1 Marketing e Ciências Sociais: um estudo sobre a influência da

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Marketing e Ciências Sociais: um estudo sobre a influência da cultura na alimentação
Dario de Oliveira Lima Filho (UFMS)
Caroline Pauletto Spanhol (UFMS)
Ferdinanda Dias de Oliveira (UFMS)
Resumo
Esse estudo baseia-se em uma pesquisa qualitativa realizada a partir da análise dos relatórios
de dois grupos de discussão sobre alimentação. O objetivo é entender como se dá a relação
entre o indivíduo, o alimento e a cultura. Isso se deve a importância que a cultura exerce no
comportamento do consumidor. Sendo assim, este estudo busca, também, promover uma
discussão entre o Marketing e as Ciências Sociais. Os resultados revelam que o ato alimentar
está relacionado aos elementos culturais de um povo, o que acaba por conferir um certo grau
de identidade.
Palavras chave: marketing, alimento, cultura.
Abstract
This study it is based on a carried through qualitative research from the analysis of the reports
of two groups of quarrel on feeding. The objective is to understand as if it gives the relation
between the person, the food and the culture. This if must the importance that the culture
exerts in the behavior of the consumer. Being thus, this study it searchs, also, to promote a
quarrel between the Marketing and Social Sciences. The results disclose that the alimentary
act is related to the cultural elements of a people, what finishes for conferring a certain degree
of identity.
Key Words: marketing, food, culture.
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1. Introdução
O estudo do comportamento do consumidor de alimentos é destaque na literatura de
Marketing, Nutrição, Sociologia, Antropologia e Psicologia. Isso se deve, em parte, à
complexidade envolvida na relação entre o indivíduo e o alimento.
Essa relação ultrapassa os limites biológicos e assume, também, uma função
simbólica. Sendo assim, esse estudo se propõe a suplantar uma análise de cunho positivista,
até então, predominante nos estudos sobre o comportamento do consumidor, resguardadas
suas contribuições, visando, também, promover uma discussão entre as Ciências Sociais e o
Marketing.
Na literatura internacional, observa-se que a sociologia/ antropologia da alimentação,
tem despertado o interesse de pesquisadores como Levi Strauss, Jean-Pierre Poulain, JeanLuis Lambert, Claude Fischler dentre outros. No Brasil, destacam-se os trabalhos de Luis da
Câmara Cascudo com a História da Alimentação do Brasil, Canesqui com Antropologia e
Alimentação e Carneiro com comida e sociedade: uma história da alimentação.
Como se observa na literatura, a alimentação do indivíduo assume uma dimensão
simbólica, e não apenas funcional. Assim, torna-se importante entender a cultura, bem como
os valores, as crenças e os mitos que permeiam a relação do indivíduo com a comida. Sendo
assim, o objetivo desse trabalho é entender como se dá a relação entre o indivíduo, o alimento
e a cultura, a partir de uma pesquisa qualitativa.
2. Metodologia
Esse estudo utiliza a pesquisa qualitativa. De acordo com Bunchaft e Gondim (2004),
na abordagem qualitativa o enfoque está na compreensão de um contexto particular,
respaldado na busca de significado, na subjetividade e na intersubjetividade. Como diz Demo
(1994), é ir além do quantitativo, de modo hermenêutico: é saborear as entrelinhas, porque
muitas vezes, o que está nas linhas é precisamente o que não se queria dizer.
Não se trata, por outro lado, de estabelecer entre qualidade e quantidade uma
polarização radical e estanque, como se uma fosse a perversão da outra. Cada termo tem sua
razão própria de ser e age na realidade como uma unidade de contrários. Não se pode tratar a
qualidade como uma dimensão inferior ou menos nobre da realidade, mas simplesmente uma
face desta. De outro lado, à qualidade não pode inevitavelmente significar deleite, êxtase
(DEMO, 1994).
É certo que não se pode fugir a formalizações, porque se constituem em passo
fundamental do tratamento científico. Portanto, diante dos depoimentos é mister sistematizar,
catalogar, descobrir relevâncias que se repetem, estabelecer aspectos mais ou menos
importantes. Entretanto, como sinaliza Demo (1994), ao se permanecer apenas nisso, não se
consegue sair do estruturalismo que relega o conteúdo e trabalha somente as formas. A análise
qualitativa não despreza a forma, mas coloca no seu lugar instrumento de expressão de
conteúdos.
De maneira específica, a metodologia empregada nesta pesquisa fundamenta-se, em
um primeiro momento, em uma revisão bibliográfica. No segundo momento, baseia-se na
análise de relatórios de pesquisa, com grupo de discussão, sobre hábito alimentar,
encomendada pelo Departamento de Economia e Administração (DEA) da UFMS, na cidade
de Belo Horizonte/MG em março de 2006.
Os participantes dos grupos de discussão eram de ambos os sexos, integrantes de
centros de tradições e moradores de Belo Horizonte por um período superior a dez anos. Os
grupos foram compostos por 12 pessoas, com idades variando entre 25 e 50 anos.
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Os dados foram analisados através da técnica da análise de conteúdo (BARDIN,
1977), que procura conhecer o que está por trás das palavras. Franco (2005) afirma que a
análise de conteúdo baseia-se nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica da
linguagem, esta entendida como uma construção real de toda a humanidade que, em diferentes
momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais que se estabelece entre
linguagem, pensamento e ação.
3. Alimentação e Cultura
Alimentar-se é um ato vital para a manutenção do ser humano, para nós, um ato muito
comum, mas que, também, pode ser objeto de inúmeras reflexões. Sabe-se que o ser humano é
culturalmente determinado, sabe-se, também, que uma das determinações refere-se à
alimentação. A temática que envolve a alimentação gera inúmeras indagações e reflexões.
