o ensino e a aprendizagem de conceitos na escola inclusiva

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O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE CONCEITOS NA ESCOLA
INCLUSIVA: UM OLHAR SOBRE AS ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS
PAIXÃO, Divaneide Lira Lima – UCB
[email protected]
ROSSI, Tânia Maria de Freitas – UNICESP
[email protected]
Eixo Temático: Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: FAP/DF
Resumo
Analisar a dinâmica do processo de ensino e aprendizagem que ocorre nas escolas é
fundamental, pois é nesse espaço que o desenvolvimento psicológico da criança pode alcançar
níveis de aprimoramento de determinadas funções e estabelecer mudanças dos vínculos e das
relações interfuncionais. Nesse sentido, o presente estudo buscou analisar as estratégias
pedagógicas adotadas por quatro professoras, para o ensino-aprendizagem de conceitos
científicos em quatro turmas formadas com crianças que apresentam desenvolvimento típico e
crianças com deficiência intelectual. Foram realizadas filmagens das professoras e seus
alunos, buscando identificar e analisar as atividades realizadas com vistas à introdução de um
novo conceito e sua apropriação pelas crianças, tendo como base os conceitos propostos por
Vygotsky, no que diz respeito à Zona de Desenvolvimento Proximal. Foi realizada, também,
com cada professora, uma entrevista semiestruturada para investigar aspectos da ação
pedagógica no decurso da apresentação de um conteúdo novo. Os dados apontam que entre as
estratégias utilizadas estão: contextualização do conteúdo e vivências por meio de dinâmicas
variadas; o processo de aplicar, avaliar, fortalecer e reavaliar os conteúdos programados; o
uso da leitura pausada do material selecionado. As professoras relatam fragilidades variadas
no decorrer do processo, especialmente com relação à aprendizagem das crianças com
deficiência intelectual, como manter a concentração, trabalhar a memória e otimizar o tempo
de a realização das atividades; a não compreensão e acompanhamento das atividades, como
acontece com o restante da turma. Tal posição corrobora os achados de Bogoyavlensky e
Menchisnskaya que sustentam não existir uma relação direta entre a construção de noções e o
desenvolvimento cognitivo. O estudo suscita uma melhor compreensão acerca da (1)
internalização dos conceitos pelas crianças, a ponto de tornar-se automatizado, isto é,
fossilizado; (2) do processo que assegura a continuidade do desenvolvimento.
Palavras-chave: Deficiência intelectual. Aprendizagem de conceitos científicos. Estratégias
pedagógicas. Fossilização da aprendizagem.
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Introdução
A aprendizagem de conceitos, sua complexidade e dinâmica
As atividades humanas são construídas, segundo Vygotsky (1984), ao longo da vida e
são resultado de aprendizagens mediadas na e pela cultura, o que imprime às relações sociais
e à atividade psicológica traços comuns que transcendem suas qualidades particulares. O
processo pelo qual o ser humano produz conhecimento nem sempre fica evidenciado de modo
fácil. Vale, portanto, retomar aqui alguns indicadores da aprendizagem humana a partir da
perspectiva teórica aqui assumida – a histórico-cultural.
O ser da espécie humana dá inicio ao seu processo de aprendizagem, ainda em idade
tenra, a partir das trocas relacionais que estabelece com outras pessoas, e essa aprendizagem
continua por toda a vida. Ao estudar o pensamento de Wallon, Galvão (2000) indica que para
ele as crianças nascem imersas em um mundo cultural e simbólico e nos primeiros anos de
vida sua compreensão das coisas está sujeita à compreensão dos outros. São os outros que
darão sentido às suas ações e movimentos. Para esse autor, no início do desenvolvimento,
existe uma preponderância do biológico, posteriormente, o social e o cultural ganham mais
força e fornecem os elementos para a evolução do pensamento, para a construção de noções,
representações e conceitos dos mais simples aos mais complexos.
