O uso do marketing viral no processo de gestão de marcas

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG
Instituto de Educação Continuada
Curso de Pós-Graduação em Gestão de Marcas e Identidade Corporativa
O uso do marketing viral no processo de gestão de marcas:
Estudo de caso do vídeo “Touch of Gold” da Nike
Henrique de Avellar Vieira França1
Lilian Brandão Carvalho2
Belo Horizonte, abril de 2008.
RESUMO
Apresenta uma reflexão sobre o uso de estratégias de comunicação alternativas como o
marketing de guerrilha e o marketing viral por parte das empresas como ferramentas no
processo de fortalecimento da imagem e gestão das marcas. Discorre sobre as mudanças na
maneira de se pensar a comunicação e a publicidade com o declínio dos meios de
comunicação de massa, o uso da internet como veículo e suas potencialidades. Adota como
estudo de caso a empresa americana de artigos esportivos Nike, utilizando como objeto de
pesquisa a ação de marketing viral com o vídeo “Touch of Gold”, estrelado pelo jogador
brasileiro Ronaldinho Gaúcho, visto por milhões de pessoas e disseminado em diversos sites
de compartilhamento de vídeos e que gerou grande mídia espontânea, sendo exibido em
programas esportivos e jornalísticos em todo o mundo. Utiliza como metodologia entrevistas
em profundidade na pesquisa dos efeitos e percepção do público com relação ao vídeo e
conseqüente associação à marca Nike.
PALAVRAS CHAVE
Marketing de guerrilha, viral, branding, Nike
1
2
Graduação em Publicidade e Propaganda pela UFMG, [email protected]
Graduação em Relações Públicas pela Newton Paiva, [email protected]
1
1 INTRODUÇÃO
A eficiência da publicidade através dos meios de comunicação de massa tem sido
bastante discutida nos últimos anos por muitos profissionais de comunicação e marketing,
comunidade acadêmica e diversos autores, que apontam um declínio dos mesmos, como é o
caso de Al Ries (2002). Os consumidores estão cada vez menos receptivos aos anúncios
veiculados por estes meios, seja pelo excesso de mensagens publicitárias a que as pessoas são
submetidas diariamente, pela perda da credibilidade ou pelas mudanças de hábito de consumo
dos meios de comunicação de massa. Soma-se a este contexto a segmentação de mercado e a
conseqüente pulverização dos veículos, fazendo com que as audiências sejam cada vez
menores, bem como o poder de persuasão das mensagens diante de um consumidor cada vez
menos influenciável.
Com a queda da audiência e os custos ainda altos de produção e veiculação, as
empresas têm buscado alternativas para se comunicarem com seus consumidores e clientes
potenciais. Uma série de tendências estão despontando em todo o mundo e chegando também
ao Brasil, provocando verdadeiras revoluções na maneira como as pessoas têm pensado a
comunicação e a publicidade. A Internet e as mídias digitais têm evoluído rapidamente,
juntamente com o processo de inclusão digital. Seu potencial ainda é pouco explorado,
principalmente se analisados os recursos que elas oferecem, tal como a interatividade. Sites,
comunicadores instantâneos, redes de relacionamentos, sites de compartilhamento de vídeos e
blogs ainda são instrumentos de comunicação pouco explorados por grande parte das
empresas, que não sabem das possibilidades que estes oferecem ou não sabem como
aproveitá-las.
Mais do que simplesmente comunicar e publicizar seus produtos e serviços, as
empresas estão percebendo cada vez mais a importância de gerir seu principal ativo
intangível, aquilo que lhes confere seu caráter único: a marca. A similaridade entre os
produtos e a facilidade de imitação de atributos como o preço tem feito com que as empresas
procurem estabelecer no mercado mais do que diferenciais competitivos, mas uma relação
emocional entre seus consumidores e suas marcas, com o objetivo de fortalecer e construir
uma imagem positiva da mesma, de acordo com as estratégias mercadológicas. Como defende
Keller (2006), construir uma marca forte proporciona um maior reconhecimento e lealdade do
consumidor, permite uma estratégia de preços mais elevados, possibilita um custo menor de
publicidade, aumenta o poder de barganha junto aos fornecedores, dentre outros. Para
alcançar esses objetivos, as empresas têm procurado se posicionar na mente de seus
consumidores de forma única, proporcionando experiências positivas que transmitam seus
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valores e conceitos. A questão é como alcançar estes objetivos, quais os meios e instrumentos
que permitem os melhores resultados e como utilizá-los.
O uso de mídias não-convencionais e ferramentas alternativas de marketing e
comunicação no processo de construção de valor e fortalecimento das marcas tem sido visto
como tendência em vários países, mas o assunto ainda é pouco discutido no Brasil, apesar de
alguns sinais de mudança, em especial por parte das agências de comunicação. A bibliografia
existente é escassa e grande parte dos textos sobre o tema se restringe a falar da importância
das marcas e da necessidade de construção de valor e posicionamento, sem entrar no cerne da
questão de como este processo ocorre ou quais instrumentos podem ser utilizados, ou
oferecem receitas de sucesso generalistas que não dão conta das especificidades dos negócios,
identidade e valores de cada empresa.
Neste sentido, este trabalho tem como objetivo analisar como a empresa norteamericana Nike tem utilizado as mídias não-convencionais como parte de sua estratégia
global de posicionamento, fortalecimento de seus valores e de sua marca. Para tanto,
adotaremos como estudo de caso o vídeo “Touch of Gold” (toque de ouro, em português),
veiculado na Internet e que gerou grande repercussão no mundo inteiro. Por meio de uma
pesquisa qualitativa, utilizando a metodologia de entrevista em profundidade, buscaremos
analisar os efeitos desse vídeo na percepção dos consumidores com relação à marca.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Meios de Comunicação de Massa
Historicamente, os meios de comunicação de massa são caracterizados como aqueles
capazes de atingir simultaneamente uma grande audiência em um curto espaço de tempo,
como é o caso da televisão, rádio, jornais e revistas. Durante muitos anos, estes meios
concentraram quase toda a verba publicitária das empresas e agências, pelo seu poder de
persuasão e capacidade de levar a mensagem dos anunciantes a milhares de lares e pessoas. A
mensuração palpável da audiência fortalecia os meios e seus principais veículos, que reinaram
absolutos como as únicas opções de se realizar campanhas publicitárias. Diversas marcas
tornaram-se conhecidas e alavancaram seu sucesso graças aos comerciais de 30 segundos
veiculados durante o horário nobre da programação das emissoras de televisão e anúncios de
página dupla nas principais revistas.