Sendo assim, o foco deste estudo está em compreender como se dá a relação entre o
indivíduo, o alimento e a cultura.
De acordo com Lévi-Strauss (1977), os animais limitam-se a comer, e o alimento deles
é qualquer coisa que lhes sejam acessível e que seus instintos colocam na categoria de
“comestível”, já os seres humanos, uma vez retirados do seio materno que os amamentou, não
possui tais instintos, portanto, o alimento assume uma conotação diferente a dos animais.
O ser humano, diferentemente dos animais não só adquire seu alimento, mas lava,
limpa, combina ingredientes, cozinha, ou seja, transforma para depois consumir seu alimento,
isto é culturalmente estabelecido e de acordo com seu grupo social.
Assim, as convenções da sociedade decretam o que é alimento, e o que não é alimento,
bem como as espécies de alimentos que devem ser comidas e em quais ocasiões (exemplo:
quaresma); e como todas as ocasiões são ocasiões sociais, isso é determinado pela cultura.
Dessa forma, o ato alimentar implica também valoração simbólica (FISCHLER, 2001,
p.20). Por isso, alimentos podem ser considerados comestíveis em determinadas sociedades ou, mais precisamente, em um grupo social – e não em outras. O que se come, com quem,
quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares são definidas pela cultura:
"O homem se alimenta de acordo com a sociedade a que pertence" (GARINE, 1987 apud
MACIEL, 2001, p. 4).
O que comer em dias comuns? Fins de semana? Dias de festa? Qual a boa comida?
Que alimentos são considerados perigosos? Quais os alimentos saudáveis? Homens,
mulheres, idosos(as), jovens e crianças: quem come o quê? Cada região possui hábitos
alimentares próprios, mas também pratos característicos, que servem como marcadores
identitários regionais. Assim, alguns pratos costumam ser mais intimamente associados a suas
regiões de origem e a seus habitantes, tais como por exemplo - acarajé e vatapá (baianos), o
arroz com pequi (goiano), tutu e pão de queijo (mineiro), tucupi e tacacá (nordestino), o
churrasco (gaúcho).
Alguns desses pratos, sendo característicos de suas regiões, são, ao mesmo tempo,
cotidianos, como é o caso do acarajé, vendido nas ruas da Bahia. Já outros demarcam uma
temporalidade fora do dia-a-dia, como o churrasco, no Sul, que - embora consumido em
restaurantes especializados, que funcionam diariamente - é o prato preferencial do almoço de
domingo em família. Se alguns pratos regionais são famosos em todo o país, outros são quase
desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples fato de que os ingredientes
necessários são exclusivos do lugar de origem, mas também por razões de ordem cultural, que
determinam certos hábitos alimentares.
De acordo com Maciel (2001), se o homem come de tudo, mas ele não come tudo. Há
uma escolha, uma seleção do que é considerado “comida” e dentro dessa grande classificação,
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quais as permitidas. E dessas permitidas é estabelecido também quais as situações em que elas
se aplicam.
Logo, o que é “comida” em uma cultura, não o é em outra. O “estranho”, “exótico”,
que nos causa repugnância na maioria das vezes, está relacionado ao imaginário.
A cultura, distintivo das sociedades humanas, é como um mapa que orienta o
comportamento dos indivíduos em sua vida social. Assim, viver em sociedade é viver sobre as
determinações dessa lógica e as pessoas se comportam segundo as exigências dela, muitas
vezes sem que disso tenham consciência.
Na cultura, observa-se a presença de valores, crenças, tradições, formas simbólicas,
ritos e mitos que identificam e distinguem os membros de um grupo, tal como a definição
proposta por Thompson (1999, p.176) que o autor convencionou chamar de concepção
simbólica:
[...] cultura é o padrão de significados incorporados nas formas
simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos
significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos
comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções
e crenças.
Powdermaker (1997) acrescenta que os antropólogos especialistas em cultura devem
utilizar de abordagens holísticas para compreender os diferentes elementos que a compõem.
Nesse sentido, faz-se necessário discutir como funciona a família, a economia, a classe
organizadora, o sistema político, a religião com seus benefícios e os valores que o homem
possui em relação aos outros homens.
O trabalho de Velho (1977), discutido por Canesqui (1988), aborda o significado da
relação natureza/sociedade para explicar os hábitos alimentares. O autor interroga o que é a
natureza e sociedade para os indivíduos e qual a experiência destes grupos com o que é
natureza e sociedade.
Esta colocação permite desvendar distintas atitudes e concepções de cada grupo ou
indivíduo diante do trabalho, e, também, para que serve a comida, com implicações sobre a
vida social e os hábitos alimentares. Trata-se de compreender os hábitos no conjunto das
práticas dos diferentes grupos sociais que não se encontram diante da mesma natureza
(CANESQUI, 1988).
Ao refletir sobre a alimentação humana, o ser humano não apenas realiza uma prática
vital para sua sobrevivência, como também nutre-se de significados, relembra e preserva
costumes.
No que tange à sociedade, DaMatta (1984) incorpora a comida para explicar suas
manifestações. Sendo assim a sociedade manifesta-se por meio de muitos espelhos e idiomas.
No caso do Brasil, a comida com seus desdobramentos morais, ajudam a situar a mulher e o
feminino em sentido tradicional. Nesse sentido, comidas e mulheres exprimem teoricamente
à sociedade, tanto quanto a política, a economia, a família, o espaço e o tempo etc.
