leituras especializadas e a prestação de esclarecimento sobre o papel da família para com o acaricie, sua influência na educação e as implicações de atitudes negligentes para com o amigo não-humano, também assumem grande importância no conjunto de condutas necessárias para uma A orientação, ademais de compreender subsídios pertinentes à criação do animal, deve contemplar informações sobre o comportamento normal do cão. O animal apresenta um comportamento considerado normal toda vez que os elementos convivência bem sucedida e uma relação 6 Comportamento epimelético - comportamento típico de atenção e cuidado de uma fêmea dispensado aos filhotes. 7 Comportamento etepimelético - comportamento de solicitação de atenção e cuidado dos filhotes. 8 Comportamento agonista - Comportamento associado à ameaça, ao ataque ou à defesa, expressado pela agressividade, passividade ou fuga. 9 Comportamento alelomimético - comportamento de imitação de um indivíduo em relação aos demais membros do grupo. Este comportamento resulta de algum grau de excitação mútua (Scott e Fuller, 1997) interespécie equilibrada. A orientação, ademais de compreender subsídios pertinentes à criação do animal, deve contemplar informações sobre o comportamento normal do cão. O animal apresenta um comportamento considerado normal toda vez que os elementos quantitativos e de intensidade da sua resposta para certo estímulo está de acordo com a média da espécie e da população a qual pertence. O comportamento anormal é uma resposta para certo estímulo que difere da resposta normal. Ele difere no padrão, freqüência ou contexto em que é expresso pela maioria dos integrantes da espécie e da raça. O comportamento anormal pode ser ensinado inadvertidamente quando o proprietário não tem conhecimento sobre o comportamento da espécie e da raça. Alguns comportamentos são considerados patológicos e certos tipos de fobias e psicoses (Abrantes, 1987) se assemelham às psicoses humanas. Odendaal (1997) ao definir comportamento anormal como um comportamento capaz de afetar o animal, outros animais ou humanos de um modo negativo, classificou os problemas de comportamento em seis categorias principais: 1) Origem genética (hidrocefalia, epilepsia, desequilíbrios hormonais, temperamento relativo a raça); 2) Ocorrem durante as fases de desenvolvimento (fase pré-natal, pós-natal, juventude, adulto, velhice); 3) Interações sociais transtornadas (busca de atenção, afirmação dentro do grupo, interação homem-animal); 4) Comportamento relacionado à doença (vírus, bactéria, fungo, protozoário, tumor, trauma, desordem metabólica, deficiência nutricional, sistema imune, hormonal, veneno); 5) Desvios na intensidade ou freqüência do comportamento padrão (epimelético6, etepimelético7, ingestão, eliminação, agonista8, sexual, 9 allellomimético , investigativo, relaxamento); 6) Inabilidades de adaptação 69 (ansiedade, redirecionamento10, deslocamento, psicossomático, depressão, psicopatias. Todas estas categorias são divididas pelo autor em diagnósticos mais específicos. A elaboração do diagnóstico comportamental deve ser sempre precedida por uma avaliação clínica do paciente e os diagnósticos clínicos diferenciais somente podem ser formados se o diagnóstico de comportamento for realizado no contexto específico ou ambiente particular onde o animal vive. A informação sobre o ambiente pré-natal também assume grande importância em alguns casos. Fêmeas prenhes que vivem em ambientes onde os estímulos são caracterizados como estressores, a prole pode apresentar fraqueza e nervosismo. Entre todas as categorias de problemas comportamentais referidas anteriormente, a categoria 3, 5 e 6, provavelmente representam a maioria dos problemas que acometem os animais que vivem em centros urbanos. A categoria 6 se refere às estratégias de adaptação que os animais se utilizam para manter a homeóstase. As anormalidades comportamentais exibidas pelo cão incluído nessa categoria podem ser consideradas tentativas para se adaptar fisiologicamente e emocionalmente às condições ambientais. Se o animal não tem sucesso com o seu intento, e a adaptação é parcial ou incompleta (Fox, 1968a), a anormalidade persiste como um ritualismo. O animal mostra-se incapaz de se adaptar a estímulos ambientais quando tais estímulos são percebidos como ameaçadores. A ansiedade, por exemplo, é causa de muitos problemas de comportamento por causa da 10 Comportamento de redirecionamento Direcionamento do comportamento do animal a um alvo alternativo (pessoas, animais ou objetos) após experimentar ou concomitantemente ao estado frustração. relação íntima do cão com o seu proprietário e familiares. O ambiente proporcionado pelo homem ao cão está repleto de estímulos antinaturais ao qual o animal tenta se adaptar. A ansiedade pode ser definida como um sentimento difuso de uma ameaça ou perigo não específico (Odendaal, 1997, p. 438). Ao estar relacionada ao estresse, apresenta grande importância nas estratégias de defesa descritas como problemas de comportamento, contudo, somente umas poucas desordens de comportamento são consideradas associadas à ansiedade. Entre estas desordens podem ser citadas: comportamento compulsivo; estereotipias; agressividade; comportamento de deslocamento (agressividade, sexual, perseguição); comportamento destrutivo; fobia; pânico; vocalização excessiva; desordens psicossomáticas (úlceras no trato digestivo, lesões autoproduzidas e ataque de asma); distúrbios do humor (mania, alucinação, depressão) e psicopatias (paranóia, esquizofrenia). Pavlov (1967) estudou o comportamento anormal em animais como um modelo para neuroses humanas. Várias aplicações práticas surgiram desses estudos, não só para a avaliação comparativa de desordens de comportamento humano, mas também por melhorar o tratamento humanitário de animais mantidos em cativeiro. Kurtsin (1968) assinalou que um comportamento compulsivo ou neurose e muitas outras psicopatias podem ser apreciadas em medicina humana e em clínica de medicina veterinária. Estudos experimentais comprovaram que neurose e perturbações derivadas da relação córtex-visceral só surgem em animais que têm um tipo fraco ou forte, mas desequilibrado de sistema nervoso. Estão implicadas, neste caso, as propriedades de excitação e os processos de inibição (Fox, 1968a). Evidências confirmaram que alguns animais 70 desenvolveram comportamento neurótico e desordem córtex-visceral devido a uma superexcitação e o processo de inibição no córtex. Perturbações na inter-relação do córtex-visceral são acompanhadas por mudanças vasculares, neuro-humoral e neural dentro do corpo. As conseqüências são perturbações funcionais com o desenvolvimento de doenças orgânicas. Úlceras gástricas, alopecia, asma, e retardamento da cura de feridas podem ser observados em cães submetidos à neurose experimental. Alguns cães que apresentaram perturbação da atividade nervosa e da área visceral, paradoxalmente exibiram comportamento externo normal. Em outros casos, havia um desenvolvimento paralelo da neurose e de reações de autonômicas (córtex-visceral). A neurose, porquanto, pode afetar principalmente o sistema autonômico ou de modo complementar o sistema nervoso e, conseqüentemente, pode afetar também o comportamento e o bem-estar do animal (Kurtsin, 1968). A neurose ou comportamento compulsivo é uma condição emocional persistente difícil de diferenciar de afecções neurológicas, visto que em sua origem não está relacionada com lesão neural. Critérios de identificação incluem uma marcada mudança do comportamento original e algum fator etiológico como uma experiência de traumática, frustração ou conflito (Fox, 1968a). O surgimento do distúrbio compulsivo pode estar relacionado ao confinamento ou à prática de criação. A superexcitação, o estresse, uma estimulação deficiente ou a negligência no atendimento de algumas necessidades particulares do animal podem originar um quadro de ansiedade ou atividades redirecionadas ou de deslocamento. O animal afetado não pode controlar suas próprias ações que são exibidas fora do contexto e repetitivas, exageradas, breve ou prolongadas. O distúrbio compulsivo freqüentemente associado com o estado de ansiedade pode afetar a saúde do animal determinando perda de peso e autotraumatismos (Landsberg et al., 2005). A lambedura de pêlos, a mordedura de flanco e a dermatite por lambedura acral, geralmente exibidas em ambientes com estimulação deficiente, podem ser atividades vazias desenvolvidas como um mecanismo de enfrentamento para acalmar o animal, entretanto, essas atividades podem manter-se pela liberação de opióides endógenos (β-endorfina e metencefalina) (Broom, 1988b). Ainda que existam vários programas de tratamento que utilizam drogas associadas às modificações comportamentais e ambientais, a prevenção de tais distúrbios deveria ser a grande preocupação dos proprietários e médicos veterinários. Para tanto, a relação do proprietário com o seu cão deveria ser pautada em um modo de proceder constante para evitar a excitação, o conflito, a frustração, a ansiedade e o estresse. Estes procedimentos constariam de: a) evitar a indução de medo e ansiedade, geralmente conseqüentes da inconsistência da conduta do proprietário, referentes a alterações de rotina e inovações, agrados casuais, punições e recompensas inapropriadas e b) proporcionar estimulação psicossocial por intermédio do aumento da freqüência de brincadeiras e passeios; companhia de outro animal; interações afetivas e estimulação ambiental proporcionada por brinquedos que instigue a resolução de um problema. Em uma pesquisa onde se examinou a efetividade de quatro classes gerais de fatores: comida, brinquedos (objetos inanimados), contato canino e contato humano (passivo e ativo) para o alívio de vocalização de angústia de cães resultante do isolamento, Pettijohn et al (1977), observaram que o contato humano ativo produziu a maior redução de vocalização 71 de angústia (quase 90%) de todas as condições em cada um dos 24 filhotes de cães. Considerando as classes principais de condições de alívio, a efetividade foi ordenada na seguinte ordem: humano> cão> brinquedos> comida. O surpreendente foi a presença do ser humano mostrar-se mais efetiva ao alívio de angústia que a presença de outros cães. O proprietário preocupado com o bemestar do seu cão fará tudo para mantê-lo ocupado e distraído, mas, evidentemente, o controle absoluto das possíveis causas de problemas comportamentais não é algo factível. Por outro lado, com auxílio de alguns artifícios comportamentais preventivos como os citados acima, ele pode minimizar as conseqüências de algumas alterações inevitáveis no curso da vida do cão como: ampliação ou diminuição do número de familiares, aquisição de outros animais; alterações na rotina ou dinâmica familiar; mudança de residência e outras mais. Em sua rotina na clínica veterinária, o médico veterinário deve estar atento para as alterações de comportamento do cão. Estas alterações podem estar associadas a uma variedade de desordens de comportamento e perturbações emocionais do cão e de seu proprietário. Este profissional quando qualificado para tratar as desordens de comportamento, deve perceber as perturbações emocionais retratadas pelas necessidades e dependência do proprietário, como uma condição prévia para a resolução de problemas comportamentais do cão. Muitas das desordens de comportamento informadas em cães são, em termos de etiologia e sinais, comparáveis as que acontecem com a criança humana. (Fox, 1971, p. 66). Segundo o autor, esta analogia se deve a existência de semelhanças básicas em organização neural no cão e na criança; ao desenvolvimento de fases de socialização "críticas" do filhote e da criança serem comparáveis e às relações interpessoais semelhantes entre a criança e pai e cão e proprietário. O caráter ou desordens de personalidade de humanos são consideradas características individuais vitalícias comparáveis às características do caráter individual de pequenos animais que podem estar relacionados à espécie, à raça, ou ao sexo (Fox, 1971). Pavlov ao utilizar condicionamento clássico para determinar a tipologia nervosa de cães, classificou vários tipos, e entre eles, os tipos sanguíneo, fleumático, inerte e equilibrado. Demonstrou que alguns tipos eram particularmente mais resistentes para desenvolver neuroses experimentais, enquanto outros eram extremamente propensos (Astrup, 1968). O temperamento ou desordens de personalidade fazem parte da constituição genética, contudo, o caráter do animal ademais da herança genética, é susceptível de sofrer influência de perturbações de origem ambiental, especialmente durante o seu desenvolvimento (Fuller, 1967). O estudo clássico desenvolvido durante vinte anos no Jackson Laboratory em Bar Harbor, Maine, sobre genética e comportamento social do cão, constitui um tratado científico pioneiro que estabeleceu os parâmetros de comportamento e os períodos de socialização críticos do cão. Ao testarem cinco raças - Basenji, Cocker Spaniel, Fox de pêlo de arame, Shetland Sheep dog e Beagle - concluíram que a hereditariedade afetou a maioria das características testadas, sexo influenciou a agressividade e a condição de dominância, mas não a capacidade de treinamento e de resolução de problemas; que as características emocionais e motivacionais diferiram amplamente em relação às raças 72 e influenciam profundamente o desempenho (Scott e Fuller, 1997). Uma grande contribuição desse estudo para o conhecimento do comportamento do cão foi a identificação de períodos de desenvolvimento particulares durante os quais o comportamento dos filhotes de cão são excepcionalmente sensíveis a influências ambientais. Igualmente importante foi o conceito que estabelece as experiências prévias nas primeiras semanas de vida do cão como importantes determinantes para o comportamento posterior. A partir deste estudo experimental, o desenvolvimento do comportamento do cão passou a ser dividido em quatro fases: o período de neonatal (0 a 2 semanas), período de transição (2 a 3 semanas) , período de socialização (3 a 12 semanas) e período juvenil (12 semanas a maturidade sexual). O período pré-natal foi estudado em roedores por outros autores (Thompson, 1957; Denenberg e Morton, 1962; De Fries et al., 1967.) que observaram as influências transplacentária materna como um fator a ser considerado no comportamento subseqüente da descendência. Ao sujeitarem fêmeas a experiências estressantes durante a prenhez, verificaram que a descendência mostrou-se mais emocional ou reativa em situações testadas posteriormente. As fêmeas mais emotivas tendem a dar à luz descendências mais emotivas independente de influências genéticas. O período de neonatal é caracterizado pela dependência completa da mãe e pouca habilidade motora. Porém, já nesta fase, os estímulos derivados de estímulos físicos e da manipulação dos filhotes podem influenciar o comportamento e o desenvolvimento físico, assim como uma adaptação eficiente à situações estressantes futuras (Levine, 1962,1967; Whimbey e Denenberg, 1967). No período de transição os filhotes começam a abrir os olhos e os canais da orelha; a rastejar, andar e a exibir alguns sinais sociais através das vocalizações; a fazer evasões exploratórias; a fazer suas eliminações fora do ninho sem a ajuda da mãe e a se interessar por comida sólida (Scott e Fuller, 1997). O período de socialização em filhotes de cão foi descrito (Scott, 1962) inicialmente como um período ‘crítico’ para a formação de relações sociais primárias ou vínculos sociais. Apesar de o cão ter a capacidade de formar vínculos fortes para pessoas em qualquer idade, o processo tende a ser mais simples e efetivo durante o período de socialização. Este período de socialização primária é o período mais importante no desenvolvimento social para o cão jovem. Representa um tempo de mudança de comportamento muito rápida e especificamente inclui o desenvolvimento de comportamentos sociais espécieespecífica. Neste período o filhote é altamente responsivo a estímulos ambientais que lhe proporciona as oportunidades para aprender e para formar vínculos com outros filhotes de cão, com humanos e outros animais. A socialização adequada para as diferentes espécies e experiências positivas e bem conduzida em relação aos estímulos ambientais durante este período sensível, representam um valor inestimável para a prevenção do desenvolvimento de comportamentos impróprios e o estabelecimento da habilidade para se relacionar saudavelmente com as pessoas ou interagir com outros animais. O cão bem socializado é capaz de se adaptar com sucesso à situações novas e é responsivo ao treinamento. Ao contrário, o cão que não é bem conduzido nessa fase crucial de seu desenvolvimento, pode tornar-se inseguro e susceptível ao estresse. Scott e Fuller (1997) concluíram que devido ao filhote de cão ser mais sensível emocionalmente e mais impressionável na fase de socialização, é também anormalmente 73 vulnerável ao dano psicológico. O isolamento social por períodos longos nessa fase da sua vida, por exemplo, pode precipitar o surgimento de distúrbios relacionados à síndrome de separação. O período juvenil também denominado de socialização secundária se caracteriza por um período de refinamento da coordenação motora e das demais capacidades. A partir da puberdade, os machos desenvolvem comportamentos relacionados à maturação sexual como a marcação com urina, agressão, monta e inclinação para vagar. Somente na fase adulta, machos e fêmeas começam a exibir comportamento territorial e a agressão de domínio. A história genética pode influenciar a agressividade de raças e indivíduos, aumentando ou diminuindo esta tendência e, a procriação seletiva, pode aumentar ou diminuir a tendência de cães morderem em contextos diferentes. (Lockwood e Beck, 1975). A despeito de a convicção popular considerar a agressividade como resultado do temperamento do animal, hoje há muitas evidências científicas de que a agressão do cão, como de qualquer outra espécie, depende do contexto de vida, não sendo necessariamente provável que um cão que responda agressivamente em uma situação faça o mesmo em outras (Serpell e Jagoe, 2006). A agressão entre todos os tipos de problema de comportamento do cão é sem dúvida a reclamação mais comum dos proprietários de cães (Voith, 1981; Wright e Nesselrote, 1987; Landsberg, 1991; Overall, 1997; Mugford, 2006) e a agressão relacionada ao domínio provavelmente é a mais comum entre os cães (Campbell et al., 1975; Voith e Borchelt, 1982; Beaver, 1983, Borchelt e Voith, , 1986;). A agressão de domínio se caracteriza pela tendência de alguns cães reagirem agressivamente aos desafios inerentes às posições deles dentro da hierarquia social na família. O proprietário ou qualquer outro membro do grupo social pode ser considerado e tratado como um competidor por um espaço em seu sentido amplo, ou não ser tolerado pelo cão como um indivíduo que castiga e impõe obediência. Landsberg (1991) ao estudar um universo de 743 cães com problemas de comportamento, concluiu que 59% deles eram agressivos. A agressividade de domínio representou 62% seguida da agressão por medo e territorial. Entre os demais problemas de comportamento estudados, 18% referiam-se à inadequação na eliminação de dejetos, 6% à excitabilidade, 6% à fobia e medo e 5% ao latido impróprio. Borchelt e Voith (1986) ao desenvolverem uma pesquisa para descobrir se a falta de conhecimento ou experiência dos proprietários de cães é um fator contribuinte para a etiologia de problemas de comportamento, concluíram não haver nenhuma associação estatística significativa entre a prevalência de problemas de comportamento e a experiência de prévia de criação de um cão. Comumente, os proprietários são prevenidos por pessoas ou mesmo por profissionais que lidam com cães, que nunca deveriam tratar o seu animal como uma pessoa porque poderiam desenvolver sérios problemas de comportamento e “estragar” o cão. Igualmente, os conselhos que dizem respeito à educação e aos problemas de comportamento variam de "pare de estragar e tratar seu cão como uma pessoa", "você tem que treinar a obediência de seu cão! " , "você precisa castigar mais", ou ainda, "pare com todo o castigo" (Voith et al., 1992, p. 263, 270). Estas orientações com enfoque preventivo ou de correção de problemas de comportamento, foram transmitidas de modo imperativo durante décadas até que Voith et al. questionaram essas convicções. Estes autores tinham a 74 curiosidade de saber se realmente havia uma relação significativa entre as atitudes antropomorfas, o não treinamento de obediência e a existência de problemas de comportamento do cão. Para responder às suas indagações realizaram um estudo com o propósito de determinar se os cães não submetidos ao treinamento de obediência e tratados ‘como pessoa’ teriam maior probabilidade de exibir problemas de comportamento que os animais treinados e não tratados desse modo. Os itens do questionário constavam de atitudes antropomorfas e problemas de comportamento. Entre os itens referentes às atitudes antropomorfas utilizaram: compartilhar comida, deixá-lo dormir na cama, levá-lo em viagens, proporcionar-lhe conforto, solicitar-lhe o cumprimento de tarefas, permitir que coma na mesa, celebrar seu aniversário, fazer-lhe confidências e considerá-lo como membro da família. Entre os itens relativos aos problemas de comportamento se valeram de: agressão, eliminação em local impróprio, vocalização excessiva, hábito de destruir objetos, ingestão anômala, fuga, desobediência e expressão de medo. As atitudes antropomorfas foram analisadas junto com treinamento de obediência e variáveis de problemas comportamentais por meio da análise de variância (ANOVA). Os resultados da análise de 711 questionários mostraram que os cães cujos proprietários interagiam com eles de uma maneira antropomorfa (celebração de aniversário do cão, viajar e dormir na cama com o proprietário etc.) ou não proveram treinamento de obediência não apresentavam necessariamente problemas de comportamento. Apesar dos autores concordarem que o treinamento de obediência possa contribuir para a resolução de alguns problemas específicos e para uma relação proprietário-cão mais saudável, os resultados da pesquisa não apóiam as convicções comuns que todos os cães devam ser submetidos ao treinamento de obediência ou que os donos não devam ter com seus cães de estimação, atitudes consideradas antropomorfas. De outro modo, nenhuma evidência foi achada nesta pesquisa que atitudes antropomorfas e a falta de tratamento de obediência formal estão associadas com problemas de comportamento. Outro estudo semelhante desenvolvida por Jogoe e Sepell (1996) contrapõe alguns resultados obtidos por Borchelt e Voith (1986) e Voith et al. (1992). O estudo retrospectivo com 737 cães evidência associações entre características da relação proprietário-cão e a prevalência de vários problemas de comportamento. Os autores concluíram que cães de proprietários sem experiência prévia demonstraram alta prevalência de problemas relacionados à dominância, incluindo vários tipos de agressividade, de excitabilidade exagerada, desobediência, medo em relação a outros cães, ao tráfico e a sons altos. Observaram ainda que cães ao dormirem à noite no quarto do dono tiveram uma prevalência mais alta de agressão competitiva que cachorros que dormiram em outro lugar. A urinação e defecação relacionadas à ansiedade de separação eram mais prevalecentes em cachorros que dormiram no quarto do proprietário. Não foi, contudo, possível determinar se esses problemas de comportamento são as causas ou conseqüência do local onde o animal dorme. Esta pesquisa, diferentemente da anterior, apóia a convicção popular segundo a qual o cão tratado como gente apresenta maior probabilidade de exibir problemas de comportamento e dar mais trabalho aos seus proprietários. Com relação ao treinamento, a excitação exagerada mostrou-se mais prevalente em cães que haviam freqüentado aulas de treinamento formal comparados com cães treinados informalmente em casa. Este resultado sugeriu que o treinamento formal possa não ser na realidade um tratamento efetivo para excitabilidade exagerada e desobediência quando esses distúrbios já 75 estão estabelecidos. Em relação a urinação e a defecação relacionadas à ansiedade, agressão possessiva, e fuga, o treinamento de obediência ajudou a diminuir esses problemas. Voith (1992) advertiu que muitos problemas de comportamento são comportamentos espécie-típicos que não apresentam conexão com a obediência; por exemplo, ansiedade de separação, medos, urinação e defecação. Clark e Boyer (1993) também concluíram que o treinamento formal pode ajudar reduzir ansiedade de separação. Apesar da existência de algumas divergências entre os autores, todos concordam em um ponto: o desenvolvimento de uma relação de qualidade do animal de estimação com o seu proprietário reduz os problemas de comportamento do cão. Voith (1992) ponderou que um proprietário que gasta mais tempo com o seu cão talvez não precisasse colocá-lo em aulas de treinamento de obediência. Acrescentou ainda, que o cão mantido isolado ou submetido a uma interação restrita com os membros da família, pode apresentar problemas de comportamento. Ao estudar o efeito da personalidade e atitudes dos proprietários sobre o comportamento dos cães, O'Farrel (1987, p. 1040) observou que os proprietários presos emocionalmente aos seus cães tendem a alimentá-los levando o alimento à sua boca, a preparar comidas especialmente para eles e a permitir que eles durmam no quarto. Como foi encontrada uma associação estatística entre esses animais e a agressão de domínio, a autora sugeriu que há uma relação entre o vínculo emocional do proprietário e a agressão de domínio desenvolvida pelo cão. Argumentou, ainda, que se um proprietário está preso emocionalmente ao seu animal, é mais provável se comportar como se fora um amigo, um igual e, por fim, como um subordinado que atende as vontades do superior. Se o cão é propenso ao domínio em virtude de fatores é provável genéticos que ou hormonais, interprete este comportamento condescendente do seu proprietário como confirmação de seu estado de domínio. O cão como os seus ancestrais, é um animal que vive em grupo e se relaciona através de relações de domínio e subordinação manifestadas por comportamento de agressão. Entretanto, se o cão é exposto adequadamente a seres humanos durante o período de socialização primária (3 a 12 semanas), ele passará a se relacionar como se fosse um membro do grupo. Nesta fase da vida, o cão poderá ser moldado conforme a vontade e empenho de seu proprietário e as prerrogativas que lhes são conferidas. A sua tendência de respeitar o estado dominante dos componentes familiares favorece a manutenção do equilíbrio da relação interespecífica. Porém, alguns cães se empenham e, por fim, conseguem dominar um ou vários membros familiares, exibindo reiteradamente comportamento agressivo para afirmar sua posição na hierarquia social do grupo. Este comportamento é natural em uma relação intraespecífica, mas em um grupo familiar é inadmissível. Geralmente os familiares não percebem que o desenvolvimento de problemas de comportamento depende da contribuição de muitos fatores relacionados ao animal, ao modo de criação e a dinâmica familiar. Os erros cometidos por negligência ou impensados podem reforçar o comportamento impróprio do animal. Em algumas situações, nem o proprietário está equivocado nem o cão está exibindo comportamento anormal; estão apenas 76 manifestando comportamentos típicos da espécie que são inaceitáveis à outra espécie (Marder e Marder, 1985). Problemas relacionados à ansiedade de separação, por exemplo, resultam de uma relação onde o cão apresenta um apego exagerado ao seu proprietário. O problema de agressão relacionada ao domínio surge porque o cão tenta mostrar domínio sobre o seu proprietário. O impedimento deste domínio por parte dos familiares torna-se necessário para a manutenção do equilíbrio da relação. Assim, como a agressão de domínio, outros tipos de agressão são conseqüências da percepção do cão como um indivíduo social. O animal ao se considerar como um membro da família e a residência onde vive o seu território, desenvolve naturalmente a agressão protetora para proteger os membros da família e agressão territorial para defender a residência. Os proprietários podem, inadvertidamente, reforçar as agressões de domínio e territorial e qualquer outro tipo de agressão. Alguns dos problemas mais comuns não surgem necessariamente, em decorrência de problemas de comportamento do cão ou do proprietário, mas da relação entre eles. Todavia, devido a percepção equivocada do problema, somente o comportamento do cão é considerado como um importante determinante do sucesso da relação homem-animal. A interação entre o cão e o homem, por exemplo, pode ser a causa primária ou secundária de muitas desordens de comportamento. Segundo Beata (2005) o cão seguro é menos sensível às desordens relacionadas ao apego, enquanto cães inseguros com temperamento ligeiramente ansioso são freqüentemente vítimas de desordens de comportamento. Em contrapartida, cães que evitam contato com outras pessoas devem ser submetidos à terapia que inclui aumento de comportamento de apego. Entre as principais desordens relacionadas ao apego exagerado, a autora cita a ansiedade de separação, síndrome de hipersensibilidade-hiperatividade, síndrome de privação sensorial e a dissocialização primária. A ansiedade de separação é um problema comportamental angustiante resultante de várias causas envolvendo a dinâmica familiar e a relação muito próxima entre o animal e o proprietário. Acredita-se que 14% dos cães observados em hospitais veterinários dos Estados Unidos (Landersberg et al., 2005) sofrem de ansiedade de separação. O cão com ansiedade de separação mostra-se intranqüilo e exibe sinais exagerados de ansiedade quando o seu proprietário está fora da casa. Quando o proprietário preparasse para sair de casa o cão pode mostrar alguns indícios de ansiedade (inquietação e ganidos) ou depressão (imobilidade e anorexia). Durante a ausência do proprietário, o cão exibe uma variedade de comportamentos indicativos de ansiedade: arranhadura, vocalização excessiva, salivação, micção e defecação em locais impróprios, mastigação de objetos. Comumente, quando o proprietário volta para casa, o cão exibe altos níveis de excitação expressados pela saudação exagerada. O distúrbio de ansiedade também pode ocorrer quando o proprietário, outras pessoas e outros animais estão presentes, mas o cão não tem acesso ou atenção das pessoas. Neste caso, a ansiedade pode suscitar além dos comportamentos já citados, vômito, diarréia, anorexia, isolamento, automutilação, letargia ou depressão. O tratamento para esse distúrbio envolve algumas práticas de dessensibilização para corrigir os comportamentos específicos relacionados à ansiedade e ajudar o cão a tolerar a ausência do proprietário. Deve-se associar a estas práticas o enriquecimento ambiental com brinquedos; aumentar a interação e 77 distração; aumentar o ensejo de brincadeiras e exercícios que além de desviar a atenção do animal, proporcionam um efeito calmante. A síndrome de hipersensibilidadehiperatividade é um distúrbio comportamental que surge durante a fase juvenil ou adolescência, mas persistem pela fase adulta. O cão corre, salta, brinca e persiste como se não pudesse se manter parado. Ele responde a uma estimulação muito fraca, seja ela visual auditiva ou tátil e durante as atividades podem mordiscar as pessoas. O tratamento consiste na combinação de terapia química com brincadeiras controladas e o aprendizado de inibições sociais. O cão com síndrome de privação sensorial pode apresentar três quadros clínicos. No estágio 1 o cão é incapaz de suportar exposição de um ou mais tipos de estímulo. Ao ser submetido a estímulos, o animal se esconde ou exibe comportamentos de fuga ou agressão por medo. No estágio 2 o animal apresenta um estado de ansiedade por privação. O comportamento exploratório é deficiente e a alimentação pode sofrer algumas modificações. A alimentação pode ser inibida diante de estímulos novos ou o alimento pode ser ingerido rapidamente e, neste caso, a ingestão pode ser seguida de regurgitação e reingestão. A polidipsia pode ser considerada uma atividade de deslocamento assim como o desenvolvimento de autolesão de membros, flanco ou cauda. Landerberg et al. (2005) associam a ansiedade de privação ao estado de hiperfixação, que se desenvolve quando a relação do animal e do proprietário é muito próxima. O animal ligeiramente ansioso e sensível a qualquer mudança ambiental mantém-se sempre ao lado do proprietário. O estágio 3 se caracteriza principalmente por depressão e distúrbio do sono. No tratamento, a terapia com drogas deve ser combinada com terapia comportamental e atividades lúdicas. Na dissocialização primária o cão é descrito como “delinqüente canino” (Landersberg et al., 2005, p. 426). O animal é desobediente e insubmisso e, portanto, apresenta agressão hierárquica e por irritação quando seu proprietário tenta controlá-lo. A insubmissão o leva a morder gravemente suas vítimas e a brigar com outros cães. Amiúde, a ansiedade de separação está associada à dissocialização primária. Estas desordens de comportamento citadas são apenas algumas anormalidades diagnosticadas como problema comportamentais do cão relacionadas à interação entre o cão e o homem. Os animais comportam-se de determinada maneira porque agir assim é adaptativo. O comportamento social e não-social de um animal, sendo parte vital de sua adaptação, está associado às adaptações fisiológicas e anatômicas. O comportamento instintivo moldado pela evolução é reconhecido como inflexível, contudo, a integração entre comportamento individual e ambiente envolve o aprendizado através da experiência. Em razão da variabilidade do ambiente, este aspecto assume grande importância, pois o aprendizado permite que a transmissão da informação não contida nos genes passe de geração a geração. Porém, para que ocorra essa transmissão, é necessário que a capacidade de aprendizado seja herdada. Por outro lado, para que haja evolução do comportamento, é necessário que genes que comandem esse comportamento sejam herdados. Na transmissão cultural (Deag, 1981), por exemplo, os animais devem herdar a capacidade de aprender e usar o comportamento relacionado. Enfim, o aprendizado e a flexibilidade tornam o comportamento uma adaptação interessantíssima. 