A perspectiva histórico-cultural, da qual comungam tanto Vygotsky quanto Wallon,
dissemina a ideia de que os seres humanos são sujeitos interativos que elaboram seus
conhecimentos sobre os objetos do mundo que o cercam em um processo que é mediado pelos
outros e pelos signos. Essa mediação acontece espontaneamente no processo de utilização da
linguagem. Assim, pode-se considerar que o desenvolvimento dos conceitos tem origem nas
relações sociais, é produzido na intersubjetividade e, fundamentalmente, é marcado por
aspectos culturais, sociais e históricos. Sobre o processo de desenvolvimento de conceitos,
Vygotsky (1897, p. 67) observa que
Mesmo nas crianças muito novas, os objetos ou situações que apresentam alguns
traços comuns evocam respostas semelhantes; no estágio pré-verbal mais precoce, as
crianças esperam nitidamente que situações semelhantes levem a resultados
idênticos. Quando uma criança associa uma palavra a um objeto, ela prontamente
aplica essa palavra a outro objeto que a impressiona, por considerá-lo, sob certos
aspectos semelhantes ao primeiro.
3904
Assim, o processo de formação de conceitos se inicia a partir das experiências que a
criança vivencia e das classificações e distinções que faz dos objetos que a cercam. Para
Ferreira (2009) é analisando e destacando repetidamente os elementos empíricos diferentes
que estão relacionados aos objetos, pessoas e fatos, que as crianças conseguem formar
conceitos. É no estabelecimento desses elos e relações que o processo de formação de
conceitos se inicia, mas ele envolve etapas muito mais elaboradas que simples associações de
elementos empíricos, cujas relações estão desprovidas de percepção consciente. Essa primeira
etapa chamada por Vygotsky (1987) de “conceitos espontâneos” traduz-se nos conhecimentos
adquiridos pelas experiências vivenciadas nos contextos sociais dos quais as crianças
participam, onde estão em constante interação com familiares, grupos de amigos e outros
grupos, e que servem para compreender e analisar a realidade circundante.
Os conceitos espontâneos ou cotidianos apresentam natureza diferente dos conceitos
científicos, mas mantém entre si uma estreita associação. Para Vygotsky (1987), os conceitos
científicos oferecem os elementos rudimentares para a formação de conceitos cotidianos. A
estrutura psicológica muda de cima para baixo. Primeiro a criança toma contato com os
conceitos científicos e transfere os rudimentos de sistematização para os conceitos cotidianos
para, posteriormente, reelaborá-los, tendo acesso a formas mais complexas de conceituação.
Os conceitos espontâneos e científicos fazem parte de um mesmo processo, pois
ambos se influenciam mutuamente. Há um único processo – o desenvolvimento da formação
de conceitos, “que é afetado por diferentes condições externas internas, mas que é
essencialmente um processo unitário, e não um conflito entre formas de intelecção
antagônicas e mutuamente exclusivas” (VYGOTSKY, 2001, p. 74).
Rossi (2006, p. 6), ao explicar a diferença entre conceitos cotidianos e científicos,
escreve que
O conceito cotidiano é definido por seus aspectos fenotípicos, de cunho aparente,
sem uma organização consistente e sistemática. As palavras que servem para
exprimir esse conceito têm certo apelo ao próprio objeto ou às suas impressões
factuais. Em contrapartida, o conceito científico organiza-se dentre de um sistema
hierárquico de inter-relações conceituais. Essas relações são tipos de generalizações
que implicam em uma estrutura mental superior que acontece no desenvolvimento
do indivíduo. São constituídos por meio de sua articulação a outros conceitos
subordinados ou supra-ordenados, imprescindíveis à sua compreensão.
3905
Isto significa que mesmo havendo relação entre conceitos espontâneos e nãoespontâneos, há distinção entre as vias de desenvolvimento desses conceitos. Na tentativa de
esclarecer o processo de formação de conceitos na perspectiva histórico-cultural, Rossi (2006)
e Souza (2009) sinalizam que os conceitos científicos surgem e se desenvolvem no processo
de ensino e aprendizagem escolar, e isso acontece de modo diferente daquele que ocorre nas
experiências cotidianas, próprias de cada sujeito, mediadas pelo uso da linguagem. Segundo
Vygotsky (1987), o que faz com que haja diferença lógica e psicológica entre os conceitos
cotidianos e científicos é a falta de um sistema de relações de generalidade.
