XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho (GT14 - Os Limites da Democracia) Pobreza e a desigualdade social como limites á construção democrática Ana Adelaide Guedes Pereira Rosa - Autor (UFPB) Eliana M. Moreira - Co-Autor (UFPB) 2 Pobreza e a desigualdade social como limites á construção democrática. I – Introdução O presente estudo tem como objetivo analisar se a pobreza, a exclusão social e a desigualdade podem ser consideradas obstáculo à consolidação democrática, particularmente no Estado brasileiro. Entre nós, espaços público e privado jamais foram perfeitamente delimitados e, deste modo, as práticas clientelistas, patrimonialistas e mandonistas se tornaram recorrentes, realidades que, somadas a outras tantas, contribuíram para tornar a sociedade brasileira profundamente desigual. (IANNI, 1992). Assim, torna-se de fundamental importância observar o atual cenário mundial, marcado por um novo padrão de acumulação capitalista e seus impactos no aprofundamento da pobreza e na descontrução democrática no Brasil. II – A democracia e seus limites históricos A democracia é uma construção sócio-histórica tecida na modernidade, dentro de um sistema econômico bastante específico: o capitalismo. De fato, foi à luz desse modo de produção que surgiu o Estado Liberal, que vem a ser, sem dúvida, pressuposto histórico e jurídico do Estado Democrático. (BOBBIO, 1986). É importante colocar, que desde o princípio a democracia assumiu feições bastante específicas. Se for possível afirmar que o século XX presenciou a vitória dessa forma de poder, impossível não concluir que o modelo vitorioso e hegemônico (SANTOS, 2005), foi o minimalista ou procedimental. (WEBER, 1919; SCHUMPETER, 1942). Assim, a democracia ficou restrita a participação experimentada através do voto, do procedimento eleitoral, onde eleitores escolhem seus eleitos e nada mais. Qualquer expansão da dimensão societária ficou vedada. Afinal ampliar a participação 3 poderia significar construir uma ameaça ao sistema capitalista. Alargar o experimento democrático poderia vir a ser profundamente perigoso, posto que, geraria um excesso de demandas sociais capazes de desconstruir o capitalismo que necessita sempre acumular, mais e mais. Apesar do capitalismo, como já mencionamos, ser o berço dessa forma de poder, existe uma contradição intrínseca entre a democracia e esse sistema econômico. Tensão que, se resolvida em favor dessa forma de poder, estabeleceria limites à propriedade e implicaria em ganhos para setores sociais menos favorecidos. (SANTOS, 2005). Mas, historicamente o que podemos verificar é que essa contradição tem sido na maioria das vezes resolvida em favor do capitalismo. Até a primeira metade do século XX, a democracia era meramente política, a liberdade era o seu valor supremo, a propriedade, o direito que ela pretendia tutelar. O liberalismo econômico apregoava como princípio máximo a auto-regulação do mercado. Nesse cenário as desigualdades sociais acentuaram-se. A classe trabalhadora, que sobrevivia em condições precárias, reinvidicava melhores salários, melhores condições de vida. O próprio mercado demonstrou exaustão, na medida que o principio da auto-regulação não se mostrava tão eficaz. A insegurança era geral. Empresas eram absorvidas por outras. Grandes monopólios eram formados. O mercado sem freios, destruía todos que se mostrassem mais fragilizados. O capitalismo entrara em crise. O estado intervém. Cria-se na Europa o “Weltare State”. A solidariedade e mesmo as contradições entre o liberalismo político e o econômico – diferenciado sabiamente pela teoria política italiana com os termos liberalismo para o primeiro e liberismo para o segundo – produziram muitas ambigüidades, mas não impediram que ambos fossem igualmente vítimas das conseqüências da crise de 1929. Três modelos alternativos todos antiliberais, em distintos graus e formas, surgiram a partir da crise hegemônica, produzida pelos efeitos da crise disputando o espaço deixado livre pelo liberalismo:o “socialismo soviético”, o fascismo e o keynesianismo (SADER, 2005, p.651). A atuação do Estado, particularmente aquele, que adotou o modelo keynesiano, tem assim duas dimensões: a primeira a de socorrer o sistema econômico vigente que sofria uma das suas crises cíclicas; a segunda a de diminuir as desigualdades sociais atendendo algumas reinvidicações do proletariado. 