78 Concluindo, a prevenção de grande parte dos problemas comportamentais e o favorecimento de uma boa qualidade de vida ao cão, depende do conhecimento que faculta maior acerto e rápida intervenção por ocasião do desenvolvimento de problemas comportamentais comprometedores do bem-estar do animal. O conhecimento eficaz sobre as fases de desenvolvimento comportamental do cão é algo essencial para qualquer pessoa que se aventure a conviver com esse amigo nãohumano e aspira proporcionar-lhe bemestar adequado. Nenhum proprietário deseja conviver com um cão desobediente, nervoso ou agressivo, mas com um animal de temperamento estável e de comportamento ativo e amigável. É imprescindível o proprietário estar convicto que o caráter de um cão é influenciado pelas peculiaridades ambientais e, em particular, pelo processo de socialização. A relação harmoniosa em consonância com a disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um redunda em bem-estar para o animal e para a família. domínio do conhecimento, consideradas independentemente da situação concreta a que se aplica, esse estudo pode ser classificado como pesquisa estratégica, pois se orienta para problemas apresentados pela sociedade e tem como finalidade a ação (Minayo, 2004). Do ponto de vista metodológico, esta investigação situa-se no âmbito da pesquisa quantitativa e qualitativa, e essa configuração, nos moldes em que foi planejada, poderá contribuir na ampliação e inserção do presente estudo no campo do objeto do conhecimento relacionado ao ser humano, ao cão de companhia e à sociedade. 3. METODOLOGIA Para o estabelecimento do caminho metodológico buscou-se a complementaridade de olhares para o mesmo problema, onde o estudo qualitativo pudesse gerar questões para serem aprofundadas quantitativamente, e vice versa. Devido à natureza e delimitação do problema e o rigor requerido para a caracterização da relação homem-animal em relação ao bem-estar animal, optou-se pela matriz epistemológica de abordagem qualitativa, mas utilizaram-se as sistemáticas quantitativas e qualitativas. Este estudo foi conduzido com a finalidade de estabelecer relações funcionais entre: 1) os aspectos da diversidade socioeconômicas dos proprietários, 2) as condições de criação do cão, 3) a progressividade e a atitude de seus proprietários e 4) o bem-estar do animal. O conhecimento obtido com caracterização do sistema de criação, dos proprietários e do bem-estar do animal foi aplicado na caracterização da relação homem-animal. A abordagem qualitativa parte da premissa de que existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, entre o sujeito e o objeto, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. Enquanto a abordagem quantitativa, influenciada pela matriz positivista, pelo não comprometimento social do pesquisador e pela objetividade dos fatos, fundamenta-se na utilização de instrumentos padronizados capazes de mensurar a realidade objetiva. O modelo de investigação utilizado na pesquisa foi do tipo exploratório de caráter descritivo com pesquisa de campo. A investigação constou de um inquérito e observações das condições de criação de cães domiciliados. Segundo as regras próprias de determinado A abordagem quantitativa que se caracterizou pelo emprego da quantificação objetiva e rigorosa na coleta de informação e no tratamento estatístico descritivo e matemático dos dados, foi utilizada para identificar as opiniões e atitudes dos proprietários dos cães, testar a fiabilidade 79 do questionário, estabelecer as condições de criação e estimar a condição corporal dos animais. A abordagem qualitativa, por outro lado, consistiu na associação de variáveis para estabelecer o comportamento de diversos fatores e elementos que influenciam o bem-estar animal. Devido o emprego da análise multivariada de correspondência múltipla, não foi possível investigar a relação de casualidade, ou seja, a apreciação de fatores que estariam contribuindo para caracterização do bem-estar do animal. 3.1 Hipótese As atitudes e a progressividade dos proprietários e as condições de criação seriam fatores determinantes para a promoção do bem-estar do cão. 3.2 Local de estudo O estudo foi desenvolvido na Região Administrativa da Pampulha da cidade de Belo Horizonte. A escolha dessa região deveu-se a duas características importantes para o estudo: a diversidade de classes sociais e de tipos de residências. 3.2.1 Caracterização do município Belo Horizonte é um município brasileiro e a capital do estado de Minas Gerais. Atualmente é o sexto município mais populoso do Brasil com 2.412.937 habitantes. A Região Metropolitana de Belo Horizonte, formada por 34 municípios, possui uma população estimada em 4.934.210 habitantes e 321.955 cães1, sendo a terceira maior aglomeração populacional brasileira e a terceira em importância econômica da indústria nacional. 1 Informe da chefia do Laboratório de Zoonoses da Prefeitura de Belo Horizonte- MG- 2008). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que utiliza uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo é uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem-estar infantil. O IDH no ano de 2000 apresentou um valor de 0,839. Belo Horizonte já foi indicada pelo Population Crisis Commitee, da ONU, como a metrópole com melhor qualidade de vida na América Latina e a 45ª entre as 100 melhores cidades do mundo (Wikipédia, 2008). A cidade de Belo Horizonte possui 148 bairros e está dividida em nove áreas administrativas. São elas: Barreiro, CentroSul, Leste, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste, Pampulha e Venda Nova. Belo Horizonte possui o quinto maior PIB entre os municípios brasileiros, com o valor aproximado de 28,4 bilhões de reais e um PIB per capita de R$ 11.951,00 em 2005. O setor terciário (serviços e comércio) contribui com 80% da riqueza produzida no município. O setor industrial corresponde ao restante do PIB. Praticamente não existe setor agropecuário no município. Pampulha é uma região administrativa de Belo Horizonte, sendo um dos principais centros de atividades desportivas dessa cidade, localizada sob as coordenadas 19°51′44″S, 43°58′14″W. Está situada em uma área de 47,13 km2 com 43 bairros subdivididos em cinco micro-regiões, contando ainda entre eles com 17 vilas. Estima-se que possua uma população de 145. 262 hab e 40. 619 domicílios. A renda per capita é de R$ 680,15, a expectativa de vida ao nascer é de 73,70 anos e o IDH é de 0,870. O Índice de Gini é uma medida de desigualdade comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usada para qualquer 80 distribuição. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda e 1 corresponde à completa desigualdade. O índice de Gini na Região Administrativa da Pampulha é de 0,56. Nesta região se observa claramente o contraste social típico das cidades brasileiras. As luxuosas mansões existentes tanto na orla como em algumas áreas nobres (Bandeirantes, São Luiz, São José) contrastam com um grande número de áreas de risco (Wikipédia, 2008). O Distrito Sanitário Pampulha é o segundo maior Distrito Sanitário de Belo Horizonte em extensão, com uma área de 46,03 Km2. Possui 143.602 habitantes (IBGE, 2000) e 24.241 cães1. Está dividido em nove áreas censitárias: Jardim Confisco, Itamarati, São Francisco, Santa Amélia, Santa Clara, Santa Rosa, Santa Terezinha, Dom Orione e Norte (PBH, 2008). 3.3 - Amostra O universo do estudo foi constituído por 64 proprietários de cães. Foram excluídos quatro proprietários por participarem do pré-teste do questionário. Para os propósitos desse trabalho a amostra final foi composta por 60 residências onde era criado apenas um cão com idade igual ou superior a doze meses. O proprietário foi caracterizado como um indivíduo da família com idade superior a 18 anos, mais envolvido no dia-a-dia do animal e comprometido com o seu cuidado. O número de cães por área censitária foi calculado de modo haver correspondência com a variação da densidade populacional canina nas nove áreas censitárias da Região Administrativa Pampulha. O calculo do número aproximado de cães por área 2 Informe da chefia do Serviço de Zoonoses da Região Administrativa da Pampulha- Prefeitura de Belo Horizonte- MG - 2007). censitária baseou-se na proporcionalidade entre o número total de cães e o número de cães vacinados por área censitária na Campanha de Vacinação Anti-rábica ocorrida em 20062. A seleção das residências foi realizada de modo fortuito e sistemático, visando obter variabilidade do tipo de residência e diversidade socioeconômica dos participantes. Informações mais precisas sobre as residências das diversas áreas censitárias estudadas foram obtidas com os agentes sanitários do Serviço de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde. Seus registros sistemáticos sobre a população canina possibilitou a elaboração de uma lista de residências onde era criado apenas um cão. 3. 3.4 - Procedimentos Esta pesquisa foi submetida à avaliação e aprovada por dois Comitês de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais, MG, em 28 de fevereiro de 2007: são estes o Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG Parecer nº. ETIC 545/06 e o Comitê de Ética em Experimentação Animal Protocolo 175/2006. Antes de iniciar a entrevista todos os respondentes foram informados sobre o propósito do estudo e assegurados sobre o anonimato e o sigilo das informações. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 1) após lido, foi assinado pelos participantes. A pesquisa de campo realizada no período de março/maio de 2007 foi conduzida pela própria doutoranda de modo a evitar interpretações divergentes na obtenção dos dados, pois segundo Muchielli (1994), seja por subjetividade ou implicação pessoal, por distorção profissional ou por atenção centrada no conteúdo intelectual, somos 81 experimentados a tornar efetiva uma seleção no real e valer-se apenas um de seus aspectos, conforme ao nosso ponto de vista. O acesso ao real ponto de vista do outro, somente é factível se o interlocutor libertar-se de sua maneira habitual e pessoal de ver as situações para alcançar um novo ponto de vista psicológico. Conhecimento e treinamento são elementos fundamentais para se obter este posicionamento. 3.5 Instrumentos de coleta de dados Os instrumentos de coleta de dados constaram de três formulários, observação direta e um questionário para avaliação das atitudes e progressividade dos proprietários em relação ao bem-estar animal. O pesquisador gastou em torno de 40 a 50 minutos para realizar observações enquanto ministrava os formulários e o questionário. 3.5.1 Formulários Três formulários foram elaborados para coletar os dados: (1) identificação do cão e dados socioeconômicos; (2) caracterização do sistema de criação; (3) avaliação física e comportamental do animal. Para o propósito das análises, a maioria dos dados foi tratada como dicotômica. 3.5.1.1 Formulário socioeconômico. As informações coletadas incluíram questões referentes à identificação do cão e dados de identificação e condição socioeconômica do proprietário (anexo 2). 3.5.1.2 Formulário referente ao sistema de criação Este formulário inclui itens utilizados na caracterização do sistema de criação dispensado ao animal. Os dados obtidos foram utilizados no ajuizamento da observância dos proprietários às necessidades fisiológicas, comportamentais e psicológicas do cão (Anexo 3). 3.5.1.3 Formulário referente à avaliação física e comportamental do animal. Este formulário foi utilizado para coletar dados sobre as variáveis ‘índole’, ‘estado de tranqüilidade’ e ‘condição corporal’ empregadas como indicadores na avaliação do bem-estar animal (Anexo 4). Esses indicadores consideraram o efeito de fatores biopsicossociais resultante de estímulos e respostas que influenciam a saúde, o comportamento (Clark et al., 1997), e a condição corporal do animal (Hofer e East, 1998). 3.5.2 Observação Direta Até mesmo o observador mais casual de comportamento animal perceberá que alguns animais podem produzir uma série de diferentes comportamentos em resposta a determinados estímulos em diferentes ambientes. A normalidade envolve algum grau de variabilidade e é freqüentemente difícil definir precisamente onde normalidade termina e anormalidade começa (Fox, 1968a, p.3). Neste contexto surge uma pergunta: Que padrão de comportamento deve ser considerado: normal ou anormal? Teoricamente, para responder esta pergunta, a pessoa pode fazer uma suposição razoável sobre a gama de comportamentos exibidos por outros animais da mesma espécie como indicadores de elementos de normalidade e melhorar a perspicácia do que constitui o comportamento normativo. A observação do estabelecimento da constância de um comportamento reativo específico na maioria dos cães debaixo de condições semelhantes será uma indicação geral que a resposta observada é considerada normal para aquela situação. Além disso, orientações mais precisas para 82 classificação devem estar respaldadas na conclusão se o grau de manifestação da ação executada é apropriado ao propósito biológico e ao estímulo. Se a ação for apropriada à resposta deve ser considerada como comportamento pertinente; se não for, será então classificado como irrelevante ou simplesmente anormal. Decisões sobre a normalidade do comportamento estão, portanto, limitadas às respostas a estímulos ou a situações reconhecíveis nos comportamentos habituais do animal. Devem ser consideradas tais respostas levando em conta dois fatores: grau e propósito. É essencial que uma resposta normal deva satisfazer simultaneamente ambas as exigências para propósito e grau. Em contrapartida, um comportamento que está em desacordo ao fim a que se visa e/ou excede a resposta padrão em grau, assume a categoria de anormal (Fox, 1968b) envolvem estados emocionais e modos de reação. Entre os comportamentos mais importantes para identificação do animal agressivo e intranqüilo estão: agitação e inquietação com atividade motora excessiva e não responsiva à correção; vocalização excessiva; vigilância e excitabilidade aumentadas; nível mais alto de agressão irritável ou possessiva; maior ocorrência de atividades de deslocamento, estereotipias e atividades vazias; comportamento de alta sensibilidade à dinâmica ambiental como para estímulos novos e súbitos ou para situação estranha e pouco conhecida que induzem a sentimentos de medo, pânico ou ansiedade e, conseqüentemente, a manifestação de reações de agressão, inibição, evitação de contato corporal e isolamento. O animal pode também apresentar atividade de motora reduzida, letargia e sinais de frustração e angústia. A avaliação do comportamento é geralmente qualitativa, no que se refere à percepção da presença ou ausência de certo tipo de comportamento. A demonstração de uma variedade de comportamentos normais e de prazer pode ser contrastada com comportamentos de aversão ou supressão do comportamento normal. Ademais, algumas informações particulares podem assumir grande significância. A postura, a andadura e o movimento dos olhos, por exemplo, são capazes de dar uma pista valiosa por ocasião da observação do comportamento de um cão. Uma alta mobilidade do olho em sua órbita sugestiona um estado de ansiedade, enquanto uma baixa mobilidade ou mesmo uma posição fixa do olho pode insinuar sofrimento ou aflição intensa. Outros fenômenos comportamentais podem acontecer com intermitência em resposta à excitação do animal. Comportamentos hostis podem ser patentes em certas condições de agressão defensiva, agressão por medo, agressão territorial e agressão por dominância. Entre os sinais de dominância possíveis de serem observados em uma visita seriam especificamente o rosnar, beliscar, morder, bloquear acesso às dependências da casa e comportamento ativo que desencadeie a resposta de medo ou repreensão do proprietário. O proprietário quando mantém certa proximidade com o seu animal adquire a capacidade de estabelecer de forma empírica, através de suas observações, certos tipos de comportamento manifestados em situações específicas que Muitos proprietários conseguem perceber a postura dos cães durante os episódios ambivalentes de agressividade caracterizados por olhos parados, vítreos rígidos, orelhas aplainadas e um rabo abaixado, junto com resmungos e dentes a amostra ou a postura claramente defensiva, com olhos desviados, orelhas aplainadas, rabo abaixado, rosnado, latido e que ataca somente quando sua distância crítica é ultrapassada. Outras posturas ou sinais de 83 agressividade ou ataque eminente são observados quando o cão encara e o contato visual é prolongado; apresentação de pilo-ereção, dentes à amostra, orelhas eretas e para frente, cauda elevada e reta podendo haver movimento de abano apenas na ponta (Fatjó et al., 2003); um abanar de rabo nem sempre indica um cachorro amigável. Um cão adulto socializado de maneira precária ou equívoca, pode se tornar dominante para as pessoas da família ou super-protetor de seu território e/ou dos membros da família. Ele pode tornar-se um mordedor constante ou atacar eventualmente visitas e, neste caso, os proprietários deixam de fazer determinadas coisas porque incitam o cão a reagir com rosnado e outros comportamentos agonísticos. Geralmente, ao relatarem históricos de comportamentos agressivos, referem-se a alguns estímulos que podem provocar a agressão: ser fitado nos olhos; ser repreendido física ou verbalmente; ser ordenado sair de um determinado lugar; ser escovado, o escovar de dente, cortar as unhas, banho e tosa; ficar de pé ao lado do animal ou encontrá-lo em passagens estreitas; aproximação de estranhos às pessoas queridas; aproximação de pessoas à sua comida ou à sua área de descanso. Frequentemente, a presença de uma pessoa estranha é suficiente para alterar o comportamento do animal de forma que ele não se comporte da mesma maneira quando está sozinho em casa com o seu proprietário. Considerando essa possibilidade, o método de observação aplicado a esta pesquisa baseou-se na interconexão da observação direta e na habilidade dos proprietários em discernir entre um comportamento normal ou anômalo. Uma visita à residência do proprietário permite ao pesquisador obter uma visão mais precisa do comportamento habitual do animal (Danneman, 1982), sendo mais provável um cão agressivo atacar ou ameaçar as pessoas em seu próprio território. A categorização da índole (agressivo/manso) e do estado de tranqüilidade (tranqüilo/ intranqüilo) que permitiram a identificação do tipo de personalidade do cão, considerou o sexo, a idade, o estado reprodutivo, a raça e a compatibilidade com um estilo particular de vida (Overall, 1997). A classificação do cão macho, adulto Cocker Spaniel como um animal intranqüilo e agressivo, por exemplo, baseou-se no arranjo familiar (pai, mãe, filho), na opinião do proprietário e no juízo da pesquisadora. A observação foi iniciada exatamente no momento em que o proprietário abriu a sua porta para receber a pesquisadora. Através de uma atitude profissional, mas amigável, a pesquisadora deixou o respondente à vontade e ao mesmo tempo, com um ar de informalidade, observava as respostas do proprietário ao comportamento do animal, enquanto incluindo sua atividade, nível de excitabilidade, exploração, respostas de medo e agressividade, e interação com pessoa estranha - a própria entrevistadora e familiares. Tais observações, definidas em termos amplos, não estavam restritas apenas ao que era visto, mas incluiu as faculdades intelectual e intuitiva da pesquisadora. Por ocasião da avaliação propriamente dita, foi indagado aos proprietários se eles identificavam em seus cães os comportamentos de agressividade e de intranqüilidade. Em seguida foram perguntados pormenores sobre o comportamento do cão e de seus pais, convergindo para um mesmo ponto dos possíveis problemas. Quando o proprietário não admitia dúvida, ainda assim, era solicitada informação mais objetiva possível e perguntas específicas eram feitas sobre as manifestações observadas e a freqüência de ocorrência de 84 agressividade e intranqüilidade. Por outro lado, quando era notória a dúvida, e o proprietário por motivos não ditados pela razão se abstinha em considerar a verdadeira natureza do problema, o entrevistador baseado nos fatos, na sua experiência e no juízo crítico, decidia como árbitro. A pesquisadora, ciente da complexidade do comportamento animal, ao reconhecer algumas interpretações equivocadas dos proprietários, valia-se de perspicácia, atenção e do histórico sobre o comportamento social do cão. Alguns proprietários poderiam acreditar ser normal um cão rosnar e ameaçar com freqüência pessoas ou animais, e ainda, considerar eventos esporádicos de agressão com lesão da vítima um fato passageiro e sem importância. 3.5.3 Questionário O questionário utilizado para avaliação das atitudes e progressividade dos proprietários em relação ao bem-estar animal foi elaborado a partir de informações e pressupostos básicos levantados por autores revisados nesse estudo (Anexo 5). 3.5.3.1 Atitudes e progressividade A atitude no sentido psicológico comum pressupõe um papel que se quer representar através das posturas físicas, fisionomia e gestos que revelam uma intenção. No sentido psicológico mais geral, a atitude assume uma categoria do real (em relação a instituições como família, trabalho, governo) ou de atitude global (em relação ao outro ou a vida) constituindo um conjunto de idéias, crenças, princípios ou opiniões, que se interpõem como centro de referencia de tudo quanto se pensa, diz, ou faz com respeito à realidade. Sendo uma estrutura da personalidade, atua também no nível inconsciente como fator de estruturação da experiência vivida e do comportamento (Muchielli, 1994). As atitudes são concebidas como presteza mental ou predisposição implícita que exercem influência geral e lógica numa classe de respostas de avaliação dirigidas a algum objeto, pessoa ou grupo. São consideradas também como inclinações adquiridas e duradouras, passíveis de receber impressões e, portanto, não são inatas. A percepção do mundo em que vive deste modo desempenha certo controle na expressão do comportamento do indivíduo (Zimbardo e Ebbersen, 1973). Portanto, as atitudes dizem respeito às normas de proceder ou tendência de comportamento. Uma atitude pode predispor um indivíduo a agir em favor ou contra a uma pessoa, objeto ou situação. Por outro lado, a progressividade, segundo Guilhermino e Sampaio (1999), se refere à conquista de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida íntima e social e de conceder maior significação no contexto da experiência humana. Os indivíduos progressistas, ao contrário dos conservados na tradição, são mais abertos à mudança e atuam como fontes de informação para outros indivíduos nãoprogressistas. Para medir a influência da atitude sobre o comportamento consideram-se as atitudes divididas em três componentes: afeto, cognição e comportamento. O componente afetivo se refere à avaliação da pessoa em relação a uma resposta emocional a algum objeto ou a alguma pessoa. O componente cognitivo está relacionado a crenças, ou convicções íntimas de uma pessoa a respeito de um objeto ou pessoa ou conhecimentos de fatos a eles referentes. Já o componente de comportamento incluía ação manifesta da pessoa com relação à outra pessoa ou ao objeto. A atitude compreendida desta forma aventa 85 possibilidades de se estabelecer métodos para medi-las, como também técnicas para estimular mudança de atitudes. O componente afetivo poderia ser avaliado por respostas fisiológicas ou expressões verbais relacionados à questão de sentir ou não prazer, gostar ou não do objeto ou de alguma pessoa. O componente cognitivo poderia ser determinado por auto-avaliações de crenças ou pelo conhecimento que uma pessoa tem de certo assunto, enquanto o componente de comportamento poderia ser avaliado por observação direta da forma particular da pessoa comportar-se em circunstâncias estimuladoras especificas. 3.5.3.2. Técnica de mensuração Entre as principais técnicas de mensuração de atitudes e progressividade utilizadas em estudos sociais encontram-se: o método de intervalos aparentemente iguais de Thurstone, o método de avaliações somadas de Likert, o escalograma de Guttman e o diferencial semântico de Osgood. Cada uma dessas técnicas desenvolve diferentes conjeturas em relação à natureza dos itens do teste que deve ser empregado e a respeito do tipo de informação que permitem avaliar as atitudes e a progressividade da pessoa. Não obstante, existem algumas hipóteses comuns a todas essas técnicas. A primeira supõe que é possível medir essas predisposições subjetivas por uma técnica quantitativa, de modo a permitir que a opinião de cada pessoa possa ser expressa por números. A outra hipótese seria que os quatro métodos supõem que determinado item de teste apresenta o mesmo sentido para todos os inquiridos que respondem a ele, e por suposto, esta resposta deve ser avaliada da mesma forma para todos os respondentes. (Zimbardo e Ebbersen, 1973). Para alcançar o propósito do estudo em questão, decidiuse utilizar o Método de Avaliações Somadas de Likert. A escala de Likert, como é usualmente chamada, é formada por uma série de afirmações de opiniões a respeito de uma questão que é objeto de discussão em um domínio do conhecimento. Os itens ou questões sob forma de afirmação devem ter elevada correlação com um atributo comum, no caso o favorecimento do bem-estar animal, e elevada correlação entre si. As respostas às afirmações são identificadas em categorias pelo respondente e avaliadas pelo pesquisador. Uma resposta é traduzida em números em uma escala de sete pontos de respostas, de acordo com as opiniões pessoais a respeito das afirmações. Cada pergunta sob forma de afirmação representada na escala de 01 a 07 é uma função linear da mesma dimensão de atitude. Logo, o resultado ou quantificação da atitude da pessoa é a adição das avaliações isoladas. Essa soma, no entanto, apesar de fornecer informação sobre a ordenação das atitudes de uma pessoa num contínuo, não indica até que ponto as diferentes atitudes podem estar próximas ou isoladas, ou seja, a escala não revela a magnitude da diferença entre as respostas numeradas, pois o método supõe intervalos iguais entre valores de escala (Manning e Rosenstock, 1971). 