Com isso, observa-se que o ato alimentar traz consigo representações sociais que
expressam a cultura de um povo e situa a mulher como provedora da alimentação em casa.
No caso brasileiro, os ditados populares fazem menção a alguns aspectos da comida, como
para expressar momentos de felicidade, tristeza ou, ainda, desconfiança como no ditado: “por
fora bela viola, por dentro pão bolorento”.
A incorporação da comida no vocabulário popular tem origem em Claude Lèvi-Strauss
que chamou a atenção para dois processos naturais: o cru e o cozido. Estas palavras não
expressam somente dois estados pelos quais passam os alimentos, mas como modalidades
pelas quais se pode falar de transformações sociais importantes (DAMATTA, 1984).
DaMatta (1984) mostra que o cru e o cozido, o alimento e a comida, o doce e o
salgado ajudam a classificar coisas, pessoas e até ações morais do mundo. Segundo o autor, o
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cru se relaciona a um estado de selvageria, ao passo que o cozido se relaciona ao universo
socialmente elaborado que a sociedade humana define como sendo o de sua cultura, de sua
ideologia.
A partir da contradição existente entre o cru e o cozido, o autor chama a atenção para a
diferença entre alimento e comida. O alimento é alvo universal e geral, é para todos os seres
humanos, amigos e inimigos, gente de longe, gente de perto, mas a comida é algo que define
um domínio e coloca as coisas em foco (DAMATTA, 1984).
Ainda para o autor a combinação de feijão com arroz é expressão da sociedade
brasileira, combinando o sólido com o líquido, o negro com o branco, resultando em um prato
de síntese, representativo de um estilo brasileiro de comer: uma culinária relacional que, por
sua vez, evidencia uma sociedade relacional.
No contrário da alimentação está a comida, que se refere a algo costumeiro e sadio,
alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definido por um grupo, uma classe ou
uma pessoa. A comida expressa desde uma operação universal como o ato de se alimentar,
quanto define e marca identidades pessoais e grupais, estilos nacionais de ser, fazer, estar e
viver (DAMATTA, 1984).
As conotações relacionadas à alimentação também pode ser vista na obra de Mennell,
(1996 apud COLAÇO, 2004), que aponta para uma distinção fundamental entre o que
caracteriza a fome e o apetite, pois no seu entender um estado fisiológico que coordenaria
sensações a fim de avisar o organismo de que é preciso repor as energias caracterizaria a
fome. Suprimir esse estado envolve um certo auto-controle, que regulará de maneira
abrangente o que será consumido, quando, como, com quem, o quê, formalizando o apetite.
Ou seja, as práticas de consumo não abordam apenas os alimentos, mas que tipos de
alimentos são consumidos, quem come o quê, quando se dá o consumo, as regras de etiqueta,
a natureza das ocasiões em que os alimentos são consumidos e o valor simbólico dos
alimentos (GOFTON, 1986; SANTOS, 2005).
A partir do exposto por Gofton (1986), DaMatta (1984) acrescenta que o jeitinho
brasileiro de apreciar a mesa grande, farta, alegre e harmoniosa, congrega a liberdade, o
respeito e a satisfação. Sendo assim, nas nobres artes de comer, aprende-se a exercer um gosto
que vai acompanhar os indivíduos para o resto da vida. Comer é gostar, e comer também é
viver.
De fato, o ato alimentar não se resume na ingestão de nutrientes e energia para a
manutenção do corpo. Segundo Silva Santos (2006), o ato de comer envolve uma profunda
ambigüidade nas fronteiras corporais entre a cultura e a natureza. A autora destaca uma
contribuição de Fischler (2001) onde, “Nós nos tornamos o que nós comemos”, tanto no plano
material como no imaginário, atravessando a fronteira do eu e do mundo, capazes de
modificar o próprio organismo.
Já DaMatta (1984, p. 58) encontra uma maneira divertida para relacionar o alimento à
cultura do brasileiro: “dize-me o que comes e dirte-ei quem és!”
Como se observa, o ato alimentar revela parte da identidade cultural do indivíduo e de
uma coletividade. Nesta perspectiva, Poulain (2004) afirma que as práticas alimentares
deixam de ser vistas apenas como forma de expressão ou de identidades sociais para se
inscrever no processo de construção da própria identidade.
Compartilhando do exposto por DaMatta (1984), Powdermaker (1997) mostra o
simbolismo existente na sociedade em torno da gordura e da magreza e a sua relação com
outros símbolos e valores. Os estudos de Powdermaker afirmam que nas sociedades tribais da
África no passado, o acúmulo de alimentos utilizados em ocasiões especiais como casamento,
aniversário e puberdade simbolizavam prestígio, ao passo que também representava
hospitalidade para com os convidados e a valorização de algumas pessoas da tribo em
detrimento de outras.
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A partir disso, se por um lado a acumulação de alimentos significava prestígio, por
outro lado a gordura corporal marcava a beleza e despertava o desejo por uma mulher. Sendo
assim, observa-se a importância das formas simbólicas assumidas pelo padrão de beleza, que
neste caso está relacionado com a questão da alimentação.
O autor chama a atenção para a mudança dos padrões de beleza nas sociedades atuais,
sobretudo porque se observou uma elevação da oferta de alimentos, assim, nas sociedades
contemporâneas se come muito, devido a maior oferta e variedade de alimentos.
A partir disso, observou-se também a redução das atividades físicas, devido à
ocupação dos indivíduos e a escassez de tempo para a prática de exercícios. Segundo o autor
“caminhar por prazer é muito raro” (POWDERMAKER, 1997, p. 206).
