15 PRIMEIRA IMPRESSÃO • ABRIL DE 2004 Edição e Diagramação: Társila Maciel • Fotografia: Ariane Rocha As vantagens do Real Dez anos depois, segundo a economista Josefa Poleti, o Plano mostra mais pontos positivos do que negativos Primeira Impressão – Para a senhora, qual o valor mais representativo do Plano Real especificamente quando se fala no trabalhador de baixa renda, que, antes, tinha grande dificuldade em manter o poder de compra sem que seu salário fosse corroído pela hiperinflação? Josefa Poleti – O Plano Real empurrou o trabalhador para dentro das lojas. Antes dele, a inflação era tão alta que o indivíduo não conseguia gastar além das suas necessidades básicas, especialmente a população que ganhava até sete salários mínimos. Para eles, não era possível refazer o salário: gastavam tudo no inicio do mês, porque se deixassem para o final, teriam somente a metade. O índice inflacionário era muito alto, de quase 50% ao mês. A estabilização de preços fez com que as pessoas se planejassem melhor, que houvesse melhor distribuição de renda, e essa população passou a ter acesso a várias outras coisas que não fossem os bens necessários. PI – O Brasil tende a colocar a Economista Josefa Poleti: o Plano Real está no rumo certo. ENTREVISTA J osefa Barbera Molina Poleti é delegada do Conselho Re gional de Economia da 2ª Região-SP. Para ela, o Plano Real não é grande milagre para a família brasileira, pois há muitos desempregados. Se todos estiverem empregados ou o líder da família ganhar bem, até dá para se manter um bom padrão de vida, mas, para a entrevistada, o grande contingente da força de trabalho está fora desse padrão. Ela também atribui ao desemprego o outro lado da medalha para a estabilidade de preços e contenção inflacionária. Num país em que, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), 33% da população vivem em situação de miserabilidade, ela faz um diagnóstico do sobre o sistema econômico e critica o atual governo: economia em recessão para tentar baixar o índice inflacionário. E já havia tentado experiências anteriores, inclusive congelando preços e salários, o que gerou uma compra excessiva e desnecessária pela população. Por outro lado, houve aumento do desemprego, como a senhora diz. Que diferença fez o Plano Real funcionar em relação aos anteriores? Josefa – Tivemos várias tentativas antes do Plano Real. O que provocou essa explosão de demanda foi o Plano Bresser, que tabelou preços por muito tempo. O erro foi que se basearam em políticas fracas, que não conseguiram resolver as questões de contenção de inflação, por exemplo. Para contê-la, é preciso tirar moeda da mão das pessoas. Diminui-se a quantidade para gastos, e então ocorre o desemprego. Se o País não vende, não consome. Se não consome, as empresas não vendem. E se elas não vendem, desempregam. Essa política provoca o desemprego. É o lado triste da estabilidade. Os outros planos não conseguiram unidade nas políticas fiscal, tributária e outras que fizessem com que dessem certo. No caso do Real, houve uma mistura de políticas que fortaleceram o Plano, o que o mantém estável até hoje. PI – Mas nem tudo foi perfeito desde o início do Plano Real. Ele também apresentou falhas? Josefa – Houve momentos difíceis. A crise do México, em 1994, a dos países asiáticos em 1998, a russa em 1999 – todas acabaram abalando a economia nacional, mas, ele se manteve. Na realidade, o Plano está se ajustando com o tempo. Está em eterna adaptação. Com as crises, a situação econômica interna e a integridade do Plano vão sofrendo adaptações. Não podemos esquecer que o Brasil está em fase de desenvolvimento e que é um país pobre, Então, a economia também esta frágil, embora seja grande. Ocorre que, apesar dos dez anos de Plano Real, sempre há um reajustamento, pois ele não é uma coisa pronta, vai se ajustando de acordo com as fases. É uma série de legislações que vão sendo adaptadas. PI - Essas mudanças são sentidas pelos parlamentares ou também podem ser baseadas em influências externas? Josefa – Aí falamos de globalização. Sou favorável à globalização. O Brasil deveria aprender a usar tudo o que existe de bom no mercado internacional e aproveitar isso. Aprender a negociar. O que o País ainda não sabe bem é negociar. No mercado global, existem muitos consumidores em potencial para o que podemos oferecer. E isso é bom para nós. Vai nos trazer tecnologia, ampliação de mercado e progresso, mas precisamos aprender a negociar. PI – A entrada de produtos estrangeiros, como fruto dessa possível negociação que a senhora diz, não pode contribuir para que eles interfiram na indústria ou na economia nacional? Josefa – Acho que a mão-de-obra no Brasil é barata. Podemos alcançar custos compatíveis com a produção internacional. O que se precisa fazer é ter seriedade, investir em tecnologia e procurar custos menores. O brasileiro é muito criativo, só precisa ser incentivado. Uma adequada política