Contudo, esta realidade tem mudado. Diversos fatores tem contribuido para essa
transformação, além da evolução natural dos mercados. O certo é que:
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(...) as formas de mídia tradicionais como a televisão, os jornais, as revistas e o
rádio não são mais tão eficazes em promover vendas quanto o eram no passado,
porque os mercados estão mudando e a mídia precisa chegar aos melhores clientes
potenciais do produto de maneira muito mais seletiva. (SISSORS & BUMBA,
2001, p. 15).
Kotler (1999) ressalta a importância que as mídias tradicionais ainda possuem, mas
defende a mesma idéia da perda de sua força, apontando a fragmentação do mercado e a
consequente pulverização da mídia como um dos fatores principais. A diminuição do poder de
persuasão e de atingir a mente dos consumidores também pode ser medido em números: “Em
1965, nos EUA, 34% dos telespectadores adultos podiam citar um ou mais comerciais que
eles haviam visto num break poucos instantes antes. Esse índice foi reduzido para 8% em
1990. (LONGO, 2005, p.120). A atenção das audiências está muito mais disputada, tanto pela
concorrência “interna” dos diversos veículos quanto pela “externa” com outros meios como a
Internet. As múltiplas opções de canais por assinatura e o fenômeno do zapping (troca de
canais rápida) fazem com que os telespectadores e o público em geral sejam menos receptivos
à publicidade, muito devido ao seu caráter invasivo: “É o intervalo comercial interrompendo o
programa, o anúncio na revista interrompendo o artigo, o spot interrompendo a programação
musical, e assim sucessivamente” (LONGO, 2005, p. 97). Esse panorama foi consolidando
uma resistência dos consumidores, como defende Toscani:
Todas as pesquisas sociológicas referentes à mídia constatam a mesma coisa: o
consumidor está ficando com raiva dos anúncios, foge dos comerciais, passa
correndo as páginas publicitárias dos jornais, não memoriza mais, a publicidade
torna-se transparente (TOSCANI, 1996, p. 28).
As recentes tecnologias TiVo e Replay, que permitem que sejam suprimidos todos os
comerciais das transmissões, os recursos de disco rígido interno presente em alguns
equipamentos - que permitem a gravação em tempo real e pause ao vivo dos programas e
consequentemente o avanço dos intervalos - oferecidos por operadoras de televisão fechada,
aparelhos de TV e outros produtos, demonstram a insatisfação dos consumidores com relação
aos moldes da publicidade, tanto no conteúdo quanto na forma, utilizando os meios de
comunicação de massa. Mesmo profissionais tradicionais no mercado publicitário que
pautaram suas carreiras com as mídias tradicionais, como Nizan Guanaes, atual presidente da
agência África, já perceberam que o modelo de se pensar e de se fazer comunicação passa por
um período de mudanças. Em entrevista à Revista Pasta, do CCSP – Clube de Criação de São
Paulo em novembro de 2006 afirmou: que “(...) o problema com a propaganda tradicional não
é porque ela é propaganda, é porque ela é tradicional”.
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Muitas empresas não estão alheias a estas mudanças. Percebendo esta tendência e a
queda das mídias tradicionais, estão reduzindo seus investimentos publicitários nos meios de
comunicação de massa. Levantamento feito pela publicação Advertising Age e pela TNS
Media Intelligence revelou que as 25 empresas que mais gastaram em publicidade nos últimos
5 anos cortaram em US$ 767 milhões seus gastos em mídia tradicional, somente no ano de
2006. (STORY, 2007)
2.2 Mídias Alternativas
As mídias alternativas são aquelas disponíveis para o uso de mensagens publicitárias
excetuando-se as chamadas mídias tradicionais: televisão, rádio, revistas e jornais. Segundo
definição de Sissors e Bumba, mídia alternativa pode ser classificada como:
Quase todo modo inovador de se transmitir mensagens publicitárias aos
consumidores. Costuma estar menos sujeita a interferências do que a mídia
convencional e funde mensagens publicitárias utilizando recursos que normalmente
não são chamados de mídia. A demanda se baseia na necessidade de se encontrarem
melhores maneiras de alcançar consumidores que tenham alterado seus hábitos de
vida ou pertençam a categorias de marketing novas e diferentes das tradicionais
(SISSORS; BUMBA, 2001, p. 133).
Os norte-americanos passaram a chamá-las também de no media, “não mídia”, como
uma negação às mídias convencionais de massa. Os conceitos above the line e below the line
também são utilizados por alguns estudiosos, mas a definição de uma linha exata que
determinasse o que é tradicional e o que é alternativo gera controvérsias, não sendo o objeto
deste artigo.
As mídias alternativas surgiram como opções mais viáveis (geralmente por
envolverem custos menores) e mais interessantes no sentido de se atingirem públicos-alvo
específicos. Por terem uma abrangência menor, seus custos são também menores, mas o que
não significa perda na eficácia dos objetivos de comunicação. As novas mídias têm se
encaixado justamente na tentativa de se atingir targets específicos dentro de um contexto de
público-alvo e produtos cada vez mais segmentados no mercado, além de permitir maneiras
inovadoras para despertar a atenção do público. Os profissionais de mídia das agências de
publicidade contam com uma gama de opções muito maior e podem auxiliar os diretores de
criação e planejamento das agências de publicidade no processo de criação, adequando
conceitos às novas mídias, principalmente as que estão presentes com mais intensidade no
dia-a-dia das pessoas. Tudo hoje pode ser utilizado como mídia, desde escadas-rolantes a
elevadores, basta o uso da criatividade:
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A nova mídia tem ao menos dado aos planejadores mais opções do que tinham no
passado para alcançar audiências-alvo. Se a precisão melhora e vai além dos
segmentos sociais (para uma mistura de segmentos, estilos de vida e grande
potencial de vendas), então a nova mídia é melhor do que a tradicional. Outro
elemento da nova mídia é que muitas vezes ela fornece os meios para fazer um
planejamento de mídia mais criativo. Algumas dessas técnicas são inovadoras e
mais interessantes do que a mídia tradicional e podem ajudar a fazer uma mídia
mais efetiva na distribuição de mensagens dos anunciantes”. (SISSORS, BUMBA,
2001, p.282).