4 Em um momento em que o trabalho era ainda algo central na organização da sociedade (THERNBOM, 1999), o movimento operário teve a capacidade de integrar e articular interesses mais amplos da sociedade. Nesse palco, o Estado atuava como mediador de conflitos, gestados por objetivos divergentes, defendendo o sistema capitalista mas, de certo modo, atenuando as desigualdades por ele promovidas. Embora a democracia tenha se mantido em sua forma procedimental, representativa e, nesse sentido, tenha continuado impedindo a necessária ampliação do cânone democrático (SANTOS, 2005), muitos também foram os êxitos, já que foi possível harmonizar valores como igualdade e liberdade, sobretudo nos paises centrais. Assim o direito social, que emerge, nesse novo contexto, vem a representar uma intervenção crescente do Estado na esfera das relações privadas, prevenindo riscos que ameaçavam a sociedade e que antes estavam sob a responsabilidade individual. Essa reconversão da responsabilidade para a esfera coletiva, consolida o principio da responsabilidade pública institucionalizada. (IVO, 2008). Esses operários lutavam, portanto, pela consolidação de um modelo de Estado capaz de se opor a ameaça desenfreada e desorganizada do mercado. Na medida em que esse Estado controlava a desorganização própria do mercado, protegia o proletariado, garantido os direitos sociais e, sobretudo, garantia a existência do próprio sistema capitalista. Dessa forma, a partir desse controle, era possível construir uma sociedade mais igualitária. A perspectiva neoliberal mais recente, no entanto, parte do suposto de que é impossível a preservação das regras que orientam a política social no marco da concepção do Estado de Bem-Estar, devido à crise fiscal, à excessiva intervenção da esfera estatal no âmbito do mercado, aos possíveis estímulos negativos que os dispositivos institucionais geram no âmbito do comportamento dos indivíduos, alimentando, supostamente, comportamentos morais indesejáveis, como um “possível parasitismo dos trabalhadores às custas do esforço das coletividades e/ou o uso clientelístico nas transações”. Assim, por essa visão, a única via de retomada do crescimento consistiria em romper a articulação entre “emprego e proteção social”, sacrificando o “social” a proteção social, a política do salário mínimo, etc. O desenho da nova política de redistribuição no quadro neoliberal pressupõe, portanto, a distensão da relação entre proteção social e emprego, rompendo o modelo que caracterizou a construção parcial do Estado Social, no Brasil, instituído no pós-guerra. O centro dessa mudança situa-se, como disse, na ruptura da proteção através das reformas da Previdência, afetando fundamentalmente os direitos dos trabalhadores protegidos, e na reorientação da concepção de universalidade das políticas sociais para a implementação de diferentes programas estratégicos e compensatórios de assistência 5 focalizada na linha da pobreza, segundo diferentes “público-alvos” (IVO, 2006, p.64). Ao se promover novamente uma regulação via mercado, o sacrifício social será enorme, sobretudo em um momento de profunda fragmentação social, quando o proletariado, disperso e fragilizado revela-se incapaz de representar interesses gerais da sociedade. Com a desconstrução do Estado de Bem-estar social o capitalismo revela sua face mais perversa, evidenciando uma ruptura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o sustentam. Pobreza, precarização, exclusão social se reconstroem numa dimensão inimaginável, incompatível com o ideário democrático, permeado por valores como: liberdade, justiça e equidade. Um segundo fator na atual catástrofe do capitalismo de Estado e que tem deixado um terço da população do mundo praticamente sem meios de subsistência, é a grande explosão do capital financeiro não submetido à regulação, desde que o sistema de Bretton Woods foi desmantelado há mais de duas décadas, com talvez um trilhão de dólares fluindo diariamente (CHOMSKY, 1999, p.57). Portanto, a reforma neoliberal, tecida sob a hegemonia do