Os conceitos espontâneos, que Luria (1994, p. 39) chama de comuns, são naturalmente
distintos porque, para ele, nos conceitos comuns prevalecem as relações circunstanciais e nos
científicos as relações lógicas abstratas. “Os conceitos ‘comuns’ se formam com a
participação da atividade prática e da experiência figurado-direta, os ‘científicos’, com a
participação determinante das operações lógico-verbais”.
A formação de conceitos não se estrutura, portanto, de modo linear, não é o resultados
da transmissão de palavras, mas estas expressam conceitos que podem ser utilizados na
comunicação antes mesmo de serem formados. Nesse sentido, o processo de formação de
conceitos se dá, fundamentalmente, por intermédio de signos linguísticos que permitem
designar e relacionar objetos, suas qualidades e ações. O emprego do signo como a palavra
permite ao individuo lidar com objetos ausentes, realizar abstrações, sínteses e generalizações
de modo que o indivíduo organize o real em categorias conceituais. Vygotsky (1987, p. 70)
afirma que
[...] um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma
operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de
uma combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como
meio para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e
simbolizá-los por meio de um signo.
Mais adiante o autor acrescenta:
A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as
funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser
reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às
tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém, insuficientes.
(VYGOTSKY, 1987, p. 71).
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Para Vygotsky (1987), o conceito é um ato real e complexo de pensamento que para
ser estruturado necessita, dialeticamente, de outros processos igualmente complexos, e
elaborados a partir da mediação com signos. Estes, por sua vez, se constituem como o meio
básico para dominar e dirigir as funções mentais superiores. Isso significa que os signos
auxiliam não apenas na formação de conceitos, mas no desenvolvimento da capacidade de
atenção voluntária, memória lógica, análise, síntese, abstração, generalização, por exemplo.
Desta maneira, as formas de mediação permitem ao sujeito realizar operações cada vez mais
complexas sobre os objetos. Assim, a palavra influencia nesse processo, ainda que assuma
significados diferentes no caminho da formação de conceitos. Linguagem e conceito se
encontram unidos de tal modo que, sem a mediação da linguagem, os conceitos não podem
existir.
Ao investigar a formação de conceitos, Vygotsky (2002) descreveu três momentos
distintos que estão presentes no processo de generalização e que, portanto, constituem as fases
do desenvolvimento de conceitos. São eles: pensamento sincrético, pensamento por complexo
e pensamento conceitual.
Ao empreender esforço de compreensão de cada um desses momentos, Rossi (2006)
explica que na primeira fase, chamada de amontoados sincréticos, percebe-se um baixo nível
de generalização e abstração nas tentativas da criança de agrupar objetos de forma não
organizada, em que os signos são utilizados como um contíguo de informações vagas e
sincréticas de objetos isolados. Na segunda fase, dos pensamentos por complexos, Rossi
indica que na mente das crianças já se estabelecem relações entre os objetos factuais,
decorrente do funcionamento do pensamento verbal e das experiências concretas e imediatas
vivenciadas pelas crianças. Aqui ainda não se percebe o plano lógico-abstrato de operações
com signos, mas os agrupamentos são feitos em um plano real-concreto. Já na chamada de
pensamento conceitual o sujeito mostra-se capaz de isolar os atributos do objeto e examinar
os elementos abstratos de forma separada da totalidade da experiência concreta de que fazem
parte. A análise e a síntese dos atributos do objeto são combinadas de modo a abstrair os
atributos criteriais, ou seja, aquelas características que definem o objeto como um membro de
uma da classe e o diferencia das demais classes de objetos. O signo, então, representa o objeto
em seus aspectos essenciais, desloca-se dos traços reais e imediatos, exprimindo por meio da
palavra seus enlaces lógicos e verbais.