3.5.3.3. Elaboração e Execução Vinte e quatro perguntas fechadas foram elaboradas para investigar os elementos cognitivos das atitudes e progressividade dos proprietários para com o bem-estar de seus cães (Anexo 5). As perguntas sob forma afirmativa ou negativa estavam divididas em quatro grupos: atitudes positivas, atitudes negativas, proprietário tradicional e proprietário progressista. As respostas baseadas no método de Likert foram fixadas em uma escala de sete pontos que registrou a concordância ou discordância do respondente com cada item ou pergunta feita pelo entrevistador: (7) concordo totalmente (6) concordo parcialmente (5) concordo um pouco (4) não sei (3) discordo um pouco (2) discordo 86 parcialmente (1) discordo totalmente. Se o respondente não tivesse bastante conhecimento para formar uma opinião sobre uma afirmação em particular, ele tinha a opção de escolher “não sei”. Num primeiro momento foi realizado um pré-teste do questionário com uma amostra de 4 proprietários escolhidos aleatoriamente. Esta experiência teve o objetivo de perceber situações que poderiam ocorrer durante a coleta de dados e possíveis modificações referentes as perguntas do questionário. Após o questionário ter sido submetido ao pré– teste, ele foi ministrado oralmente aos proprietários durante o período de março a maio de 2007. 3.2.5.3.4 Medição da Fiabilidade Segundo os autores especialistas em pesquisas qualitativas, é notório que todos os dados coletados por meio de instrumentos que medem fenômenos psicológicos, atitudes, opiniões e outros podem encerrar em si erros de medição. Se as medidas contêm erros, haverá um comprometimento da informação e das conclusões obtidas a partir dessa informação. As causas do erro são diversas, podendo, inclusive, ocorrer devido a condições fortuitas que surgem durante a aplicação da entrevista. Medir a fiabilidade significa atestar que os investigadores ao usarem as mesmas técnicas com o mesmo material, obtenham basicamente os mesmos resultados, ou ainda, avaliar a consistência ou a estabilidade das medidas obtidas de um determinado instrumento. Este coeficiente representado por um valor numérico que varia entre zero e um, pode ser calculado quando o instrumento é aplicado em outra oportunidade ao mesmo grupo de indivíduos ou quando uma forma alternativa do instrumento é aplicada após um intervalo de tempo ao mesmo grupo de indivíduos (Budd et al., 1967). O teste teste-reteste é empregado para medir o índice de estabilidade do instrumento através da correlação entre resultados ou valores de duas aplicações do mesmo instrumento na mesma população. Não há um tempo preciso, o intervalo entre a aplicação dos testes pode variar de dias até um ano, dependendo do que se quer investigar. O pesquisador tenta averiguar se os sujeitos respondem de forma idêntica nas duas ocasiões. As diferenças entre respostas podem variar desde esquecimento, falta de motivação ou as condições ambientais por ocasião da aplicação (Richardson, 1999). Seguindo este preceito metodológico, o questionário foi ministrado por duas vezes. Na primeira vez, presencialmente na residência do proprietário, e na segunda vez por intermédio de contato telefônico. A entrevista foi repetida em setembro de 2007 e o Coeficiente de Correlação de Spearman obtido foi de 0,93. 3.5.4 Determinação da Condição Corporal Canina O estado de nutrição caracterizado pelo sobrepeso ou desnutrição em cães é reconhecido facilmente por qualquer pessoa, mas o diagnóstico correto requer a quantificação para maior exatidão do diagnóstico. Existem inúmeros métodos para avaliar a composição corporal, no entanto, a técnica ideal para determinar a composição corporal deve ser segura, barata, rápida, fiável, de fácil execução e de elevada reprodutibilidade. Independentemente da técnica escolhida, é imprescindível respeitar meticulosamente os protocolos estabelecidos para evitar possíveis erros de medição (Elliot, 2006). Foram empregados dois métodos para determinar se o cão está acima ou abaixo do peso normal: (1) Índice de Condição Corporal - método de avaliação da 87 condição corporal baseado na inspeção e palpação do animal (Laflamme, 1997) e (2) Índice de Massa Corporal Canino (IMCC) método simples e objetivo de quantificação da massa corporal (Müller, 2007). O primeiro método de cunho subjetivo foi utilizado neste estudo com o intuito de validar o IMCC. 3.5.4.1 Índice de Condição Corporal O Índice de Condição Corporal proporciona uma avaliação rápida da condição física geral do animal. Este índice que se baseia em uma classificação corporal usualmente utilizada em clínica de pequenos animais, apresenta nove graduações, sendo as graduações quatro e cinco consideradas para um animal com o peso ideal (Quadro 1) As limitações desse método envolvem a subjetividade inerente ao sistema de classificação e a variação entre os observadores. Para obter resultados mais seguros e fiáveis, todas as medidas foram realizadas pela pesquisadora. 3.5.4.2 Índice de Massa Corporal Canino (IMCC) O Índice de Massa Corporal (IMC) é um método fácil reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que permite estabelecer com um bom grau de acuidade o estado de “normalidade” do peso corporal de uma pessoa adulta ou se ela está acima ou abaixo do peso ideal. O IMC indica o número de quilos de peso por metro quadrado de superfície corporal. É obtido através da divisão da massa corporal (peso) pelo quadrado da estatura (Anjos, 1992). O grande benefício do IMC adaptado à Medicina Veterinária por Müller (2007) é saber quantos quilos o cão deve efetivamente ganhar ou perder. O acompanhamento do controle de peso com este método torna a avaliação objetiva. Os dados necessários para o cálculo do Índice de Massa Corporal Canino foram obtidos através da pesagem e da medição do corpo do animal. A pesagem foi realizada em uma balança digital portátil da marca “Acqua“ com capacidade de aferição de 180 kg e graduação de 0,1 kg. A mensuração do comprimento da coluna e dos membros feita com uma trena flexível referiu-se à extensão entre a base da nuca (articulação atlanto-occipital) até o solo, imediatamente atrás do membro posterior, passando e apoiando a trena sobre a base da cauda (última vértebra sacral), ficando a trena exatamente medial às tuberosidades ilíacas sobre o dorso do animal, conforme a figura 1. Os valores obtidos com a medição foram empregados na seguinte equação aritmética: IMCC = peso corporal (Kg) (estatura em m)² 88 Quadro 1 . Grau Índice de condição corporal para caninos, proposta por Laflamme (1997) Condição Características Subalimentado 1 - costelas, vértebras lombares, ossos pélvicos e saliências ósseas visíveis à distância - não há gordura corporal - perda evidente de massa muscular 2 - costelas, vértebras e ossos pélvicos facilmente visíveis - não há gordura palpável - algumas saliências podem estar visíveis - perda mínima de massa muscular 3 - costelas facilmente palpáveis podem estar visíveis sem gordura palpável - visível o topo das vértebras lombares - ossos pélvicos começam a ficar visíveis - cintura e reentrâncias abdominais evidentes Ideal 4 - costelas facilmente palpáveis com mínima cobertura de gordura - vista de cima, a cintura é facilmente observada - reentrância abdominal evidente - costelas palpáveis sem excessiva cobertura de gordura - abdômen retraído quando visto de lado 5 Sobrealimentado 6 - costelas palpáveis com leve excesso de cobertura - cintura é visível quando vista de cima, mas não é acentuada - reentrância abdominal aparente 7 - costelas palpáveis com dificuldade - pesada cobertura de gordura - depósito de gordura evidente sobre a área lombar e base da cauda - ausência de cintura ou apenas visível - reentrância abdominal pode estar presente 8 - impossível palpar as costelas situadas sob cobertura muito densa ou palpável somente com pressão acentuada - pesado depósito de gordura sobre área lombar e base da cauda - cintura inexistente - não há reentrância abdominal, podendo existir distensão abdominal evidente 9 - maciços depósitos de gordura sobre o tórax, espinha e base da cauda - depósitos de gordura no pescoço e membros - distensão abdominal evidente 89 Figura 1 – Obtenção da estatura do cão para o cálculo do IMCC. A linha preta representa o trajeto da trena sobre a coluna até o limite plantar do membro posterior (Autorizado por Müller, 2007). O IMC de humanos é classificado em apenas quatro grupos principais que informam a condição física. Muller (2007) para chegar aos valores médios finais optou por agrupar as avaliações dos cães nas mesmas quatro condições: abaixo do peso, peso ideal, acima do peso e obeso (Quadro 2) O IMCC médio do peso ideal (13,497) de cães de porte médio foi usado como base para o cálculo de obtenção da massa corporal ideal ou o peso ideal para cada animal. Então, um cão estará fora da margem de peso ideal quando sua massa corporal for maior ou menor que 20% da ideal. Müller (2007) observou em seu estudo que o IMCC para as raças de grande porte apresenta um acréscimo de 20% do IMCC daqueles de porte médio e nos tipos físicos de pequeno porte (até 10 Kg) ocorre uma diminuição de 10% do IMCC daqueles de médio porte. Assim, quando o animal for de porte grande calcula-se um acréscimo de 20% do IMCC encontrado e no caso de cães de pequeno porte diminui apenas 10% do IMCC estipulados para cães de porte médio. Exemplificando, ao usarmos a fórmula IMCC = peso/estatura² para um cão de pequeno porte pesando, 3,3 kg e medindo 0,545 m obtém-se um IMCC de 11,11. Calcula-se 10% do valor do IMCC encontrado (1,11) soma-se este valor ao MMC encontrado. O IMCC deste animal é 12,22. Ao compararmos com o IMCC médio do peso ideal (13,497) concluímos que o animal está com o peso ideal de acordo com o estabelecido no Quadro 3. Se o animal fosse de porte grande bastaria diminuir 20% do valor encontrado. Foram considerados como abaixo do peso 90 Quadro 2 . Índice de massa corporal de cães de médio porte (11 a 25 kg) Condição 1- Abaixo do peso 2- Peso ideal, 3- Acima do peso 4- Obeso. Avaliação IMCC (Laflamme) 1, 2, 3 4e5 6e7 8e9 IMMC médio (Müller) 10,527 13,497 16,378 20,177 Faixa de variação abaixo de 11,7 entre 11,8 e 15 entre 15,1 e 18,6 acima de 18,7 Adaptado de Müller (2007) em risco de desnutrição todos os cães de porte médio que apresentaram um IMCC abaixo de 11,7 pertencentes aos grupos 1, 2 ou 3, conforme avaliação de Laflamme (1997). Foram consideradas acima do peso todos os cães que apresentaram um IMCC entre 15,1 e 18,6 e se enquadraram na graduação de condição corporal 6 e 7. Os animais com peso ideal apresentaram um IMCC entre 11,8 e 15. Nos animais obesos o IMCC deveria estar acima de 18,7 e a graduação de condição corporal representada pelos graus 7 e 8. Apesar do modo como foi concebido o IMCC pode ser um método com boa margem de segurança para uma espécie com padrão morfológico diferenciado, o uso da base de cálculo para sua determinação pode implicar em problemas referentes à composição proporcional do corpo ou a distribuição de gordura corporal. Outros elementos como o osso, massa muscular e até mesmo o aumento de volume plasmático induzido pelo treinamento com exercícios interferem no cálculo do IMCC. Neste caso, há o comprometimento da interpretação sobre o excesso de peso. Um IMCC alto poderia ser devido ao desenvolvimento da musculatura em virtude de sua constituição genética ou do desenvolvimento da musculatura em virtude de sua constituição genética ou da prática freqüente de exercício, mas não por excesso de gordura. Como exemplos, têmse cães da raça Pit Bull com uma musculatura volumosa e da raça Galgo Espanhol, alto e delgado. Estes cães poderiam apresentar um IMCC reprovável ainda que dentro do padrão aceitável para a raça. Semelhantemente, cães com padrão morfológico diferenciado, como os cães das raças Teckel e Basset Hound que possuem o tamanho da coluna semelhante às demais raças, porém com pernas curtas, podem apresentar um IMMC irreal. Nestes casos, os resultados foram interpretados considerando os fatores do animal que o diferia do padrão normal. No presente estudo houve somente duas discordâncias entre o valor de IMCC e a avaliação de condição corporal em um cão macho da raça Teckel de 12 meses de idade e outro cão macho sem raça definida também de 12 meses de idade. Os cães apresentavam uma avantajada massa muscular resultante, possivelmente, dos longos passeios realizados diariamente. 3.6 Definição dos indicadores de bem-estar Com o propósito de atender as diversas circunstâncias relativas à individualidade 91 do animal, foram empregadas conjuntamente variáveis de caráter fisiológico e comportamental como indicadores na avaliação do bem-estar. Os três indicadores eleitos fundamentaram-se em respostas interna e comportamental do cão. A resposta interna foi representada pelos indicadores ‘condição corporal’ e as respostas comportamentais pelos indicadores ‘índole’ e ‘estado de tranqüilidade’. A partir destas três variáveis foram criadas seis classes de variáveis: ‘condição corporal ideal’ / ’condição corporal inapropriada’; ‘agressivo’ / ‘manso’; ‘tranqüilo’ / ‘intranqüilo’. Cada um dos indicadores representados pelas classes ‘condição corporal’, ‘índole’ e ‘estado de tranqüilidade’ foi avaliado separadamente dentro de uma amplitude de zero a três (0 a 3). O critério empregado para a escala de mensuração das variáveis foi o seguinte: 3- muito; 2- regular; 1pouco; 0- nenhuma variação anormal identificada. As variáveis com valores compreendidos entre 1 e 3 se associaram `as classes ‘condição corporal inapropriada’, ‘agressivo’ e ‘intranqüilo’. A variável com valor zero associou-se `as classes ‘condição corporal ideal’, ‘manso’ e ‘tranqüilo’. O bem-estar foi caracterizado como adequado quando, simultaneamente, as variáveis ‘condição corporal’, ‘índole’ e o ‘estado de tranqüilidade’ referentes a um animal, apresentaram o valor zero. De outro modo, o cão possuidor de bem-estar adequado seria um animal com ‘condição corporal ideal’, ‘manso’ e ‘tranqüilo’. Para caracterização do bem-estar pobre bastava que pelo menos uma das três variáveis apresentassem valores entre 1 e 3 da escala, ou seja, apresentasse graduação 1, 2 ou 3 para ‘condição corporal’ (inapropriada), ‘índole’ (agressivo) e para “estado de tranqüilidade’ (intranqüilo). Por exemplo, um animal com a condição corporal ideal (valor 0), manso (valor 0), mas intranqüilo (valores 1, 2 ou 3) foi avaliado como um animal com bem-estar pobre. 3.7 Análises dos dados O primeiro passo da análise dos dados foi conhecer as freqüências de resposta para algumas variáveis socioeconômicas e outras variáveis relativas à caracterização da qualidade do sistema de criação. O segundo foi caracterizar o bem-estar. No terceiro passo foram determinados os índices de atitude e progressividade dos proprietários. O quarto passo constou da realização da análise multivariada de correspondência múltipla para identificar as associações existentes entre as variáveis pesquisadas e o bem-estar animal. Por último, caracterizou-se a relação homemanimal levando em consideração os resultados obtidos nos passos anteriores. Antes de realizar o primeiro passo todos os dados pré-codificados obtidos nos formulários e no questionário foram inseridos no programa EpiData versão 3.1. Este programa é utilizado para entrada e organização de dados; obtenção de estatística descritiva e verificação de erro de transcrição. 3.7.1 Formulários Uma parte dos dados resultantes dos formulários foi submetida à análise estatística descritiva e a outra parte foi empregada na análise multivariada de correspondência múltipla. A impossibilidade de utilizar todos os dados na analise multidimensional deveu-se à dificuldade de conseguir uma inércia de valor satisfatório na análise multivariada de correspondência múltipla. A inércia sendo 92 um valor algébrico representa no sistema tridimensional o quanto um sistema pdimensional fica justificado, ou seja, o que é permitido ser visualizado. Quanto menor a inércia menor o domínio do fenômeno. Como não estamos trabalhando com inferência, o que importa nesta análise é o valor da inércia. A análise de parte dos dados através da análise multivariada de correspondência múltipla impossibilitou outros tipos de análises inferenciais. Este procedimento é justificado porque todas as demais variáveis descritivas estariam confundidas com as variáveis utilizadas nessa análise multidimensional; como o próprio nome insinua, as variáveis são estudadas simultaneamente. A aplicação de qualquer outro teste estaria desclassificando a técnica multivariada onde inúmeros fatores atuam conjuntamente em um estudo multifatorial. Perante as circunstâncias da conjuntura analítica desta pesquisa, a análise dos dados se restringiu a análise descritiva e a análise multivariada de correspondência múltipla, não obstante, essas análises ao caracterizarem o perfil da amostra e demonstrarem associações entre variáveis, respectivamente, convergiram para a caracterização do bem-estar e da relação homem-animal na população estudada. 3.7.2 Questionário A resposta referente a cada uma das 24 questões do questionário foi quantificada segundo a escala de Likert de 01 a 07. Os valores que caracterizaram cada proprietário dentro das duas variáveis progressividade (Pk) e Atitudes (Ak) em relação ao bem-estar animal foram calculados usando a seguinte fórmula matemática (Guilhermino e Sampaio, 1999): n1 n2 Pk = (n2 Σ Xi - n1 Σ Xj) / n1n2 i =1 j =1 Pk - Progressivo x Tradicional Ak - Atitude positiva x atitude negativa Onde Pk é o índice para o k produtores, os quais responderam afirmativamente para n1 itens (questões) de progressividade (Xi) e n2 - itens tradicional (Xj) Xi - valor do item progressividade Xj - valor do item tradicional n1 - número de itens / produtores progressistas n2 - número de itens / produtores tradicionalistas Ak foi calculada analogamente. Xi - valor do item de atitudes positivas Xj - valor do item de atitudes negativas n1 - número de itens / atitudes positivas n2 - número de itens / atitudes negativas Os dois índices Pk e Ak para cada um dos respondentes foram representados graficamente com respeito a dois eixos, definindo os quatro quadrantes. O gráfico de dispersão foi obtido com o auxílio do Assistente de gráfico do Microssoft Office Excel versão 2003. Os índices Pk e Ak foram também submetidos à análise multivariada de correspondência múltipla. 3.7.3 Análise Multivariada Correspondência Múltipla de Quando em um ensaio experimental a pesquisa valer-se de observações envolvendo algumas variáveis de caráter qualitativo, a análise simultânea dessas variáveis para descobrir alguma relação entre elas deve empregar um recurso que não seja a análise de variância (Sampaio, 1993). Logo, para averiguar a associação das variáveis estudadas com o bem-estar, optou-se pela aplicação da análise multivariada de correspondência múltipla ou análise de dados multidimensionais. 93 Esta análise admite que um número expressivo de variáveis possa ser analisado simultaneamente e, conseqüentemente, permite a investigação de possíveis relações existentes entre elas. Além de possibilitar a constatação de relações existentes entre as diversas variáveis, esta técnica também permite a verificação de prováveis agrupamentos e quais fatores predisponentes estão mais associados à variável principal que se quer estudar. As possíveis relações existentes entre as variáveis são verificadas por meio de uma abordagem descritiva baseada em observações gráficas que permitem examinar o comportamento de cada variável em relação às demais. No processo de análise multidimensional investigam-se os três primeiros eixos que correspondem às três primeiras componentes principais. O principal eixo fatorial é aquele que ao projetar a nuvem de pontos observados sobre ele, melhor conserva, em media, a distância entre pares de pontos, sendo este o eixo que contêm o maior valor de inércia. Outros eixos vão se definindo seqüencialmente, condicionados a definição dos eixos anteriores correlacionados entre si. Havendo pvariáveis, haverá um espaço p-dimensional com p-eixos principais, cada um deles correspondendo a um componente (Asensio, 1989). Cada variável é representada por todas suas possíveis respostas. Por exemplo, para a variável ‘índole’, existem as respostas ‘bravo’ e ‘manso’ que obrigatoriamente serão antagônicas. Para avaliar a associação de ‘índole’ versus outra variável, basta verificar como suas respostas estão localizadas em relação às respostas ‘bravo’ e ‘manso’. Nas representações gráficas, as associações podem ser observadas pela distância euclidiana clássica, ou seja, pela visualização da distância das posições das variáveis nos quadrantes, onde apenas a proximidade entre variáveis aponta associação. Duas variáveis no mesmo apartamento (diédro) estão associadas quanto mais próximas elas estiverem. Por conseguinte, quanto mais distante uma das outras mais fraca é a associação. O número de observações obtido para uma determinada variável é um fator determinante para a decisão de incluí-la na análise multivariada de correspondência múltipla. É necessário um grande número de observações para que uma variável possa experimentar uma variação tal que seu efeito possa ser detectado. Uma variável com classes pouco representadas apresentam má distribuição ao serem submetidas à análise. Assim, o pesquisador ao tentar considerar uma variável com reduzido número de observações, provocaria uma distorção na distância entre pares de pontos projetados e a variável problema. Este quadro levaria uma diminuição da inércia. Os pontos estudados (observações) no espaço p-dimensional possuem uma inércia total e, geralmente, os três eixos principais são investigados seqüencialmente - o primeiro, apresentando o maior valor de inércia e os demais, definidas seqüencialmente no sentido decrescente. Juntos devem somar mais de 70% da inércia, segundo critério citado por Sampaio (1993). Assim, na tentativa de obter uma inércia satisfatória sem comprometer a validade da análise, a impropriedade de algumas variáveis precisou ser descoberta. Foi necessária a realização de diversas análises para se conhecer os diferentes resultados obtidos pela mudança do espaço p-dimensional que levassem a uma inércia dentro dos padrões esperados. O programa computacional empregado para a análise de correspondência múltipla foi o InfoStat da Universidade de Córdoba, Argentina. InfoStat é um programa estatístico desenvolvido no ambiente Windows que oferece uma conexão 94 avançada para a manipulação de um banco de dados em planilha eletrônica. Possui ferramentas relacionadas a objetos de várias áreas (genética, controle de qualidade, epidemiologia) capazes de desenvolver análises específicas de dados, editar fórmulas, classificar e categorizar 4. variáveis e gerar variáveis aleatórias mediante ensaios de simulação. Permite também transferência de quadros, resultados gráficos de aplicações para o Windows. 4 - RESULTADOS E DISCUSSÃO Este estudo com delineamento primordialmente descritivo, ao fotografar uma população definida em um determinado momento, mostra peculiaridades do sistema de criação dos cães e a caracterização dos proprietários quanto à progressividade e atitude. Essas peculiaridades e caracterização, juntamente com a avaliação do bem-estar, configuram o pressuposto básico proposto para caracterizar a relação homem animal. Para alcançar tal intento, foi necessário, inicialmente, conhecer o ambiente em que o cão estava inserido. Isto conduziu a pesquisa à obtenção de dados essenciais para identificação dos sujeitos em seu contexto social. Os primeiros resultados apresentados de forma descritiva, serão relativos à identificação do cão e a caracterização socioeconômica do proprietário. Em seguida será apresentada a caracterização do sistema de criação, onde se tem uma idéia do universo vivido pelos cães e a percepção dos proprietários quanto o modo de criação do cão. À continuação serão exibidos os resultados sobre o atendimento das necessidades dos animais (brincar e passear) e a caracterização do bem-estar segundo os três indicadores: índole, estado de tranqüilidade e condição corporal. Por fim, após a apresentação dos resultados do questionário aplicado para caracterizar o proprietário quanto à progressividade e atitude, serão mostrados os resultados da análise multivariada de correspondência múltipla com o desígnio de ampliar e validar as possibilidades explicativas do estudo. 4.1 Identificação dos cães caracterização socioeconômica e Um formulário constituído por itens relativos à identificação do cão e itens socioeconômicos dos proprietários, foi idealizado com a finalidade de mostrar o perfil da amostra. As variáveis socioeconômicas sexo do proprietário, estado civil, número de pessoas no domicílio, renda familiar, escolaridade do proprietário, tipo de habitação, foram selecionadas porque outros investigadores observaram que elas predizem características importantes sobre a propriedade de animais de estimação em cidades (Albert, 1988). Foi incluída neste formulário uma pergunta sobre a existência de outro animal de estimação além do cão (Anexo 2). Devido à natureza multidimensional da análise multivariada de correspondência múltipla empregada para conhecer as associações das variáveis pesquisadas com o bem-estar do cão, apenas algumas variáveis puderam ser analisadas. Igualmente, não foi possível utilizar testes inferenciais conjuntamente com a análise multivariada para explorar associações entre todas as variáveis e o bem-estar. A maioria das variáveis socioeconômicas foi submetida à análise estatística descritiva. Somente as variáveis ‘renda familiar’, ‘tipo de habitação’ e ‘outros animais de estimação’ foram incluídas na análise de correspondência múltipla. Identificação dos Cães Dos 60 cães participantes do estudo 55% eram machos cujas idades variaram de 1 a 11 anos com uma média de 5,06 anos. A 95 maior freqüência (16,7%) estava representada igualmente pelas idades 1, 3 e 4 anos de idade. Aproximadamente 43% dos cães não tinham raça definida, porém a maioria (56,7%) se classificou como cão de raça pura: Poodle mini (26,7%), Cocker spaniel (8,3%), Pinscher (5%), Bichon frisé (3,3%), Schnauzer mini (3,3%), Teckel (3,3%), Beagle (1,7%), Dálmata (1,7%), Lhasa apso (1,7%), Yorkshire (1,7%). As representações gráficas da freqüência das diferentes idades e diferentes raças pode ser observada na Tabela 1. Em um estudo clássico sobre cães, Scott e Fuller (1997) concluíram que a grande variação genética dentro e entre raças, torna impossível a generalização de resultados sobre estudos de genética e comportamento social de cães; sendo igualmente impossível generalizar até mesmo os resultados obtidos com os indivíduos de uma mesma raça. Dentro de algumas gerações a seleção de certas características de comportamento pode modificar grandemente uma raça. Para satisfazer às necessidades especializadas das sociedades humanas pode-se planejar o aumento da variabilidade de uma gama de variáveis através de novas combinações de características de comportamento. Assim, devido à grande variabilidade das características comportamentais dentro e entre raças a que os cães estão submetidos, no presente estudo os resultados não consideram a raça, mas o cão como indivíduo. Caracterização socioeconômica Considerou-se neste estudo, o respondente/proprietário como o membro da família mais envolvido no dia-a-dia do animal e comprometido com o seu cuidado. Sexo dos proprietários A maioria dos respondentes era do sexo feminino (75%) em oposição a um quarto dos proprietários do sexo masculino. Este resultado, apesar de se referir a uma população limitada a 60 proprietários, mostrou-se semelhante a um estudo conduzido pela Associação Americana de Medicina Veterinária. Periodicamente, AVMA através de uma grande amostra de casas nos EUA, determina os índices de propriedade de animais de estimação, de dados demográficos dos proprietários e de visitas e despesas com serviço médicoveterinário (Wise et al., 2003). Em janeiro de 2002 foram enviados 80.000 questionários a residências fortuitamente selecionadas e ao analisarem os resultados de 54.000 respondentes, observaram que quase três quartos (72,8%) das pessoas que tinham responsabilidade primária para com o cuidado do animal de estimação eram mulheres (Tabela 2). Idade dos proprietários Os proprietários estavam amplamente distribuídos por vários grupos de idade. A maioria dos respondentes (35%) era de adultos jovens. A segunda maior freqüência (28,3%) foi ocupada por respondentes do grupo de idade de 41 a 50 anos, seguidos pelo grupo de idade de 51 a 60 anos que representavam, aproximadamente, um sexto da amostra. Estado civil Como pode ser visto na Tabela 2, 50% da amostra é casada e 36,7% é solteira. Embora 13,3% dos respondentes não são casados, incluíam-se nessa percentagem uma viúva e outros que já haviam vivido maritalmente com alguém. Número de pessoas no domicílio Quarenta por cento das residências possuíam apenas dois adultos e um pouco mais da metade da amostra não contava com nenhuma criança. Apenas 26,7% da 96 Tabela 1- Identificação dos cães residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - MG - 2007 Sexo Freqüência relativa (%) Macho Fêmea n 55 45 33 27 43,3 26,7 8,3 3,3 3,3 3,3 5 1,7 1,7 1,7 1,7 26 16 5 2 2 2 3 1 1 1 1 16,7 10 16,7 16,7 6,7 11,7 6,7 5 1,7 1,7 3,3 10 6 10 10 4 7 4 3 1 1 2 Raça SRD1 Poodle Cocker spaniel Bichon frisé Schnauser Teckel Pinscher Beagle Dálmata Lhasa apso Yorkshire Idade2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 2 Sem Raça Definida Dois animais foram adotados já adultos. Os proprietários desconheciam a idade exata. residências possuíam adolescentes e aproximadamente 41% dos cães viviam somente com adultos, seguido por 31,6% que viviam em residências com adultos e crianças. Exatamente, 16,6 % das residências eram compostas por adultoadolescente-criança e somente 10% eram constituídas por adultos e adolescentes. A freqüência da existência de crianças nas residências que participaram do estudo está em desacordo com uma pesquisa conduzida por Beck (1996) nos Estados Unidos que concluiu ser mais provável encontrar animais de companhia em residências com crianças que em residências sem crianças. Em contrapartida, os resultados estão de acordo com um estudo conduzido por Albert e Bulcroft (1988). Os autores ao estudarem a propriedade, os papéis e funções de animais de estimação baseando-se na teoria 97 Tabela 2 - Características socioeconômicas dos proprietários residentes na Região Administrativa da Pampulha Belo Horizonte - 2007 Variáveis Freqüência relativa (%) n Sexo Masculino Feminino 25 75 15 45 36,7 50 13,3 22 30 8 1 2 3 4 5 6 7 8 1,7 40 25 18,3 10 1,7 1,7 1,7 1 24 15 11 6 1 1 1 número 0 1 2 3 4 6 51,7 31,7 8,3 3,3 3,3 1,7 31 19 5 2 2 1 número 0 1 73,3 26,7 44 16 A1- R$ 7.793 A2- R$ 4.648 B1- R$ 2.864 B2- R$ 1.669 C- R$ 927 D- R$ 424 E- R$ 267 6,7 13,3 18,3 28,3 13,3 13,3 5 4 8 11 17 8 8 3 Primário completo/ Ginasial incompleto Ginasial completo/ Colegial incompleto Colegial completo/ Superior incompleto Superior completo 21,7 15 43,3 15 13 9 26 9 55 45 33 27 45 27 Estado civil Casado Solteiro Outros Pessoas no domicílio Número total Adulto Criança Adolescente Renda familiar1 Escolaridade2 Tipo de residência Casa Apartamento Outros animais de estimação Sim 1 Um proprietário negou-se a fornecer a informação. 