Dentro do contexto do declínio das mídias tradicionais e mudança de perfil e hábitos
dos consumidores, as empresas e profissionais de publicidade e marketing têm encontrado nas
mídias alternativas soluções para escapar do lugar-comum e dos clichês, sobretudo quando se
trata da conquista do envolvimento por parte dos consumidores, na tentativa de “impulsionar
esse sistema publicitário que anda em círculos, incita a consumir cada vez mais e já não
convence” (TOSCANI, 2002, p.25). Diante da concorrência acirrada e semelhança entre os
produtos e serviços, conectar-se emocionalmente com o público tem sido o diferencial de
muitas marcas. As mídias alternativas se encaixam neste contexto na medida em que
permitem uma maior interação com os públicos, sobretudo nas grandes cidades que
apresentam uma maior variedade de espaços de interação (metrôs, shopping centers,
mobiliário urbano). As potencialidades da Internet como mídia e algumas de suas
potencialidades de interação serão tratadas em tópico posterior.
2.3 Marketing de guerrilha
O termo Marketing de Guerrilha tem origem na guerrilha bélica, de potencializar os
recursos existentes. Foi cunhado pela primeira vez em 1982 pelo norte-americano Jay Conrad
Levinson, um estudioso que assim denominou o uso consciente dos recursos de marketing,
idéias e estratégias alternativas ao invés de grandes orçamentos, a confiança no poder do
cérebro ao invés do poder do dinheiro. Surgiu como uma alternativa para as pequenas
empresas enfrentarem grandes concorrentes, mas em pouco tempo passou a ser utilizado por
grandes empresas em todo o mundo na tentativa de se destacar em meio à saturação do
mercado, onde milhares competem da mesma forma, nos mesmos locais.
Os objetivos do marketing de guerrilha foram bem expostos pelo diretor de
planejamento e criação da agência Espalhe (primeira agência especializada em marketing de
guerrilha nos país), Gustavo Fortes, em artigo publicado no Meio e Mensagem de maio de
2007. Segundo ele, “as armas de guerrilha são o boca-a-boca e a mídia espontânea. No
marketing de guerrilha, o objetivo não é simplesmente informar. É fazer com que quem
recebe a mensagem tenha vontade de passá-la pra frente”. Para tanto, é preciso criar um
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conceito forte para que as pessoas passem este conceito para frente por vontade própria, seja
em uma mesa de bar, seja em um blog ou um jornal impresso.
Para alcançar estes objetivos, as ações de marketing de guerrilha buscam chamar a
atenção do público de forma inusitada e criativa, promovendo uma experiência capaz de
potencializar o envolvimento das pessoas, aproximando o produto/marca do público. Segundo
matéria do New York Times (STORY, 2007), de olho nessa idéia “muitos profissionais de
marketing estão tirando enormes verbas de seus orçamentos para mídia tradicional e usando o
dinheiro para desenvolver novas interações mais diretas com os consumidores, não só pela
internet, mas no mundo real”. O desafio se encontra em utilizar a criatividade no
estabelecimento de mensagens pertinentes utilizando formatos adequados de forma inusitada,
capazes de entreter o público e proporcioná-lo experiências que se conectem de maneira
emocional com ele.
O marketing de guerrilha está amplamente ligado ao chamado buzz marketing. A
palavra buzz significa zumbido, em inglês, e seu conceito está ligado ao fenômeno da
repercussão positiva ou negativa em torno de um fato, o quanto se comenta e discute sobre
uma ação ou acontecimento. Uma ação de buzz marketing gera o excitamento que estimula as
pessoas a comentarem sobre a ação de marketing. Quanto mais as pessoas comentam,
dizemos que maior é o buzz, seja ele por meio do boca-a-boca nas ruas, por blogs, sites ou
grandes veículos de comunicação. Por isso sua mensuração e controle é algo muito complexo.
2.4 Web 2.0 e Marketing Viral
A internet é a grande potencializadora das ações de buzz marketing e do marketing de
guerrilha como um todo. Nos últimos anos, a internet tem se consolidado como um meio
democrático de divulgação de informações e opiniões em que o público consegue ter acesso a
uma gama infinitamente maior de possibilidades do que através das mídias de comunicação
tradicionais. A informação acontece em escala mundial, os dados e as mensagens são
transmitidos de qualquer lugar do mundo com grande facilidade e velocidade. Segundo dados
do IBOPE NetRatings, estima-se que em todo o mundo já existam cerca de 450 milhões de
internautas, sendo 295 milhões deles ativos. O Brasil é atualmente um dos países com maior
número de internautas: 18 milhões de usuários da internet com computador em casa. Em
fevereiro de 2005, 11 milhões fizeram uso da web em suas residências.
As empresas e agências de comunicação estão começando a enxergar na internet um
grande potencial, apesar de ser responsável por uma fatia pequena no mercado brasileiro.
Contudo, muitos estão se movimentando nesse sentido, atraídos não só pelo crescente número
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de usuários (a internet é a 3ª maior mídia em alcance, perdendo apenas para a TV e o rádio),
mas também pelas possibilidades de comunicação e interatividade proporcionadas pelo meio.