mercado, pressupõe um novo padrão de acumulação. A enorme expansão do capital financeiro internacional tem contribuído de forma significativa para o aumento da exclusão, na medida em que contribui para a constituição de monopólios e para a contração do emprego (IVO, 2006). Esses são fatores que tem justificado a intensificação da pobreza. O capital especulativo solapa o setor produtivo e o desemprego torna-se estrutural. Desse modo, não se pode pensar que os desempregados constituem uma reserva de mercado e serão um dia reabsorvidos, mas sim, que são absolutamente descartáveis e mesmo indesejáveis. A seguir vamos tratar os efeitos do neoliberalismo no construir do processo democrático. III – Os impactos do neoliberalismo na constituição democrática das sociedades periféricas, em particular o Brasil. Toda essa situação atinge o mundo de uma forma global, todavia, tem uma conotação muito mais perversa nas sociedades de capitalismo periférico 6 (IVO,2006). Nestas, o Estado de Bem-estar social nem chegou a se consolidar e já foi desconstruído. A ausência de proteção estatal aqui, acentua a injustiça, a desigualdade e a miséria. A abertura da economia desses Estados para o mercado mundial significa, portanto, a impossibilidade de corrigir dividas sociais seculares. Na América Latina, particularmente, no Brasil, a adoção das políticas neoliberais sucede, em um breve espaço de tempo, o processo de redemocratização. Os anos 1970 e 1980 foram fecundos para os movimentos sociais. A Constituição de 1988, considerada a constituição cidadã, foi uma resposta positiva a toda essa articulação da sociedade. Com a constituição de 1988, pela primeira vez o sufrágio universal real é estabelecido. A cidadania política é extensiva a toda a Nação. Como o operário, o trabalhador rural passa a “ter direitos de ter direitos” como resultado das lutas dos anos 1950-1960, vem a ser reconhecido como cidadão, pois agora é tido no mundo da política como sujeito legítimo. Todas as lutas que marcaram os movimentos sociais no Brasil incluindo os denominados de novos, nas décadas de 1970 e 1980, tinham também, na sua extrema diversidade, esta marca: eram lutas pela integração social. Segundo uma expressão de Merton, eram movimentos hiperconformistas: seus objetivos eram os de serem reconhecidos, os de terem direitos, os de ingressarem no mundo da cidadania. Entendidos em seu sentido mais amplo, incluíam o direito aos bens indispensáveis a uma vida humana digna. Portanto, direito à terra, à moradia, ao transporte, à educação, à saúde, ao voto, a participação política, à organização partidária, dentre outros (NASCIMENTO, 2000, p.74). Logo após a redemocratização do Estado brasileiro, as políticas neoliberais são adotadas de forma irrestrita. Essas políticas sugerem que o ajuste fiscal e a reforma do Estado são condições fundamentais para superação da crise vigente fatores determinantes para a retomada do crescimento econômico e a superação do quadro social do país. Ocultam, todavia, que tais medidas representam um retrocesso no âmbito social, posto que, propõem uma abertura para regulação via mercado e a descontrução dos direitos sociais, adquiridos na nova carta. A idéia central, era de que a crise fiscal havia gerado uma crise de governança (BRESSER PEREIRA, 1998), desse modo, as decisões políticas tomadas pelo governo não podiam ser executadas, devido à falta de capacidade administrativa e financeira. O Estado estaria imobilizado. Segundo os defensores dessa reforma, importante seria, uma reorientação para o mercado, diminuindo o tamanho do Estado e 7 redefinindo o seu papel regulador. Medidas capazes de restabelecer a governança e aumentar a governabilidade. Todo o discurso, na verdade, é perlocucional (ANDREWS e KOUZMIN, 1998), pois tenta parecer progressista, escondendo, todavia, suas intenções neoconservadoras. O objetivo, assim, é uma nítida reorientação para a regulação via mercado. Para isso, seria necessário diminuir o tamanho do Estado, o que significa efetivar as necessárias privatizações, publicizações e terceirizações. De forma clara, significa reduzir o papel do Estado inclusive na prestação de serviços sociais. É preciso ressaltar que em nenhum momento dessa reforma, foi