Nesse sentido, o padrão de beleza das sociedades atuais é muito diferente das
sociedades tribais. Observa-se a preocupação com a beleza, com a jovialidade e um corpo
magro, constituindo-se em um estereótipo de classe. Já a obesidade representa um problema,
pois está relacionada à imagem de classe baixa, sobretudo para as mulheres
(POWDERMAKER, 1997).
Sendo assim, o alimento é um símbolo significante de prestígio. O tipo de alimento, a
quantidade, a maneira como é servido são importantes critérios que distinguem as classes
sociais de baixo poder aquisitivo (POWDERMAKER, 1997).
Como se vê, a incorporação da perspectiva antropológica para o entendimento dos
hábitos e práticas alimentares se faz pertinente, sobretudo por abordar questões intangíveis ao
ser humano, como sua cultura e os elementos que a compõem.
Isso se deve ao fato, por vezes já mencionado, que o ato alimentar não é restrito apenas a
aspectos biológicos. O alimento é o centro de um complexo sistema de valores e ideologias,
onde os benefícios religiosos, rituais, prestígio, etiqueta e organização social, também,
interagem (PROENÇA, 2001; OLIVEIRA, THEBÁUD-MONY, 1997; DAMATTA, 1984).
4. Resultados
4.1 Perpetuação das tradições
As crenças e os valores, bem como os mitos, cerimônias e rituais são elementos da
cultura de um povo, elementos que conferem sua identidade. Diante disso, observa-se nos
discursos dos participantes, do primeiro grupo focal, o apego à sua cultura de origem.
“Agora virou: uai, chê!”
Essa citação ilustra a situação vivida pelos participantes do grupo. Os participantes
tentavam relembrar e mesmo manter os hábitos de sua terra natal, ao mesmo tempo em que
procuravam se adaptar aos costumes mineiros. Isso pelo fato de morarem em Belo
Horizonte/MG por um período superior a dez anos, motivo esse que possibilitou a
incorporação de novos elementos em sua cultura de origem.
Esses traços culturais estão mais acentuados nos gaúchos, pois foram eles que
demonstraram maior apego às suas tradições, independentemente de estarem ou não ligados a
grupos organizados. Entre eles, encontram-se os participantes de movimentos regionalistas
como o de Farroupilha e os Centros de Tradição Gaúcha (CTG).
De acordo com os participantes do grupo CTG, sua associação tem como objetivo
“relembrar e divulgar a cultura gaúcha” e inspirar o convívio social entre pessoas que vieram
da mesma região e tem costumes semelhantes.
“É uma maneira e um momento de “matar as saudades”:
comer a comida da terra, ouvir e tocar música, dançar,
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falar sobre acontecimentos, lugares e pessoas em comum –
e na mesma língua”.
Os traços culturais e a preocupação com a perpetuação das tradições gaúchas estão
presentes nas falas dos participantes como um fator importante e indispensável para a
manutenção da própria identidade, bem como uma forma de transmitir essa herança simbólica
para as gerações mais jovens.
“Olha, nós temos a parte de cultura, a dança, as coisas
típicas, os acontecimentos históricos. Na parte de
alimentação, trabalhamos as comidas típicas. E na parte de
cultura, a gente traz pros nossos jovens, o que aconteceu
no nosso passado, transmitindo as tradições, as raízes
nossas. E é onde eu já levo filhos, para seguir os nossos
passos”.
Fazendo parte ou não dos grupos de tradição gaúcha, os mesmos pareciam preservar
alguns de seus hábitos alimentares. O chimarrão e o churrasco de costela bovina continuam
fazendo parte do seu dia-a-dia. No entanto, alguns participantes, em geral os mais velhos,
afirmaram tentar controlar a alimentação como forma de preservar a saúde, mas o gosto pela
gordura e a carne mal passada constituem elementos culturais difíceis de afastar.
Embora o churrasco não seja uma prática diária como o chimarrão, os participantes
afirmaram consumi-lo ao menos uma vez por semana, e os mais ”controlados” a cada quinze
dias, normalmente nos finais de semana, em reuniões com a família, com amigos e demais
grupos os quais faziam parte.
É importante ressaltar a importância deste prato tipicamente gaúcho, o churrasco,
como elemento cultural. Ele assume relativa importância ao ser associado com momentos de
alegria, de relacionamento familiar, de amizade e descontração, ou seja, o alimento
exercendo, também, uma função psicossocial.
Diferentemente dos gaúchos, os nordestinos não faziam parte de um grupo organizado
e seu contato com a terra natal se dá, sobretudo, por meio da música, da dança e outros
elementos de sua cultura como o forró e a capoeira, mas principalmente, por meio de reuniões
familiares.
A alimentação parece assumir um papel importante na manutenção das tradições
nordestinas, onde assumem um valor sentimental. Segundo os participantes do grupo de
discussão, preparar ou consumir uma refeição típica tem caráter simbólico, ou seja, uma
forma de relembrar e “matar as saudades da terra”, ou mesmo, da família e amigos.
Este contato com a cultura nordestina, mesmo que de forma esporádica, se traduz em
momentos de grande emoção para os participantes, ao relembrar os pais, a terra, os gostos e os
cheiros.
“(...) Quando eu sinto falta de minha família, aí eu vou nos
lugares, como um acarejé. Quando eu vejo, às vezes dá até
vontade de chorar, porque eu lembro do meu pai, da minha
mãe, dos meus irmãos...aí envolve tudo”.
“Eu falo que se torna bem familiar. Eu como alguma coisa
lá da minha cidade, eu lembro é da minha família”.