Segundo dados do projeto Inter-Meios, que monitora o investimento publicitário no mercado
brasileiro, enquanto o investimento publicitário geral cresceu 9% na média geral, o meio
Internet teve um crescimento de 45,7%. (LENT, 2008). Acompanhando o crescimento da
Internet está o acesso cada vez maior da população e dos internautas a novas tecnologias
como câmeras digitais e filmadoras, que ajudaram a construir um novo cenário, com a
facilitação da difusão de conteúdo. Nesse contexto, surgiu o conceito da Web 2.0:
O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segunda geração da World Wide
Web, tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos
internautas com sites e serviços virtuais. A idéia é que o ambiente on-line se torne
mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo.
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2006)
Na web 2.0, os usuários são capazes de participar mais ativamente do processo
comunicativo, servindo como gerador e transmissor de conteúdo. Sites de relacionamento
como o Orkut e o Myspace, de compartilhamento de vídeos como o Youtube e o Google
Vídeo, e de fotos como o Flickr e os fotologs permitiram o crescimento e fortalecimento do
conteúdo gerado pelo consumidor, ou apenas C.G.C (de origem no inglês, Consumer
Generated Content) e uma consolidação do marketing de guerrilha: “Neste sentido, a Internet
facilitou muito a vida dos guerrilheiros de marketing. Ficou muito mais fácil para o
consumidor passar uma mensagem para frente. E com os blogs e redes sociais, a mídia nunca
foi tão espontânea”. (PEREIRA, 2008)
Essa facilidade na divulgação das informações e do conteúdo fez crescer também as
ações de marketing viral. Segundo definição do Blog de Guerrilha, “Marketing Viral é a
ferramenta de marketing de guerrilha que cria um conteúdo (...) para ser passado pra frente
espontaneamente como um vírus”. O nome viral tem origem na Biologia e está relacionado ao
potencial de uma mensagem de se reproduzir rapidamente em progressões geométricas,
proliferando-se de um hospedeiro para outro, tal qual os vírus. Utilizando as redes-sociais
existentes na internet, o marketing viral resgata os princípios da comunicação boca-a-boca,
mas de forma on-line. A confiança nas pessoas é muito maior do que nas empresas, até
mesmo pela perda da credibilidade dos meios de comunicação: “7 em cada 10 pessoas que
recebem um comunicado pelo computador passam-no adiante a outros amigos” (SALZMAN,
MATATHIA e O’REILLY, 2003, p.149).
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Contudo, poucas são as empresas que se preocupam com a idéia de que a mensagem
precisa gerar envolvimento por parte do público, causar algum nível de interesse e/ou
identificação com relação à mensagem para que as pessoas realmente a disseminem. Algumas
perguntas devem ser feitas, como:
Qual a dimensão de minha mensagem de marca? Essa é a pergunta que você deverá
fazer ao considerar se vale a pena criar buzz para uma mensagem. Quererão as
pessoas falar a respeito dela? Dar-se-ão ao incômodo de passá-la adianta por email? (SALZMAN, MATATHIA e O’REILLY, 2003. p. 76)
Outro ponto importante é a identificação dos diversos níveis de públicos existentes e
classificação dos geradores de tendências, que agem como principais vetores das mensagens
virais. As empresas precisam conhecer o grupo de pessoas que gostam de se sentir “por
dentro”, gostam de ser os primeiros a saber e experimentar, desempenham papéis de liderança
e são formadores de opinião em determinados segmentos. São eles quem irão influenciar
outros disseminadores e ajudaram a espalhar a mensagem ao restante do público. Mesmo com
todos esses esforços, não se pode esquecer que quem irá definir o sucesso ou não de uma
campanha de marketing viral é justamente o público.
Quando desenvolvemos uma ação de marketing viral, nós dizemos para o cliente
que esta tem potencial viral, ou seja, acreditamos que um determinado grupo de
pessoas irá se interessar pelo assunto e passará a mensagem, espontaneamente, pra
frente. Não podemos afirmar que ela será passada para frente, só saberemos
realmente quando a ação começar. (FORTES, 2008)
Algumas poucas empresas conseguiram muito sucesso em ações de marketing de
guerrilha e marketing viral, utilizando-os para a construção de mensagens com conceitos
fortes que se disseminaram em todo o mundo, gerando muita mídia espontânea e repercussão,
ajudando no processo de fortalecimento de sua marca como o caso da Nike.
2.5 Nike
2.5.1 Histórico
A história da empresa americana Nike Inc. começou no ano de 1962, ainda com o
nome de Blue Ribbon Sports. Com a intenção de combater a marca alemã Adidas e conquistar
uma fatia do mercado, a empresa passou a representar a japonesa Asics Tigers. Na década
seguinte, a empresa estabeleceu estratégias de terceirização da produção, internacionalização
do consumo e passou a fazer associação com atletas de reputação internacional. O famoso
símbolo da marca, chamado de Swoosh, foi criado em 1971 e hoje já consegue a façanha de
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representar a marca Nike sem nenhuma tipografia. O nome Nike surgiu pouco tempo depois e
teve origem na deusa grega da vitória “Niké”, que de acordo com a lenda podia voar e correr
em grandes velocidades. A história da expansão internacional da empresa começou em 1978
com a entrada no mercado sul-americano e distribuição dos produtos na Europa.
A partir dos anos 80, o investimento em pesquisa e desenvolvimento, design e
marketing permitiram um grande crescimento da empresa. Nesse período, a Nike “lançou
calçados após calçados para um público receptivo e ávido pela próxima novidade”
(SALZMAN, MATATHIA e O’REILLY, 2003. p.112). Os superastros do esporte
endossavam a supremacia funcional dos produtos, valorizados nas situações de uso e
adaptados aos consumidores não só para as práticas esportivas de competição, mas também
para as atividades do cotidiano, de lazer e saúde. A criação de suas lojas conceituais, as Nike
Town, fortalecia o apelo de status de seus produtos, oferecendo aos clientes mais do que
simplesmente artigos esportivos, mas experiências de compra que proporcionavam um
vínculo emocional. É neste período também que a empresa começa sua bela trajetória na
publicidade, marcada pelo slogan criado em 1998. Just to it (apenas faça, em português, mas
reproduzido sem traduções), funcionava como um chamado para a ação e a atividade física.