definido o papel do Estado na superação das desigualdades sociais. Ao contrário, é construído um modelo de Estado que se posiciona claramente na defesa do sistema capitalista, em detrimento de uma expansão da democracia. A defesa da flexibilização das leis trabalhistas, da reforma da previdência definem de forma nítida os limites democráticos estabelecidos pela Reforma do Estado. Impossível imaginar a superação das desigualdades sociais, quando serviços essenciais à coletividade são retirados da esfera estatal e transferidos para as organizações sociais. A criação de um espaço público não estatal não representa uma evolução, mais sim, um retrocesso, na medida em que exime o Estado de suas responsabilidades fundamentais. Torna-se difícil acreditar, que o retorno das políticas liberais possa resolver o quadro social do país. Em uma sociedade marcada por injustiças seculares, o Estado seria o único agente capaz de intermediar conflitos, promovendo uma maior igualdade. De fato, sua ausência proposital tornou a situação ainda mais grave, aumentando a desigualdade e a exclusão. Os pobres se tornaram mais pobres, grandes setores da classe média tradicional - professores, funcionários, etc - viram sua situação deteriorar-se gravemente, enquanto que os ricos mantinham suas posições e lucravam com a exportação maciça dos capitais geralmente fornecidos pelo endividamento externo de seu país. Essas desigualdades crescentes que os pesquisadores do PREALC chamaram de divida social destes países, marca os limites da democratização. Quem pode empregar esta palavra quando os poderes reais são exercidos em beneficio das minorias ricas em detrimento das maiorias pobres? No conjunto dos países, cresce a distância entre incluídos e excluídos, naqueles onde os incluídos são 80% ou não passam de 20 ou 40%, como na África tanto do Sabel ou nos países andinos da América do Sul. É impossível satisfazer-se com uma concepção puramente liberal da democracia, mesmo que 8 seja necessário reconhecer que o desenvolvimento endógeno é o fundamento mais sólido da democracia (TOURAINE, 1994, p.354). Assim à volta a liberdade política, garantida pelo processo de redemocratização, somada à abertura para o mercado mundial, fruto da adesão às políticas neoliberais, não constituem fundamentos suficientes para garantir a liberdade e muito menos propiciar uma situação de maior igualdade. Na verdade, representam situações antagônicas que, provavelmente, representarão limites à construção democrática. Em um país como o Brasil, onde são recorrentes as praticas clientelistas, patrimonialista e mandonistas, onde espaços público e privado jamais foram perfeitamente delimitados (IANNI, 1992) a abertura para a economia de mercado, sem a necessária proteção aos mais carentes, significa sim, que o poder será novamente exercido para beneficiar minorias, manipulando a maioria e representando obstáculo a consolidação de uma democracia real. A insistência na manutenção de uma democracia de baixa intensidade respeita a lógica de ampliação do sistema capitalista, ávido por lucros, incapaz de repartir, absolutamente feroz se entregue a si mesmo. Mas a história permite comprovar, que a insistência na permanência desse modelo democrático, gesta indubitavelmente patologias como a da participação e a da representação. (SANTOS, 2005). Ora, de fato, cada vez mais e, fundamentalmente, nesse momento, a grande maioria da população, não se sente confortável para participar do processo eleitoral. Quando o poder político serve a uma minoria rica, em detrimento de grande maioria desfavorecida economicamente, qual o sentido de participar? (TOURAINE, 2002). Também quando o poder econômico é capaz de corromper e comprometer o procedimento eletivo, a participação antes de significar possibilidade de mudança é percebida como forma de manutenção do status quo. Desse modo, cada vez mais, sobretudo nos países onde o voto é facultativo, as pessoas se abstêm de votar (SANTOS, 2005). E nos países onde predomina a cultura clientelista, não raro, grande parte da população percebe que o único benefício que receberá será aquele auferido no dia da eleição, através da troca do seu voto por alguma mercadoria ou valor. 