2 Três proprietários não haviam concluído o curso primário 98 de desenvolvimento familiar, concluíram que a baixa taxa de propriedade de animais de estimação entre famílias com crianças sugere que nessa fase do ciclo de vida familiar possuir um animal de estimação pode ser incompatível com as necessidades das famílias. O cuidado intensivo, requerido por uma criança, toma quase todo o tempo e energia dos pais, não deixando tempo disponível para manter um animal de estimação. O cão em vez de ser uma fonte de afeto para os membros familiares pode tornar-se um estressor adicional para casais que experimentam a transição da paternidade. Mães jovens evitam experimentar sentimento de culpa por negligenciar os cuidados do animal após o nascimento de seu filho. Por outro lado, os pais que decidem adquirir um animal de estimação, o fazem ao perceberem a importância do cão como companheiro de brincadeiras e por seus atributos pedagógicos úteis e desejáveis como independência e responsabilidade. Renda familiar A maior parte da amostra (28,3%) pertencia à classe B2, seguida da classe B1 (18,3%). Igual número de respondentes pertencia às classes A2, C1 e D. As classes com menor representatividade foram as classes A1 e E. Associações entre a renda familiar e algumas variáveis estudadas poderão ser apreciadas no resultado e discussão do item análise multivariada de correspondência múltipla. Escolaridade Aproximadamente 43% dos proprietários tinham a escolaridade Colegial completo/Superior incompleto, seguido da escolaridade Primário completo/ Ginasial incompleto representando um pouco mais de um quinto de toda a amostra. As demais escolaridades: ginasial completo/colegial completo e superior completo representou cada uma apenas 15% da amostra. Três proprietários não possuíam o primário completo. Tipo de residência Cinqüenta e cinco por cento das residências visitadas eram casas. Havia, a princípio, a intenção de estabelecer igualdade entre o número de casa e apartamentos, no entanto, devido a dificuldade de se encontrar edifícios em algumas áreas censitárias e a recusa de algumas pessoas em colaborar com a pesquisa, não foi possível cumprir com o planejado. Embora possa haver uma variação de espaço e social entre casa e apartamento, cada um destes ambientes tem suas vantagens e desvantagens. Conquanto a possibilidade do cão que mora em casa viver livre em um espaço maior para a prática de exercício, essas vantagens não garantem absolutamente a sua saúde física e mental. O animal continua sentindo a necessidade de um passeio em local público para socializar-se e estimular seus sentidos. Mesmo um cão que vive livre em locais abertos como no campo, demonstram efusivo contentamento quando o seu proprietário decide passear com ele. Em apartamento, o cão pode sentir angústia pela falta de contato social e tornar-se intolerante à separação prolongada de seu proprietário, podendo sofrer apatia, depressão, adoecer e até mesmo morrer. Por outro lado, se além do favorecimento do espaço para exercício, houver oportunidades de interação e brincadeiras diárias com membros do seu grupo familiar, a sua condição poderia tender ao bem-estar adequado. Um cão pode viver em apartamento desde que seu tamanho seja levado em conta, pois é totalmente incompatível criar um cão de porte grande dentro de um apartamento pequeno. Nesta condição, o animal não terá 99 o espaço suficiente para expressar os comportamentos típicos de sua espécie, sendo, portanto, um ato de posse irresponsável do proprietário. No entanto, se não há problema de espaço, e o cão interage satisfatoriamente com o seu proprietário através de passeios e brincadeiras, possivelmente terá a mesma possibilidade de experimentar bem-estar adequado. A questão principal para a distinção do bem-estar, não estaria, portanto, do animal em viver em casa ou apartamento, mas da qualidade da relação entre os membros do grupo familiar e do grupo familiar com o cão. O cão pode estar exposto dentro desse grupo a certas tensões que podem comprometer a sua saúde. O seu bem-estar psicológico depende de como reage aos desafios do ambiente e da qualidade de vida do grupo familiar. Estratégias efetivas para promover o bem-estar psicológico dependerão até certo ponto das características individuais do cão. Estas características podem ser referentes às diferenças pertinentes a raça como também a fatores que refletem variação de dentro da raça, como a história do indivíduo, fase de desenvolvimento, sexo e temperamento. Ambientes ou conjunturas que poderiam promover bem-estar psicológico de uma raça, podem não ter absolutamente nenhum efeito ou até mesmo um efeito prejudicial em outras raças. Por exemplo, os cães da raça Labrador gostam muitíssimo de tomar banho em qualquer coleção de água, já cães de muitas outras raças geralmente fogem até mesmo do banho. São também reconhecidas diferenças individuais fortes em termos de características de personalidade ou características que estão presentes na maioria das raças. Os cães diferem amplamente na maneira e extensão para as quais eles exibem comportamento ansioso. Os indivíduos altamente ansiosos podem apresentar mais problemas de ansiedade de separação que cães com um temperamento mais relaxado. O julgamento sobre o bem-estar psicológico deve ser relativo aos indivíduos específicos submetidos a condições diferentes (Novak, 1988). Um cão pode estar exultante ou deprimido em quaisquer desses ambientes, o seu bemestar dependerá de fatores internos e externos. A idade do cão no momento da adoção, por exemplo, assume grande importância para a socialização do animal. Se a socialização ocorre em ambiente doméstico quando o cão está com três ou quatro semanas de idade ele pode tornar-se muito apegado aos seres humanos, pouco social e impotente sexualmente para outros animais da sua própria espécie (Fox, 1968b). A aquisição do animal entre 7 a 12 semanas de idade deve ser aconselhada principalmente para proprietários que vivem em apartamento e têm uma vida social intensa. É menos provável que um cão socializado juntamente com seus irmãos, apresente anormalidades de comportamento para a sua própria espécie quando adulto. A restrição da experiência social pode tornar os animais extremamente tímidos para pessoas estranhas e outros animais. Comportamento anormal como relação sexual interespécie pode resultar da falta de contato social com indivíduos de sua própria espécie. Outros animais de estimação Quarenta e cinco por cento dos respondentes informam ter alguma outra espécie de animal de estimação como gato, pássaros canoros, periquito, maritaca, papagaio, peixes ornamentais e tartaruga. 4.2 Sistemas de criação 100 O formulário delineado para colecionar dados referentes à caracterização da qualidade dos sistemas de criação dos cães (Anexo 3) fundamentou-se nas cinco liberdades estabelecidas em 1993 pelo Comitê de Bem-estar Animal de Produção Inglês para a avaliação do bem-estar animal (Bekoff, 1998). Pretendeu-se mostrar as características do modo de criação dos animais a fim de conhecer a visão e o compromisso dos proprietários com o bem-estar do seu cão e para com os ditames éticos. Os dados relativos ao sistema de criação analisados através da estatística descritiva incluem: espaço disponível; condição de liberdade do animal; acesso às dependências internas da residência; local onde dorme; domiciliação; manejo alimentar; higienização do local onde dorme, urina e defeca; freqüência do banho; imunização contra raiva e outras doenças infecciosas; vermifugação; controle dos parasitos externos e tratamento respeitoso (Tabela 3). animal social, deve ficar livre para andar, correr e interagir com os membros da família. Espaço disponível e Condição de liberdade do animal Se o animal vive em apartamento ou é mantido dentro de casa, deve sair diariamente para passear, ver outras pessoas e outros animais. O cão tendo a oportunidade para interagir com humanos e outros animais durante o período de socialização primário, provavelmente reagirá positivamente a eles em vida posterior (Scott e Fuller, 1997). Analogamente como em muitos outros mamíferos, o isolamento social intraespécie e interespécie de cães muito jovens pode causar déficits comportamentais severos (Fox, 1965; Fox e Stelzner, 1967). Considerando o tamanho do animal, quase 97% dos cães da amostra viviam em residências com espaço suficiente para brincarem e ter liberdade de movimentos. Aproximadamente, 83% dos cães viviam livres, 11,7% viviam acorrentados e apenas 5 % viviam em canil. A necessidade de espaço de um cão de estimação tem acepção quantitativa e qualitativa. Necessidade quantitativa refere-se ao espaço para circulação já a necessidade qualitativa inclui espaço para interação social e para evitar o contato visual com outros indivíduos. O espaço necessário para o cão depende do seu tamanho e raça. Alguns cães se adaptam satisfatoriamente dentro de casa, outros necessitam de espaço maior para gastar um pouco de sua energia. Por ser um O cuidado, a atenção e o carinho dispensado ao cão quando ele é ainda um filhote, faz com que o animal continue a sentir necessidade desta qualidade de tratamento quando se torna adulto. Os atos que demonstram consideração e amabilidade não podem ser suprimidos porque o animal não é mais tão “bonitinho e engraçadinho”. Para o animal adulto, a atenção, a brincadeira, a camaradagem e o afago passam a assumir o caráter de necessidade. Manter um cão preso, sem interagir com pessoas e outros ambientes, são modos de proceder que contribuem negativamente para o desenvolvimento de problemas de comportamento que vão desde agressão até ansiedade de separação. Quando o proprietário preza a qualidade de vida de seu animal, ambos sentem mais prazer. Woolpy e Ginsburg (1967) observaram que lobos jovens ao serem socializados pelo menos durante seis meses com humanos tornam-se amigáveis e sociáveis, permanecendo socializados permanentemente. Os autores concluíram que o lobo generaliza o vínculo com seu manipulador para a maioria dos seres 101 Tabela 3 - Características do sistema de criação utilizado por proprietários de cães residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte- MG. 2007. Variáveis Classes Freqüência relativa (%) n Espaço disponível Satisfatório Insatisfatório 96,7 3,3 58 2 Livre Acorrentado Canil 83,3 11,7 5 50 7 3 Sim Não 73,3 26,7 44 16 Dependências internas Dependências externas 38,3 61,7 23 37 Domiciliado Semi-domiciliado 98,3 1,7 59 1 Ração Comida caseira Ração e comida caseira Higienização do local onde urina e defeca Satisfatória Insatisfatória Higienização do local onde dorme Satisfatória Insatisfatória Frequência de banho 3/3 dias 7/7 dias 15/15 dias 30/30 dias 60/60 dias Imunização contra raiva 78,3 21,7 15 47 13 9 95 5 57 3 95 5 57 3 3,3 60 21,7 10 5 98,3 2 36 13 6 3 59 Imunização contra outras doenças2 Vermifugação Controle de parasitas externos Tratamento respeitoso 65 76,7 98,3 39 46 59 Satisfatório Insatisfatório 86,7 13,3 52 8 Sim Não Satisfatório Insatisfatório 85 15 46,7 53,3 51 9 28 32 Liberdade do animal Acesso dependências internas1 Local onde dorme Domiciliação Manejo alimentar Necessidades físicas e psicológicas Brincar Passear 1 2 Dependências internas da residência Doenças infecciosas 102 humanos. Esta experiência demonstra a importância do contato humano enquanto os cães estão ainda junto da mãe e dos irmãos. Sendo o cão uma espécie social, a sua capacidade de formar vínculo deve ser explorada não somente em relação ao homem, mas também em relação a outras espécies. Este compromisso garantirá boa convivência e o bom comportamento do cão frente a presença de outras pessoas e animais. Proporcionar ao cão ensejos de contatos sociais pode tornar o seu ambiente mais complexo e favorecer o seu sentido de controle sobre o ambiente e, naturalmente, a sua adaptação e bem-estar. O contato social com humanos por ser consideravelmente importante para o bemestar do cão e influenciar positivamente o seu comportamento e fisiologia (Hubrecht, 2006), pode ser mais importante que o contato físico (Wolfle, 1987). Acesso às dependências internas da residência, local onde dorme e domiciliação Apesar de 26,7% dos cães serem impedidos de acessar o interior da residência, 61,7% dormem dentro da residência. Apenas um proprietário permitia que seu cão tivesse acesso às vias públicas. É importante distinguir que somente 26,7% dos cães que não entravam no interior da residência eram utilizados na proteção da residência, os demais cães eram considerados como cães de companhia. As freqüências de cães que podem acessar (73,3%) e dormir (61,7%) no interior da residência foram muito expressivas. A proximidade do cão favorece o desenvolvimento de uma relação de qualidade e reduz consideravelmente os problemas de comportamento advindos do isolamento ou de uma interação restrita com os membros da família. Um proprietário que gasta mais tempo com o seu cão talvez não necessite colocá-lo em aulas de treinamento de obediência ou consultar médicos veterinários especializados em etologia clínica. Ao favorecerem circunstâncias adequadas para proximidade e interação dos membros da família com o animal, estarão contribuindo em evitar o aparecimento de problemas de comportamento e no enriquecimento da relação homem-animal. A baixa freqüência encontrada para cães que tinham acesso livre às vias públicas (1,7%) mostra a preocupação dos proprietários com a integridade de seus animais e o trabalho efetivo do Centro de Controle de Zoonoses da cidade de Belo Horizonte. Este trabalho compreende o esclarecimento de proprietários de cães através de orientações e da captura dos cães errantes causadores de problemas de saúde pública por serem faltos de controle sanitário e reprodutivo. Manejo alimentar Um total de 78,3% dos proprietários relatou que seus cães são alimentados apenas com ração comercial versus 21,7% que comem apenas comida caseira. A combinação de ração comercial com comida caseira é uma prática seguida por 15% dos proprietários. Refletindo sobre esses resultados, pode-se considerar a possibilidade da maioria dos proprietários optarem pela praticidade além de estarem preocupados com a alimentação de seus cães e de seu bem-estar, ainda que a alimentação ideal seja apenas um fator entre muitos que contribuem para o bemestar do animal. O cão durante a domesticação foi progressivamente afastado da alimentação carnívora para adotar a alimentação oferecida pelo homem. A alimentação 103 industrializada que apareceu no início do século XIX foi se diversificando e acompanhando a evolução dos modos de vida e expectativas dos proprietários. Este avanço na alimentação do cão encontrou alguma resistência de proprietários para os quais o fato de alimentar o seu cão representa um ritual com forte carga afetiva. Estes proprietários são contra o oferecimento de comida industrializada, outros, porém, ainda mantêm o costume de seus pais que consideravam o custo da ração desnecessário. A alimentação caseira consistia de restos de sobras de refeição e, em alguns casos, o acréscimo da tradicional “carne para cachorro” considerada de baixa qualidade para a indústria de ração (Royal Canin, 2002). Não haveria diferença significativa entre as alimentações industrial e caseira se a qualidade da refeição fornecida ao animal atendesse as necessidades reais do animal e a qualidade do alimento. A exigência desses parâmetros, no entanto, ressalva uma grande incerteza quanto ao equilíbrio nutricional perfeito oferecido pela alimentação caseira. Em contrapartida, o alimento industrial de qualidade, formulado segundo pesquisas científicas suprem as necessidades médias de manutenção do cão lhe proporcionando higidez. Os alimentos completos de alta qualidade tipo “premium” satisfazem às necessidades específicas do cão por serem constituídos de acordo com o seu estágio fisiológico: crescimento, esporte, trabalho, gestação aleitamento, obesidade e velhice. Ao contrário do que acredita o senso comum, o cão não tem necessidade biológica de “variedade”, já que possui um paladar “pobre” e escolhe seus alimentos principalmente com auxílio de seu olfato. A troca freqüente de matéria prima deve ser evitada a fim de impedir perturbação na sua flora intestinal, muito sensível às mudanças. O ideal para o animal é receber o mesmo alimento todos os dias na mesma hora; as alterações muito freqüentes de alimentos muito diferentes provocam modificações bruscas na flora intestinal que ao tentar se readaptar provoca a produção de determinados metabólitos tóxicos responsáveis por flatulência e diarréia. A preparação de comida caseira sem critérios pode, muitas vezes, ter conseqüências patológicas graves. (Royal Canin, 2001). Alimentar convenientemente um cão não significa meramente sustentá-lo, mas sim manter um estado ótimo de saúde, evitando a desnutrição e a obesidade. A alimentação balanceada, resultado do conhecimento e aplicado de modo pontual no preparo de alimentos, previne riscos de afecção renal, problemas digestivos e/ósseo e combate os mecanismos do envelhecimento (Case, 1999). A escolha entre um alimento comercial ou preparado em casa deve basear-se no rigor da escolha do alimento industrializado e nas proporções das matérias primas empregadas no preparo do alimento caseiro. Sendo o cão um carnívoro nãorigoroso e não um onívoro, ele é capaz de digerir proteínas vegetais desde que elas sejam de alta qualidade. O amido como fonte de energia deve ser cozido e a quantidade deve respeitar as restrições fisiológicas do animal. Enfim, o alimento oferecido ao cão deve satisfazer todos as necessidades dietéticas indispensáveis ao equilíbrio nutricional. Higienização do locais onde dorme, urina e defeca, Dentre as 60 residências visitadas, 95% delas apresentavam higienização satisfatória do local onde o animal dormia, urinava e defecava. Nas residências em que foi constatada higienização insatisfatória (5%) os animais não tinham permissão para acessar o seu interior. 104 Freqüência do banho A freqüência do banho foi categorizada em intervalos de: 3, 7, 15, 30 e 60 dias. A maioria dos proprietários (60%) banha o seu cão semanalmente. A freqüência do banho quanto ao aspecto saúde para um cão normal, não dermopata, não tem uma regra fixa. É recomendável que não seja dado mais de um banho por semana em animais que vivem ou têm acesso ao interior da residência. Cães que ficam no quintal, podem tomar banho uma vez a cada um ou dois meses. Na realidade, a freqüência do banho geralmente é determinada pelo odor que os animais desprendem de seus corpos e, o grau da percepção, varia segundo a sensibilidade e tolerância do proprietário. Sob o aspecto do bem-estar, o prazer ou a aversão do banho depende da raça e do temperamento do animal. Cães da raça Labrador adoram água e se puderem, tomam banho ou entram na piscina ou qualquer outra coleção de água todos os dias. Alguns cães demonstram não gostar, mas toleram o banho. Outros demonstram claramente sua aversão à água (Val Bicalho, 20071). Imunização contra raiva e outras doenças infecciosas, vermifugação e controle de parasitos externos. A grande maioria dos proprietários (98,3%) vacina seu cão contra a raiva e controlam os parasitos externos (98,3%) de seu animal. Exatamente, trinta e cinco por cento dos cães não são vacinados contra outras doenças infecciosas (vacina décupla) e quase vinte e três por cento não são vermifugados. A maior parte dos proprietários mostrou-se mais preocupada com o controle de parasitos externos e com a prevenção da raiva, entretanto, um número significativo de proprietários não considera as doenças infecciosas como enfermidades igualmente perigosas como a raiva. Este resultado, juntamente com o obtido em relação à vermifugação, fornece algumas pistas: 1- Estes proprietários não devem possuir o conhecimento necessário sobre como cuidar da saúde do seu cão; 2- Provavelmente, esses animais não foram levados a uma clínica veterinária logo após serem adquiridos; 3 - A economia com gastos imprescindíveis demonstra negligência com a saúde e o bem-estar do cão. Não somente o cão, mas todos os animais domésticos devem ser vacinados independentemente da espécie ou da raça. O cão é vulnerável a diversas doenças que podem ser fatais, causar-lhe muito sofrimento e comprometer o seu bem-estar. O controle dos parasitos internos e a vacinação contra as principais doenças que acometem o cão não só contribuirá na prevenção de doenças, mas evitará o alto custo de um tratamento e o risco do animal doente transmitir a doença a outros animais, ou ainda, transmitir algumas zoonoses com a larva migrans cutânea, ocular e visceral ao homem. Assim, o proprietário ao estar atento com a prevenção das doenças mais comuns do seu cão, estará contribuindo para o bem-estar do seu animal de estimação e dos seus familiares. Tratamento respeitoso 1 Informe da Professora Dra. Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho – Especialista em dermatologiaEscola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Finalmente, foi ajuizado pela pesquisadora o tratamento respeitoso do proprietário em relação ao seu cão no momento da 105 entrevista. Do universo estudado, 13,3% dos proprietários não trataram seu animal respeitosamente. Foi observada a manifestação de respeito no que concerne à consideração pelas peculiaridades do animal expressadas ao latir e ao explorar o indivíduo estranho (a pesquisadora), solicitação de atenção e carinho. Neste momento, observou-se a capacidade do proprietário em controlar a participação do cão com tolerância e afabilidade. Foi observado também a maneira como o proprietário continha o animal para a medição e pesagem. 4.3 Observação direta Na oportunidade das visitas às residências foram observados em geral os seguintes comportamentos: 1- Com a chegada da pesquisadora à residência do proprietário, os cães considerados tranqüilos e mansos apresentavam comportamentos ativos e amigáveis. Alguns se mostravam quietos ou demonstravam excitabilidade emocional de curta duração, outros latiam e, ao serem repreendidos pelos donos, paravam imediatamente. Em seguida iniciavam uma atividade de exploração normal incluindo inspeção visual e aplicação do sentido do olfato. Em algumas situações, após o primeiro contato, brincavam com seus brinquedos ou mantinham contato físico com o proprietário ou com a pesquisadora. Houve uma situação em que a cadela deitou-se sobre os pés da pesquisadora ficando assim até o momento da pesagem e da medição de sua altura. A totalidade dos cães permanecia próxima ou em contato com proprietário. Alguns se aconchegavam encostando ou subindo no colo do seu proprietário expressando inconfundível deleite. 2- Os cães considerados intranqüilos podiam ou não latir com a chegada da pesquisadora. Alguns, após a inspeção visual e olfativa, corriam, saltavam sobre o sofá e em seguida ficavam por alguns instantes na proximidade sentados ou em pé. Logo, por muitas vezes, desapareciam de nossa presença e ao retornarem solicitavam energicamente a atenção do proprietário. Em algumas ocasiões o importuno repetitivo por atenção resultava em repreensão. Alguns cães não procediam à inspeção visual e olfativa, nem tampouco permaneciam em nossa presença, mas caminhavam constantemente próximo ao ambiente como se estivesse constatando a presença da pesquisadora. Esta situação configurava um estado de estresse e ansiedade relacionados à situação estranha. A medição precisou ser repetida muitas vezes devido a dificuldade em mantê-los parados. 3- Os cães avaliados como agressivos nunca vinham à porta receber a pesquisadora. Permaneciam presos à corrente, soltos no quintal ou isolados em algum cômodo. Ao serem apresentados alguns latiam, rosnavam e demonstravam agressividade. Os cães que não latiam tentavam morder a pesquisadora e ao proprietário quando eram manipulados para a pesagem e medição da altura. Neste momento era necessário contê-los energicamente após serem amordaçados. Considerando o ponto de vista fenomenológico, foi possível distinguir diferentes reações aos estímulos semelhantes resultantes da chegada da entrevistadora à residência do proprietário: a) comportamento tranqüilo, amigável e com contato físico; b) comportamento indiferente ou passivo, com moderada demonstração de emoção; c) comportamento ativo com exigência freqüente de atenção e constante movimentação; d) comportamento de evitação ou recusa de aproximação; e) comportamento de pânico com reação de 106 fuga; f) comportamento ameaçador com rosnados e ataques à entrevistadora e, em algumas ocasiões ao proprietário. 