A AÇÃO DE ALIMENTOS E A INEFICÁCIA DA PRISÃO COMO FORMA COERCITIVA PARA O PAGAMENTO Zilda Mara Consalter ([email protected]) Maria Helena Zanon da Luz ([email protected])1 Rúbia Freiberger Gonzales ([email protected])2 RESUMO: Este trabalho, através do método dedutivo, composto pela documentação direta, tal como a pesquisa de cunho documental e bibliográfica, visa determinar as consequências do inadimplemento do alimentante, passando a discutir a execução da ação de alimentos. Verificada a impossibilidade, sem justificativa, de se garantir o recebimento do valor necessário para a subsistência do alimentado, o alimentante pode ser condenado à prisão civil, mas essa não se mostra uma solução eficaz. A prisão seria um método coercitivo para o alimentante quitar o valor determinado, não o eximindo da obrigação de pagar a pensão alimentícia no período em que permanecer preso. Observa-se que a prisão não possibilita ao devedor métodos para se conseguir adimplir com sua obrigação, chegando à conclusão de que o Estado deveria viabilizar outras formas de punir o devedor e garantir o pagamento. O trabalho apresenta como solução a criação de convênios do Estado com empresas privadas dispostas a oferecer vagas de trabalhos que viriam a ser preenchidas com os alimentantes devedores, que receberiam o pagamento com o valor da pensão já descontada, ou seja, o desconto seria realizado diretamente na folha de pagamento. PALAVRAS-CHAVE: Pensão de alimentos, execução de sentença, prisão civil. INTRODUÇÃO Citando João Baptista Villela “A quem pela conduta contribuiu a pôr uma vida humana no mundo, duas possibilidades se oferecem: assumir-lhe a paternidade e assumir os custos de sua criação e educação”. É a partir dessa ideia que iniciamos o artigo, pelo qual procuramos através da pesquisa de cunho bibliográfico apresentar as principais características sobre os alimentos na esfera jurídica, abordando mais especificamente a prisão daquele que não o presta. Alimento aqui não se refere apenas ao sentido estrito da palavra, mas também das demais necessidades que devem ser supridas para uma vida digna, como educação e moradia. A pensão alimentícia seria uma forma de garantir que o requerente tenha oportunidade de manter uma vida estável, sem grandes carências. Esse artigo visa compreender como se dá uma ação de alimentos e em quais situações, em sua execução, se aplica a prisão civil do alimentante e se essa seria uma forma eficaz de coagir o devedor a pagar a quantia estabelecida, até mesmo porque, ainda que esteja preso, não pode se eximir de sua obrigação. ¹ Professora Mestre da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR. ² Estudante do 1º ano de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR. ³ Estudante do 1º ano de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR. OBJETIVOS Alimentos para Orlando Gomes3 visam satisfazer as necessidades vitais de quem não pode provê-las por conta própria, englobando alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, educação, entre outras tidas como imprescindíveis para o desenvolvimento do indivíduo. O direito a receber alimentos, que visariam satisfazer todas as necessidades do alimentado, é classificado como personalíssimo; incessível; irrenunciável; imprescritível; incompensável; intransacionável; atual; irrestituível; e divisível entre os parentes do alimentando.4 Buscando ter tal direito assegurando, a pessoa necessitada deve protocolar uma ação de alimentos, que deverá seguir os pressupostos da Lei nº 5.478/68. Tal ação deve ser pleiteada na Comarca do domicílio do alimentando, tendo o prazo de 2 (dois) anos para executar os pagamentos da pensão em atraso, devendo ter intervenção do Ministério Público. Para se concretizar a obrigação de pagamento de pensão alimentícia e, portanto, seja cabida a ação de alimentos, alguns pressupostos devem ser cumpridos: devese comprovar vínculo de parentesco ou convivência com a outra parte, ou seja, parente (pai, mãe, demais ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau), excônjuge ou ex-convivente podem ser acionados; o alimentando deve-se encontrar em situação de necessidade, sendo que por idade avançada, enfermidade ou incapacidade não tem meios para obter por conta própria, tornando sua subsistência dificultosa; o alimentante precisa possuir uma situação financeira capaz de cumprir com a obrigação de pagar a pensão, sem prejudicar sua própria subsistência; e proporcionalidade, o valor a ser estabelecido deve resultar de uma ponderação entre a renda do alimentante e as necessidades do alimentário. Em relação à transmissão da obrigação, segue jurisprudência: “Ação de alimentos. Demanda dirigida contra o avô paterno. Genitor do autor que não solve a pensão alimentícia há cinco anos, com prisão já decretada. Obrigação alimentícia do avô reconhecida. Aplicação do disposto no artigo 1.696 do Código Civil.” 