9 Nesse cenário a representação sofre profundos abalos, e de fato, poucos são aqueles que se sentem representados por aqueles que elegeram. No Brasil, pesquisas comprovam que boa parte dos eleitores esquece em quem votaram, pouco tempo após o sufrágio. Um dos elementos políticos mais significativos da história contemporânea é o contraste entre a generalização dos regimes de democracia liberal e, ao mesmo tempo, sua crise. Como se sua máxima extensão fosse à condição de sua realização e, esta, ao mesmo tempo, de sua crise e de seu esgotamento histórico. (SANDER, 2005, p.651) Particularmente, nesse momento em que a democracia se reafirma como valor moral (IVO, 2008), percebemos também na prática cotidiana, a sua negação na medida que são negados os direitos sociais, prejudicando as condições de cidadania social. É um tempo onde reina a contradição. Assim, a democracia, que deveria possibilitar uma maior integração social, termina por fomentar a exclusão, a pobreza, a apatia justificada pela falta de confiança na pratica política que se constitui de forma reiterada como espaço de privilégios. É que nesse rearranjo o sistema democrático teve que ser Novamente contido, limitado para dar espaço ao novo modelo de acumulação capitalista. Assim, a tensão fundamental nas sociedades latino-americanas especialmente no contexto atual, localiza-se no paradoxo de uma inversão entre o regime político democrático, recentemente conquistado, que tende a incluir politicamente e ampliar a cidadania civil; e a dinâmica de uma economia que historicamente produziu as maiores taxas de desigualdade socioeconômicas, e tende hoje, a aprofundar massivamente a exclusão, negando a cidadania social, pela destituição dos direitos sociais conquistados (IVO, 2006, p. 68). IV - A Nova política do Estado Brasileiro para o combate da pobreza. Com o objetivo de reverter ou amenizar os efeitos perversos do ajuste estrutural e da reestruturação produtiva, ocorre uma reorientação da política social de combate à pobreza: esta não será centrada na proteção social, na constituição e outorga de direitos sociais aos menos favorecidos. Será sim, política de transferência de renda. A idéia é de que a nova política social deverá ser de focalização e de compensação. Agora, o Estado, compartilha com a sociedade, através das parcerias publica-privadas a responsabilidade com a questão social, centrada na assistência. A pobreza, portanto, será medida, com intuito de que se possa definir o público alvo das políticas de focalização. Ao pobre é conferida a responsabilidade de lutar contra a pobreza, portanto, a sua inclusão depende 10 antes de tudo, dele próprio. Trata-se, deste modo, de uma responsabilidade absolutamente pessoal. Os indivíduos pobres, que não conseguem se capacitar para entrar na economia de mercado são penalizados, responsabilizados pela ausência de sucesso. A questão social é despolitizada (IVO, 2008). Os pobres são incitados a lutarem contra a pobreza, tornando-se sujeitos ativos desse processo e, assim, responsáveis pelo seu próprio destino. Não há qualquer tentativa de redistribuição de riquezas ou de resgate das imensas e seculares dívidas sociais, mas sim, uma mera, tentativa de amenizá-las através de políticas de compensações sociais focalizadas. Para aqueles que são bem sucedidos, seja por sorte, talento, posses ou empenho pessoal, um mercado mais amplo significa maiores recompensas. Para os que não tem tais predicados, qualquer que seja o motivo, a extensão do mercado significa ser deixado para traz a marginalização ou empobrecimento por estar fora da competição. (THERBOM, p. 76, 1999). Deste modo, a exclusão pode ser definida, fundamentalmente, como uma exclusão de direitos e, nesse sentido, as políticas focalizadas, compensatórias não conseguem incluir justamente porque possuem caráter flexível, não se constituem em direitos de inserção dos pobres. Através delas, os pobres não ingressam no mundo dos direitos. Não passam a ter direito de ter direitos (NASCIMENTO, 2000). Mas para alguns desses pobres é dada uma mera compensação econômica, talvez, como o intuito de promovê-los a consumidores. Duas observações necessitam ser feitas; a primeira é que vivemos em uma sociedade onde o desemprego