4.4 Necessidade física e psicológica Um dos interesses primário do estudo foi conhecer possíveis associações entre a progressividade e as atitudes do proprietário em relação à promoção do bem-estar do cão. Porém, tanto as variáveis ‘progressividade’ e ‘atitude’ quanto a variável ‘bem-estar´ podem estar associadas a outras variáveis que as caracterizam. Como pode ser visto na Tabela 4, as variáveis ‘brincar’ e ‘passear’ foram eleitas para estabelecer a observância do proprietário ao atendimento às possíveis necessidades físicas e psicológicas do cão. Cada uma das variáveis foi representada por duas classes: ’brincar’, ‘não brincar’ e ‘passear’, ‘não passear’. A classe ‘brincar’ era assinalada quando Tabela 4. Freqüência das variáveis referentes às necessidades físicas e psicológicas de cães de estimação residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo HorizonteMG - 2007 Variáveis Classes Freqüência relativa (%) n Brincar Sim Não 85 15 51 9 46,7 53,3 28 32 Passear Satisfatório Insatisfatório o proprietário respondia afirmativamente ao ser questionado se brincava diariamente com o seu cão e a classe ’passear’ somente foi considerada satisfatória quando o animal passeava todos os dias da semana. Elucidações sobre a associação dessas variáveis com o bem-estar animal são apresentadas mais adiante na discussão sobre a análise multivariada de correspondência múltipla. Brincar Dentre os 60 proprietários indagados sobre o costume de proporcionar ensejos de brincadeiras para seus cães, 85% dos proprietários entrevistados responderam que brincam regularmente com o seu animal. Este resultado seria uma prova do comprometimento do proprietário para com os seus cães, entretanto, essa freqüência demonstra que a brincadeira representa apenas um fator contribuinte para o bemestar animal, posto que o bem-estar adequado foi estimado em apenas 43.3% dos cães. A brincadeira configurada como uma necessidade para alguns cães seria uma necessidade comportamental caracterizada pela a execução de um padrão de comportamento principalmente determinado por fatores causais internos. Todo comportamento executado em um ambiente natural indica uma necessidade comportamental e, por conseguinte, todo comportamento normal indica uma necessidade. O desempenho do comportamento apropriado, de modo 107 particular e debaixo de condições particulares é considerado produto da cognição (Baxter, 1988b). Para qualquer padrão de comportamento amplamente governado por fatores internos, os níveis de motivação aumentarão em um determinado momento sobre o nível limiar (Hughes e Duncan, 1988a). Considerações de bem-estar surgirão em situações quando a motivação alcançar níveis altos e a realização do comportamento não é efetivada devido ao ambiente não prover as condições funcionais apropriadas. Ao mesmo tempo, a necessidade para executar o comportamento seria independente do tipo de ambiente, ela existiria em qualquer ambiente. A proibição do desempenho do comportamento poderia estar associada com o bem-estar pobre. O conceito de necessidade comportamental deve ser considerado como necessidade psicológica e o bem-estar somente pode ser caracterizado como adequado quando é permitido ao animal desempenhar seu comportamento característico da espécie. O desempenho de comportamento normal seria a própria exigência para o bem-estar. Em seres humanos, a avaliação do bemestar é realizada, mais precisamente, pelo que é percebido de forma mental que pelas ações de seu corpo. Não se pode medir o que é percebido por um animal, mas o seu comportamento pode ser observado e medido facilmente. Diferentemente de muitos mamíferos, o cão adulto apresenta uma admirável necessidade para brincadeira. Enquanto em muitas espécies a brincadeira é particularmente desenvolvida por animais jovens, os cães são sem igual, pois continuam ansiosos por brincadeira mesmo quando adultos. A brincadeira pode ser desenvolvida socialmente com outro indivíduo ou de forma solitária e, sua a ausência, pode ser um indicador de bemestar pobre. Se um animal é privado de brincar mesmo na presença de um companheiro (animal/humano), ou se o companheiro for indiferente à sua solicitação, o animal frustrado pode redirecionar para o seu próprio corpo essa necessidade. Os cães tendem a brincar mais e a gastar mais tempo explorando na presença de algum membro da família (Topál et al., 1998). Em algumas situações o exercício físico decorrente da brincadeira não é suficiente para manter a aptidão física do animal. A manutenção da aptidão física não é a função principal da brincadeira. Para um cão, a principal função da brincadeira é a interação. Bekoff (1974) assinalou que talvez o tempo e a energia dedicados à brincadeira social lhes proporcione um sentimento agradável indicado pelo relaxamento da andadura e pelos movimentos pulantes observados durante a brincadeira. O "sorriso" em sua expressão facial pode associar esse comportamento a uma experiência aprazível (Darwin, 2000). Quando o ambiente é enriquecido com brinquedos e excitação social, o animal passeia diariamente e não há tensão ambiental, o cão brinca com mais regularidade. Broom e Fraser (2007) assinalaram que o índice de brincadeira poderia fornecer parâmetros de saúde a serem utilizados de forma preventiva na prática da medicina veterinária. Hurnik (1988) ressaltou que as necessidades físicas para movimento e exercícios são importantes para sustentar a saúde, e não devem ser consideradas meramente como um atendimento às necessidades de conforto. A brincadeira pode ser usada como reforço no treinamento informal de obediência e no estabelecimento da hierarquia. Quando é empregada como um veículo principal de interação entre o cão e os membros da família, estimula o fortalecimento do 108 vínculo interespécie aumentando o do tempo gasto entre o cão e as pessoas e, conseguintemente, o aumento do contato físico. Se a brincadeira fosse percebida pelas pessoas que convivem com o cão como uma forma de entretenimento, ambas as partes desfrutariam muito mais da relação. Se um animal de estimação não interage com o seu proprietário estará vivendo uma forma de abandono. O animal necessita sentir-se acolhido e querido e a brincadeira é uma forma de demonstrar a afeição pelo animal. Quando o cão é o único animal de estimação da casa e fica a maior parte do dia sozinho, o compromisso do proprietário em brincar e passear assume maior importância. A solidão, a dependência e a espera cotidiana da volta do dono os tornam carentes e exigentes de atenção. Animais solitários são propensos a desenvolver hábitos destrutivos e autodestrutivos. Se a sua necessidade de interação não for satisfeita, ele demonstrará sua privação ao rever o seu proprietário com uma excitação exagerada vocalização que parecem ‘gritos’ de alegria. Neste caso, eles demonstram além da alegria, a carência a qual são submetidos. Em algumas situações, quando a interação é inconsistente, a carência pode ser demonstrada mesmo se o proprietário não se ausenta diariamente de casa. O compromisso com o animal vai além da atenção e demonstração de afeto. É imperativo que o cão expresse sua real identidade a despeito das conveniências ditadas pelos moldes da vida humana. Restringir as oportunidades de expressão de sua natureza comportamental e social básicas pode por em risco a sua saúde física e mental, longevidade e bem-estar. Diante da falta de estimulação, pode se tornar-se entediado, frustrado, infeliz e adoecer. Passear Apenas 28 cães (46,7%) participantes do estudo passeavam diariamente com seus proprietários. Este resultado comprova a pouca disposição de alguns proprietários em atender uma possível necessidade do seu cão. Eles não têm em conta que o cão de estimação como qualquer outro animal doméstico pode sentir necessidade de estar constantemente se movimentando e exercitando. Muitos animais requerem oportunidades diárias para exercício a fim de se manter bem fisicamente e emocionalmente. Geralmente, níveis moderados de atividade aumentam imunocompetência e resistência de parasita (Cannon e Kluger, 1984). Quando a atividade é suficiente para dissipar sua energia, concorre para evitar ou abrandar problemas comportamentais. Após o exercício, o cão sossega e descansa, permanecendo calmo e relaxado. Cães exercitados freqüentemente podem ser mais fáceis de treinar e exibir menos problemas comportamentais resultantes de ansiedade a tentativas frustradas de obtenção de atenção. O exercício pode ser passeios diários, natação, corridas ou participação de brincadeiras vigorosas de ir buscar o bastão ou brincadeiras de perseguição. Deixá-los inativos durante quase toda a semana e levá-lo para uma longa caminhada somente no final de semana não é o suficiente para atender necessidade de muitos cães. Os proprietários devem conhecer as necessidades de seu cão e honrar o compromisso, pois ambos se beneficiarão. Deverão ser sempre os iniciadores da sessão de brincadeira ou exercício, a fim de evitar comportamentos muito excitáveis ou de exigência que podem ser extrapolados para outras situações. O exercício contribui também para o sistema sensório do cão. Os vários órgãos do sentido são acionados no animal com o movimento de seu corpo, em resposta à 109 ação mecânica de toque e pressão e constituem uma parte principal do aporte sensório de animais. O cão ao ser levado a passear investiga estímulos novos como visões e cheiros de outras pessoas e outros animais. Ele sente necessidade interna de perceber as peculiaridades ambientais (Broom e Fraser, 2007). A ativação do seu comportamento exploratório lhe permite explorar as próprias habilidades de recepção de estímulos sensório do ambiente. A marca de urina comporta informações sobre condição sexual, tamanho, condição de saúde, enfim, sobre a identidade do cão. A investigação do ambiente além de lhe proporcionar informação sobre o ambiente estimula sua memória e o aprendizado. A privação de atividades exploratórias resultará em déficits cognitivos e o medo associado criará predisposição ao estresse. Por conseguinte, privar animais de comportamento exploratório é extremamente prejudicial. A falta de possibilidades para explorar, investigar e interagir com companheiros sociais está associada a uma prisão íntima. O animal com déficit comportamental apresenta uma base pobre para se adaptar ao ambiente em que vive e, por conseguinte, o seu bemestar é considerado pobre (Broom e Fraser, 2007). As atividades comumente dirigem os sentimentos negativos para estímulos positivos, tornando os animais menos ansiosos, mais seguros e confiantes. Morar em apartamento torna o proprietário ainda mais comprometido em prover exercício regular através de passeios diários. Um quintal cercado pode oferecer uma oportunidade para exercício, no entanto, um quintal cercado não substitui a necessidade de passeio em local público para socialização. A maioria dos cães mantidos em quintais por longos períodos de suas vidas desenvolve hábitos como cavar, latir e se exceder ao cumprir a defesa territorial (Case, 1999). Além do mais, devido ânsia a por contato social, torna-se intolerante à separação prolongada de seu proprietário, podendo vir adoecer e até mesmo morrer. Concluindo, brincadeiras e exercícios devem fazer parte da rotina diária do cão. Se o animal não sente necessidade de passeio, a brincadeira interativa proporciona atenção, contato social e atividade física. Cães que não recebem quantidade apropriada de exercícios e estimulação mental têm maiores chances apresentar problemas. A estimulação insuficiente pode ser causa subjacente de muitos problemas comportamentais como a desobediência, ansiedade, medo, agressividade e hiperatividade. Brincadeiras freqüentes proporcionam interação social, tem efeito calmante e reduzem a ansiedade. Quanto mais estimulação e exercício o cão receber, menor será a energia acumulada para gastar em comportamento anormais comprometedores para o seu bem-estar. Enfim, exercícios ou brincadeiras facultarão a interação, a estimulação mental, o gasto de energia, a tranqüilidade e a socialização apropriada que contribuirão eficazmente para o bem-estar do cão. 4.5 Indicadores de bem-estar Foram empregadas como indicadores de bem-estar as variáveis ‘condição corporal’ ‘índole’ e ‘estado de tranqüilidade’. O bem-estar foi caracterizado como adequado (43,3%) quando, simultaneamente, o animal apresentava ‘condição corporal ideal’, era ‘manso’ e ‘tranqüilo’. Para caracterização do bem-estar pobre (56,6%) bastava que o animal apresentasse ‘avaliação corporal inapropriada’ e/ou fosse ‘agressivo’ e/ou ‘intranqüilo’. Um animal somente ‘intranqüilo’, por exemplo, estaria experimentando ‘bem-estar pobre’ (Quadro 3). 110 Como pode ser observado na Tabela 5 exatamente 60% dos cães apresentaram ‘condição corporal ideal’ e 90% foram avaliados como ‘tranqüilos’. Os cães mansos representaram 83,3 % da amostra versus 16,75% de cães ‘bravos’. Condição corporal Dos 60 cães avaliados, exatamente 60% deles apresentavam ‘condição corporal ideal’, 21,6% estavam com peso abaixo do ideal, 16,6%, acima do peso e apenas 1,7% encontrava-se na condição de obeso (Tabela 6) A condição corporal depende não somente de uma alimentação equilibrada, mas também de estímulos internos e externos ao animal. Estímulos aversivos de origem externa (Melito, 1983) podem determinar alterações no meio externo, ou interno, de um organismo, e provocar, neste organismo, uma resposta fisiológica ou de comportamento. Quando um animal estiver "organicamente" doente, o mecanismo pelo qual o cliente reconhece a doença envolve Quadro 3 - Graduação dos indicadores de bem-estar, da condição corporal segundo Laflame (1997) e caracterização do bem-estar de acordo com as graduações. NA CC IND ET L BE NA CC IND ET L BE 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 0 0 1 1 0 1 0 0 1 0 2 1 0 1 0 0 1 0 0 0 1 2 0 0 0 3 0 0 0 1 0 3 0 0 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 2 3 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 3 0 0 0 0 0 0 3 0 0 1 0 0 5 4 3 6 4 3 4 4 6 5 7 6 5 3 4 5 3 4 5 4 3 7 4 4 4 8 5 5 5 3 1 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 1 0 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 0 3 2 0 1 1 0 0 2 0 0 1 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5 4 4 3 3 4 5 4 4 5 5 5 6 3 5 4 5 5 5 6 3 3 5 3 4 8 7 4 3 6 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 1 1 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 LEGENDA NA - Número do animal CC - Condição corporal (0- ideal / 1,2 e 3- inapropriada) IND - Índole (0- manso / 1,2 e 3- bravo) ET - Estado de tranqüilidade (0- tranqüilo / 1,2 e 3- intranqüilo) L - Graduação segundo Laflame (1,2 e 3- subalimentado / 4 e 5- condição corporal ideal / 6,7,8 e 9- sobrealimentado) BE - Bem-estar (1- adequado / 0- pobre) 111 uma mudança em comportamento (Overall, 2003, p.213). O comportamento é, pois, o grande integrador final do ambiente interno (fisiológico, neuroquímico, neuroanatômico e componentes genéticos) e ambientes externos do animal (Daman, 1988). Se um animal tiver uma necessidade, seu estado motivacional é instado de forma que respostas de comportamento e fisiológicas são prontamente executadas para atender a necessidade. Estas respostas de adaptação dão liberdade ao animal para controlar e manter equilíbrio mental e corporal. O estado de adaptação inclui regulação normal do corpo e respostas de emergência, como aumento da atividade adrenal e batimentos cardíacos que requerem maior gasto de energia (Broom, 1988a). Para a resposta de emergência somente ações normais reguladoras não serão satisfatórias. O animal pode alcançar facilmente o êxito em suas tentativas de adaptação ao ambiente em que está inserido ou lográ-lo com muita dificuldade. Tabela 5 - Freqüência das variáreis referentes aos indicadores de bem-estar de cães de estimação residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte -MG -2007. Variáveis Classes Freqüência relativa (%) n Índole Manso Agressivo 83,3 16,7 50 10 Tranqüilo Intranqüilo 90 10 54 6 Satisfatório Insatisfatório 60 40 36 24 Tranqüilidade IMMC1 1 Índice de Massa Corporal Canina (Müller, 2007) Tabela 6 - Perfil da condição corporal de cães residentes na Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte- MG. 2007. Perfil da população estudada Condição corporal 1 Abaixo do peso 2- Peso ideal 3- Acima do peso 4- Obeso. Freqüência relativa (%) 21,6 60,0 16,6 1,7 n 13 36 10 01 112 Neste caso, quando os sistemas de controle são sobrecarregados há uma redução no potencial de aptidão física e o animal é considerado estressado. O estresse é caracterizado por alterações comportamentais e somáticas que se manifestam quando o indivíduo é submetido às condições adversas de origem externa ou interna tais como: calor ou frio ambiental, exercício muscular intenso, excitação e ansiedade de caráter reprodutivo2, choques traumáticos, doenças infecciosas, dor, medo, fadiga, nervosismo, ansiedade, frustração etc. O estado de estresse requer que animais apresentem uma resposta imediata que pode ser fisiologicamente cara (Apanius, 1998). Tipicamente, são mobilizadas reservas nutricionais e a aquisição de nutrientes é diminuída ou suprimida. Este regime fisiológico requer uma redução de processos fisiológicos que não são imediatamente vitais. Nestes termos, o comportamento parece ter um pouco de autonomia em cima das necessidades fisiológicas subjacentes. Os animais que têm necessidades nutricionais motivadas por sentimentos de fome, o seu estado emocional poderá influenciar sua motivação. A qualidade de vida do animal depende do sentido que ele confere às coisas e dos seus sentimentos, e ambos estão associados ao seu estado fisiológico. É importante considerar o cão como indivíduo, concebê-lo em suas 2 No presente estudo, realizado em residência com apenas um cão, nenhuma fêmea encontrava-se no cio e somente um animal tinha acesso livre às vias públicas, portanto, não havia ensejo de estresse em razão de demanda reprodutiva. características particulares. Isso significa que, apesar da características particulares. Isto significa que, apesar da raça, ele possui diferenças físicas, biológicas e psicológicas, explicadas por muitos fatores: genéticos, metabólicos e ambientais (aspectos culturais, hábitos alimentares e estilo de vida do proprietário). Tanto a obesidade quanto a desnutrição podem estar relacionadas com um ou vários desses fatores. Os fatores constitutivos do animal são ativados quando ele recebe uma alimentação inapropriada. Uma dieta restritiva ou mal balanceada que não leve em conta as necessidades do organismo poderá ter efeitos danosos ao animal. A administração de ração comercial balanceada evita desequilíbrios na dieta que podem levar a problemas de saúde, tais como deficiências nutricionais específicas ou calórico-protéicas e o excesso de peso ou obesidade. A alimentação apropriada deve ser equilibrada e conter, pelo menos um nutriente de cada grupo alimentar: energéticos, construtores e reguladores. Se o animal recebe uma alimentação balanceada, brinca e pratica regularmente exercício físico, poderá evitar a deficiência nutricional, o enfado, e o sedentarismo, fatores considerados essenciais para a manutenção da condição corporal e a saúde. O peso corporal abaixo do ideal pode levar o animal à desnutrição, uma deficiência que resulta de uma carência qualitativa ou quantitativa de proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas e sais minerais. Suas múltiplas causas podem interromper o processo de nutrição, desde a falta de ingestão de alimentos (desnutrição primária) até a falta de utilização de nutrientes pelas células (desnutrição secundária). Este processo resulta em um ciclo vicioso do consumo inadequado de alimentos e aumento de doenças: perda de peso, crescimento deficiente, baixa 113 imunidade, perda de apetite, má absorção do alimento e alterações importantes no metabolismo. Se o animal encontra-se em estado de estresse, o cortisol mantido em níveis altos poderá assumir um papel muito importante na vinculação da desnutrição com doenças crônicas. No processo de perda de peso em um indivíduo bem-nutrido, a utilização de reservas de nutrientes é a primeira mudança metabólica durante um período de privação de alimento ou ingestão de dietas pobres. Uma vez as reservas de nutrientes como o glicogênio do fígado e a gordura do corpo prontamente disponível foram usadas, outros tecidos do corpo como músculo serão utilizados para prover a energia requerida para os processos metabólicos. O animal irá experimentar fome se o gasto enérgico for maior que a contribuição enérgica da comida que recebe. Juntamente com o déficit energético pode haver mudanças metabólicas associadas com a falta de um nutriente específico como um mineral, vitamina ou aminoácido essencial. À medida que o animal continua sentindo fome, fica magro e perde a higidez. O seu corpo não consegue funcionar efetivamente e, conseqüentemente o seu bem-estar é pobre (Broom e Fraser, 2007) porque diminui a sua habilidade de adaptação ao ambiente. A desnutrição não pode ser considerada simplesmente como uma deficiência na ingestão ou metabolização dos alimentos posto que em sua etiologia pode haver o envolvimento de muitas outras variáveis responsáveis por outras conseqüências. As implicações da desnutrição vão além das conseqüências citadas. Outro aspecto da deficiência nutricional é a possibilidade de comprometimento do comportamento no sentido fisiológico e comportamental. Quando a desnutrição retarda o crescimento notadamente, isso limita o estado social do indivíduo ou atrasa consideravelmente a atividade sexual e reprodutiva. Mesmo em animais adultos, a desnutrição pode ser suficiente para causar fracasso sexual e reprodutivo. A desnutrição pode também levar a alterações no sistema nervoso central (Dobbing et al., 1974) representadas por menor peso cerebral, redução da camada de mielina, menor número de neurônios, menor ramificação dendrítica, alteração em neurotransmissores. O sobrepeso é um distúrbio nutricional mais comum em cães nos Estados Unidos, com uma prevalência calculada entre 24 a 34 por cento (Case, 1999; Lund et al., 1999; Landsberg et al., 2005). Hoje em dia, a obesidade é definida como uma acumulação excessiva de tecido adiposo do corpo em uma proporção superior a 20% do peso ideal do indivíduo. Ela representa uma das principais preocupações da Medicina Veterinária em animais de companhia. O tecido adiposo branco forma um órgão endócrino secretor de diversos fatores (adipocinas) que atuam como reguladores em diversos sistemas orgânicos. O desequilíbrio da função endócrina normal do tecido adiposo branco assume um papel importante no desenvolvimento e exacerbação de diversas perturbações associadas à obesidade, como a diabetes melito, doenças respiratórias, osteoartrite e neoplasia (German, 2006). A importância da obesidade, pois, procede do seu papel na patogênese de diversas doenças e da sua capacidade de acentuar o quadro de doenças pré-existentes. As causas que contribuem à incidência de sobrepeso recaem principalmente sobre a mudança do estilo de vida mais sedentário e o consumo de rações comerciais altamente saborosas e com alta densidade energética. Embora haja mais fatores predisponentes, a causa subjacente mais importante do sobrepeso em qualquer animal é o excesso de energia devido o desequilíbrio entre entrada de energia e o gasto de energia. Há uma relação inversa 114 entre a densidade de energia de uma comida de cachorro e o volume de comida que deve ser consumida para satisfazer a exigência diária de energia. Outros fatores de risco que poderiam contribuir para o desequilibro energético e o sobrepeso seriam segundo Harvey (2006): raça, idade, sexo, esterilização, nível de atividade, doenças endócrinas, fármacos e tratamentos contraceptivos, tipo de dieta e o regime de alimentação, fatores sociais e número de animais. Independentemente da raça e temperamento do cão o proprietário deve ser cauteloso com a quantidade e a qualidade de alimento oferecida ao seu cão. A necessidade de energia é maior antes de o animal atingir a maturidade e diminui com o avanço da idade e o estilo de vida dos animais. Se a entrada de energia não for diminuída adequadamente, cães adultos e idosos podem ganhar excesso de peso. Assim, as dietas de cães devem ser formuladas para uma idade particular, nível de atividade e fase de vida. Animais, jovens, adultos, idosos, trabalhadores, praticantes de exercício intenso e fêmeas prenhes, apresentam necessidades energéticas diferentes e, portanto, precisam se alimentar com dietas com diferentes níveis de densidade calórica. O proprietário deve seguir as recomendações do fabricante da ração comercial e orientar-se com o médico veterinário sobre a preparação e a quantidade de comidas caseiras e petiscos altamente energéticos oferecidos ao animal. As rações comerciais secas tipo ‘premium’ contém uma alta concentração em lipídeos que contribuem para a palatabilidade e a densidade calórica do alimento. Rações comerciais altamente saborosas administradas ad libitum podem concorrer ao desenvolvimento e a manutenção do sobrepeso pelo seu alto consumo. Cães que se alimentam ad libitum debaixo de condições normais tendem a freqüentemente comer pequenas refeições ao longo do dia. O monitoramento da entrada diária de comida de um cão é mais seguro quando realizado através da alimentação oferecida através de porções, mas, a alimentação ad libitum pode ser usada se o cão conseguir realizar a autoregulação e mantiver o peso corporal normal. Porém, os mecanismos de controle interno que governam entrada de energia podem ser anulados através de fatores externos como palatabilidade e densidade calórica do alimento, exercício inadequado, doença e enfado. A inatividade para alguns animais pode levá-los a superar o enfado através da ingestão de comida. Como foi visto anteriormente, brincar e passear com um cão são compromissos importantes do proprietário para satisfazer suas necessidades comportamentais específicas da espécie e proporcionar saúde física e mental. Percebe-se, então, que o provimento adequado de alimento deve estar associado à satisfação das necessidades recreativas e ao exercício diário para manter uma boa condição emocional e corporal e promover sua saúde. Oliveira (1983 p.236) salientou que a desnutrição tem seus efeitos intensificados pelo isolamento ou baixa estimulação e que muitos comportamentos alterados pela desnutrição podem ser recuperados pela estimulação ambiental. Muitos proprietários, por ter uma sólida ligação emocional com o seu cão, lhe proporcionam uma refeição apetitosa e saudável, contudo, não percebem que o cão vivendo confinado em um ambiente doméstico, raramente se exercitando e se alimentando com uma dieta de alta densidade calórica pode ficar mais propenso a apresentar um peso corporal acima do ideal. É provável que esses animais não vivam tanto quanto os de peso normal. Como em humanos o sobrepeso e a 115 obesidade estão associados com numerosos riscos de saúde. Os animais cansam-se mais e apresentam maior probabilidade de sofrerem problemas cardíacos, respiratório, circulatório, do esqueleto e do sistema de locomotor (Case, 1999). A diminuição da habilidade para brincadeiras, e intolerância ao exercício, enfim, para uma vida ativa, pode afetar negativamente a qualidade de vida do cão e o seu bem-estar. Estes distúrbios secundários, em geral, não se manifestam de imediato com o início do quadro de sobrepeso, contudo, é fundamental que os proprietários estejam cientes que o excesso de peso não é uma simples questão de ordem estética, mas um problema passível de ser corrigido com rigor. Na maioria das vezes, não é muito difícil determinar a razão para o sobrepeso, talvez a ingestão alimentar excessiva decorrente, sobretudo, do comportamento antropomórfico do proprietário, o excesso de generosidade e as práticas equivocadas de alimentação sejam as causa preponderante desse distúrbio nutricional. German (2006) assinalou que a obesidade é uma preocupação crescente em animais de companhia e o aumento da sua incidência parece espelhar a tendência observada no ser humano. Por falta de conhecimento específico, os proprietários muitas vezes têm dificuldade em acreditar que estão superalimentando seus animais. A alimentação apropriada requer além de conhecimento sobre a criação racional do cão, uma mudança filosófica fundamentada na intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade peculiar à criação do animal, e apreendê-la em sua totalidade. Somente assim será possível conceber o cão como um ser dotado de sentimento e necessidades fisiológicas que devem ser reconhecidas e atendidas conforme os critérios científicos vigentes. Índole A maioria da amostra (83.3%) era de animais mansos. Apenas 16,7% foram considerados agressivos pelos proprietários e pela pesquisadora. O animal agressivo, de um modo geral, não estava presente por ocasião da chegada da pesquisadora; encontrava-se preso por corrente, isolados em um canil ou mantido em um cômodo da residência para evitar ataques. Os proprietários apresentavam receio ao conter o cão, o qual mesmo após ser amordaçado tentava morder os familiares e a pesquisadora. Todo comportamento depende da herança genetica, contudo, algumas disposições genéticas para se desenvolverem necessitam de um ambiente satisfatório. O comportamento, por exemplo, é o resultado da disposição genética dos animais mais a influencia do ambiente. Todo o comportamento é o produto da interação entre genes e o ambiente. Se a inibição ou a promoção de um comportamento de um animal pode ser promovida por meio de ambientes apropriados ou impróprios, há certos genes que permitem o desenvolvimento de um comportamento específico sob condições específicas, porquanto, nenhum cachorro possui somente genes agressivos e nenhum cachorro possui somente genes responsáveis pela expressão da mansidão. O cão desenvolve o comportamento agressivo sob a influência genética em um ambiente propício. A agressão, como a alimentação depende de fatores internos e externos. Alimentação é um comportamento típico controlado por fatores internos. Um animal saciado pode começar a comer ao ver outros animais comerem pelo processo de facilitação 116 social. A expressão do comportamento depende obviamente da variação do estado interno do animal, mas depende em grande parte das mudanças do mundo externo e, geralmente, está associada à combinação desses fatores. Os níveis de influência dos fatores internos podem com o tempo aumentarem ou diminuírem, dependendo da ação de outros fatores causais que concorrem para o sistema motivacional. Se a motivação aumenta com o passar do tempo, a produção de comportamento seria explicável pela variação de fatores internos. A agressão embora dependa em grande parte de fatores internos (testosterona), a motivação pode aumentar em função do tempo e, neste caso, o entendimento do comportamento do animal dependerá da distinção das causas de tal aumento. Os fatores internos que atuam gerando certo estado motivacional assumem grande importância para o estudo do bem-estar conduzido por etologistas. Para perceber os fatores causais que concorrem para o sistema motivacional do cão, é necessário, antes, conhecer um pouco da sua função em nossa sociedade. Estes animais possuem muitos atributos que os permitem cumprir o papel de companheiros íntimos dos humanos. Esta atribuição foi sendo construída a partir da adaptação do seu antepassado selvagem ao convívio humano. Através do processo de domesticação foram selecionadas geneticamente certas características físicas e de comportamento: diminuição ou aumento do seu tamanho, diminuição da agressividade, enfim, a domesticação transformou-o em animal de companhia. Não obstante, alguns cães ao apresentarem um comportamento problemático interferem na qualidade da interação que se desenvolve entre ele e as pessoas do grupo familiar. Os problemas mais comuns não são, necessariamente, resultados do comportamento anormal do cão ou do proprietário, mas a conseqüência da relação entre eles (Marder e Marder, 1985). A despeito dessa convivência ser milenar, os cães altamente socializados ainda mantêm relações de domínio e subordinação que podem levá-lo a exibir certo grau de agressividade. O controle desse comportamento pode ter bastante sucesso se o cão é exposto a pessoas e a outros animais durante o período de socialização primária. A tendência da maioria dos cães de respeitar o estado dominante dos membros familiares ajuda garantir o benefício mútuo da relação homem-animal. No entanto, alguns cães conseguem dominar um ou vários membros da família, exibindo comportamento agressivo para afirmar sua posição na hierarquia sócia da família. Este tipo de comportamento considerado normal entre os cães é inadmissível em uma família humana. Muitos proprietários não previnem o desenvolvimento da agressividade de seus cães e inclusive, em certas circunstâncias, podem encorajar ativamente ou inadvertidamente a agressividade. A prática de restringir os movimentos do cão agressivo através do confinamento em canil, mantê-lo preso por uma corrente ou amordaçá-lo, pode comprometer sobremaneira o seu bem-estar. Esta situação pode ser evitada se os proprietários se comprometessem em educar corretamente o seu cão e/ou lhe proporcionasse aulas de treinamento ao assumirem a propriedade do animal. Alguns cães são muito mais difíceis de serem treinados que outros, e neste caso, o proprietário poderia pedir auxílio a um veterinário ou outro especialista em comportamento animal. Todos esses caminhos são válidos, no entanto, a redução da agressividade geralmente relacionada ao domínio social, inclui aumentar a interação entre o proprietário e o seu cão. Esta interação constituída de afagos, carícias, brincadeiras, corridas e passeios, deverá ser sempre iniciada pelo proprietário a fim de estabelecer a 117 hierarquia e evitar um comportamento excitável e requisitante de atenção. Independente da causa que levou o cão a tornar-se agressivo, os proprietários serão sempre os responsáveis pelos atos de seus animais e não o contrário (Jagoe e Serpell, 1996). O que determina a índole ou o comportamento de um cão não depende exclusivamente da raça, se ela é agressiva ou mansa, mas também, e principalmente, do modo como esse cão foi criado e treinado. Não se pode perder de vista que o cão como um animal social vive em grupo, onde normalmente tem uma ordem de posição nesse grupo. Esta ordem de posição é útil para a sobrevivência de cada componente do grupo, e tanto os agressivos dominantes quanto os mansos dominados, desenvolvem várias expressões de emoções. A agressão de defesa pode ser resposta a estímulos que levam à evitação freqüente, à irritação e/ou ao medo. As expressões de agressão e medo, intimamente relacionados, são fatores influentes do ponto de vista psicóticofisiológico (Abrantes, 1987). Dependendo da intensidade e da freqüência que esses animais expressam a agressão ou o medo, podem tornar-se neuróticos. Este estado compromete a relação homem-animal, desfavorece as tentativas do animal em se adaptar ao ambiente onde vive e afeta sobremaneira o seu bem-estar. Qualquer problema de comportamento tem uma relação muito próxima com o bemestar dos animais de companhia porque eles não só afetam diretamente o animal, mas podem também levar o dono a tratar inadequadamente o animal, castigá-lo, abandoná-lo ou até mesmo submetê-lo à eutanásia (Podberscek,, 2006). Neste estudo, somente 16,7% dos animais apresentavam agressividade despropositada. Entre os 10 cães agressivos, seis deles eram SRD (sem raça definida), dois eram Poodles, um era Basset e um Pinscher. Este resultado suscita considerações muito importantes. A maioria desses proprietários dizem se preocupar com a educação seu cão estabelecendo limites para uma boa convivência, mas, infelizmente, devem existir outros fatores a serem descobertos que impedem uma relação saudável fomentadora de bem-estar. Estado de tranqüilidade Noventa por cento dos cães foram considerados tranqüilos por ocasião da entrevista. Esta cifra é muito promissora para a caracterização do bem-estar adequado, contudo, como já explicitado, a caracterização do bem-estar necessita estar respaldada em vários indicadores para evitar conclusões imprecisas da realidade. O comportamento do cão durante o seu crescimento se desenvolve em certas fases sob condições ambientais particulares. Isto dá um relevo especial ao fato que as características fenotípicas ou genéticas não estão herdadas em um sentido restrito, mas são sempre desenvolvidas sob as influências de fatores genéticos e ambientais (Scott e Fuller, 1997) Os cães de estimação por viverem naturalmente a maior parte de suas vidas na companhia de um grupo familiar são tratados como pertencentes a esse grupo. Eles se comunicam utilizando uma linguagem corporal pouco compreendida pelas pessoas por ser extremamente complexa e sutil. São extremamente sensíveis às ações, aos gestos e ao tom de voz das pessoas com quem convivem (O’Farrel, 1987). Rapidamente aprendem a interagir com os humanos evocando respostas aos seus anseios, tornando a interação social uma recompensa afetiva para ambas as partes. 