5 Verificados tais pressupostos e efetuadas as diligencias necessárias, será designada audiência de Conciliação e Julgamento. Após abrir a audiência, o juiz deverá questionar às partes sobre possibilidade de realização de acordo, conforme o artigo 9º, da Lei de Ação de Alimentos (Lei nº 5.478/68), que caso infrutífera deverá ser renovada no fim da audiência de Instrução. Caso o acordo não seja atingido, caberá ao juiz decidir em sentença sobre o direito à pensão e sua quantia, sendo que seus efeitos contam a partir da data de citação (artigo 13, parágrafo 2º). Vale atentar para o fato de que a quantia a ser paga pode sofrer alteração a qualquer tempo, desde que comprovada a alteração de qualquer dos pressupostos. Por conta disso, a sentença condenatória de alimentos não transita em julgado. A obrigação alimentar dos ex-cônjuges, ou ex-conviventes, independe da responsabilidade pela dissolução da união. Explicando melhor, o CC-02 manteve a regra de que a obrigação de pagar pensão recai sobre o responsável pela separação, mas em caso de necessidade e se não tiver outros parentes para 3 GOMES, Orlando apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 4 Id. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011. 5 TJ-SP - CR: 6117574900 SP, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 17/02/2009, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2009. pleitear o alimento, ou condição de trabalhar, poderá pleitear alimentos ao cônjuge inocente.6 Os alimentos provisórios visam atender as necessidades imediatas do(a) autor(a) durante a ação principal, sendo determinados liminarmente. Paralelamente a essa ação, pode ser protocolada uma ação cautelar preparatória ou acidental, para se conseguir os alimentos provisionais, para custear despesas processuais e honorários, além de sustentar o requerente e seus filhos no decorrer da ação. Para que sejam respeitados os critérios impostos pela execução da Ação de Alimentos, surgiram providencias que têm como objetivo exclusivo a manutenção da prestação alimentícia, sendo elas: o desconto na folha de pagamento do alimentante (que configura um meio de expropriação); a reserva de aluguéis; a penhora de vencimento quando se tratar de magistrados, funcionários públicos ou professores; e por fim a alienação de bens por parte daquele que contrai a obrigação de alimentar. No caso de haver descumprimento do estabelecido na ação judicial, sem justificativa, e não se mostrando eficazes nenhuma das providencias anteriormente citadas, o credor poderá optar pela ação de execução sob pena de penhora ou sob pena de prisão.7 Salienta-se para o fato da execução sob pena de prisão só ser relativa aos últimos 3 (três) meses em atraso, assim, se houver mais meses para ser cobrado o débito, a cobrança só pode ser feita pelo outro meio de execução. A prisão civil do devedor é abordada no pacto de São Jose da Costa Rica8, também denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aderido pelo Brasil por meio da Carta de Adesão em 1992, e no artigo 5º, LXII da CF/889 como exceção à prisão por dívida. No país ela só é decretada se houver três parcelas consecutivas em atraso. Vale ressaltar que restrição da liberdade nesses casos não objetiva a punição, mas sim uma forma de coação a respeito da conduta do réu. Na fase de execução da ação de alimentos, o juiz determinará a citação do réu para que em 03 (três) dias quite as parcelas atrasadas, ou justifique o inadimplemento, sob pena de prisão. Quanto os alimentos provisionais e provisórios, o artigo 733 do Código de Processo Civil mostra-se extremamente rigoroso, pois o juiz poderá fixar a prisão do devedor