Assim como os nordestinos, os mineiros não fazem parte de um centro de tradições ou
outros tipos de grupos regionais. Contudo, eles se reúnem freqüentemente com seus
conterrâneos em bares e restaurantes da capital mineira como uma forma de manutenção de
sua cultura.
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Nestes encontros e mesmo nas residências, observa-se, nos seus discursos, a
manutenção de certos hábitos alimentares como o consumo de queijo e do frango caipira.
“(...) Um queijinho branco. Todo sábado tenho que ir no
Mercado Central comprar queijo. Se quiser me ver
correndo é jogar um queijo morro abaixo”.
Baseado na análise dos discursos dos participantes dos grupos de discussão observa-se
a preocupação com a manutenção das tradições e da cultura centrados no hoje, sobretudo para
os nordestinos e mineiros. Sendo assim, não foram identificados registros sobre a manutenção
e a perpetuação de sua cultura para as próximas gerações nestes grupos.
Já os gaúchos, mostraram de forma clara a preocupação com a perpetuação das
tradições e de sua cultura, preocupação esta, que os motivava a continuar com os Centros de
Tradição Gaúcha, com suas danças, cerimônias e o consumo de alimentos e bebidas típicas,
como o churrasco e o chimarrão, como uma forma de transmitir aos descendentes esta herança
simbólica e cultural.
“Tradição é passar de pai para filho. Por exemplo, eu
cresci vendo a mãe tomando chimarrão. Sem eu pensar: ‘Eu vou tomar um chimarrão porque...’ Não, eu tomei”.
4.2 Significado atribuído ao alimento
O primeiro grupo de discussão afirma que uma alimentação regional assume dois
significados básicos, sendo o prazer e a “volta às origens”. O prazer é imediato, fornecido
pelo paladar, pelo sabor, é a “comida gostosa”, aquela que satisfaz.
Com isso, observa-se que a alimentação de cada região é considerada “a mais gostosa”
pelo povo daquela região. Segundo os participantes do grupo de discussão, isso acontece pelo
fato da alimentação não ser apreciada somente por suas características, mas, sobretudo, pelo
costume, uma vez que a pessoa foi criada “aprendendo a gostar” e a se identificar com aquele
sabor característico.
Segundo os participantes, quando se alimentam com os alimentos regionais estão
renovando o aprendizado, afirmando sua cultura e perpetuando os costumes.
“Mas, cada vez que se alimenta da comida regional, ele
está renovando “o aprendizado”, o gosto...ou seja, o hábito e
o prazer andariam juntos, criando um ciclo vicioso”.
Os participantes revelam que uma das motivações para consumir alimentos regionais,
é o fato deles proporcionarem uma forma de “se identificar com um povo”, ou seja, uma vez
mantidos esses hábitos, também estariam conservando sua própria identidade cultural.
Acrescentam que o consumo dessa alimentação vem acompanhado de outros itens da cultura
regional, como a música, dança, violão, cachaça, vinho e chimarrão.
Nota-se que o consumo de um prato típico, muitas vezes, anda junto com eventos
sociais (seja em casa, nos grupos regionais ou ainda em bares/restaurantes). Sendo assim, o
alimento cumpre sua função social, ou seja, de reunir a família, de se reencontrar e, ainda,
fazer amigos.
“Alimentação faz parte do ritual. É fator de reunião, o
social, para encontrar pessoas que dividem com você a sua
cultura”.
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“Tem famílias que se reúnem com a alimentação, é
importante para ela. Tem um ritual, tem tudo”.
Como se pode observar, a alimentação desempenha, não somente a função nutricional,
mas principalmente a função social e cultural. Esse fenômeno sócio-nutricional vai ao
encontro das afirmações sobre alimentação divulgados por Cascudo (1986), Casotti (1998),
Proença (2001), Poulain (2004) e Strong (2004), Lambert et al (2005).
Os depoimentos dos participantes do segundo grupo mostram que a escolha dos
alimentos no dia a dia é determinada pela preocupação com a saúde, tendo em vista garantir
uma boa qualidade de vida. Comer bem, para eles significa o mesmo que consumir alimentos
saudáveis.
Para este grupo, a saúde na escolha dos alimentos é preponderante, mas a praticidade
apresenta papel de destaque nos hábitos alimentares. Nesse sentido, uma alimentação
saudável e com qualidade são sinônimos de comer bem.
“Olha, a saúde é você ter disposição para estar
trabalhando, para estar praticando esporte...Estar de bem
com a vida. E o seu organismo estar em perfeito
funcionamento, você não estar com nada doente. Então, eu
acho que a alimentação você tem que olhar isto tudo. A
parte do seu organismo, do funcionamento dele, e do seu
bem-estar com o seu psicológico também. Eu acho que
tudo é u, conjunto”.
“Eu acho que o nosso corpo precisa de vários nutrientes
para ele funcionar perfeitamente. Então, a partir do
momento que eu tenho condições de estar, no dia a dia,
colocando no meu prato esses alimentos, que vão me dar
todos esses nutrientes, então para mim é uma alimentação
saudável”.
“Tem que ter sempre variedade. No meu caso, eu sempre
faço vários tipos de salada: uma salada de beterraba, uma
salada de cenourinha ralada, uma salada de chuchu com
ovos, entendeu?”
Como se observa, a alimentação carrega consigo alguns significados e estes
significados parecem influenciar as escolhas por alimentos. Uma vez que estão aqui
associados à saúde, conveniência, às lembranças da família e, também, pela tradição.