118 Estes animais, freqüentemente, ficam muito ociosos durante o dia, mas devido a sua natureza, necessitam de um ambiente rico e variado para manterem-se atentos. Os proprietários precisam estar precavidos de problemas de comportamento resultantes da ausência de estímulos auditivos e visuais que prejudicam o equilíbrio emocional, mas devem, ao mesmo tempo, estar atentos em encontrar um meio termo entre a ausência total de estímulos e a solicitação excessiva responsável por estresse. Os esforços do cão para se associar aos outros cães e aos humanos demonstram a importância da interação para seu bemestar. Quando não conseguem satisfazer-se com os estímulos que lhes são proporcionados e experimentam ansiedade, sua adaptação ao ambiente torna-se mais difícil. Nesta situação os animais ficam transtornados e exibem comportamentos anormais confirmados amplamente pelos proprietários. Depressão, por exemplo, pode ser a conseqüência do pouco controle que o indivíduo tem sobre ambiente difícil ou hostil, levando-o certamente ao bemestar pobre e a possíveis conseqüências patológicas. A resposta do sistema neuroendócrino varia de acordo com desafio ambiental (Griffin, 1989) e de como os indivíduos percebem o desafio. Mudança no sistema imune em resposta ao estresse pode resultar em aumento da produção de glicocorticóides e outros hormônios moduladores do sistema imune e afetar a suscetibilidade de um animal a diferentes patógenos (Gross e Colmano, 1969). As condições ambientais pouco propícias ao cão podem ameaçar sua estabilidade mental ou corporal. A adaptação dificultada envolve freqüentemente respostas fisiológicas ou comportamentais anormais com conseqüências não desejadas como medo e ansiedade, comprometendo o seu estado de tranqüilidade. Nestas circunstâncias se a adaptação for malsucedida, o animal pode experimentar estresse e, conseqüentemente, seu bemestar ser muito pobre. Baxter (1988a) distingue algumas exigências ambientais como estimuladoras de necessidades psicológicas que levam o animal a expressar comportamentos anormais. Segundo ele, em termos de sistema motivacional, o indivíduo poderia confrontar-se com quatro estados em um determinado momento. No primeiro estado, o animal teria comido logo após a manifestação de fome. O sentimento de fome não representaria nenhuma demanda na atenção do animal. Neste caso, a motivação está em um estado nulo. No segundo estado o animal sente fome de intensidade que varia de moderado a intenso, e durante este tempo se alimentaria de comida se estivesse disponível. O terceiro estado a fome torna-se intensa porque a alimentação não foi possível durante algum tempo. Neste estado o animal só pensa em comer e o seu intenso apetite não sendo satisfeito, o levará a executar outros padrões de comportamento relativos a atividades de deslocamento como beber água ou comportamento exploratório. Estes seriam considerados comportamentos anormais porque não atendem a motivação inicial. Este exemplo serve para qualquer outro tipo de motivação. No quarto estado, o comportamento torna-se obsessivo em resposta ao não cumprimento de uma necessidade e o sistema de motivacional sofre dano permanente. O estado de intranqüilidade, caracterizado por ansiedade, excitabilidade e constante atividade, pode ser resultado do não atendimento de suas necessidades comportamentais, acrescido do comprometimento de seu sistema motivacional. De outro modo, um comportamento anormal evidencia que 119 uma necessidade comportamental ou psicológica não foi cumprida. Este comportamento é considerado como um sinal de alarme, enquanto revelando um desequilíbrio entre o animal e seu ambiente. Neste caso, a solução seria observar a motivação do animal e atender a sua necessidade, seja ela de interação, atividade física ou exploração de ambientes novos. O’Farrel (1987) apoiada em teorias e técnicas em psicologia humana adverte que as pessoas tendem a concentrar todos os esforços de resolução do problema de comportamento somente na mudança de comportamento do cão, esquecendo-se de considerar a relevância da personalidade e das atitudes do proprietário para com a conduta do cão. Para a pesquisadora os donos estão envolvidos emocionalmente e intelectualmente com o seu cão. Os responsáveis, e os proprietários que são vistos como pessoas estranhas ou neuróticas, cujo comportamento causou de alguma forma efeito adverso ao cão. Sugeriu que alguns problemas de comportamento poderiam ser classificados como “atividades de deslocamento”, comportamento executado fora de contexto, em situações de alta estimulação ou conflito. A conexão mais plausível entre estas duas variáveis, neurose do proprietário e atividades de deslocamento do cão seria devido à maior ansiedade do proprietário que induziria a excitação do cão. As correlações entre variáveis demonstraram que atitudes do proprietário devem ser levadas em conta ao se tratar problemas de comportamento, no entanto, elas não podem refletir a sutileza das interações entre o proprietário com seus familiares e o animal de estimação. Neste contexto, haveria a necessidade de lançar mão de recursos da psicologia clínica e da psiquiatria, pois as dificuldades interpessoais representadas pelos conflitos entre familiares podem tornar o cão uma vítima. Se há o comprometimento de sua proprietários emocionalmente envolvidos gostam de seus animais de estimação por eles serem dependentes, serem capaz de amá-lo e mostrar-se exclusivamente preso afetivamente, enquanto os proprietários intelectualmente envolvidos gostam de seus cães por eles serem inteligentes, obedientes e independentes. Proprietários que são muito ligados emocionalmente aos seus cães tendem a oferecer-lhes quitutes, alimentá-los com comidas especialmente preparadas para eles e, podem deixar o animal dormir em seu quarto. A autora ao analisar as correlações entre variáveis, distinguiu duas categorias de proprietários: os proprietários vistos como pessoas normais, razoáveis, normais que tiveram o infortúnio de possuir um cachorro com um problema para o qual eles não são estabilidade física e mental, o animal pode se comportar de modo anormal. Igualmente, a falta de empatia pode tornar os familiares menos tolerantes com o comportamento inaceitável do cão. Um tratamento próspero se basearia na redução do nível de ansiedade geral do cão e aumento da tolerância do proprietário. Estimular fisicamente e mentalmente o animal, dispensar atenção e afeto em lugar de estar sempre ralhando ou castigando-o, pode evitar problemas de saúde e comportamentais e, conseqüentemente, favorecer o seu bem-estar. 4.6 Progressividade e atitude Os dados do questionário (anexo 5) ao serem submetidos à fórmula matemática transformaram-se em índices utilizados na caracterização de cada proprietário segundo a progressividade (Pk) e a atitude (Ak). A representação gráfica de Pk contra Ak de todos os 60 proprietários está baseada nas 24 questões elaboradas para caracterizar os proprietários como progressista ou tradicional, possuidor de 120 discordo e não tenho opinião formada. Na Tabela 7, pode-se observar a distribuição da percentagem de respondentes que concordaram, discordaram ou não tinham opinião formada sobre as questões referidas à progressividade e atitude em relação ao bem-estar animal. atitude positiva ou possuidor de atitude negativa. (Figura 2). A maioria dos índices ficou situada encima de um lado do eixo de “y” imaginário. Isto significa que a maior parte dos proprietários foi classificada como progressista e com atitude positiva em relação ao bem-estar animal. Os conservadores foram poucos (n = 5) e não houve representação de um universo de atitude negativa. Em razão da variação da escala de Likert ser muito ampla para representar a distribuição da freqüência de respostas de proprietários a cada questão, as sete possíveis respostas da escala foram agrupadas em apenas três – concordo, O alto índice de concordância com a primeira questão (58,3%) “O cão é um animal, deve ser tratado como qualquer outro animal de criação” demonstra a percepção conservadora que mais da metade dos proprietários têm do seu animal de estimação. O cão moderno não é um animal doméstico como outro qualquer. Ao estar participando da vivência humana há 6 5 4 Ak 3 2 1 0 -2 0 2 4 6 Pk Figura 2 - Representação gráfica dos proprietários de cães segundo as coordenadas de atitude e progressividade. aproximadamente 14 mil anos, quando o cão evoluiu não só fisicamente, mas também em sua faculdade cognitiva e emocional. Ele é capaz de perceber cada nuança na voz ou gesto das pessoas e reagir em conformidade. O cão de estimação atual está altamente integrado à sociedade humana, a preocupação com o atendimento de suas necessidades físicas e psicológicas tornou-se algo imprescindível para a manutenção do seu equilíbrio emocional e, por conseguinte, o seu bem-estar. Tratar o companheiro canino como qualquer outro animal de criação incorreria no risco de comprometer o seu bem-estar. Igualmente, 58,3% dos proprietários concordaram com a terceira e quarta Questões: “Eu sou um proprietário tradicional. O conhecimento adquirido 121 Tabela 7. Frequência relativa de respondentes que concordaram, discordaram ou não tinham opinião formada sobre as questões referidas à progressividade e atitude em relação ao bem-estar animal Questões Respondentes (%) Tradicionalismo 1 2 3 4 5 6 Atitude negativa 7 8 9 Concorda 58,3 13,3 58,3 18,4 79,9 86,7 Discorda 41,7 85,0 41,7 81,6 19,9 13,3 26,6 13,4 18,3 73,4 86,6 81,7 _ _ _ 10 11 12 Progressividade 13 14 15 16 17 18 Atitude positiva 19 20 21 22 85,0 20,0 6,70 15 80 58,3 _ _ 35,0 100 98,3 98,3 81,7 93,4 61,7 _ _ 1,7 3,3 3,3 8,4 _ 1,7 _ 15,0 3,3 30,0 96,7 96,6 98,3 100 3,4 _ _ _ _ 3,3 1,7 _ 100 100 _ _ 23 24 durante a minha vivência é suficiente para criar corretamente o meu cão” e “Instruirme sobre como promover o bem-estar animal, não tornaria melhor a minha convivência com o meu cão”. Se os estudos referentes ao comportamento e bem-estar animal iniciaram-se apenas há algumas décadas e, todavia, não estão integrados ao Não sabe _ 1,7 _ _ _ _ _ _ currículo de todas as escolas de veterinária do mundo e menos ainda, de nosso país, como poderiam esses proprietários considerar a sua vivência suficiente para criar corretamente o seu cão? A humanidade encontra-se em um momento importante no que diz respeito a relação homem-animal. Ao mesmo tempo em que 122 o homem preocupa-se com sua conduta em relação aos animais de produção e estimação, o cão, em muitos lares, conquista o status de membro da família. No entanto, não é suficiente tencionar o cuidado apropriado ao seu animal com os padrões assimilados durante a vivência pretérita, é necessário acompanhar a grande modificação do status quo desse animal de estimação. As respostas dadas às questões, sete e nove, mostram não haver um pensamento lógico de alguns dos proprietários entrevistados. Ao mesmo tempo que 58,3% considera o conhecimento adquirido durante a vivência suficiente para criar corretamente o seu cão, 73,4% discordam da seguinte questão: “O conhecimento sobre característica da raça e comportamento animal não é importante para se criar corretamente um cão”. Em virtude de esta questão ser elaborada sob a forma negativa para avaliar a atitude negativa, logo após a leitura a pesquisadora a refazia sob a forma de pergunta: “O senhor acredita ser importante o conhecimento sobre característica da raça e comportamento animal para se criar corretamente um cão? A resposta afirmativa indicaria discordância da questão anterior. Este procedimento foi realizado com todas as demais respostas negativas a fim de evitar problema de entendimento e, conseqüentemente, dúvida a respeito da resposta. Desta situação podese depreender o seguinte: os proprietários que concordaram com a terceira questão e discordaram das questões sete e nove, reputam importância ao conhecimento adquirido durante a vivência, no entanto, acreditam igualmente que a aquisição de informações sobre o bem-estar, o comportamento e a característica da raça, assume grande importância no sucesso da criação do animal. Da mesma forma, as respostas à questão onze demonstram que 80% dos proprietários preocupam-se com a educação do seu cão. Oitenta e cinco por cento dos proprietários consideram a promoção do bem-estar do seu cão algo que lhes custa muito dinheiro e lhes toma muito tempo (pergunta 10). O alto índice de respostas revela que a atual conjuntura concebida como nova forma de convivência com o cão, remete o proprietário a uma preocupação com o bem-estar do animal. Todavia, por não perceberem a inter-relação homem-animal como simbiótica, em que ambas as partes são beneficiadas, divisam na relação custobenefício somente os dividendos obtidos com a convivência. Esta conjectura é apoiada nas respostas dada às questões 15 e 16, onde mais de 90% dos proprietários concordaram que a relação homem-animal traz benefícios para a saúde e qualidade de vida do homem e que os animais podem atuar como co-terapeutas. Case (1999) assinala que os benefícios de saúde proporcionados pela propriedade de um animal de estimação não estão associados necessariamente ao estilo de vida mais saudável nem aos atributos dos proprietários que escolhem compartilhar suas vidas com os cães. A condição de pertença de um cão por si só pode oferecer importante benefício à saúde. Na sexta questão, a grande maioria dos proprietários (86,7%) concordou com “A promoção ao bem-estar animal leva ao consumismo”. Um proprietário progressista apesar de estar aberto à mudança não precisa necessariamente transformar-se em um consumista para atender às necessidades de seu cão. Porquanto, o consumismo é uma noção conservada na tradição de algumas pessoas que afeta não só a criação de seus filhos, mas também de seu cão. Os animais precisam de atenção, carinho e respeito e não de uma grande variedade de brinquedos, roupinhas e quitutes. As questões 12 e 18 mostram a importância do movimento mundial a favor da causa animal e da informação midiática para o 123 bem-estar animal. Exatamente 58,3% dos proprietários acreditam que a defesa à proteção e ao direito animal não é modismo, e sim estratégias sérias estabelecidas por movimentos organizados mundialmente. Em contrapartida, 35% não têm opinião formada sobre o assunto. As respostas à questão 18 revelam que 61,7% dos proprietários acreditam que os protestos organizados mundialmente influenciam positivamente o relacionamento com o seu cão. Cem por cento dos proprietários (pergunta 21) crêem que os animais são seres sencientes, capazes de sentir os mesmos sentimentos experimentados pelos seres humanos. Exatamente 98,3% têm ciência da existência de direitos dos animais (pergunta 22). As respostas relativas às atitudes positivas (perguntas 19 a 24) mostram uma discrepância entre o posicionamento da maioria dos proprietários e o resultado obtido pela classe de variável ‘bem-estar adequado’. Exatamente 98,3% dos proprietários concordaram que promover o bem-estar animal significa também se preocupar com a sua saúde física e mental, no entanto, somente 43,3 % dos cães experimentavam o bem-estar. Como pode ser visto na figura 2, não há nenhuma representação de atitude negativa e apenas 8,3% dos proprietários foram caracterizados como conservadores. Assim, de acordo com este ensaio, pode-se afirmar que as atitudes e a progressividade dos proprietários, por si só, não são fatores determinantes para a promoção do bemestar animal. A hipótese foi rejeitada. Este resultado abre caminho a reflexões, pois quando se aceita um resultado como uma premissa deve-se admitir também as conclusões dela derivadas. Porque os altos índices de atitudes positivas e progressividade dos proprietários não são capazes de proporcionar alto índice de bem-estar aos animais? Que fatores explicariam a discordância entre os altos índices relativos à tendência de comportamento encerrado nos princípios ou opiniões dos proprietários sobre o bemestar e o resultado obtido? Para tentar responder a essas perguntas, primeiramente, tentar-se-á esclarecer o que é um pensamento atitudinal. John Dewey (1959) conceitua o pensar como uma técnica operativa por meio da qual a inteligência atua sobre a experiência com o propósito de conhecê-la ou transformá-la. Estar ou não atuando sobre a experiência com uma finalidade é que vai decidir a qualidade de uma forma de pensar. Ao expressar-se através de suas atividades, o sujeito demanda pelo menos dois níveis de pensamento - o atitudinal e o operativo. Ao criar "pensamentos" numa atitude indiferente ou submissa para a realidade, não está propriamente pensando. A atitude é um complexo de escolhas que se tem quase como um patrimônio natural. As atitudes chegam ao sujeito naturalmente ao pensar, anteriores ao pensar, por detrás do pensar (Dewey, 1980). Independente do grau de informação e sofisticação intelectual, o pensamento é qualificado por atitudes que se adquire culturalmente. A investigação do pensamento atitudinal irá examinar quais as opções categóricas que são produzidas e transmitidas na cultura em que vive o sujeito pensante. Suas atitudes formam um corpo de pensamentos básicos que antecede e determina a qualidade do pensamento operativo do sujeito. É um equívoco aceitar a crença segundo a qual a aquisição de conhecimentos teria o poder de aumentar a qualidade do pensamento operativo do sujeito. O real comportamento pensante das pessoas em suas atividades decisórias revela o nível do seu pensamento básico e a qualidade do uso operacional que ele está fazendo das informações que acumulou através de sua 124 vivência. Este nível irá determinar a facilidade ou dificuldade da intervenção do sujeito pensante no contexto onde vive. As pessoas vão adquirindo, desde a infância, uma conformação a tudo que seja adjetivado de normal. Diante deste acatamento passivo, vai se produzindo nelas uma atitude que anula suas potencialidades de ingerência operativa, dificultando seu discernimento sobre o que é ou não normal. Nesta situação desenvolvem pensamentos atitudinais que dificultam as mudanças necessárias. O pensamento operativo pode estar alheio à realidade, não havendo intervenção na situação estabelecida (Dewey, 1959). O proprietário do cão a despeito de concordar com atitudes positivas pode assumir uma atitude de espectador diante dos desafios concernentes à criação do animal e encontrar dificuldade para transitar do conhecimento para a consciência que gera ação. A morosidade nos circuitos internos da consciência revela-se através de comportamento típico do espectador que jamais chega a ser protagonista. Não percebe a situação como desafiadora, carente de transformação. Quando consegue identificar o problema, não se envolve, mas trata de subestimá-lo e encontrar algum responsável. Este tipo de atitude é naturalmente adquirido pela cultura, ao passo que as atitudes operantes são conquistadas mediante a dedicação constante. Trata-se de um estilo filosófico que leva o sujeito pensante a envolver-se. O princípio desta postura é um sentimento ou um senso de responsabilidade que incita o sujeito pensante a perquirir e a empenhar-se de forma crítica diante da realidade. A conscientização do proprietário de seu papel interventor é a primeira atitude mental favorável à promoção do bem-estar adequado de seu animal. A segunda seria o questionamento vivencial de atitudes comprometedoras, paralelamente ao cultivo de atitudes estimuladoras. A promoção do bem-estar do cão, portanto, não é simplesmente querer, concordar ou discordar. É uma decisão vigorosa, que precisa de conhecimentos específicos periodicamente confrontados e realimentados. Um outro aspecto de grande relevância a ser considerado em relação ao proprietário, intimamente ligado ao bem-estar animal, é o processo de cuidar. É necessário identificar o que move o comportamento daquele que conduz esse processo. Cuidar é uma atividade que implica algum tipo de responsabilidade e compromisso contínuos (Tronto, 1997), é mais que um ato, é uma atitude de preocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (Boff, 2003). O cuidado traz implícito o sentido de diligencia, desvelo e atenção ao fazer-se algo. Nele identificam-se os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver (Boff, 2003). A ação própria dos cuidados cotidianos é de sustentar a vida, provendo-a de energia de natureza física, afetiva ou psicossocial. Os cuidados fundamentam-se nos hábitos de vida, nos costumes e nas crenças. Cuidar de alguém ou de um animal de estimação requer estar presente física e emocionalmente, com a preocupação de compreender e auxiliar o outro; satisfazer suas necessidades e proporcionar-lhe bemestar. Como um fenômeno que ocorre no mundo real das vivências, o cuidado dispensado a um cão por envolver uma relação com humanos encerra todos os potenciais e limitações de cada participante. O proprietário age sobre o cão assim como o cão age sobre o proprietário. Um e outro têm, no mundo da vida, a possibilidade de proporcionar mudanças e um crescimento mútuo. Para alcançar o que motiva o 125 comportamento do proprietário é necessário elucidar seu argumento de vida, o guia das motivações básicas para as interações sociais. Para Berne (1988) o argumento de vida é um projeto elaborado na primeira infância, sob ingerência dos pais, que governa a conduta do indivíduo nos aspectos mais importantes de sua vida. Ao se descobrir as crenças básicas referentes ao argumento de vida podem-se identificar as crenças relativas aos cuidados cotidianos e habituais de vida, como o cuidado é vivido e estruturado no cuidador. As crenças, os sentimentos e os valores positivos são fundamentais no favorecimento da qualidade de vida da pessoa. Elas orientam os pensamentos e as opiniões, e, conseqüentemente, as realizações pessoais. Quando o desenvolvimento da personalidade proporciona bem-estar, o indivíduo tem percepção exata de si e dos outros e as crenças são coerentes com a realidade. Nestas pessoas saudáveis que valorizam as coisas belas da vida as crenças são submetidas a processo de constante reorganização. As crenças culturais ao cumprirem uma função social desvelam o poder simbólico na estruturação de condutas das pessoas em relação às manifestações e aos cuidados dispensados ao outro. (Loyola, 1984). Os hábitos de vida assim como as crenças, ligam-se aos valores e estes formam uma categoria especial de convicção íntima que revela a importância de algo para a pessoa. A crença em conceitos e valores falsos e distorcidos predisporá a adoção de um estilo de vida para justificar o condicionamento adquirido. Os valores dão sentido à vida e o sentido é encontrado ao se perscrutar a serventia de algo e o bem derivado dele (Kretschmer, 1990). Os valores de uma pessoa e o sentido de sua vida determinam o seu desempenho nas múltiplas tarefas do seu dia a dia. Os valores e as crenças são transmitidos por herança cultural e são suscetíveis de modificação e o sentido é reprogramado em atitudes melhores e mais eficazes (Chung, 1997). Cada grupo cultural possui um argumento padronizado ao interagir uns com os outros e para cuidar de si e do outro, segundo a sua prioridade de vida. A vida e o bem-estar são responsabilidades de cada um. Depende da realidade interior e de mecanismos com os quais a pessoa consegue ler o mundo ao agir sobre ele. Se a sua prioridade de vida é o próprio bemestar, se esforçará em alcançá-lo igualmente para o outro submetido aos seus cuidados (Berne, 1988). Todas as ações são conseqüências do argumento de vida, que serve de referência mental. Se a pessoa vive em equilíbrio psicoemocional e acredita no seu valor pessoal, conseqüentemente aumentará a sua auto-estima e autoconfiança. A consciência do próprio valor favorece o cuidar de si e do outro com sabedoria, responsabilidade, consideração e amor. Em contrapartida, a desordem interior gera sofrimento na esfera emocional e um estado de desassossego íntimo e de desamor a si próprio (Silva, 1994). O bemestar biopsicossocial, pois, dependerá da mente saudável com crenças de valorização da vida, e o seu modo de viver influenciará o cuidado dispensado a si próprio e aos outros. Assim, o bem-estar do cão está atrelado ao modo de viver e ao bem-estar do proprietário e de sua família. Outra possível explicação para essa aparente incoerência entre progressividade/ atitude versus bem-estar estaria fundamentada na reflexão de Amatuzzi (2001) sobre o distanciamento ou distorção da verdade. Segundo o autor, aquilo que uma pessoa pensa de si mesma (autoconceito) pode funcionar como um filtro para a expressão do vivido. Se a pessoa se imagina de tal forma que determinadas experiências subjetivas ou intencionais fiquem excluídas, então não 126 têm como dizê-las ou apresentá-las adequadamente. Distorce-as então. A pessoa que desenvolve um sentimento de ser cumpridora de seus deveres, dificilmente se conscientizará de uma negligência. Isto acontece porque a negligência é incompatível com a minha imagem de cumpridor de meus deveres. A sua resposta então, distorce um pouco a verdade das coisas. Principalmente quando a verdade não é muito favorável a seu respeito. Esta distorção pode sobrevir por motivos individuais, mas também pode acontecer por motivos culturais. O eu do indivíduo, integra à esfera social onde vive assim como o seu pensamento e sua consciência que lhe ministra padrões através dos quais o incita a pensar em si ou pensar o contexto situacional. Estes padrões podem ser limitados quanto à captação precisa da sua experiência. A relação homem-animal vivenciada e preconizada por legislação no ocidente, por exemplo, não é igualmente aplicada na China, onde cães são criados com o objetivo de servirem de alimento ao homem. Padrões culturais podem influenciar a percepção dos fatos e definir o modo como são vistos ou expressados. Tanto os padrões individuais relativos ao autoconceito, como os socioculturais incorporados do meio ambiente, são resultantes da adaptação do viver. Eles definem o indivíduo de modo rígido ou flexível. A rigidez de padrões leva o indivíduo a criar hábitos de pensar, que podem distanciá-lo dos fatos ou da experiência vivida como eles são. Em certas situações tem relação com a facilitação das rotinas. Já a forma flexível poderá interferir na vivência modificando alguns padrões. Por ocasião da entrevista, ao tentar conhecer o modo de proceder ou tendência de comportamento do entrevistado através do seu assentimento objetivo ou subjetivo, o pesquisador colhe e o que pode ser visto, pensado, e dito, a partir das estruturas do autoconceito ou socioculturais, podendo estar enrijecidos pela força do hábito do pensamento. Porém, colher informações já prontas através de um questionário não permite distinguir se a opinião acerca do objeto de estudo é uma representação individual ou social. Somente através da pesquisa fenomenológica é possível a maior aproximação do vivido. Conhecer o que acontece, indo além dos modos habituais de pensar, facilitar a compreensão do fenômeno e apreensão do conhecimento da essência. No entanto, indiferentemente da pesquisa seguir uma abordagem objetiva ou subjetiva, a distorção da verdade que pode sobrevir por motivos individuais ou culturais, é um fato de natureza moral ou social inerente ao ser humano. 