3907
Os signos e as funções mentais superiores
Duas mudanças qualitativas ocorrem por ocasião do uso de signos, a saber: o processo
de internalização e a utilização de sistemas simbólicos. É na interação com o outro que a
internalização de instrumentos e signos se concretiza, primeiro em um nível interpsicológico,
social, depois em um nível intrapsicológico, individual, tal como explica Vygotsky (1984). Os
sistemas simbólicos, por sua vez, organizam os signos em estruturas complexas e articuladas.
Este movimento do social para o individual denominado internalização, está na base do
pensamento sociogenético de inúmeros autores como Janet, Baldwin, etc. (BRANCO, 1993).
Este processo se revela do mesmo modo para a atenção voluntária, para a memória
lógica e para a formação de conceitos. Na verdade, para a perspectiva histórico-cultural, todas
as funções psicológicas superiores resultam das relações entre indivíduos nas quais são
internalizadas formas culturais de comportamento, reconstruídas com base nas operações com
signos.
A transformação do interpsíquico em intrapsíquico e a internalização de formas
culturais de comportamento dá-se por intermédio da linguagem. Ou seja, uma das maneiras
pelas quais a socialização empreende as normas sociais é pelo aprendizado da linguagem que
se refere ao processo de ensino da língua mais do que às propriedades da própria língua
(SAPIR & WHORF apud RATNER, 1996).
A linguagem, portanto, é admitida como importante por permitir a comunicação e por
sua função de representar e expressar o pensamento (GÓES, 1997). De acordo com Vygotsky
(1987), a experiência do gênero humano é adquirida por intermédio da linguagem, em todas
as suas modalidades, pois é pela generalização da linguagem que a criança traz para si um
novo fator de desenvolvimento mental. É nesse sentido que a linguagem, por incorporar
conceitos generalizados socialmente e que são fontes do conhecimento humano, é o sistema
de signos culturalmente construído que impulsiona tanto a constituição de conhecimentos
como a socialização dos mesmos.
O signo mediador é incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na
verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse
signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito
e, posteriormente, torna-se seu símbolo. (VYGOTSKY, 1987, p. 48).
3908
Os signos e os instrumentos constituem a atividade mediada, mas eles se diferenciam
radicalmente porque os instrumentos constituem um meio pelo qual a atividade humana
externa é dirigida para o controle e domínio da natureza; já o signo é orientado internamente e
constitui um meio de atividade dirigido para o controle do próprio indivíduo. (VYGOTSKY,
1984).
O desenvolvimento dos signos, conforme postulados de Vygotsky (2002), caracterizase em quatro estágios. O primeiro denominado estágio natural, referem-se a linguagem préintelectual e ao pensamento pré-verbal, correspondendo, assim, a fase primitiva do
comportamento humano. O estágio seguinte, chamado de psicologia ingênua, traduz-se no
exercício inicial de inteligência prática da criança em que estão em jogo as propriedades
físicas do seu corpo e dos objetos em sua volta. O terceiro estágio diz respeito ao uso de
signos exteriores e representa as atividades em que operações externas são utilizadas como
assistenciais à resolução de problemas internos. Por fim, as operações externas se interiorizam
dando margem a uma ampla transformação no desenvolvimento cognitivo da criança e ela
passa a usar a memória lógica revelando o crescimento para dentro. É o uso de signos
interiores que agora se efetiva na ação do sujeito.
No seio do processo de mediação em que os elementos da cultura passam a ser cada
vez mais de domínio das crianças, o funcionamento dos signos surge como meio de uma
operação psicológica, tal como evidencia Souza (2009). Isto significa que os estágios do signo
assinalam a passagem, nos processos culturais mediados, das formas mais rudimentares de
pensamento para formas superiores de elaboração mental.