4.3 Motivos explicitados relacionados às crenças e valores
A partir dos discursos dos entrevistados, observa-se que o consumo alimentar do diaa-dia é determinado por fatores que extrapolam o ato da alimentação em si, ou seja,
ultrapassam as funções nutricionais, assumindo assim, uma função social. Nesse sentido, a
vida profissional, a composição e os hábitos familiares parecem influenciar o tipo de alimento
consumido e a forma como ele é consumido. Nota-se, também, que não existe um padrão
definido quanto à forma de se alimentar.
O comportamento no horário das refeições varia. Alguns se alimentam sozinhos, em
silêncio, se concentrando na comida, já outros, assistindo televisão, “teclando no computador”
ou no próprio local onde se desenvolvem suas atividades profissionais. Poucos afirmam que a
família mantém o hábito de fazer as refeições em conjunto.
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“Lá em casa, no almoço, a gente ainda cultua o hábito de
almoçar com a família, e conversando, sem dar valor pra
televisão ou pro rádio”.
O hábito de se alimentar, reunidos em família, tem sido relevante apenas para uma
minoria dos participantes do grupo de discussão. Será que essa reunião familiar durante as
refeições tem sido esquecida frente à agitação da vida moderna? Os discursos não evidenciam
uma preocupação aparente com esta questão.
“Se a família está reunida, claro que eu vou estar na mesa.
Mas se for para comer sozinha, eu pôr meu prato e ficar na
mesa, não! Aí eu faço outra coisa, como e vejo outra coisa.
Eu como e aproveito o tempo também”.
As análises dos discursos permitem dizer que quando se menciona sobre os pratos
típicos de sua região, observa-se que os participantes afirmam que não somente o prazer de
comer bem está associado ao seu consumo, mas a “ausência de culpa” ao escolher estes
alimentos.
No que tange aos pratos típicos, observa-se que nem sempre, eles são colocados como
alimentos integrantes de uma refeição saudável e balanceada.
“Comer bem é sentir prazer de comer. Pode ser um arroz
com feijão e um ovo frito, mas tu está gostando de comer
aquilo ali”.
“Eu acho que eu não vou me preocupar, porque o meu avô,
que vai fazer 88 anos, ele come banha, ele come toucinho,
carne gorda: e diz que é desde pequeno”.
“Eu acho que alimentação saudável varia de pessoas pra
pessoa. Ele falou que não agüenta comer churrasco três até
três vezes por semana. Já, em casa, a gente não come sem
carne. Desde que eu me entendo por gente é arroz feijão e
um pedaço de costela assada todo dia!”
Nota-se que essa “ausência de culpa” na escolha por alimentos regionais é
predominante nas gerações mais velhas, contudo, não é um hábito que se deseja transmitir aos
filhos como referência, ou até mesmo, como valor de uma boa refeição.
“Eu acho que a fruta não é uma coisa que está no dia a dia
da gente. Eu acho que quem come fruta, come por que
gosta mesmo, não está ligando com o valor da nossa
alimentação (...) Eu passo pro meu filho as necessidades
diárias de uma dieta legal. Mas para mim, eu como porque
eu gosto”.
“Porque o pai e a mãe têm um cuidado: ‘-Ah, não vou
comer isso por causa do meu colesterol. Não vou comer
isso porque não vai fazer bem pra mim’. Então já entra o
que ela falou ali, o cuidado da alimentação”.
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“Você tem que começar desde cedo a alimentar bem
(=saudável) para não ter que parar de comer bem (=prazer)
quando estiver mais velho”.
O valor atribuído a uma alimentação saudável, está relacionado, sobretudo, na
preocupação com a saúde para os mais velhos e com a aparência e a forma física para os mais
jovens. Acrescenta-se a isso, a preocupação de transmitir aos mais jovens os valores e o
significado de uma alimentação saudável.
“É fácil tu comer o que tu gosta, mas não comer com
exagero. Quando tu gosta de uma carne gorda, não vai
comer dez pedaços de costela porque você gosta! Pô, vou
comer um pedacinho só, colocar uma saladinha do
lado...Tu está comendo bem e está regulando também na
saúde, não é?”
“Eu pratico isso no dia a dia; eu faço uma alimentação
balanceada. Eu acho que alimentar não é só pelo prazer.
Você tem que ver a necessidade do corpo, e ver o que vai
trazer para você de benefício. Então, alimentar bem, eu
acho que é você estar bem com o alimento e não só com o
teu prazer”.
“Mas eu tento controlar, porque a glicose já começa a se
alterar, o colesterol. Então o que eu tenho que fazer?
Diminuir o doce, diminuir o sal, a gordura. Então, isso aí, a
gente não tem prazer de comer, (...) porque a gente gosta
muito de um bife com uma gordurinha, não é?”
Os participantes do segundo grupo de discussão, do consumidor orientado para a
saúde, consideram os hábitos alimentares da casa de seus pais poucos saudáveis. Segundo
eles, a fartura era um aspecto muito valorizado e as comidas eram pesadas, gordurosas e
calóricas. Ademais, consideram essa influência nociva, do ponto de vista da saúde, tendo
sido necessário passar por um processo de reeducação para se adaptarem a uma alimentação
de qualidade.
Sobre isso, observa-se nos discursos dos participantes do segundo grupo, que apenas
uma minoria, entre jovens de classe mais alta, declara estar mantendo hábitos alimentares
saudáveis apreendidos com a família. Esse fato compreende uma repetição dos padrões,
valores e comportamentos apreendidos com os pais, que se convencionou chamar de
continuidade. Essa continuidade se deve à transmissão intergeracional de valores,
comportamentos e padrões de uma alimentação saudável.
“No meu caso, eu acho que veio mesmo desde que eu
nasci, a minha família sempre se preocupou com isso, a
comida super simples e saudável. Eu não fui criada
comendo lasanha, e não sou fã de lasanha; pizza eu como
de seis em seis meses. Então, eu acho que tem essa questão
também de família. No meu caso, eu acho que foi isso.