4.7 Análise multivariada de correspondência múltipla Na análise multivariada de correspondência múltipla as variáveis estão associadas no mesmo quadrante de forma tridimensional - valores positivos acima e negativo abaixo. A força de associação é medida pela aproximação euclidiana do sistema algébrico que se traduz pela distância entre as variáveis no gráfico. Este recurso estatístico não proporciona quantificação Não foi possível incluir todas as variáveis do estudo na análise de correspondência múltipla devido a três fatores concorrentes para a diminuição do valor da inércia: 1- Algumas variáveis não apresentaram dispersão representativa devido à baixa representação no universo estudado; 2- A categorização necessária das variáveis progressividade, atitude e das classes de renda, ao contrário das variáveis dicotômicas, comprometeu o valor da inércia; 127 3- A reunião de todas as variáveis dicotômicas e categorizadas resulta em má distribuição de algumas variáveis. Somente após a repetição de várias análises foi possível decidir qual a inércia a considerar e quais variáveis seriam reputadas como mais importantes para o teste de associação. Assim, em virtude da exigência de alcançar o maior valor possível de inércia (Tabela 8), apenas treze variáveis foram inseridas no plano matemático. Foram elas: ‘bem-estar’, ‘progressividade’, ‘atitude positiva’, ‘renda familiar’, ‘condição corporal’, ‘índole’, ‘estado de tranqüilidade’, ‘brincar’, ‘passear’, ‘entrar na residência’, ‘dormir dentro da residência’, ‘tipo de residência’ e ‘outros animais de estimação’. Como pode ser verificado na Tabela 9, foram envolvidas 29 classes de variáveis correspondentes as 13 variáveis principais: Bea+ (bem-estar positivo), Bea – (bem-estar negativo), Pk1, Pk2 e Pk3 (classes de progressividade), Ak 1, Ak 2 e Ak3 (classes de atitude positiva), A, B e C (renda familiar), Fit- (condição corporal inapropriada), Fit + (condição corporal ideal), bravo, manso, intranq (intranquilo), tranq (tranqüilo), brinca, não brinca, passeia, ñpasseia (não passeia), entra, ñentra (não entra), dormden (dorme dentro), dormfor (dorme fora), apto (apartamento), casa, +pet, (outros animais de estimação) e exclu (cão como animal exclusivo ). Tabela 8- Valores da inércia nos eixos 1, 2, e 3 na análise de correspondência múltipla. Inércia total de 62%. Eixos principais 1 2 3 Autovalor 0,55 0,44 0,36 Inércias 0,30 0,19 0,23 Apesar do sistema constituir-se por um espaço dimensional com treze eixos principais, a leitura e interpretação do gráfico é realizada seqüencialmente através de três eixos principais, conforme mostrado na Figura 3. Os eixos principais um e dois apresentam os maiores valores de inércia, 0,30 e 0,29 %, respectivamente. Entre os três eixos imaginários eles são os que melhor representam as semelhanças e diferenças entre as observações devido aos maiores pontos de inércia. As variáveis incluídas na análise multivariada de correspondência múltipla desse estudo são consideradas estratégicas para testar a hipótese e conhecer o universo das associações do bem-estar com as variáveis socioeconômicas e as referentes ao sistema de criação do animal (Tabela 9). Os resultados obtidos com essa análise não estão sob a forma de correlação entre variáveis e, portanto, não são apropriados para demonstrar conexão causal. Por outro lado, é possível, através das associações constituídas entre as variáveis, tentar estabelecer explicações plausíveis. Os resultados mais notáveis que se depreendem da observação do gráfico estão agrupados em tópicos para melhor compreensão da conexão entre as variáveis que representam fatores concorrentes para o bem-estar animal. É de interesse desde o ponto de vista de interpretação da análise multivariada, constatar como as variáveis se associam entre si. Progressividade e atitude As variáveis ‘progressividade’ e ‘atitude positiva’ não apresentaram dispersão representativa ao serem submetidos à análise de correspondência múltipla. Em virtude deste resultado, optou-se pela categorização dos índices Pk e Ak em seis classes - Pk1, Pk2, Pk3 e Ak1, Ak2, Ak3. Estabeleceu-se que as classes Pk1 e Ak1 seriam classes com valores mais altos, Pk2 e Ak2 com valores médios e classes Pk3 e Ak3 com valores mais baixos. 128 129 Tabela 9. Valores das coordenadas da análise de correspondência múltipla e freqüência relativa (%) das variáveis estudadas referente aos cães de estimação da Região Administrativa da Pampulha - Belo Horizonte - MG - 1997. Variável Classe/sigla Eixo 1 Eixo 2 Eixo 3 Freq. Bem-estar1 bea bea+ fit fit + bravo manso intran tranq brinca não brinca ñpasseia passeia -0,14 0,19 -0,09 0,06 0,32 -0,06 -0,13 0,01 -0,09 0,5 0,57 -0,65 0,73 -0,96 0,71 -0,47 1,52 -0,3 0,79 -0,09 -0,3 1,68 -0,22 0,25 -0,12 0,16 -0,39 0,26 1,06 -0,21 0,13 -0,01 -0,16 0,89 0,16 -0,18 0,57 0,43 0,40 0,60 0,17 0,83 0,10 0,90 0,85 0,15 0,53 0,47 entra ñentra dormden dormfor apto casa +pets exclu A B C Pk1 Pk2 Pk3 -0,46 1,26 -0,68 1,09 -0,91 0,74 0,34 -0,28 -0,5 -0,34 0,78 1,03 -0,39 -0,59 0,06 -0,17 0,12 -0,2 0,02 -0,02 -0,28 0,23 -0,84 -0,2 0,23 0,21 0,14 -0,41 -0,04 0,1 0,04 -0,06 0,002 -0,002 -0,35 0,29 1,17 -0,35 -0,21 0,04 -0,63 0,76 0,73 0,27 0,62 0,38 0,45 0,55 0,45 0,55 0,20 0,47 0,33 0,32 0,38 0,30 Ak1 Ak2 Ak3 1,23 0,62 -0,65 0,52 0,08 -0,17 1,1 -0,84 0,22 0,13 0,32 0,55 Condição corporal2 Indole Estado de tranquilidade Brincar Passear Entrar no interior residência Dormir no interior da residência Tipo de residência Outros animais de estimação3 Renda familiar Progressividade Atitude positiva 1 Bem-estar pobre/ adequado 2 Condição corporal inapropriada/ ideal Outros animais de estimação (pet +) / cão como animal exclusivo 3 A localização das variáveis ‘progressividade alta’ e ‘progressividade baixa’ no plano tridimensional mostra-se quase eqüidistantes do ‘bem-estar pobre’ e ‘bem-estar adequado’. A ‘progressividade média’ está mais associada ao ‘bem-estar pobre’. A baixa ‘atitude positiva’ está mais associada ao ‘bem-estar pobre’, enquanto a alta e média ‘atitude positiva’ estão eqüidistantes do ‘bem-estar pobre’ e ‘bemestar adequado’. Dentre todas as categorias de 130 ’progressividade’ e ‘atitude positiva’, a ‘progressividade baixa’ está mais próxima do ‘bem-estar adequado’, mas ainda assim, está quase eqüidistante do ‘bem-estar pobre’ e ‘bem-estar adequado’. Portanto, nenhuma categoria de ‘progressividade’ e ‘atitude positiva’ está associada de modo satisfatório ao ‘bem-estar adequado’. A hipótese foi rejeitada. universo estudado (A1= 6,7%, A2= 13,3%, B1= 18,3%, B2= 28,3%, C= 13,3%, D=13,3%, E= 5,00%) decidiu-se agrupá-las em três classes principais a fim de estudar o maior potencial desta variável. A ‘classe A’ passou a constituir-se pela soma das freqüências das classes A1 e A2, a ‘classe B’ das classes B1 e B2 e a ‘classe C’ das classes C, D e E. Os proprietários detentores de ‘progressividade baixa’ e ‘atitude positiva baixa’ para o bem-estar moram de ordinário em ‘apartamento’, possuem apenas o cão como ‘animal de estimação’, permitem que o mesmo ‘entre no interior residência’ e ‘durma no interior da residência’ e ‘dormir no interior da residência’. O cão desses proprietários geralmente é ‘manso’, ‘tranqüilo’, ‘brinca’ e pode apresentar ‘condição corporal ideal’. Classe A Os proprietários que apresentam ‘progressividade alta’ e níveis médio e alto de ‘atitudes positivas’ geralmente vivem em ‘casa’, possuem ‘mais de um animal de estimação’, ‘não passeiam’ com o animal e não os deixam ‘entrar no interior da residência’ e ‘dormir no interior da residência’. A associação desses proprietários com a ‘condição corporal’ não mostrou diferenças significativas entre as classes dessa variável. Assim os cães pertencentes a esses proprietários podem apresentar uma ‘condição corporal’ ideal ou inapropriada. Os animais desses proprietários podem ser ‘tranqüilos’, ainda que a diferença da aproximação euclidiana de ‘tranqüilo’ e ‘intranqüilo’ em relação a essas variáveis ‘progressividade’ e ‘atitude positiva’ não seja muito expressiva Classes de renda Devido a algumas classes de renda apresentarem baixa representação no A ‘classe A’ se mostrou pouco representada, mas com baixos níveis de ‘progressividade’ (Pk3) e ‘atitude positiva’ (Ak3). Segundo a aproximação euclidiana do sistema algébrico a associação da ‘classe A’ para um tipo específico de moradia tende apontar o ‘apartamento’ como mais representativo, ainda que a diferença em relação à ‘casa’ não seja muito expressiva. Igualmente, os proprietários desta classe ’passeiam’ ou ‘não passeiam’ com o seu cão e possuem ou não ‘outro animal de estimação’. Os cães geralmente ‘brincam’ com os integrantes da família, são ‘mansos’, ‘tranqüilos’ e apresentam ‘condição corporal ideal’. É a classe que exibe maior associação com a caracterização positiva de ‘bem-estar’. Classe B Nesta classe de renda a ‘progressividade’ dos proprietários se apresentou com valores médios e a ‘atitude positiva’ variou entre valores baixos e médios. Em geral o cão que representa essa ‘classe de renda’ vive em ‘apartamento’, ‘passeia’, é animal ‘exclusivo‘, ‘entra no interior da residência’ e ‘dorme no interior da residência’. Esta classe dentre todas as demais está mais próxima do ‘bem-estar pobre’, com cães geralmente ‘intranqüilos’, com ‘condição corporal comprometida’, apesar de esses cães ‘passearem’. Ao mesmo 131 tempo, a classe B é a classe que apresenta maior proximidade com a classe de variável ‘tranqüilidade’. Em decorrência da eqüidistância de algumas classes de variáveis em relação às classes A e B, esta classe de renda assim como a ‘classe A’, pode estar representada por cães ‘mansos’ que ‘brincam’ e apresentam ‘condição corporal ideal’. situações no contexto familiar compromete o seu equilíbrio emocional. Alguns cães podem mostrar-se incapazes de se adaptar ao ambiente proporcionado pelo homem. Esta incapacidade pode ser inerente aos sentimentos do animal e de seu controle sobre o ambiente, traduzido pela efetividade de suas estratégias utilizadas para contornar situações pouco favoráveis. A ‘classe B’ apesar de estar mais associada a cães que ‘passeiam’, ‘brincam’ e estão mais próximo dos integrantes da família, é a ‘classe de renda’ mais associada ao ‘bemestar pobre’. Embora esta classe esteja associada consideravelmente com as classes ‘intranqüilidade’ e ‘condição corporal inapropriada’, apresenta uma associação considerável também com as classes ‘tranqüilidade’ e ‘condição corporal ideal’. Classe C Estas associações são complexas e difíceis de interpretar. O paradoxo revelado nos leva a seguinte conjectura: em determinadas situações, a maior proximidade (viver em apartamento) do cão com a família resulta em uma associação íntima não muito favorável para o cão, podendo estar o seu bem-estar comprometido com um componente emocional importante que vai além do não cumprimento de suas necessidades (brincar e passear). Provavelmente, algumas pessoas adquirem o cão para melhorar o ambiente familiar, visto que a influência mútua entre o cão e o ser humano influência tanto o bem-estar do homem quanto do animal. Por outro lado, a qualidade do bem-estar depende da qualidade dessa relação. Certos problemas não surgem necessariamente, em decorrência do comportamento anormal do cão ou do proprietário, mas da relação entre eles. A interação interespécie pode ser a causa primária ou secundária de muitas desordens de comportamento do animal. O ambiente onde o cão vive está repleto de estímulos que em algumas Esta classe exibe os maiores índices de ‘progressividade’ e a ‘atitude positiva’ e apresenta valores que variam de médio aalto. Os proprietários que têm em sua residência ‘mais de um animal de estimação’ tendem a ter ‘atitude positiva média’. Os cães que representam essa classe geralmente vivem em ‘casa’, ‘não entram no interior da residência’ e ‘ não dormem no interior da residência’. Comumente, ‘não passeiam’, e a ‘condição física’ pode ser indiferentemente ideal ou comprometida. Nesta classe, os proprietários que apresentam ‘atitude positiva média’ possuem normalmente cães ‘mansos’ que ‘brincam’, já os cães de proprietários com ‘atitude positiva alta’ podem ser ‘bravos’ e ‘não brincam’. Esta classe está mais associada ao ‘bem-estar pobre’, ainda que a diferença da distância dessa classe de renda em relação o ‘bem-estar adequado’ e o ‘bem-estar pobre’ não seja muito expressiva. Bem-estar A ‘índole’, o ‘estado de tranqüilidade’ e a ‘avaliação corporal’ foram os três indicadores utilizados para a medição do bem-estar animal. O animal ‘manso’, ‘tranqüilo’ que apresentava uma ‘avaliação corporal’ ideal foi considerado desfrutar do bem-estar adequado. Exatamente 83,3% dos cães investigados eram ‘mansos’, 90% 132 eram ‘tranqüilos’ e 56,6% apresentavam uma boa ‘condição corporal’. Entretanto, apenas 43,3% da população canina experimentavam bem-estar adequado por ocasião da entrevista. Em outras palavras, menos da metade dos cães estudados era simultaneamente, ‘mansa’, ‘tranqüila’ e apresentava ‘condição corporal ideal. A localização de algumas classes de variáveis no plano tridimensional evidencia certa dificuldade em discriminar a associação de algumas classes em relação ao ‘bem-estar’. Embora a classe ‘apartamento’ esteja mais próxima da classe ‘bem-estar pobre’, a associação entre essas classes é considerada fraca. Dentre os três indicadores utilizados, as classes ‘intranqüilidade’ e a ‘condição corporal inapropriada’ apresentaram fortíssima associação com bem-estar pobre. A classe ‘condição corporal ideal’ seguida da ‘mansidão’ mostraram associação mais fraca com o ‘bem-estar adequado’. A agressividade apresentou fraca associação com as demais classes de variáveis analisadas. A classe ‘casa’ está quase eqüidistante do ‘bem-estar adequado’ e do ‘bem-estar pobre’. O cão que vive em ‘casa’ pode indiferentemente apresentar ‘bem-estar’ adequado ou pobre. Ele pode experimentar algum grau de bem-estar psicológico indiferentemente em casa ou em apartamento. Estes resultados sugerem que a circunstância ‘morar em casa’ não é condição absolutamente necessária para favorecimento do bem-estar, e morar em ‘apartamento’ não é um fator determinante para a ocorrência de ‘bem-estar pobre’. Bem-estar adequado A classe de variável ‘bem-estar adequado’ está mais associada à ‘condição corporal ideal’, seguida das classes ‘mansidão’, ‘brincar’ e ‘tranqüilidade’. Os proprietários de cães que experimentavam ‘bem-estar adequado’ possuíam ‘outro animal de estimação’, ‘não passeavam’ com o animal, mas permitiam que ele ‘entrasse no interior da residência’ e ‘dormisse no interior da residência’. Bem-estar pobre O ‘bem-estar pobre’ ocorre geralmente em cães ‘intranqüilos’, com ‘condição corporal inapropriada’. Os cães podem ser indiferentemente ‘mansos’ ou ‘bravos’. Quando o cão é ‘agressivo’ os integrantes da família comumente ‘não brincam’, mas podem ‘passear’ com o animal. Os proprietários geralmente moram em ‘apartamento’, têm o cão como ‘animal exclusivo’ e permitem que ele ‘entre’ e ‘durma no interior da residência'. Os proprietários que moram em ‘apartamento’ freqüentemente só têm o cão como ‘animal de estimação’, ‘passeiam’ com seus animais que ‘entram’ e ‘dormem’ no interior da residência. Quando o animal é ‘manso’ e ‘brinca’, mas é ‘intranqüilo’ e apresenta uma ‘condição corporal inapropriada’ pode morar indiferentemente em ‘apartamento’ ou em ‘casa’, no entanto, o animal ‘tranqüilo’ e com ‘condição corporal’ ideal’ vive mais provavelmente em ‘casa’. O cão que vive em ‘apartamento’ pode apresentar uma ‘condição corporal’ ideal ou comprometida. Geralmente, o animal que mora em ‘casa’, ‘não passeia’, mas pode apresentar ‘condição corporal’ ideal. O proprietário pode ter ‘mais de um animal de estimação’ e não permitir que seu cão ‘entre no interior da residência’ e ‘durma no interior da residência’. Outro animal de estimação Tipo de residência 133 Embora o tipo de análise empregada não permita explorar correlações, as associações evidentes entre possuir ‘outro animal de estimação’ e o animal ser ‘manso’, ‘tranqüilo’ e apresentar ‘condição corporal ideal’ colaboram para estabelecer relação entre ‘bem-estar adequado’ e a existência de ‘outro animal de estimação’. Provavelmente, um proprietário que tem mais de um animal de estimação preocupase em enriquecer a vida de seu cão com um companheiro, ou simplesmente, gosta de interagir e desfrutar ativamente da companhia de vários animais. A relação simultânea com os animais talvez evite o apego exagerado com o seu cão e problemas subseqüentes prejudiciais para o estabelecimento do bem-estar. Estes resultados validam uma crença sustentada pelo senso comum: os animais parecem ficar mais calmos quando tem outro animal como companheiro ou vivendo na mesma casa. A análise comprovou que o ‘bem-estar adequado’ do cão está mais associado a ‘outros animais de estimação’ que a condição de cão ‘exclusivo’. Ao mesmo tempo, o ‘bemestar pobre’ está mais associado ao cão como animal ‘exclusivo’. Entrar ou dormir no interior da residência O cão que não ‘entra’ e nem ‘dorme no interior da residência, geralmente é ‘tranqüilo’ e está em boa ‘condição corporal’. As classes ‘entrar no interior da residência’ e ‘dormir no interior da residência’ estão mais associadas ao ‘bemestar pobre’. Já as classes ‘não entrar’ e ‘não dormir no interior da residência’ apesar de apresentarem uma associação fraca, estão mais próximas ao ‘bem-estar adequado’. Como já foi visto anteriormente, a proximidade íntima do animal com os familiares em algumas situações talvez não seja um concorrente para o seu bem-estar. fator Mansidão e brincar Entre todas as classes de variáveis estudadas, ‘mansidão’ e ‘brincar’ apresentaram maior associação entre si. A notável associação das classes ‘manso’ e ‘brincar’ tem um sentido ambíguo: os animais brincam porque são mansos (fator hereditário) ou o fato de interagir por intermédio de brincadeiras com os seus familiares (fator ambiental) desde o período de socialização tornou esses animais mansos? Este estudo não permite explicar essa ambigüidade, mas sinaliza mostrando claramente que o cão agressivo não brinca com seus familiares. Ordinariamente o proprietário que brinca com o seu cão ‘não passeia’ com ele, deixa-o ‘entrar’ e ‘dormir no interior da residência’, pode ou não conviver com outros ‘animais de estimação’, morar em ‘casa’ ou ‘apartamento’. Um cão ‘manso’ ‘brinca’ rotineiramente e geralmente é ‘tranqüilo’. Sua ’condição corporal’ comumente é satisfatória e o seu ‘bem-estar é adequado’. Um cão ‘intranqüilo’ comumente experimenta ‘bem-estar pobre’ e pode ‘brincar’ ou ‘não brincar’ com os integrantes da família. Assim, a brincadeira pode favorecer a manutenção do estado de tranqüilidade, da ‘condição corporal ideal’ e o ‘bem-estar adequado’, no entanto, pode não evitar, que o animal seja intranqüilo, apresente ‘condição corporal inapropriada’ e experimente ‘bem-estar pobre’. Apesar de ‘brincar’ estar bastante associado à ‘tranqüilidade’ e ser um fator importante no estabelecimento de interação mais íntima e prazerosa entre o proprietário e o seu cão, ‘brincar’ é apenas um fator concorrente para o ‘estado de 134 tranqüilidade’, devendo haver outros fatores positivos ou negativos de cunho emocional concorrentes tanto para o estado de ‘tranqüilidade’ como para o estado de ‘intranqüilidade’. Passear O cão que ‘passeia’ não apresenta necessariamente uma ‘condição corporal ideal’ e tampouco é sempre ‘tranqüilo’, ‘manso’ e ‘brinca’. Ao mesmo tempo, o cão ‘manso’ que ‘brinca’ com os integrantes da família geralmente ‘não passeia’. Foi observada uma alta associação entre o cão que ‘passeia’ com a sua condição de ser o animal de estimação ‘exclusivo’, morar em ‘apartamento’, ‘entrar’ e ‘dormir no interior da residência’. O cão que ‘passeia’ está mais associado ao ‘bem-estar pobre’ e a ‘classe de renda B’. Os proprietários que vivem em apartamento tentam compensar o pequeno espaço em que seu animal vive proporcionando-lhes passeios diários. Contudo, o passeio por si só, parece não ser uma contribuição satisfatória para o estabelecimento do bem-estar adequado. Os proprietários que ‘não passeiam’ com seus cães vivem em ‘casas’ com mais de um ‘animal de estimação’. A classe ‘não passear’ está associada fracamente ao ‘bem-estar adequado’ e fortemente a ‘classe de renda C’. Sintetizando, o passeio não é um fator importante para a manutenção de uma condição corporal ideal, para garantir a mansidão e o estado de tranqüilidade do animal. O cão que passeia pode ser obeso e ‘intranqüilo’. O cão que não passeia pode apresentar condição corporal ideal, ser tranqüilo e manso. Estes resultados evidenciam que na população estudada, brincar e passear influenciam o bem-estar do cão de maneira diferente. Possivelmente, o nível de interação resultante do ato de brincar seja um fator mais importante, uma vez que a brincadeira proporciona mais experiências emocionais e contato físico. É conhecido por todos a importância do passeio como um fator concorrente para a manutenção da condição corporal, no entanto, assim como a nutrição e o exercício, talvez o fator emocional deva ser reputado no caso do cão. Esta consideração apóia-se na forte associação obtida entre as classes brincar e condição corporal ideal. Estado de tranqüilidade O animal ‘tranqüilo’ não experimenta necessariamente ‘bem-estar adequado’, contudo, a ‘intranqüilidade’ está fortemente associada ao ‘bem-estar pobre’. A classe ‘tranqüilidade’ está mais associada às classes ‘não passear’, ‘brincar’, ‘mansidão’ e ‘condição corporal ideal’. ‘Passear’ não garante o estado de ‘tranqüilidade ‘ do animal. Provavelmente, neste caso, passear não é considerada uma necessidade para o animal. A classe ‘tranqüilidade’ está quase eqüidistante do ‘bem-estar adequado’ e ‘bem-estar pobre’. O cão ‘tranqüilo’ pode tanto experimentar ‘bem-estar adequado’ como ‘bem-estar pobre’. Segundo este resultado, o ’estado de tranqüilidade’ não atesta o ‘bem-estar adequado’. Um animal aparentemente tranqüilo pode não estar experimentando bem-estar adequado. A classe ‘intranqüilidade’ está altamente associada à ‘condição corporal inapropriada’ e ao ‘bem-estar pobre’e quase eqüidistante das classes ‘brincar’ e ‘não brincar’. O cão ‘intranqüilo’ pode ‘brincar’ ou ‘não brincar’ com os integrantes da família. ‘Brincar’ é um fator 135 contribuinte para o estado de ‘tranqüilidade’, no entanto, um animal ‘intranqüilo pode ‘brincar’ com seu proprietário. Destarte, ‘brincar’ com o cão não garante a sua ‘tranqüilidade’. Outros fatores ambientais além de ‘brincar’ devem influenciar o ‘estado de tranqüilidade’ do cão, e garantir o seu bem-estar. em relação às demais classes, não obstante, um cão que experimenta o bem-estar pobre pode, indiferentemente, ser agressivo ou manso. Este resultado é corroborado por Duncan (1996) ao considerar que mansidão não indica necessariamente bem-estar adequado e a presença de agressividade não justifica bem-estar pobre. Condição corporal A alta proximidade da ‘agressividade’ com a classe ’não brinca’ permite afirmar que o cão ‘bravo’ ‘não ‘brinca’. Neste contexto, devido à associação das classes ‘bravo’ e ‘bem-estar pobre’ ser fraca, presume-se que os indicadores condição corporal e estado de tranqüilidade são mais precisos para indicar o bem-estar pobre. A ‘condição corporal inapropriada’ está fortemente associada à ‘intranqüilidade’ e ao ‘bem-estar pobre’, enquanto a ‘condição corporal ideal’ está associada medianamente ao ‘bem-estar adequado’. A associação não muito forte da ‘condição corporal ideal’ com ‘bem-estar adequado’ encontra apóio em Novak e Suomi (1988) que apesar de considerarem haver uma estreita relação entre o bem-estar psicológico e a saúde física, reiteram que um animal fisicamente saudável ainda poderia estar infeliz ou descontente. A ‘condição corporal’ e o ‘estado de tranqüilidade mostraram-se ser indicadores mais apropriados para medir o ‘bem-estar pobre’ que o ‘bem-estar adequado’. Agressividade Na representação gráfica das variáveis estudadas no sistema tridimensional, a classe ‘bravo’ se mostrou pouco associada 3 Freqüência dos itens do sistema de criação: espaço disponibilizado para o desempenho das atividades do animal (96,7%); a liberdade (83,3%); a domiciliação (98,3%); o manejo alimentar (78.3%); a higienização dos locais onde o animal dorme (95%) e faz suas necessidades fisiológicas (95%); a imunização contra raiva (98,3%) e outras doenças infecciosas (65%); o controle de parasitos internos (76,7%) e externo (98,3%); o tratamento respeitoso (86,7%) e a efetiva participação dos proprietários nos momentos de interação através de brincadeiras (85%) e passeios (46,7%). 4.8 A relação homem-animal Foi estabelecido neste estudo que a caracterização da relação homem-animal seria realizada a partir: 1) da avaliação do sistema de criação empregado pelos de proprietários; 2) da caracterização dos proprietários quanto à progressividade e atitude e 3) da avaliação do bem-estar dos cães. As frequências3 dos itens referentes ao sistema de criação demonstram que a maioria dos proprietários cuida bem de seus cães e brinca com o seu animal. Somente a freqüência relativa ao item passeio mostra-se abaixo de cinqüenta por cento. Igualmente, a maior parte dos proprietários foi classificada como progressista e com atitude positiva em relação ao bem-estar animal. De acordo com o ensaio experimental e os indicadores utilizados na avaliação do bemestar, pode-se inferir que a progressividade, a atitude positiva e o comprometimento do proprietário com os cuidados necessários para proporcionar uma boa qualidade de vida ao cão, não são suficientes para 136 favorecer o bem-estar da maioria dos animais. Estes animais devido às circunstâncias ou as condições estabelecidas para sua convivência no âmbito familiar não conseguiram adaptar-se ao ambiente onde vivem. Como ficou demonstrado, o cão manso e tranqüilo, que brinca e vive no interior da residência, pode não experimentar bemestar adequado. Provavelmente, a maior proximidade do cão com os familiares seja um aspecto psicossocial do ambiente desfavorável ao desfrute de uma coexistência saudável promotora de bemestar adequado. A partir da negação da hipótese e da freqüência de animais que experimentavam bem-estar pobre (56,6 %), entende-se que possivelmente, a relação da maioria dos proprietários com seus cães não seja satisfatória. Concluindo este capítulo, os resultados evidenciam que alguns proprietários embora sejam progressistas com atitudes positivas, não conseguem proporcionar bem-estar adequado aos seus cães. Igualmente, apesar, de 85% dos proprietários garantirem o compromisso de brincar com seus cães e a variável ‘brincar’ se mostrar satisfatoriamente associada ao ‘bem-estar adequado’ na análise multivariada de correspondência múltipla, muitos dos cães não conseguem experimentar bem-estar adequado. Apenas 43,3% dos animais experimentavam bemestar adequado. Este resultado é corroborado com a opinião de Baxter (1988b, p.347) ao declarar que o desempenho comportamental não é o único meio de satisfazer necessidades de bemestar. Surgem então duas questões: seria insatisfatório o envolvimento do proprietário na execução dessa atividade com o cão? Quais seriam os fatores que concorreriam para o impedimento do estabelecimento do bem-estar nas situações onde o atendimento das atividades brincar e passear é cumprido? Alguns autores estabeleceram conceitos por hora suficientes para responder a essas questões. Duncan (1996) propôs que todos os organismos têm certas necessidades básicas e reagirão adversamente se estas necessidades não são satisfeitas. Dawkins (1988) acentuou que em um estudo sobre bem-estar é fundamental tentar descobrir se ao manter os animais em condições onde eles não executam comportamentos típicos da espécie, isso os faz sofrer. Esses notáveis autores levaram a autora do presente trabalho a incluir na avaliação de bem estar as variáveis ‘brincar’ e ‘passear’ para averiguar as possíveis associações dessas duas variáveis com o bem-estar dos cães participantes do estudo. A despeito dessas proposições sobre a necessidade dos animais, Hughes (1988) apoiado por muitos autores advertiu que o atendimento dessas possíveis necessidades comportamentais não são sempre fatores básicos determinantes para o bem-estar. Determinadas necessidades de comportamento de uma determinada espécie não seriam válidas para todos os ambientes, visto que há de se considerar a fonte de variação na contribuição interna para motivação que pode ser muito diferente (Jensen e Toates, 1993). Em um estudo de bem-estar é fundamental considerar a espécie e a variação individual nas tentativas para se adaptar as adversidades e aos efeitos que adversidade causa ao animal. Nicol (1987) acrescenta que a privação de algumas atividades leva à conseqüência mais séria para o bem-estar que a privação de outras. O bem-estar tem implicações cognitivas, se um animal não estiver atento ou 137 antecipando um fato, a não realização do evento não afetará necessariamente o seu bem-estar (Hughes, 1988). Neste caso, para alguns animais é muito importante passear e brincar, mas não para outros. O passeio e a brincadeira podem não estar envolvidos com o processo de cognição e, conseqüentemente, não se caracterizar como uma necessidade. Broom (1998) enfatiza que o sentimento - componente das emoções relacionadas ao processo cognitivo - pode mudar o comportamento imediatamente ou eventualmente, mas necessidade não atua desse modo. O não atendimento das necessidades está freqüentemente, mas nem sempre, associado aos sentimentos que prejudicam o animal, enquanto sentimentos desenvolvidos pelo animal que favorecem o bem-estar estão associados à satisfação das necessidades (Broom e Fraser, 2007). Estes conceitos elucidam porque brincar não está tão fortemente associado ao bemestar adequado e passear está mais associado ao bem-estar pobre. Se a privação de brincadeiras e passeios não causam sofrimento a um determinado animal, brincar e passear para esse animal não se constitui uma necessidade. Neste caso específico, o passeio e a brincadeira não estão envolvidos com o processo de cognição e, por conseguinte com o sentimento. Quando brincar e passear não são percebidos como necessidade, não promovem de modo direto a elaboração de sentimentos e, conseguintemente, não são fatores que influenciam obrigatoriamente ao bem-estar dos cães. No entanto, com os resultados obtidos não é possível saber se os níveis de motivação de alguns cães, responsável pela possível indiferença à brincadeira ou ao passeio, dependem exclusivamente das características internas peculiares ao indivíduo, ou se estas características foram moldadas por influências do meio ambiente. Hughes (1988) destacou que quando o controle ambiental e limitações são impostos, muitos estímulos externos que poderiam ativar motivação estariam ausentes. Neste caso, as limitações ambientais poderiam impedir a ativação de mecanismos internos de se expressarem adequadamente. Um exemplo conhecido é o comportamento de dormir e se aninhar das galinhas comerciais que são governados por fatores internos importantes que são limitados por influência ambiental. Independentemente da gênese de ativação dos mecanismos internos, se o animal experimenta frustração o seu bem-estar estaria comprometido. Se o passeio ou a brincadeira não estão associados fortemente ao bem-estar, talvez para o animal elas não sejam importantes, ou existam outros fatores associados a essas duas atividades, que impediriam que elas por si só se tornassem fatores contribuintes ao bem-estar. Tanto a boa vontade, o prazer de brincar e passear com o seu cão, quanto à falta de entusiasmo para cumprir uma obrigação, talvez influencie o momento de interação do cão com o proprietário. Em ambos os casos, as diferenças podem ser atribuídas à qualidade da relação entre o cão e o proprietário. Estudos de motivação ao identificarem as necessidades do animal servem como subsídios para avaliação do bem-estar de animais cujas necessidades não são atendidas, contudo, devido a necessidade ter uma estrutura interna, o cão deve ser estudado em uma base holística, ser observado em suas reações fisiológica e psicológica como um todo. É importante que estudos futuros busquem conhecer outros fatores da relação homemanimal que influenciam o bem-estar além da progressividade, atitudes dos proprietários e a condição de criação do cão. Provavelmente, estes fatores poderão ser conhecidos através de estudos 138 fenomenológicos aplicados a estudos da psicologia. 