A partir da década de 90, a Nike reposicionou-se e decidiu que não seria apenas uma
empresa de tênis, mas sim uma empresa de artigos esportivos. Essa mudança de mentalidade
permitiu a expansão para diversos esportes nos quais a Nike tornou-se referência, como o caso
do golfe. O futebol, considerado o esporte número um do mundo, foi essencial para o
crescimento da marca. Para tentar derrotar a rival Adidas na Copa do Mundo de Futebol
realizada nos Estados Unidos em 1994, a Nike se concentrou em associar-se a jogadores
jovens e talentosos, que se encaixavam dentro do perfil da imagem que a empresa queria
transmitir. A estratégia deu certo e a Nike passou a investir no patrocínio de seleções e atletas.
A partir de 2000 a empresa passou a destacar em suas campanhas habilidade e criatividade,
ginga e ritmo, misturando jogadores profissionais com amadores, mas como todos mostrando
o amor pelo jogo e o prazer de jogar.
2.5.2 Posicionamento e gestão da marca
Uma das maiores autoridades do conceito de posicionamento, Porter (1999) afirma
que a essência do pensamento em estratégia é eleger uma posição única e valiosa baseada em
sistemas de atividades que sejam muito mais difíceis de monitorar. Ao longo dos anos, a Nike
conseguiu se tornar um ícone global e símbolo da tecnologia esportiva e da paixão pelo
esporte. É uma empresa inovadora que investe em pesquisa e desenvolvimento de produtos,
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mas que se estabelece como uma marca forte pelo aspecto emocional: é uma empresa que
transmite uma energia jovem e de vitalidade, que estimula a emoção e a paixão pelo esporte
Nos últimos trinta anos, a Nike se transformou numa das marcas mais expressivas e
reconhecidas do mundo. E conseguiu isso não só porque seus produtos são de boa
qualidade, mas porque também vende ícones e não apenas calçados. O segredo da
Nike foi sustentar um fluxo constante de inovação, manter a marca na mente dos
consumidores e preservar sua imagem de empresa autêntica, voltada para os jovens,
esportiva e jovial. (SALZMAN, MATATHIA e O’REILLY, 2003. p. 112)
A força de sua marca e sua credibilidade foram conquistadas principalmente pela
associação com atletas-ícone em diferentes categorias esportivas e pelo investimento em
pesquisa e desenvolvimento e em design. Os atributos físicos e o desempenho de seus
produtos recebiam a chancela dos grandes atletas como o jogador de basquete americano
Michael Jordan, que representavam o espírito da empresa. Na medida em que não precisava
destacar os aspectos tangíveis de seus produtos, a Nike podia produzir anúncios mais
conceituais, nos quais a prioridade é o aspecto estético: cores, sons e imagens ajudam a
construir a simbologia e destacar a magia e a beleza do esporte. O slogan “just do it”
impulsiona a identificação com as pessoas comuns que praticam esportes, aproximando a
Nike àquilo que o esporte significa para os atletas de fim-de-semana, valorizando não só a
competição, mas o amor pelo esporte.
Nos últimos anos, a Nike passou a adotar estratégias de marketing capazes de
aproximá-la de seus consumidores, ações capazes de promover um vínculo emocional com as
pessoas de maneira criativa, utilizando linguagens adequadas ao perfil de seu público. “Mais e
mais, a marca vem sendo comparada a gigantes do design como a Apple e a Sony por sua
capacidade consistente de encantar o público com formatos inovadores e marketing
divertido”. (SALZMAN, MATATHIA e O’REILLY, 2003. p.114). A Nike tem visto a
publicidade de uma maneira diferente e diminuído consideravelmente seus investimentos em
mídia tradicional. “A empresa gastou em 2006 apenas 33% de sua verba de marketing (US$
678 milhões nos EUA) em comerciais de TV e anúncios em outras companhias de mídia
tradicional. Uma queda de 55% nos últimos 10 anos, de acordo com a publicação Advertising
Age.” (STORY, 2007). Outras empresas estão seguindo o mesmo caminho. De acordo com o
Nielsen Monitor-Plus, o gasto com publicidade tradicional caiu de 70% para 45% de 2006
para o primeiro semestre de 2007, segundo matéria do New York Times.
Os executivos da Nike já sabem que os consumidores não reagem mais da mesma
maneira aos anúncios de mídia de massa. Joaquin Hidalgo, vice-presidente de gestão global
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da Nike, afirmou em entrevista ao New York Times: “Nós automaticamente não pensamos
mais em televisão”. Na matéria, o executivo explicou os motivos dessa mudança: “Houve um
tempo em que marcas como a Nike podiam dizer às crianças por meio da televisão o que era
legal, o que estava na moda, o que não estava, porque era a única janela que eles tinham para
o mundo. Isso mudou completamente agora”. Ainda na mesma matéria, o diretor global para
conexões de marca da Nike, Stefan Olander, explicou os objetivos de marketing da empresa
“Nós queremos achar um caminho de elevar a experiência e os serviços, ao invés de procurar
uma maneira de interromper as pessoas de irem para onde elas querem ir”. A empresa
continua tendo uma forte presença na TV, por meio do patrocínio de vários atletas, mas suas
atenções estão voltadas para a internet, onde são exibidos seus comerciais.
Tevor Edwards, vice-presidente global de marca da Nike, reafirmou a posição da
empresa com relação aos meios de comunicação de massa: “Nós não estamos no negócio de
manter as empresas de mídia vivas (...) nós estamos no negócio de nos conectarmos com os
consumidores”. Para conseguir este objetivo, a Nike tem investido em ações capazes de gerar
experiências positivas e transmitir seus valores e conceitos de maneira diferenciada, como o
marketing de guerrilha. Com isso, tem conseguido superar seus concorrentes. Em entrevista
ao portal Mundo do Marketing, Gustavo Fortes exemplifica alguma dessas ações:
Nas copas do mundo, a patrocinadora oficial sempre foi a Adidas. Depois de
pesquisa global feita no mundial de 2006, as pessoas achavam que a patrocinadora
oficial do evento era a Nike. Na copa de 1998, em Paris, você só via ações da Nike
acontecendo em vários lugares. Ações inteligentes, legalizadas pela prefeitura,
ações que fazem o público pensar que a Nike realmente é a patrocinadora da copa.