no período de um a três meses. Já quanto os alimentos regulares ou definitivos (estabelecidos judicialmente ou em acordo entre as partes) se aplica o artigo 19 da Lei 5.478/68, Lei de Alimentos, que prevê a prisão civil por até 60 dias. Em ambos os casos a prisão será suspensa no momento em que forem pagas as prestações em atraso. O Código Penal, também trata do assunto em seu artigo 244, juntamente com o artigo 21 da Lei de Alimentos, onde prevê detenção de um a quatro anos e multa que seja de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país, quando houver 6 FERNANDES, Iara de Toledo. Pensão alimentícia: um enfoque comunitário. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n.39 , p.535-540, jan/abr. 2004. 7 LIMA NETO, Francisco Vieira. Execução e prisão civil decorrente da falta de pagamento da pensão alimentícia estipulada por escritura publica. Revista de Processo, v.32, n.152 , p.195-206, out. 2007. 8 Art. 7º: Direito à liberdade pessoal: (...) 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 9 Artigo 5º, LXII, CF/88: Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. um cessar da prestação de alimentos, passando a ser tratado com crime de abandono material, para o qual não cabe habeas corpus. Importante destacar o fato de que mesmo estando sobre custódia do Estado, não fica o réu impune de prestar a pensão alimentícia. A exoneração do encargo de prestar alimentos acontece em razão de três situações: a primeira pelo advento da morte do alimentando, nunca pela morte do devedor, pois há transmissão da obrigação em relação aos herdeiros; pelo fim da necessidade de ser alimentado ou incapacidade econômica de o fazer por parte do alimentante; o último caso, e o mais abrangente, devido casamento, união estável ou ainda procedimento indigno. O procedimento indigno, segundo Maria Helena Diniz, é caracterizado por ofensas à integridade do devedor seja ela corporal ou mental, através de calunia, difamação, injuria ou exposição a situações vexatórias. A relação cessa ainda se houver ingratidão do donatário e demais que se encaixem no artigo 1.814 do Código Civil.10 RESULTADO A partir dos estudos realizados e o objetivo proposto, identificamos que a prisão do devedor de alimentos é efetivamente ineficaz, sendo que em grande parte dos casos o devedor não possui meio de proporcioná-los em razão da prisão civil, a qual impossibilita as atividades das quais se originarão a renda para supri-los. Existe, portanto, a necessidade da criação e decorrente adoção de medidas alternativas que tenham por objetivo a garantia da prestação de alimentos, sem que haja, entretanto, prejuízo a nenhuma das partes. DISCUSSÃO Não se pretende questionar os muitos casos em que a ameaça de prisão faz com que as parcelas em atraso da pensão alimentícia sejam quitadas, pois são nesses momentos em que essa forma de coação realmente surte efeito. Entretanto, há casos em que o alimentante não possui condições para quitar a dívida, e não lhe resta alternativa que não a prisão. Nesses casos o indivíduo fica sob custódia do Estado, não paga as parcela em atraso e o alimentado não recebe o que lhe é necessário para a subsistência. Assim, o devedor acaba se tornando um inadimplente continuo que periodicamente é preso, na esperança de que um dia venha a quitar as parcelas em atraso. A prisão não isenta o alimentante da obrigação de pagar a pensão, assim a dívida aumenta mesmo diante da impossibilidade de pagamento. Com isso fica evidente que a prisão não é a solução mais plausível para o problema, sendo necessária a criação de uma medida alternativa, que possa ser posta em prática e possibilite ao devedor adimplir com sua obrigação. Propõe-se então que o Estado faça convênios com empresas privadas que estejam dispostas a disponibilizar algumas das vagas de empregos para serem preenchidas 10 Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. com os devedores de pensão alimentícia, que assumiram os cargos de acordo com suas qualificações. A empresa seria beneficiada com descontos fiscais, enquanto os alimentantes já receberiam o salário com o valor da pensão alimentícia descontado, ou seja, os descontos seriam realizados diretamente na folha de pagamento. O emprego deveria ser pelo prazo mínimo suficiente para