6. CONCLUSÕES A análise dos dados realizada por intermédio da análise descritiva e da análise multivariada de correspondência múltipla nas condições do presente trabalho permitiu as seguintes conclusões: A condição corporal e o estado de tranqüilidade mostraram ser indicadores mais apropriados para medir o bem-estar pobre que o bem-estar adequado. O bem-estar do cão depende de sua condição corporal. O tipo de residência não define necessariamente a categoria de bem-estar. O cão ao conviver com outros animais de estimação pode ter uma índole mansa, apresentar condição corporal ideal e experimentar bem-estar adequado. Existe uma associação entre as classes econômicas e o bem-estar de seus animais. Nenhuma categoria de progressividade e atitude positiva está associada de modo satisfatório ao bem-estar adequado. A relação da maioria dos proprietários com seus cães não era satisfatória. 6. CONSIDERACÕES FINAIS Há algumas décadas, o interesse e a preocupação acerca do bem-estar animal têm influenciado a modificação das visões e atitudes da sociedade, a renovação de legislações e a garantia da qualidade da investigação científica. Este estudo torna patente o desafio de se desenvolver uma pesquisa acadêmica envolvendo a relação homem-animal e o bem-estar de cães. Para alcançar o objetivo delineado buscou-se conceitos desenvolvidos por estudiosos da área, aplicou-se novos instrumentos metodológicos e estabeleceu-se indicadores para a mensuração do bem-estar. A sua contribuição, ademais de coligir conceitos teóricos, consiste em mostrar caminhos metodológicos nunca antes utilizados para caracterizar a relação homem-animal e a avaliação do bem-estar do cão. A sua relevância prática se constitui em fixar a base intelectual e científica para crescimento futuro dessas áreas e prover informação clínica prática para profissionais e estudantes que lidam com animais. Aprimorar a habilidade para identificar as possíveis causas de sofrimento dos cães tem valor óbvio para os animais e para os proprietários. Novos métodos propostos ao longo das linhas de pesquisas estabelecidas podem validar os esforços e aguçar as habilidades de cientistas e técnicos que tentam de modo peculiar entender a experiência da relação interespécie. Provavelmente, a elevação moral resultaria do uso de tais métodos com suas implicações de longo alcance. Ela influenciaria na qualidade da atenção e permitiria interações emocionalmente seguras e duradouras com vantagens para ambas as partes. Porém, para a comunidade científica alcançar um sucesso mais efetivo teria que tentar entender a experiência interna dos animais. Estar atenta e sensível às implicações sociais e psicológicas a fim de conceber o cão como indivíduo. A investigação sobre experiência interna dos animais assumiria certa complexidade ao basear-se em elucidações neurofisiológicas dos mecanismos de neurais subjacentes e mecanismos 139 bioquímicos. Como o comportamento é um processo, o conhecimento sobre o funcionamento orgânico que acompanha as mudanças emocionais ajudaria a compreensão do sofrimento do animal. Estes estudos proveriam informações pertinentes a serem utilizadas no aprimoramento das condições de criação dos cães e no estabelecimento de novos paradigmas relativos ao comportamento animal. Os fatores determinantes do bem-estar ainda são pobremente compreendidos e métodos de avaliação do bem-estar psicológico necessitam ser validados. Temse muita informação sobre necessidades, mas pouca informação sobre as verdadeiras causas do bem-estar pobre. Pesquisadores multidisciplinares de bem-estar animal deveriam conduzir pesquisas no sentido de saber por que os cães agem diferentemente em situações semelhantes. Somente seguindo esse caminho seria possível saber com certeza se os cuidados dispensados pelos proprietários são suficientes e adequados para lhes proporcionar bem-estar adequado. O cão sendo um animal social se submete a situações que o incitam ao medo, à agressão e à ansiedade na convivência íntima com o homem. Estas emoções podem comprometer o seu bem-estar e colocar em risco o bem-estar da família que o acolhe. Provavelmente, os cães que sofrem instabilidade emocional por conviverem com uma família humana ainda não estão programados geneticamente para viver sob alta pressão, onde a freqüência e a intensidade de situações especiais que o induzem às reações de ordem física e psíquicas capazes de perturba-lhe a homeóstase, excedem o nível considerado normal para a sua espécie. O cão pode ser influenciado pelos desequilíbrios dos indivíduos humanos em virtude de sua dependência. Esse companheiro animal muitas vezes é impedido de viver uma vida mais próxima de sua própria natureza. Afastados da natureza e, portanto, de sua essência, eles podem refletir e sofrer os mesmos desequilíbrios das pessoas com quem convive. O respeito a sua individualidade, peculiaridades, necessidades e a oportunidade de passeios ao ar livre, exercícios e brincadeiras podem servir em muitas ocasiões como verdadeiros recursos preventivos contra os desequilíbrios físicos e emocionais. Se as pessoas deixarem de conceber o cão como ser inferior e sem inteligência se relacionarão de forma mais positiva com ele, pois se preocuparão mais com a sua saúde mental e deixarão de ser negligentes, inconseqüentes e até mesmo abusivas com eles. O posicionamento correto quando aprendido por uma criança pode torná-la uma pessoa respeitosa e aberta com o restante do mundo. Ela provavelmente se torna capaz de olhar para as coisas através dos olhos do animal. Ao atingir a idade adulta poderá despertar em si mesmo a necessidade de um cuidar dirigido à perspectiva do animal inserido em um ambiente psicossocial. Aprende a respeitar sua individualidade e a considerá-lo como um ser singular, com sentimentos e emoções. Em outras palavras, passa a conceber o cão com alteridade, ao tentar compreender o que se passa com ele e a satisfazer holisticamente suas necessidades de cuidado. O conhecimento baseado na fisiologia, comportamento e necessidades do cão deve ser o fundamento da nova forma de respeito e proteção dos direitos desses seres que compartilham suas vidas conosco. A falta de conhecimento muito mais que a negligência, provavelmente é a principal causa do sofrimento animal. Sofrimentos resultantes do medo e da ansiedade, por 140 exemplo, podem ser evitados com a instrução do proprietário e educação adequada do cão. A sensibilidade e o comportamento dos cães precisam ser observados sob uma perspectiva mais ampla para serem entendidos completamente. O ambiente psicossocial no qual o cão vive na atualidade distingui-se extraordinariamente dos ecossistemas de seus antepassados. Profissionais, como os médicos veterinários, que trabalham diretamente com animais, deveriam prover aos novos proprietários informações apropriadas sobre o status do cão no mundo atual. O cão como muitos outros animais é um ser senciente. O desenvolvimento científico da Medicina Veterinária realizado em torno da díade saúde e doença foi conduzido de forma reducionista e mecanicista. Houve durante muito tempo por parte dessa ciência irreflexão acerca de sua responsabilidade na formulação de ditames morais sobre os deveres das pessoas em relação aos animais. O médico veterinário, por estar em contato direto com os proprietários de cães, é sem dúvida o profissional mais indicado para corrigir equívocos relacionados à criação do cão e instruí-los para a consecução do bem-estar. No entanto, a ciência do bem-estar animal por estar atrelada a ciência animal exige que mais profissionais estejam engajados na implementação de pesquisas de comportamento para prover mais informação sobre o cão doméstico e auxiliar na resolução de problemas de bem-estar. Esta consideração exige que instituições de ensino em ciência animal neste país reconheçam a importância de pesquisas na área de comportamento animal. O estabelecimento de metas requererá propostas para a revisão de conteúdos programáticos ou disciplinares das matrizes curriculares de cursos universitários em ciência animal que deverão incluir fundamentos teóricos e práticos de etologia. Logo, fundos de pesquisa deverão ser alocados para promover o desenvolvimento de informação básica e aplicada sobre o comportamento animal. São muitas as causas que comprometem a qualidade de vida do cão. A elaboração de estudos para o conhecimento dessas causas tornaria os pesquisadores mais capazes para investigarem psicodinâmica da interação homem-animal e intervirem junto ao proprietário a favor do bem-estar do seu animal. O cão, a família do proprietário e o veterinário formam uma relação triangular complexa, porque este profissional está em uma posição singular para testemunhar a interação entre o cão e os integrantes da família. Contudo, em virtude dos cursos de graduação em Medicina Veterinária não incluiem ensinamentos sobre aspectos psicológicos dos proprietários, os médicos veterinários são considerados inábeis para abordar corretamente os problemas e ajudar no estabelecimento de uma relação homemanimal benéfica para ambas as partes. No momento histórico em que a relação interespécie se encontra, é imperioso que se reconheça o caráter complexo da relação homem-animal e se estabeleça uma integração de ciências comprometidas em promover um ensino que permeie o caráter sistêmico implícito na relação homemanimal. Hoje em dia na clínica veterinária, a compreensão do papel do animal no grupo social humano é de fundamental importância para muitos diagnósticos ou prescrição terapêutica nos casos de distúrbios físicos e/ou comportamentais. O médico veterinário do futuro terá que aprender a reconhecer as nuances emocionais conflitantes do grupo social onde o cão está inserido. Será inevitável o seu envolvimento com a complexa dinâmica da interação de personalidades do cão e das pessoas com quem convive. Sua 141 formação, portanto, deverá abarcar conhecimento interdisciplinar que o conduzirá a outro ramo da saúde compartilhada por profissionais da ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento. O exercício da Medicina Veterinária quando centrada na relação do homem com o seu animal se distingue da antiga prática que focaliza o animal isoladamente. Este novo enfoque coaduna com os princípios do bem-estar animal. A ciência do bem-estar animal estuda procedimentos para melhorar a vida, e os cientistas dão significativa contribuição às modificações no sistema de criação dos animais, sejam eles de produção ou de companhia. Esta ciência foi criada porque muitos criadores e proprietários não se esforçam para dar o que é devido aos animais, esperam que os animais se adaptem ás suas condições e preferências. Esta atitude não está moralmente correta. Um cão só pode ser mantido como companheiro se conseguir se adaptar facilmente ao estilo de vida de seu proprietário. Ele não deverá sofrer angústia a fim de proporcionar companhia e bemestar ao seu proprietário. Todo cão merece consideração e têm direito à melhor qualidade de vida. Suas necessidades vão além de casa e comida. Este membro que pertence à associação denominada família, necessita de cuidados que favorecerão tanto sua saúde quanto ao seu equilíbrio emocional. A preocupação com a sua educação e a atenção às suas necessidades físicas e psicológicas consolidam esse respeito. O estudo do bemestar animal resgata e defende os direitos que estão por natureza inseparavelmente ligados aos animais. O bem-estar de um animal é um direito, um direito à vida digna. Assim como qualquer espécie viva no universo, o animal tem o direito à preservação de suas características e de ter assistidas suas necessidades. Somos todos criaturas de Deus. É necessária a conscientização das pessoas quanto à importância dos animais em nossas vidas. Estas criaturas possuem consciência, sentimentos e habilidade cognitiva, mas por serem destituídas de linguagem, não podem reivindicar seus direitos, e conseqüentemente, em muitas situações, são tratadas com negligencia ou preconceituosamente relegadas ao desprezo e ao sofrimento. O ser humano ao tentar compreender o sofrimento sob a perspectiva dos animais promove a sua elevação moral, pois esse processo requere uma experiência interna envolvendo projeção, identificação, empatia e outros sentimentos nobres. O proprietário consciencioso ao perceber os problemas apresentados pelo seu animal deve admitir o tratamento negligente e tentar modificá-lo. As repetidas tentativas de proporcionar uma melhor qualidade de vida para o seu cão talvez reflita em sua vida familiar e social. Por outro lado, uma pessoa que se preocupa com o bem-estar do seu semelhante, se preocupará verdadeiramente com o bem-estar do seu cão. O zelo, não será uma obrigação que leva a negligência, mas o simples cumprimento de um princípio de vida. A escolha dos indicadores fundamentou-se em uma das premissas que define o estudo científico como subsídio da práxis. Por intermédio da condição corporal e do comportamento, profissionais que trabalham com cães podem facilmente fazer inferências fundamentais sobre as necessidades e estado interno dos animais, ademais de avaliar se as condições de criação comprometem ou não o bem-estar do animal. A ilação torna-se possível, porque a caracterização do bem-estar pobre está associada a alguns comportamentos anormais exibidos nos estados de frustração, de conflito, de angústia, de medo, de dor e em algumas afecções. Comportamentos anormais empregados 142 como indicadores de bem-estar pobre podem freqüentemente, estar associados à ambientes carentes de estímulos e/ou conflituosos. Se o comportamento observado é o resultado da interação entre as instruções herdadas e o ambiente em que o animal se desenvolve, a avaliação do bem-estar canino e o conhecimento das condições de criação se revelam úteis para ajuizar se a relação homem-animal, reflexo do ambiente onde o animal é criado, está sendo bem conduzida. Os resultados obtidos neste estudo são apenas sugestivos de bem-estar pobre. Para que eles se tornassem conclusivos, seria necessário demonstrar que uma mudança na rotina da vida do animal e na relação com o seu proprietário fosse capaz de alterar a o estado de intranqüilidade e retornar a condição corporal ideal. Possivelmente, as tentativas de adaptação dos cães que apresentaram intranqüilidade ou condição física inapropriada não foram bem-sucedidas, visto que esses animais não alcançaram controle da estabilidade mental e corporal. Talvez, se os proprietários dispensassem mais atenção aos animais e lhes proporcionassem uma vida mais prazerosa, suas necessidades seriam atendidas. Entretanto, em algumas ocasiões, o atendimento das necessidades pode não ser suficiente para garantir bem-estar adequado. Também, neste caso, o sistema de controle do animal em relação às adversidades decorrentes do ambiente psicossocial pode não ser eficiente o bastante para garantir a sua adaptação. Estas duas possibilidades estão relacionadas com os resultados obtidos neste trabalho. A progressividade e as atitudes positivas dos proprietários e o cumprimento dos cuidados básicos relativos à saúde física e mental do animal é um fato relevante observado neste estudo por ocasião da apreciação do sistema de criação. Os altos índices atestam o comprometimento dos proprietários com a criação dos seus cães. Contudo, não houve uma associação entre o desempenho dos proprietários e a conquista do bem-estar adequado. Provavelmente este resultado deve estar relacionado a outros fatores de natureza subjetiva inerente à interação interespécie. Os resultados obtidos exigem estudos futuros mais específicos e profundos, onde o pesquisador precisaria estribar-se em observações diretas e conhecer o mundo da vida dos proprietários para apreender o fenômeno em sua essência. A investigação seria conduzida presencialmente na residência dos proprietários e os dados seriam analisados por intermédio de metodologia fenomenológica para se descobrir fatores subjetivos importantes para bem-estar do cão. A importância dessa direção investigativa reside na possibilidade de tornar evidente e premente a necessidade dos pesquisadores em instituir novas metodologias para aquisição de conhecimento relativo a fatores condicionantes do bem-estar do cão. Para aprimorar as condições de criação desse animal, é fundamental perceber como ele se sente em relação às variadas condições estabelecidas em sua convivência com os seres humanos. Um problema relevante no reconhecimento de sentimento de um animal a partir de observações de comportamento resulta da possibilidade do sentimento existir sem haver qualquer mudança fisiológica ou comportamental observável. Esta consideração pode ser verificada na ambígua associação encontrada da classe da variável ‘tranqüilo’ com o ‘bem-estar adequado’ e o ‘bem-estar pobre’. A tranqüilidade isoladamente como um indicador, poderia não indicar com segurança o bem-estar adequado. Até que se consiga estabelecer métodos para conhecer com mais precisão os 143 sentimentos envolvidos na relação homemanimal, os estudos de bem-estar se basearão em comparações. Um animal ao apresentar agressividade excessiva e condição corporal inapropriada estaria menos adaptado ao seu ambiente que um animal manso com condição corporal ideal. O bem-estar desse animal estaria ainda pior se ele estivesse experimentando sofrimento percebido por seu estado de intranqüilidade. Assim, a negação da hipótese deste estudo serve como um subsídio para estudos adicionais ao demonstrar que as atitudes positivas, a progressividade dos proprietários e as boas condições de criação não são fatores determinantes para a promoção do bem-estar animal e, ao mesmo tempo, permite afiançar que o ser humano está testemunhando o começo de uma tendência ética favorável para a relação homem-animal. Não obstante, apesar das melhorias registradas, a qualidade dessa relação ainda é insatisfatória para muitos cães que vivem provavelmente em condições comprometedoras para o seu bem-estar. Futuros estudos deverão comprometer-se em revelar conexões de alguns aspectos do ambiente psicossocial e o bem-estar do cão. Para tanto, devem considerar a sugestão de Duncan (1996, p.34) “Nós temos que inventar modos de perguntar para o animal o que ele sente sobre as condições debaixo das quais é mantido”. 144 <http://anfalpet.org.br/Site/principal. php?id_menu=6>. Acesso em: 25 mar. 2008. 7. 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Estes registros, sob a forma de dados estatísticos, poderão ser utilizados posteriormente em encontros científicos a acadêmicos. Declaro que li o presente documento e recebi informações claras sobre os objetivos da pesquisa. Belo Horizonte, ______de _____________________ de________ ____________________________________________________________________ Assinatura do proprietário do animal Esse projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação em Animal CETEA e pelo Comitê de Ética em Pesquisa - COEP Telefones: CETEA (3499- 4516) COEEP (3499- 4592) Endereços eletrônicos: cetea@ prpq.ufmg.br - [email protected] Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627 – Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005. Campus Pampulha – Pampulha – Belo Horizonte – CEP 31270-901 161 ANEXO 2 Formulário referente à identificação do cão e a caracterização socioeconômica Identificação do Proprietário Data : ....................... Número do proprietário: ............... Nome do proprietário: ....................................................................................................... Endereço: ........................................................................................ Telefone: ................ Identificação do cão 01. Nome do cão:.............................. 02. Sexo ( ) 03. Raça: ........................................ 04. Idade:...... Caracterização socioeconômica 2. Sexo do proprietário: ( ) masculino ( ) feminino 3. Estado civil: 3.1 ( ) Solteiro 3.2 ( ) Casado 3.3 ( ) Outros Numero de pessoas no domicilio: 4.1 _____ Adulto 4.2 _____ Criança 4.3 _____ Adolescente 5. Renda familiar (Segundo critério da ANEP) 5.1 ( 5.2 ( 5.3 ( 5.4 ( 5.5 ( 5.6 ( 5.7 ( ) Classe A1 - R$ 7.793 ) Classe A2 - R$ 4.648 ) Classe B1 - R$ 2.864 ) Classe B2 - R$ 1.669 ) Classe C - R$ 927 ) Classe D - R$ 424 ) Classe E - R$ 267 6. Escolaridade do proprietário (Segundo critério da ANEP) 6.1 ( ) Primário completo / Ginasial incompleto 6.2 ( ) Ginasial completo / Colegial incompleto 6.3 ( ) Colegial completo/l Superior incompleto 6.4 ( ) Superior completo 7. Tipo de habitação: ( ) Casa ( ) Apartamento 8. Tem outros animais de estimação? ( ) Sim ( ) Não 162 ANEXO 3 Formulário referente ao sistema de criação (perguntas e observações) 1. Espaço disponível: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 2. Liberdade do animal: ( ) livre ( ) acorrentado ( ) canil 3. Acesso às dependências internas da residência: 4. Local onde dorme: ( ( ) sim ( ) não ) dependências internas ( ) dependências externas 5. Permanência em domicilio: ( ) domiciliado ( ) semi-domiciliado 6. Manejo alimentar ( ) satisfatório ( ) insatisfatório ( ) ração ( ) comida caseira 7. Higienização correta do local onde urina e defeca: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 8. Higienização do local onde dormem: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 9. Freqüência de banho: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 10. lmunização contra raiva: ( ) sim ( ) não 11. Imunização contra outras doenças infecciosas: ( ) sim ( ) não 12. Vermifugação: ( ) sim ( ) não 13. Controle de parasitos externos: ( ) sim ( ) não 14. Tratamento respeitoso: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 15. Ensejo para brincadeira e exercício diários: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 16. Ensejo para passeios: ( ) satisfatório ( ) insatisfatório 163 ANEXO 4 Formulário referente à avaliação física e comportamental do animal (Perguntas a observações) Avaliação do animal I - Avaliação corporal: ( ) ideal ( ) inapropriada Avaliação do animal II - Índole: ( ) manso ( ) agressivo ) tranqüilo ( ) intranqüilo Avaliação do animal III - Estado de tranqüilidade: ( 164 ANEXO 5 QUESTIONÁRIO Proprietário Tradicional 1. O cão é um animal, deve ser tratado como qualquer outro animal de criação. 1.1 ( 1.2 ( 1.3 ( 1.4 ( 1.5 ( 1.6 ( 1.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 2. É o caráter do animal que define a qualidade da relação homem-animal. 2.1 ( 2.2 ( 2.3 ( 2.4 ( 2.5 ( 2.6 ( 2.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 3. Eu sou um proprietário tradicional. O conhecimento adquirido durante a minha vivência é suficiente para criar corretamente o meu cão. 3.1 ( 3.2 ( 3.3 ( 3.4 ( 3.5 ( 3.6 ( 3.7 ( ) ) ) ) ) ) ) discordo totalmente discordo parcialmente discordo um pouco não sei concordo um pouco concordo parcialmente concordo totalmente 4. Instruir-me sobre como promover o bem-estar animal, não tornaria melhor a minha convivência com o meu cão. 4.1 ( 4.2 ( 4.3 ( 4.4 ( 4.5 ( 4.6 ( 4.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 5. Eu estou satisfeita com a criação do meu cão. Quero manter as coisas como estão. 5.1 ( 5.2 ( 5.3 ( 5.4 ( 5.5 ( 5.6 ( 5.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 165 6. A promoção ao bem-estar animal leva ao consumismo. 6.1 ( 6.2 ( 6.3 ( 6.4 ( 6.5 ( 6.6 ( 6.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente Atitudes negativas 7. Não é importante adquirir conhecimento sobre característica da raça e comportamento animal para se criar corretamente um cão. 7.1 ( 7.2 ( 7.3 ( 7.4 ( 7.5 ( 7.6 ( 7.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 8. Cuidar de um animal é fácil. É só dar casa e comida e vaciná-lo. 8.1 ( 8.2 ( 8.3 ( 8.4 ( 8.5 ( 8.6 ( 8.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 9. Não é importante buscar informação sobre como proporcionar bem-estar ao cão, qualquer pessoa sabe exatamente como cuidar de seu cão. 9.1 ( 9.2 ( 9.3 ( 9.4 ( 9.5 ( 9.6 ( 9.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 10. A promoção do bem-estar animal custa dinheiro e toma muito tempo, coisas que não são muito fáceis de dispor. 10.1 ( 10.2 ( 10.3 ( 10.4 ( 10.5 ( 10.6 ( 10.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 166 11. A educação do cão é algo que acontece espontaneamente, não exige muita preocupação. 11.1 ( 11.2 ( 11.3 ( 11.4 ( 11.5 ( 11.6 ( 11.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 12. Creio que todo o movimento mundial a favor da causa animal é modismo. 12.1 ( 12.2 ( 12.3 ( 12.4 ( 12.5 ( 12.6 ( 12.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente Progressividade 13. Alguns sentimentos experimentados pelos seres humanos tais como medo, agonia, ansiedade, solidão, tristeza e alegria são também experimentados por animais. 13.1 ( 13.2 ( 13.3 ( 13.4 ( 13.5 ( 13.6 ( 13.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 14. Os animais possuem direitos, devem ser protegidos por lei. 14.1 ( 14.2 ( 14.3 ( 14.4 ( 14.5 ( 14.6 ( 14.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 15. A relação homem-animal traz benefícios para a saúde e qualidade de vida do homem. 15.1 ( 15.2 ( 15.3 ( 15.4 ( 15.5 ( 15.6 ( 15.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 167 16. Animais podem atuar na recuperação de um doente sob a supervisão de uma equipe médica. 16.1 ( 16.2 ( 16.3 ( 16.4 ( 16.5 ( 16.6 ( 16.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 17. A experiência de vida nos mostra que, de um modo geral, está havendo mais consideração para com os cães. 17.1 ( 17.2 ( 17.3 ( 17.4 ( 17.5 ( 17.6 ( 17.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 18. Os protestos organizados mundialmente contra os maus-tratos praticados contra os animais influenciam positivamente o relacionamento do dono com o seu cão 18.1 ( 18.2 ( 18.3 ( 18.4 ( 18.5 ( 18.6 ( 18.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente Atitudes positivas 19. Antes de adquirir um animal devemos considerar a raça mais adequada, a disponibilidade de espaço, de recursos e de tempo. 19.1 ( 19.2 ( 19.3 ( 19.4 ( 19.5 ( 19.6 ( 19.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 20. Conhecer as necessidades físicas e psicológicas dos cães nos permite entendê-los e tratá-los apropriadamente. 20.1 ( 20.2 ( 20.3 ( 20.4 ( 20.5 ( 20.6 ( 20.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 168 21. Promover o bem-estar animal significa também preocuparmos com a sua saúde física e mental. 21.1 ( 21.2 ( 21.3 ( 21.4 ( 21.5 ( 21.6 ( 21.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 22. 18. Favorecer o bem-estar animal economiza idas ao veterinário. 22.1 ( 22.2 ( 22.3 ( 22.4 ( 22.5 ( 22.6 ( 22.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 23. A promoção do bem-estar animal deve ser preocupação corrente de todas as pessoas que convivem com o cão. 23.1 ( 23.2 ( 23.3 ( 23.4 ( 23.5 ( 23.6 ( 23.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo totalmente 24. A preocupação com o bem-estar animal beneficia a relação homem-animal. 24.1 ( 24.2 ( 24.3 ( 24.4 ( 24.5 ( 24.6 ( 24.7 ( ) discordo totalmente ) discordo parcialmente ) discordo um pouco ) não sei ) concordo um pouco ) concordo parcialmente ) concordo 169