Os patrocinadores oficiais, em minha opinião, desembolsam uma grana preta (US$
45 milhões) e pensam: “Pronto! Já estou patrocinando, tudo bem” enquanto que a
Nike faz essas ações, aparece muito mais, está mais próxima do cliente e as pessoas
ficam com a percepção de que ela é a patrocinadora. Isto se chama marketing de
emboscada. (TERRA, 2007).
O crescimento da Nike demonstra o sucesso das ações utilizando mídias alternativas e
marketing de guerrilha não só no fortalecimento da marca, mas nos resultados das vendas da
empresa: “As vendas globais da Nike subiram nos últimos 4 anos – de US$ 10 bilhões para de
US$ 16 . E os executivos dizem que o novo tipo de marketing é uma parte desse resultado.”
(STORY, 2007).
2.5.2 O vídeo “Touch of Gold”
No ano de 2005, a Nike criou a campanha “Joga Bonito” especialmente para a Copa
do Mundo da Alemanha que seria realizada no ano seguinte. A proposta era mostrar que o
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futebol deveria sempre ser jogado bonito, destacando-se a criatividade e a habilidade, fazendo
com que o esporte ficasse mais alegre, justo e com menos racismo e violência. Em 20 de
outubro de 2005, para marcar mundialmente o lançamento desta campanha, a empresa
apostou no marketing viral e ao invés de utilizar comerciais na televisão, adotou como
estratégia a distribuição de um vídeo de 2min44 com o jogador brasileiro de futebol
Ronaldinho Gaúcho em sites de compartilhamento de vídeos. Sem ter o formato de anúncios
publicitários, o vídeo surgiu na internet de forma aparentemente despretensiosa, como se
fosse o registro da habilidade do jogador em seu dia-a-dia.
No vídeo, batizado com o nome “Touch of Gold”, o jogador brasileiro recebe um novo
par de chuteiras da Nike durante um treinamento do clube espanhol Barcelona, onde joga.
Começa a brincar com a bola, como se estivesse testando o produto, fazendo embaixadinhas.
Depois de alguns toques, chuta a bola em direção ao travessão de um dos gols e faz a bola
voltar em seu peito, repetindo a façanha por mais 3 vezes consecutivas sem deixar a bola cair,
em seguida continua brincando com a bola por algum tempo. Ao final do vídeo, a logomarca
da Nike aparece e a indicação do site especial da empresa voltado para o futebol.
Como uma epidemia, rapidamente o vídeo se espalhou pela internet, envolto também
na polêmica se Ronaldinho realmente havia conseguido realizar aquilo ou se o vídeo havia
sido editado e manipulado digitalmente pela Nike. A grande habilidade do jogador,
considerado o melhor do mundo pela FIFA em 2004 e 2005, era um bom argumento para os
que acreditavam na veracidade do vídeo. A Nike não se pronunciava e o próprio Ronaldinho
afirmava que o comercial não era uma montagem:
Ronaldinho Gaúcho jura de pés juntos que as cenas apresentadas na nova
propaganda da Nike – em que chuta a bola no travessão várias vezes consecutivas –
é verdade e não foram montadas. O jogador do Barcelona se diz surpreso com o
sucesso do comercial. (JACOBS, 2005)
De qualquer maneira, os admiradores do talento do jogador brasileiro, principalmente
os jovens, procuravam o vídeo e o compartilhavam entre os amigos e parentes, para que todos
pudessem tirar suas próprias conclusões. Nas semanas seguintes à sua divulgação, o vídeo
figurou entre os 10 vídeos mais assistidos do Youtube, atingindo mais de 15 milhões de
visualizações. Ainda hoje, após quase 3 anos de sua divulgação, o vídeo permanece entre os
50 mais assistidos da história do site, com mais de 21,6 milhões de visualizações – é o vídeo
com caráter publicitário que teve o maior número de visualizações, contando com mais de
13.800 comentários, além de outras versões do mesmo vídeo exibidas no próprio site e em
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outros locais de compartilhamento de vídeos, isso tudo apesar do baixo apelo do futebol nos
Estados Unidos, país que concentra a maior parte dos usuários do site, também norteamericano. (YOUTUBE, 2005)
Além de todas as visualizações na internet, o vídeo fez história como um case de
sucesso de marketing de guerrilha pela mídia espontânea gerada. No mundo inteiro, o vídeo
foi exibido na televisão em centenas de programas esportivos, noticiários e outros, além de
virar matéria de jornais e revistas. No Brasil, o vídeo chegou a ser exibido na íntegra até
mesmo no programa Fantástico, da TV Globo, um dos principais programas da maior
emissora do Brasil, além de ser assunto em todos os programas esportivos de sua grade. Se a
Nike tivesse que comprar todo o espaço de mídia ao redor do mundo conquistado
gratuitamente pelo vídeo, a empresa teria desembolsado milhões de dólares e não teria
conseguido a mesma empatia do público.
2.6 Metodologia e Pesquisa
Poucas são as pesquisas referentes ao uso do marketing de guerrilha - em especial do
marketing viral - e suas potencialidades, sobretudo utilizando a Internet como instrumento do
planejamento estratégico. Diante do declínio dos meios de comunicação de massa e crescente
adoção de ferramentas de comunicação alternativas, analisamos como a empresa Nike utiliza
com sucesso o marketing de guerrilha por meio do vídeo “Touch of Gold”, em uma ação de
marketing viral que repercutiu em todo o mundo. A pesquisa é necessária para compreender a
percepção do público diante de ações alternativas de marketing e avaliar o sucesso da
campanha. O objetivo da pesquisa é identificar as sensações e atitudes das pessoas com
relação ao uso do marketing viral como estratégia de comunicação, buscando compreender a
reação do público e qual o papel dessa ação na construção e fortalecimento da marca Nike.