Muito verde, sabe?”
Se por um lado há a repetição dos padrões alimentares dos pais, por outro, que neste
caso, aparece como predominante, apresenta uma ruptura com as tradições e os valores
familiares atribuídos à alimentação, ou seja, parece haver uma mudança de valores
11
associados a ela. A esse fato se convencionou chamar de descontinuidade. Essa
descontinuidade pode ser produto de mudanças no contexto histórico-social, da economia,
das mudanças de paradigmas, de avanços na medicina e da nutrição.
Sendo assim, a fartura, a gordura, o açúcar muito valorizados pelos familiares na
alimentação, sede lugar à uma alimentação mais saudável e balanceada.
“Mas aí é uma questão de cultura. Teve uma época que a
alimentação saudável era comer muita comida pesada,
gordurosas, em grandes quantidades. (...) Mas se você
tivesse já o costume, ou aquela disciplina para poder se
educar daquela forma, que isso vai te trazer um benefício
futuro, eu acho que seria mais fácil. Porque a gente está
acostumado desde o começo com o açúcar, com a gordura.
Se eu fosse seguir isso direto da minha família, eu estava
no tempo da feijoada, da rabada, da carne sangrando”.
“Quando eu morava com a minha família, eu almoçava,
jantava, eu comia toda hora. Tanto que eu era mais gorda a
uns seis anos atrás. Porque meu pai sempre foi de fazer
muita coisa, fartura, nunca se preocupava em fazer com
menos gordura. Era sempre assim, com muita fartura e
muita gordura”.
“Eu fui criada com carne de porco, tudo coisa gorda.
Porque meu pai gosta muito, e ele tem 93 anos, está vivo
até hoje, graças a Deus. Não é coisa light não, nunca foram
muito de verduras. Agora eu passei a fazer isso por
informações.”
4.4 Mudanças nos hábitos alimentares
Uma maneira de manter as tradições de um povo é por meio da preservação e
transmissão das receitas regionais (POULAIN, 2004). A partir da repetição das receitas
culinárias torna-se possível, identificar se ocorreram mudanças nos hábitos alimentares ao
longo do tempo.
Uma pequena parcela dos participantes afirma que os alimentos regionais são
elaborados, hoje, da mesma forma que no passado, ou seja, não tendo sofrido mudanças ao
longo do tempo. Importante ressaltar que uma receita que tenha sofrido alguma “adaptação”
não é considerada um “prato típico”, uma vez que este é entendido com uma receita “pura”,
original, aquela transmitida dos pais para filhos.
“A receita da tataravó é a mesma até hoje”.
Se por um lado, há preservação das receitas tradicionais, por outro, observa-se que
mudanças vêm ocorrendo no consumo de alimentos. Isso deve, em parte, pela maior
preocupação com a saúde, a entrada de alimentos industrializados no mercado, a própria
globalização, que possibilitou o contato com outras culturas, novas formas e elementos da
alimentação e a agitação da vida moderna.
“O Peter é novo, pode comer de tudo, tudo bem. Na hora
que chegar aos 30 anos, começa a pensar um pouquinho.
Conforme vai avançando a tua idade, tu vai mudando os
12
teus hábitos alimentares. Você vai titrando coisas que
prejudicam, coisas que não são boas, vai acrescentando
coisas boas...Eu acho que isso muda”.
“Eu gosto muito de salada. Apesar de que na Bahia não se
usa tanta salada, mas aqui, eu estando aqui há trinta anos,
eu já acostumei. É salada de tudo, é muita couve, muita
alface, muito almeirão”.
Também, para os participantes do segundo grupo de discussão houve mudanças nos
seus hábitos alimentares nos últimos anos. A justificativa mais comum é a de que, com o
avanço da idade, começam as preocupações e o desejo de uma velhice mais saudável; e
porque o próprio organismo passa a repelir os “excessos” da juventude.
Os principais fatores citados, na tentativa de explicar as mudanças nos hábitos
alimentares foram: a vaidade, ou seja, a preocupação com a aparência, e o acesso as
informações.
Um aspecto que chama a atenção é o de como o jantar tradicional transformou-se em
um dos “vilões” da alimentação, sendo responsabilizado por problemas de má digestão,
distúrbios no sono e ganho de peso. Ele foi praticamente abolido, nas classes mais altas,
sendo substituídos por lanches. Uma minoria mantém o hábito; alguns porque consideram
mais saudável. Outros, ainda se sentem culpados por não conseguir evitar o jantar.
“Quando chega uma certa idade, assim, você vai passando
dos trinta, principalmente falando de mulher que é vaidosa,
você já começa a dosar. Eu gosto muito de massa, mas aí,
o dia que eu como massa, eu já não entro com arroz e
feijão”.
“Você vai chegando a uma certa idade que você tem que
mudar seus hábitos mesmo! Porque nem o seu próprio
corpo agüenta fazer o que você fazia a algum tempo atrás.
Sua alimentação tem que ser uma coisa mais balanceada”.
“Por essas informações, e também por a gente pegar uma
idadezinha, então a gente fica com medo de aparecer uma
diabete, um colesterol, umas coisas assim. Então eu passei
a mudar meus hábitos alimentares. Como muita fruta,
muita verdura, mas eu não deixo de comer umas coisinhas
de vez em quando não”.
“Eu não tinha esta preocupação até que meu filho começou
a engordar demais. Então eu passei a olhar esta questão da
alimentação de outra maneira. É preciso ter alimentação
saudável, não é a questão de sair comendo tudo, tem que
horário”.