Sendo assim, o processo de escolarização surge como uma significativa experiência
que abre possibilidade de aprendizagem e, consequentemente, de desenvolvimento. Analisar a
dinâmica do processo de ensino e aprendizagem que ocorre nas escolas torna-se, pois,
fundamental, uma vez que é nesse espaço que o desenvolvimento psicológico da criança pode
alcançar níveis de aprimoramento de determinadas funções e estabelecer mudanças dos
vínculos e das relações interfuncionais tal como indicadas por Luria e Yudovich (1985). O
desenvolvimento de cada função psicológica particular, por sua vez, depende dessa mudança,
como no caso do desenvolvimento de conceitos. Na aprendizagem de um conceito, as funções
psicológicas superiores que pressupõem o uso das ferramentas intelectuais, são ativadas pela
interação social, especialmente, sob a orientação ou a supervisão de pessoas mais experientes.
Por isso, no tocante ao desenvolvimento de conceitos, as propostas pedagógicas devem levar
3909
em conta a adequação do material ao nível real e potencial dos sujeitos aprendizes,
considerando a diversidade da aprendizagem e os ritmos diferenciados de cada um.
Nessa perspectiva, ao iniciar o processo de escolarização, as crianças já apresentam
explicações variadas sobre fenômenos e conceitos adquiridos fora mesmo da esfera escolar.
Tais experiências de aprendizagem são facilitadoras do amadurecimento de diferentes
processos psicológicos importantes para a formação dos chamados conceitos científicos. Isso
significa dizer que o estudante, ainda que tenha pouca idade, é um ser ativo na construção de
sua aprendizagem e o trabalho pedagógico realizado na escola não pode desconsiderar essa
característica humana. Os professores não podem apresentar às crianças conceituações prontas
e acabadas dos objetos de conhecimento.
Deficiência Intelectual e Desenvolvimento
Fatores
biológicos,
geneticamente
determinados,
interagem
com
fatores
ambientais/culturais para produzir resultados desenvolvimentais. O debate em torno da
participação das predisposições biológicas herdadas do indivíduo e da educação sobre o
desenvolvimento humano considera que não se pode descrever adequadamente o
desenvolvimento considerando a natureza ou a educação isoladas uma da outra; o organismo
e seu ambiente se constituem num único processo de vida (COLE, 2003). Ao se pensar a
interação de fatores biológicos e ambientais no desenvolvimento humano, não há como
derrogar a diversidade humana. Tanto a natureza quanto a dimensão social resultam de um
processo histórico; um movimento permanente que produz e modifica os aspectos fisiológicos
e psíquicos da atividade humana, entendidos como instâncias de um único processo que os
constitui e os relaciona. Assim, o desenvolvimento humano pode ser concebido como o
estudo científico das maneiras pelas quais as pessoas se modificam quantitativa e
qualitativamente no decorrer do tempo (PAPALIA, 2000) e em contextos sociais específicos,
historicamente determinados, o que determina grande diversidade nos cursos que os processos
de desenvolvimento podem seguir, sendo um deles a deficiência intelectual.
Consoante a American Association on Mental Retardation (AAMR, 2004), a
deficiência intelectual é considerada um estado particular de funcionamento que encobre o
desenvolvimento inicial da criança, caracteriza-se por limitações no nível de inteligência e
nas qualidades adaptativas e reflete a relação entre a capacidade individual e a expectativa de
desenvolvimento da pessoa. É uma inabilidade na qual há significativas limitações nas
3910
funções intelectuais e nos comportamentos adaptativos, expressos em habilidades conceituais,
sociais a qualidades adaptativas práticas. Há o comprometimento, durante o período de
desenvolvimento manifesto, até os dezoito anos de idade, de funções responsáveis pelo nível
global de inteligência. O funcionamento da cognição, da motricidade, do comportamento
social adaptativo pode ficar prejudicado em diferentes níveis. Tal definição tenta incorporar
um modelo multidimensional da AARM (2004) de modo a explicar a deficiência intelectual
de acordo com cinco dimensões que envolvem aspectos desenvolvimentais relacionados à
pessoa, ao seu funcionamento individual no ambiente físico e social, ao contexto e aos
sistemas de apoio aos quais está vinculado.