tornou-se estrutural e, desse modo, seria no mínimo perverso, promover a idéia de que mediante a capacitação, os pobres encontrarão seu lugar. E o que é pior, que tudo depende apenas deles; a segunda é que, feitas todas essas ressalvas contra a política de transferência de renda, faz-se necessário observar que, em determinados momentos, ela se faz necessária. Em uma situação de pobreza extrema, onde parte significativa da sociedade encontra-se fragilizada é impossível não se construir uma política de caráter assistencialista que amenize a fome e a miséria. A grande questão é que essa política revela-se incapaz de converter o padrão de distribuição de riquezas que permanece desigual, inalterado. Assim 11 é preciso reformulá-la ou combiná-la com políticas outras, capazes de combater efetivamente a reprodução estrutural da pobreza (IVO, 2008). Jamais isso será resolvido em se mantendo esse Estado mínimo, que se esvazia de suas funções, repassando para a esfera privada a responsabilidade pública do trato da questão social. Ora, em uma sociedade eivada de desigualdades, como a brasileira, é preciso que o Estado assuma suas responsabilidades restabelecendo o compromisso ético de superação da pobreza. Apenas em um Estado efetivamente comprometido com a questão social será possível alargar a experiência democrática para além da perspectiva minimalista (SANTOS, 2005). E assim não só reconstruir mas expandir verdadeiramente a democracia. V - Conclusão Perguntamo-nos se o crescimento da desigualdade-produzindo o fenômeno da exclusão não irá criar rupturas societárias significativas, extinguindo o sonho de uma sociedade democrática e justa, que marcou o nascedouro da sociedade moderna no ocidente (NASCIMENTO, 2000, p.58). Podemos afirmar com justeza que sim. A sociedade moderna se constituiu a partir de uma igualdade jurídico-político (NASCIMENTO, 2000). Até então, as sociedades pretéritas, desconheciam essa igualdade. Formou-se também, a partir de uma desigualdade de acesso aos bens materiais e simbólicos, essa já bem conhecida. Mas escolheu ser democrática e, desse modo, essa tensão entre igualdade e desigualdade deve ser resolvida. Até agora, o Estado de Bem-estar social foi quem melhor resolveu essa contradição. Contradição intrínseca ao capitalismo e a democracia, mas que, se não for resolvida de modo a construir uma sociedade mais justa e fraterna, provocará uma ruptura societária capaz de extinguir qualquer sonho de constituição de uma sociedade democrática. A pobreza e a desigualdade se reconstroem em dimensões inimagináveis nesses novos tempos e representam sim, um limite profundo à feitura de um Estado que se possa definir como democrático. Isso vale não só para o Brasil, mais para quase todo o Ocidente, cuja utopia seria consolidação de uma sociedade mais equânime. 12 A constituição da exclusão social é hoje a maior ameaça à construção da sociedade moderna, uma ameaça direta ao seu ideário de igualdade, que Montesquieu denominara de convenção fundante. (NASCIMENTO, 2000, p.65). Pelo que os estudos colocam não há outra saída; é preciso não só consolidar a democracia mas expandir a dimensão societária. Para que esta tensão seja resolvida em favor desse sistema político, importa uma necessária humanização do capitalismo. Esse é o caminho, é longo caminhar, mas o que é democracia se não uma constante construção? Referências Bibliográficas ABRANCHES, S. Os despossuídos. Crescimento e pobreza no país dos milagres. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ANDREWS, Cristina & KOUZMIN, Alexander. O discurso da nova Administração Pública. LUA NOVA. Revista de Cultura e Política, nº 45, 1998. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra (1986). BRANDÃO LOPES, J. (coord.). Brasil 1989: um estudo socioeconômico da indigência e da pobreza urbana. Campinas: NEPP/UNICAMP, Janeiro de 1992 (Relatório final). BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A sociedade Estatal e a tecnoburocracia. São Paulo: Brasiliense, 1981. ________, A Reforma do Estado dos anos 90. Lógica e mecanismo de controle. LUA NOVA. Revista de Cultura e Política, nº 45, 1998. 13 BUARQUE, C. O que é apartação. 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