A hipótese testada é a de que as mídias alternativas e o marketing de guerrilha são
capazes de transmitir valores e conceitos mais fortes que os meios de comunicação de massa,
proporcionando um envolvimento maior do público, criando um vínculo emocional capaz de
fortalecer uma marca. Optou-se por uma pesquisa qualitativa exploratória, capaz de fornecer
informações mais detalhadas a respeito dos sentimentos e pensamentos dos entrevistados.
Malhotra (2001, p.155) define a pesquisa qualitativa como a “metodologia de pesquisa nãoestruturada, exploratória, baseada em pequenas amostras, que proporciona insights e
compreensão do contexto do problema”.
O método de coleta dos dados, baseado na entrevista em profundidade, possibilita
conhecer em detalhe o pensamento dos entrevistados. Entrevista em profundidade é “uma
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entrevista não-estruturada, direta, pessoal, em que um único respondente é testado por um
entrevistador altamente treinado, para descobrir motivações, crenças, atitudes e sensações
subjacentes sobre um tópico.” (MALHOTRA, 2001, p.163). A abordagem direta, esclarece ao
respondente os objetivos do projeto. O público das entrevistas em profundidade corresponde
ao público-alvo da campanha de marketing viral da Nike. A amostra é por conveniência, com
a seleção de 04 pessoas do sexo masculino, classe AB, na faixa etária dos 15 aos 25 anos.
Cada entrevista tem duração de 30 a 50 minutos e são realizadas em locais distintos com a
presença de dois entrevistadores.
2.6.1 Resultados e discussão
Nas entrevistas realizadas, a opinião das pessoas não foi muito divergente. Em
diversos aspectos o pensamento dos entrevistados foi semelhante. Contudo, cada entrevista
revelou falas interessantes que ajudam a compreender o contexto e a visão do público com
relação aos meios de comunicação de massa, a internet como mídia e a ação de marketing
viral da Nike. As entrevistas revelaram que apesar da alta penetração dos meios de
comunicação de massa, eles possuem baixa segmentação. Embora possuam elevadas
audiências, não há garantia de que os anúncios são realmente vistos pelos consumidores,
como demonstram as frases nas entrevistas: “Eu já assisto televisão com o controle remoto
na mão”. “Normalmente as propagandas se repetem muito. É muito chato”. “Parece que as
propagandas não são feitas para mim. Quando estou vendo TV só passa comercial de coisas
que não têm nada a ver comigo ou que eu não tenho dinheiro para comprar”.
O uso da internet é comum a todos os entrevistados, embora um deles acesse apenas
quando está no trabalho. Da mesma maneira, o compartilhamento de vídeos é realizado por
todos. Os entrevistados afirmaram seu costume de acessar o site de compartilhamento de
vídeos Youtube. A natureza dos vídeos acessados está diretamente ligada ao perfil do público
que o acessa; normalmente são vídeos engraçados e com situações inusitadas: “Compartilho
sempre que recebo por e-mail, ou acesso algum interessante no YouTube”. “Sempre que vejo
algo divertido aproveito para mandar por e-mail para os outros”.
Três dos quatro entrevistados consideram a internet uma boa opção como veículo de
comunicação para a publicidade, principalmente pela própria natureza do veículo e suas
possibilidades de interatividade: “Acho que na internet as empresas podem fazer campanhas
mais direcionadas”. “A internet possui muito mais recursos que a TV ou uma revista. As
empresas podem criar sites especiais e oferecer muito mais coisa”. Mesmo o entrevistado
que possui opinião contrária, mostra em seu depoimento que não gosta da publicidade da
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internet quando esta imita a publicidade nos meios de comunicação de massa: “Não gosto dos
banners e pop ups, é muito chato quando abro um site e sem eu clicar abre uma janela de
propaganda”.
Os entrevistados não se consideram clientes assíduos da Nike, mas todos possuem
pelo menos um produto da marca e a vêem como referência em qualidade e tecnologia.
“Considero os produtos de qualidade, apesar de serem produzidos lá na China”. “Acho que
na maioria das vezes a Nike avança na frente dos concorrentes”. Para eles, a empresa possui
uma imagem moderna e fortemente ligada ao esporte, oferecendo sempre produtos
tecnologicamente superiores ao dos concorrentes: “Eu vejo a Nike muito ligada ao esporte,
enquanto outras marcas como Adidas e Puma estão mais preocupados em lançar moda”.
“Os produtos da Nike me parecem ser os mais adequados para praticar esportes, os que
possuem mais tecnologia. Com certeza eles gastam muito em pesquisa”.
Na publicidade, os entrevistados se lembram de campanhas da Nike e tem uma
percepção positiva em relação às mesmas. De acordo com eles as propagandas são sempre
criativas e descontraídas, não possuindo o caráter explícito da venda dos produtos: “A
maioria é marcante e muito criativa”. “Sempre tem uma música de fundo bacana e muita
ação”. “Normalmente todos que gostam de esportes curtem as propagandas da Nike”. O
vídeo “Touch of Gold” é lembrado por todos os entrevistados apesar do reconhecimento não
vir pelo nome e sim pela imagem do jogador Ronaldinho chutando a bola na trave. Enquanto
alguns tiveram contato com o vídeo através da internet, outros o viram na TV, reforçando o
sucesso na geração de mídia espontânea da ação de marketing de guerrilha: “Surgiram
comentários, e eu acabei recebendo um e-mail. Depois vi em vários programas esportivos na
TV”. “Primeiro eu vi o link em um blog e acessei o vídeo, depois passou na TV”.
Durante as entrevistas, os participantes relembraram a polêmica que potencializou a
disseminação do vídeo. Enquanto metade dos entrevistados afirmou que se tratava de uma
montagem, enquanto a outra metade acreditava que Ronaldinho tinha realizado o feito: “Na
hora falei que era montagem, com certeza”. “Achei que fosse real. O Ronaldinho tem
habilidade para isso”.