O desenvolvimento natural e desenvolvimento cultural na constituição do ser humano,
em geral, coincidem e se fundem; na criança com deficiência intelectual, não se observa este
tipo de fusão (VIGOTSKI, 1995). O próprio defeito desencadeia a divergência. As atividades
de uma cultura são construídas para um biótipo comum. Ao nascer, a criança com deficiência
intelectual pode não encontrar em seu meio condutas culturais de atividades que sejam
adequadas à sua atuação, o que dificultará o seu desenvolvimento histórico-cultural.
Consequentemente, seu desenvolvimento cultural transcorre numa direção distinta da direção
do desenvolvimento da criança típica, à semelhança da plasticidade de sua inteligência, ainda
que sejam prevalecentes as mesmas leis gerais do processo de internalização. Em função
disso, o ritmo da aprendizagem e do desenvolvimento apresenta características de um
processo incompleto. A evolução intelectual na deficiência intelectual configura uma situação
análoga a uma construção inacabada. No uso prático de seus instrumentos cognitivos na
resolução de problemas, a pessoa demonstra um nível inferior de realização.
Não obstante, tanto para a criança com desenvolvimento típico quanto para aquela
com deficiência intelectual, as características das funções psicológicas superiores são
alteradas, significativamente, com a formação dos conceitos, pois o conceito, em termos
psicológicos, em qualquer nível do seu desenvolvimento, é um ato de generalização. O
desenvolvimento dos conceitos coincide com o desenvolvimento dos significados das
palavras e requer atenção arbitrária, memória lógica, abstração, comparação, discriminação,
enfim, processos psicológicos complexos, conforme mencionado. Pressupõe a discriminação
dos próprios processos intelectuais que lhe servem de base; inclui reflexões de natureza
predominantemente heurística, prática e a descoberta de relações mais complexas entre a
aprendizagem e a atividade da criança (VYGOYSKY, 2001).
3911
Há uma tentativa de reordenação dos grupos de pessoas com necessidades educativas
especiais na organização social, e as políticas públicas investem, de forma evidente, no
aumento da distância entre o paradigma da exclusão e o paradigma da inclusão, focalizando o
processo de escolarização como alternativa que amplia o convívio social e a possibilidade de
aprendizagem (ROSSI & ALMEIDA, 2007). Cabe, nesse sentido, interrogar essa escola
inclusiva divulgada por todas as políticas públicas de educação sobre a ação pedagógica que
envida; se como produto logra ultrapassar os prejuízos típicos da deficiência intelectual e se
sobrepuja as expectativas fortemente negativas sobre o desenvolvimento e aprendizagem que
a família e a própria escola ostentam sobre a criança com desenvolvimento atípico.
Método
O estudo ora apresentado buscou analisar as estratégias pedagógicas adotadas por
quatro professoras, para o ensino-aprendizagem de conceitos científicos em quatro turmas
formadas com crianças que apresentam desenvolvimento típico e crianças com deficiência
intelectual (DI). Foram realizadas filmagens das professoras e seus alunos, buscando
identificar e analisar as atividades realizadas com vistas à introdução de um novo conceito e
sua apropriação pelas crianças, tendo como base os conceitos propostos por Vygotsky (1984),
no que diz respeito à Zona de Desenvolvimento Proximal. Nas filmagens em vídeo foram
privilegiadas as interações entre as professoras e as crianças, especialmente aquelas com DI,
retratando três momentos distintos da constituição do conceito científico: apresentação,
desenvolvimento e conclusão. Foi realizada, também, com cada professora uma entrevista
semiestruturada para investigar aspectos da ação pedagógica no decurso da apresentação de
um conteúdo novo.