“Agora depois dos quarenta anos ou antes um pouco, eu
passei a não jantar, coisas que as vezes eu fazia, eu não
faço mais (...) Porque não me sinto bem, se eu jantar eu
não consigo dormir bem. O metabolismo muda”.
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Outro fator que se destaca como motivador das mudanças nos hábitos alimentares dos
indivíduos está, também, calcado na ruptura com a herança simbólica recebida. A partir disso,
observa-se que os hábitos alimentares dos pais ou dos avós, como já mencionado, não são
repetidos por seus descendentes. Sendo assim, dá-se inicio a um novo comportamento, uma
nova postura, novos valores que moldam seus hábitos alimentares.
“Minha avó adora quiabinho com angu, eu já gosto de uma
salada bem colorida, um arroz branco, um bifinho de peito
de frango... Não tem coisa melhor para mim”.
5. Considerações Finais
Este estudo teve como objetivo entender como se dá a relação entre o indivíduo, o
alimento e a cultura, por meio de uma pesquisa qualitativa. Como referencial teórico utilizouse trabalhos realizados na área da Antropologia Social, bem como a análise dos relatórios dos
grupos de discussão, para melhor entender como se dá essa imbricada relação.
O alimento é considerado não somente fonte de nutrientes e energia, mas é visto como
elemento importante da cultura de um povo. O alimento apresenta-se também como uma
forma de perpetuar as tradições regionais e principalmente as familiares, sobretudo, para os
participantes de origem sulina, onde se observa a transmissão de conhecimentos e receitas
entre as gerações.
Isso posto, nota-se que há uma continuidade nas práticas alimentares, transmitida entre
as gerações para uma minoria dos participantes, onde se destacam os participantes de origem
sulina, os quais demonstram grande apego a cultura local e a preocupação com sua
perpetuação para as próximas gerações. Este apego à cultura parece ser o elemento que mais
contribui com a manutenção da continuidade das práticas e hábitos alimentares.
Observa-se nos discursos a importância cultural que o alimento adquire, sobretudo, no
tocante aos símbolos, as lembranças da infância, da família, bem como de ocasiões cotidianas
e especiais. Sendo assim, o alimento é fonte inesgotável de significados, de valores e
sentimentos; elementos esses que variam de uma cultura para outra. Onde, o ato alimentar
implica, também, em valoração simbólica (FISCHLER, 2001, p.20).
Por isso, alimentos podem ser considerados comestíveis em determinadas sociedades ou, mais precisamente, em um grupo social – e não em outras. O que se come, com quem,
quando, como e onde se come: as opções e proibições alimentares são definidas pela cultura.
Assim, de acordo com Garine (1987, apud Maciel, 2001, p.4), "O homem se alimenta de
acordo com a sociedade a que pertence".
Isso posto, observa-se que estudar a cultura de uma sociedade é muito mais, do que
simplesmente compartilhar da dança, da comida e da bebida, é entender suas raízes, seus
comportamentos, suas ideologias e fazer, também, parte dela.
A breve reflexão, a que este estudo se propõe, não foi suficiente para compreender
como se dá essa importante relação entre o indivíduo, o alimento cultura, mas avança no
sentido de estabelecer um link entre o Marketing e as Ciências Sociais, isso por entender que
os modelos existentes na área do comportamento do consumidor, que utilizam sobremaneira,
de métodos quantitativos de análise, resguardadas suas contribuições, não são suficientes para
entender as particularidades existentes nesta imbricada relação.
Sendo a cultura o resultado de um conjunto de elementos como valores, crenças,
mitos, simbologias, sua mensuração torna-se muito complexa. Sendo assim, as pesquisa
qualitativas podem auxiliar na busca profunda das motivações que guiam o comportamento
do consumidor de alimentos, a começar pela influência da cultura.
Sendo assim, esse estudo contribui com a academia, no sentido de promover um
diálogo entre o Marketing e as Ciências Sociais, sobretudo, no que tange ao estudo do
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comportamento do consumidor, bem como vem incorporar uma nova forma de ver o
fenômeno da alimentação.
Para as políticas públicas, esse estudo chama a atenção para a questão da alimentação.
Observou-se que a reprodução dos hábitos alimentares dos ascendentes está presente em uma
pequena parcela dos indivíduos que mantém os mesmos hábitos, como o consumo excessivo
de gorduras e açúcares. Sendo assim, devem-se encontrar estratégias que proporcionem o
equilíbrio entre a manutenção das tradições culturais por meio da culinária e a manutenção da
saúde por meio da mesma. Evitando assim, problemas de saúde pública como hipertensão,
obesidade e diabetes.
Como contribuição empresarial, este estudo traz a importância que a cultura exerce na
escolha dos alimentos a serem consumidos pelos indivíduos. Sendo assim, uma atenção
especial à família, a cultura local e aos grupos de referência deve ser dada pelos profissionais
de marketing. A partir disso, poderão ser reveladas novas oportunidades de negócio,
sobretudo, para as agroindústrias.
Como recomendação para estudos futuros, sugere-se que novos fatores que interferem
no comportamento do consumidor sejam incorporados na discussão. Assim, Powdermaker
(1997) afirma que os estudiosos devem utilizar de abordagens holísticas para compreender os
diferentes elementos que compõem a cultura. Nesse sentido, faz-se necessário discutir como
funciona a família, a economia, a classe organizadora, o sistema político, a religião com seus
benefícios e os valores que o homem possui em relação aos outros homens.
Somente dessa maneira será obtido um panorama geral de como se dá a influência da
cultura no comportamento do consumidor de alimentos.
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