o devedor arcar com as últimas 3 (três) parcela em atraso, afastando o risco de prisão. Sendo que o período do emprego poderia ser estendido pelo empregador até o pagamento completo da dívida. Assim, o alimentado receberia a quantia necessária á sua subsistência e o alimentante seria posto novamente no mercado de trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS A ação de alimentos visa estabelecer a quantia a ser paga pelo alimentante ao alimentado de acordo, entre outras coisas, com as necessidades deste e a disponibilidade financeira daquele. Entretanto, a fase de execução dessa ação é indispensável para se garantir a quitação das quantias estabelecidas. A prisão civil para esses casos é vista como forma de coação, sendo autorizada até mesmo por tratados internacionais, mas quando há a necessidade de se fazer uso de tal dispositivo, não se verifica a solução do problema, mas sim seu agravamento. A pensão alimentícia não cessa com a prisão do alimentante, ficando clara a incoerência em se ter a cobrança de algo enquanto o individuo está completamente incapacitado de sanar as parcelas. Assim, verifica-se a necessidade de se criar soluções alternativas, uma delas expostas acima. A criação de convênios não seria algo novo para o Estado, isso já é feito com instituições para o cumprimento de prestações de serviço comunitário, por exemplo. O convenio com instituições privadas seria benéfico para elas, que receberiam descontos fiscais, para os alimentados, que receberiam pelo menos parte das quantias atrasadas da pensão, e para os alimentantes, que receberiam uma oportunidade de pagar sua dívida e serem inseridos novamente no mercado de trabalho. REFERÊNCIAS BRASIL. Código Civil: Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 15ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. (Vade Mecum Saraiva). BRASIL. Código Penal: Decreto-Lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de1940. 15ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. (Vade Mecum Saraiva). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 15ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. (Vade Mecum Saraiva). BRASIL. Lei de Alimentos: Lei nº 5.478/68 de 25 de julho de 1968. 15ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. (Vade Mecum Saraiva). DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 5: direito de família. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. DINIZ, Maria Helena. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011. FERNANDES, Iara de Toledo. Pensão alimentícia: um enfoque comunitário. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n.39, p.535-540, jan/abr. 2004. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. v.6, São Paulo: Saraiva, 2005. GUSSO, Moacir Luiz. Alimentos. 3.ed.rev. ampl e atual. Leme: BH, 2009. HERTEL, Daniel Roberto. A execução da prestação de alimentos e a nova técnica de cumprimento de sentença. Revista de Processo, v.33, n.164, p.185192, out. 2008. LIMA NETO, Francisco Vieira. Execução e prisão civil decorrente da falta de pagamento da pensão alimentícia estipulada por escritura pública. Revista de Processo, v.32, n.152, p.195-206, out. 2007. PARANÁ. Tribunal de Justiça. 12ª C.Cível - AI - 610238-9 - Londrina - Rel.: José Cichocki Neto - Unânime - - J. 12.05.2010. Disponível em: < http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1953852/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-6102389#>. Acesso em 16 nov. 2013. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. AC: 70051691418 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 06/12/2012, Oitava Câmara Cível. Disponível em: < http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22848525/apelacao-civelac-70051691418-rs-tjrs>. Acesso em 16 nov. 2013. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. CR: 6117574900 SP, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 17/02/2009, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2009. Disponível em: < http://tjsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2448564/apelacao-com-revisao-cr-6117574900sp>. Acesso em 16 nov. 2013. SPENGLER, Fabiana Marion. Execução de alimentos através da coação pessoal das prestações pecuniárias anuais. REDES, v.7, n.1, p.103-126, jan./abr. 2002.