Contudo, nenhum dos entrevistados se sentiu enganado pelo vídeo, considerando-o
divertido, apesar de não terem enxergado o vídeo como uma ação publicitária da Nike: “Eu
achei muito bem bolado. Depois todo mundo ficava comentando se era de verdade”.
“Sinceramente, eu nunca tinha encarado o vídeo como propaganda. Achei que era,
simplesmente, uma brincadeira”. “Lembro-me perfeitamente das chuteiras Nike, mas não
parecia um comercial de TV”.
16
Da mesma maneira, todos os entrevistados consideraram pertinente o uso da internet
para a divulgação do vídeo e a estratégia de disponibilizá-lo como mais um vídeo comum do
Youtube. Questionados se a ação teria o mesmo sucesso se fosse um comercial normal para a
TV, a opinião foi unânime: “Se fosse um comercial na TV eu ia ter certeza que era armação e
ninguém ia comentar. Perderia a aparência de brincadeira”. “Não ia ter graça. Não daria
para rever e tirar a dúvida se era montagem ou não”. “A repercussão foi maior do que a de
um comercial na TV. Quando o boato surgiu, todos procuraram pelo vídeo. Você já ligou a
TV para esperar passar determinado comercial? Eu nunca”.
A opinião sobre a mensagem e os objetivos da ação também foram bem
compreendidos por todos, que compartilharam opiniões semelhantes: “O vídeo passou a
imagem de uma empresa descontraída, divertida”. “Para mim eles quiseram mostrar que
com a Nike os jogadores fazem coisas inacreditáveis”.
3 CONCLUSÃO
O declínio das mídias tradicionais e a pulverização da mídia, além da alta segmentação
do mercado e da mudança de perfil e hábitos dos consumidores, têm provocado a demanda
por novas maneiras das empresas se comunicarem com seus públicos. Os entrevistados na
pesquisa aplicada na elaboração desse artigo reafirmam esse cenário ao apontarem o caráter
invasivo dos meios de comunicação de massa e sua falta de atratividade. Trocam de canal na
televisão e passam as páginas das revistas na tentativa de fugir das ações tradicionais de
comunicação. Diante da necessidade de se buscar alternativas capazes de dialogar com o
público, os profissionais de comunicação buscam alterar a forma por meio das mídias
alternativas e por meio do conteúdo. Ganham força o marketing de guerrilha e o marketing
viral (um de seus instrumentos), que têm como principais objetivos a geração de mídia
espontânea e a disseminação da mensagem por parte do próprio público, potencializada com o
uso da internet. Inovar, ousar e planejar conceitos e ações capazes de interagir com o target e
criar vínculo emocional tornam-se muitas vezes mais importantes do que o investimento
realizado e a abrangência das campanhas.
Algumas empresas como a Nike já perceberam que para atingir o consumidor do
século XXI precisam alterar suas estratégias de marketing. Apesar de ter construído sua marca
nas décadas de 80 e 90 utilizando os meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão, a
empresa é uma das que esta mais adaptada a este novo cenário. Recentemente, seus
executivos reduziram suas verbas em campanhas de mídia tradicional, demonstrando uma
visão diferenciada do uso da publicidade e do marketing. Como afirmou o vice-presidente de
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gestão global da empresa, eles não pensam mais em televisão. A explicação dos executivos é
que hoje as pessoas possuem outras janelas para o mundo que não apenas a TV. Os
entrevistados em nosso artigo corroboram este pensamento, utilizando diariamente a internet e
outros meios para obter informações. A web 2.0 tornou a rede mundial de computadores mais
colaborativa e deu voz e poder aos internautas que podem dividir suas experiências com
produtos e serviços com muito mais alcance e com mais velocidade.
A Nike compreende esse contexto e tem buscado se conectar com os consumidores,
realizando campanhas capazes de transmitir valores e conceitos de maneira diferenciada. Nas
entrevistas em profundidade pudemos verificar que a empresa consegue construir uma
unidade conceitual da marca, fazendo com que as pessoas assimilem e percebam a empresa
como ela deseja, fortalecendo sua imagem. A consequência desse processo é o excelente
resultado nas vendas, que cresceram 60% de 2003 a 2007. O estudo de caso do vídeo “Touch
of Gold” demonstra a capacidade da Nike em promover experiências e estreitar laços com seu
público. O vídeo lançado em outubro de 2005 e disseminado no Youtube foi visto por mais de
21 milhões de pessoas na internet e se tornou um dos cases de maior sucesso de marketing
viral. Ainda hoje é o vídeo publicitário com maior número de visualizações no site de
compartilhamento norte-americano, além de toda a mídia espontânea gerada nos meios de
comunicação de massa.
A polêmica gerada em torno do vídeo foi também uma estratégia guerrilheira de
marketing da Nike que potencializou o alcance do mesmo. Como afirmou um de nosso
entrevistados:“Quando o boato surgiu, todos procuraram pelo vídeo. Você já ligou a TV para
esperar passar determinado comercial? Eu nunca”. É importante ressaltar que o verdadeiro
sucesso dessa ação não foi ter alcançado um número expressivo de visualizações, mas sim a
qualidade dessas visualizações. A linguagem informal do vídeo com o jogador Ronaldinho
Gaúcho brincando com a bola e acertando-a na trave sem deixá-la cair atraiu os interessados
pelo futebol, o público-alvo da Nike, que ajudaram a disseminar a mensagem. Os
entrevistados não o consideraram como uma ação comercial e sim como uma ação
descontraída, uma brincadeira. Com o vídeo, a empresa conseguiu reafirmar o conceito que os
mesmos já tinham dela, da paixão pelo esporte e sua personalidade despojada, e com muito
mais intensidade – em contraponto a um comercial padrão de 30 segundos exibido na TV.
Dessa maneira, a empresa conseguiu mostrar que os meios alternativos de comunicação são
importantes no fortalecimento de sua imagem e vitais no processo de gestão de sua marca.
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