industrial, juros corretos, enfim, que a legislação nacional ajude. O empresariado paga tributos absurdos. Isso já tira o Brasil do páreo na busca de melhores preços em produtos, da competitividade. Além da sonegação de impostos e da corrupção que vemos todo dia na televisão. PI – Os programas de auxílio, como bolsasescola e outros, teoricamente, funcionam para ativar a economia, uma vez que dão poder de compra para a população mais carente. A senhora concorda com essa afirmação? Josefa – Não sou a favor de se dar nada a ninguém. As pessoas têm que ganhar pelo próprio esforço. Isso dá dignidade ao homem. Os programas sociais são boa propaganda do governo. Já tínhamos vários programas de auxílio porque temos boa parcela da população que precisa de ajuda, mas já havia recursos e planos suficientes. Se você dá algo para a pessoa, ela recebe e não se esforça mais em conseguir por conta própria. Até porque o valor que se recebe é irrisório, e não resolve os problemas. PI - O Brasil está com a taxa Selic, a taxa de juros brasileira, em torno de 16%, sendo que nos países mais ricos ela fica em torno de 6%. Isso pode representar algum risco para o aumento da inflação? Josefa – Creio que esse governo está pendendo a balança mais para o lado social do que para o econômico, mas pode melhorar mais. Estamos com 16,25% de taxa Selic. Isso pode trazer sérios prejuízos para a economia como um todo. Não é problema nenhum baixar a taxa de juros. Se baixa, teremos mais empregos e mais renda entre as categorias sociais e desenvolvimento da economia. Se por outro lado o governo tem tanto medo de que a inflação retorne, precisa baixar então a carga tributária, que está em torno de 43%, altíssima, ou fazer uma política de facilitação para as empresas. Isso não trará inflação. PI – Em relação à Alca e ao Mercosul, a senhora vê com bons olhos o Brasil participar? Josefa – Não se deve aceitar simplesmente o que é imposto, mas sim discutir interesses. A nossa cota é de 200 produtos para 50 de cada país participante, no caso do Mercosul. Então, é uma troca de produtos em que temos boa fatia do mercado internacional. O Brasil é líder e a economia interna se favorece disso. Quanto à Alca, há uma pressão muito forte para não ser aceita, mas acho isso uma bobagem. Devemos, sim, como já disse antes, aprender a negociar e aproveitar todo esse mercado americano de cabo a rabo, e fazer disso um bem para o País.Creio que, sabendo negociar, não haverá nada que coloque o Brasil em situação de subjugado em relação aos Estados Unidos. PI – Na sua opinião, a política do governo Lula é a adequada ao plano criado por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, “pai” do Real? Josefa – Acredito que não. Porque não está preocupada com o crescimento do PIB, que foi negativo no ano passa- do. Um crescimento negativo da ordem de 2,5% ao ano é um absurdo. Imagine o que se precisa de empregos novos para compensar isso. Temos que crescer na agricultura, no comércio, indústria e serviços. É isso que deveria acontecer. Deve-se melhorar as empresas e criar produtos. O que compensa a riqueza brasileira é a produção. Se temos um PIB alto e uma grande produção em todas as áreas, não temos inflação. A produção neutraliza o processo. Se não cresce, há inflação, e se o governo soltar um pouco, ela sobe. PI – Depois de dez anos do Plano Real, a senhora vê mais aspectos positivos ou negativos? Josefa – A fase do real teve coisas positivas e negativas. De positivas, a melhor redistribuição de renda, a ponto de o consumidor com nível de salário abaixo de sete mínimos poder entrar numa loja e conseguir comprar um tênis para o filho, por exemplo. No mercado externo, quando o real ficou igual ao dólar, tivemos queda nas exportações e crescimento das importações. Com isso, exauriram se nossas reservas porque o exportador só se sente impelido a comercializar se tiver o nível do dólar maior do que o real, porque estará ganhando. Se o dólar for menor ou igual ao real, ele perde. No aspecto cambial monetário, tivemos vantagens. A reforma estrutural na economia brasileira foi muito interessante com as políticas fiscal e monetária, todas favoráveis ao desenvolvimento econômico. As desvantagens foram principalmente em relação ao desemprego porque a repressão da inflação provoca isso. Colocando na balança, acredito que foi muito mais positivo do que negativo. PI – Então, pode-se dizer que a senhora está otimista em relação ao futuro? Josefa – No momento, estamos com tudo para promover o crescimento da economia no País. Temos estabilidade nos preços, a inflação contida, os empresários prontos para começar a produzir mais para abrir os mercados brasileiros, e entrarmos nos estrangeiros. Não só na Alca ou Mercosul, mas na Comunidade Européia. Devemos fazer deles também nosso mercado, e crescer muito mais. Tem que haver uma política aberta e progressista que leve o País ao crescimento. Jean Marcel e Mauricio Carvalho