Resultados e discussão
Os dados apontam que entre as estratégias utilizadas pelas professoras para introduzir
um novo conceito científico estão: contextualização do conteúdo e vivências por meio de
dinâmicas variadas; o processo de aplicar, avaliar, fortalecer e reavaliar os conteúdos
programados; o uso da leitura pausada do material selecionado. Quanto aos recursos
acionados, são identificados: material concreto, música, figura/imagem, poemas, material do
tipo impresso e cartazes. As professoras elaboram materiais diversificados para permitir e
imprimir diferentes modos de abordar o assunto, evidenciando considerar o processo como
3912
diferenciado para cada um de seus estudantes, o que possibilita a todas as crianças com ou
sem DI a construção de conhecimentos e de modos de funcionamento para lidar com o
desenvolvimento dos conceitos. Alternam momentos de atendimento individual ao aluno com
aprendizagem colaborativa, buscam empregar atividades lúdicas e de fixação de conteúdos, de
forma a motivar os estudantes e levá-los a perceber a vinculação entre certos elementos
estruturantes do conceito. São promovidas condições para o desenvolvimento de
competências e internalização dos conceitos científicos, por intermédio de jogos, reálias, que,
para elas contribuem para promover as funções psicológicas superiores como memória
técnica, criatividade, raciocínio, comparação, discriminação e generalização de ideias, além
do pensamento abstrato.
As professoras relatam fragilidades variadas no decorrer do processo, especialmente
com relação à aprendizagem das crianças com DI, como manter a concentração, trabalhar a
memória e otimizar o tempo de a realização das atividades; a não fixação dos conceitos e
informações; a não compreensão e acompanhamento das atividades, como acontece com o
restante da turma. Tal posição corrobora os achados de Bogoyavlensky e Menchisnskaya
(1991) que sustentam não existir uma relação direta entre a construção de noções e
desenvolvimento cognitivo e, portanto, nem toda aprendizagem escolar possibilita ao aluno o
desenvolvimento das funções mentais superiores. De fato, e também para Vygotsky (1995), as
pessoas com DI apresentam um desenvolvimento das funções psíquicas superiores com ritmo
diferenciado, em relação às crianças com desenvolvimento típico, e um dos maiores entraves
no desenvolvimento de conceitos para aquele grupo está justamente no processo de
generalização e abstração, que não depende somente do caráter da gravidade da deficiência,
mas também da realidade social na qual ele se desenvolve e dos recursos mediacionais que lhe
são apresentados.
Considerações Finais
Ao discutir o processo de construção do conhecimento de crianças com DI, Vygotsky
(2002) analisa que elas apresentam certa dificuldade em constituir o pensamento abstrato, e
que se o conteúdo e as situações de aprendizagem não forem mediadas, isso fica mais difícil.
Nesta direção é que a escola e professores devem assumir a iniciativa e a intervenção no
processo de aprendizado de forma competente e consciente, na medida em que os esforços
devem se focar para estágios de desenvolvimentos ainda não alcançados. O trabalho educativo
3913
deve fomentar novos conhecimentos, habilidades e competências, reconhecendo o nível real
de desenvolvimento do aluno. Os procedimentos utilizados pelas professoras e o modo como
elas os justificam corroboram a perspectiva teórica histórico-cultural ao passo que elas
buscam introduzir um conceito paulatinamente, ressaltando sua construção social. Das quatro
professoras, três salientaram empregar estratégias diversificadas para atender especificamente
as crianças com DI. Ao serem planejadas estas atividades levam em consideração a
necessidade e o direito de adaptação curricular e isso pressupõe o emprego de situações de
aprendizagem em pequenos grupos ou duplas, considerando os níveis de aprendizagem e as
dificuldades apresentadas, frente a um dado conteúdo.
As análises até aqui engendradas apontam que as estratégias e recursos utilizados pelas
professoras participantes deste estudo contribuem para o desenvolvimento dos conceitos
científicos nos dois grupos de crianças e suscitam uma melhor compreensão acerca da (1)
internalização dos conceitos pelas crianças, a ponto de tornar-se automatizado, isto é,
fossilizado; (2) do processo que assegura a continuidade do desenvolvimento.
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