RELAÇÕES ENTRE ESCOLA ESPECIAL E FAMÍLIA: UM ESTUDO A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DO PROFESSOR AMBRÓZIO∗, Carolina Ribeiro - UFPR [email protected] MOREIRA**, Laura Ceretta - UFPR [email protected] Resumo O presente artigo tem como objetivo expor os resultados de uma pesquisa realizada numa escola especial de Curitiba. O estudo busca investigar as relações entre escola especial e família a partir das concepções dos professores da escola de educação especial, bem como possibilitar uma discussão dos paradigmas dominantes neste contexto e, de que modo influenciam no trabalho do professor e na relação com a família. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se utilizou da técnica de questionário com intuito de realizar uma análise qualitativa dos dados coletados. Dentre os resultados, pode-se destacar que a formação acadêmica dos professores e os anos de atuação no magistério são bastante heterogêneos. Percebe-se uma motivação pelo trabalho na área de educação especial em 47% dos professores. Quanto à participação da família na escola, 29% dos pesquisados concebem como satisfatória a participação dos pais, 24 % relatam que é satisfatória, mas com algum tipo de restrição, e 47% dos professores relatam que a participação dos pais na escola é insatisfatória. Aponta-se que a família do aluno com necessidades educacionais especiais requer apoio e orientações de ordem psicológica e pedagógica e que, para tanto, é importante que a escola identifique-as e trabalhe de forma cooperativa com a família. O estudo indica ainda que dentre as inúmeras dificuldades para que esta realidade se efetive estão os modelos educacionais individualizados e pouco cooperativos, bem como as dificuldades que o professor e família enfrentam frente às mazelas históricas vivenciadas pela educação especial. Por fim, conclui-se que os sistemas educacionais e as escolas, em conjunto com a família, devem implementar estratégias de apoio que beneficiem o aluno com necessidades educacionais especiais de modo que ocorra a ruptura do paradigma segregacionista entre escola-família-aluno, bem como a busca pela inclusão do alunado da escola especial no âmbito escolar, familiar e social. Palavras - chave: Escola Especial; Professores; Família. Introdução O presente artigo propõe-se a relatar e analisar os resultados obtidos numa pesquisa realizada numa Escola Especial da cidade de Curitiba em 2007. Este estudo foi realizado com professores que trabalham na área de Educação Especial, com alunos das mais variadas idades ∗ Aluna mestranda do Programa de Pós – Graduação em Educação da UFPR. Professora Doutora do Programa de Pós – Graduação em Educação da UFPR. Coordenadora do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (NAPNE) da UFPR. ** 2695 e níveis de deficiências. Em linhas gerais, a pesquisa tem os seguintes objetivos: expor as concepções que o professor da escola de educação especial tem a respeito da família das crianças especiais; analisar as relações existentes entre a escola especial e a família; e discutir as concepções educacionais que permeiam esta relação. Pretende-se, por meio das respostas obtidas, analisar como está estabelecida a relação entre a escola especial e a família, e como se dá o envolvimento desta na escola especial por meio do olhar do professor. O interesse por este tema justifica-se principalmente pela escassez de bibliografia nesta área. Muito se estuda sobre o ensino regular, como por exemplo: a produção do fracasso, a situação do ensino regular no país, os planos políticos pedagógicos e a situação do professor no ensino regular. Contudo, pouco se reflete acerca do professor docente de ensino especial e da família do aluno com necessidades educacionais especiais, muito menos sobre a relação entre essas duas instituições: escola especial e família. Um estudo importante no Brasil que analisou o ensino regular está retratado na pesquisa de Maria Helena Souza Patto, que foi publicada em forma de livro: “A Produção do Fracasso Escolar”, inicialmente em 1990. É importante destacar que nessa obra há uma profunda revisão das causas históricas das desigualdades educacionais, bem como um estudo brilhante sobre os pensamentos e paradigmas dominantes na educação e sua relação com o fracasso escolar. Neste sentido, a autora adverte o quanto o pensamento educacional brasileiro possui um modelo de educação centrado no aluno que exclui a contribuição de outros contextos, demonstra a forte influência do modelo biomédico na educação e a tendência a culpabilizar a família e o individuo pelo fracasso escolar. O nascimento da Psicologia Escolar no seio da medicina centra as dificuldades dos escolares em patologias, fato que foi fundamental para o enraizamento do modelo médico na área da educação, sobretudo, da educação especial. Silva (1998) denuncia que houve por parte das teorias de educação um movimento com intuito de converter problemas considerados morais em problemas científicos, assim lançou-se um olhar supostamente cientifico sobre questões sociais, inferindo explicações científicas através da hereditariedade e do ambiente social. Segundo Lima (2006) as produções escritas sobre aluno ou criança-problema 1 apareciam nos discursos educacionais, como um caso intermediário entre o aluno anormal e o aluno normal. Na verdade, o que houve foi uma “substituição ao termo pejorativo e estreito de 1 Dentre as obras brasileiras vale destacar: Arthur Ramos, A. (1939) que escreveu A criança problema: A higiene mental na escola primária e Ofélia B. Cardoso (1945) que publicou: Alguns problemas de perturbação do caráter, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 2696 “criança anormal”, para indicar todos os casos de desajustamento caracterológico e de conduta da criança ao seu lar, à escola e ao currículo escolar” (LIMA, 2006, p.133). Nesta linha de pensamento, as dificuldades na escola eram geralmente atribuídas à inadequação do ambiente familiar, considerava-se assim, as famílias produto das determinações do ambiente social e responsáveis diretas pelos desajustes psicológicos de seus membros, em especial das crianças. Portanto, as famílias1 eram vistas como: “meios desajustados”, meios de “conflitos domésticos”, “péssimos modelos a imitar”, locais “de hostilidade nas relações pais-filhos” e de “pais problemas”. (Patto, 1999). Há, portanto, uma forte produção educacional que inicia no final da década de 1930 que influencia pedagogos e psicólogos educacionais no sentido de reduzir as condições deficitárias do aluno a ele mesmo ou a sua família. Já entre a década de 1960 e 1970, o Brasil recebe a influência da teoria da carência cultural onde as desigualdades são explicadas através das diferenças no ambiente cultural em que as crianças se desenvolvem. Nesse momento, o fracasso escolar das crianças pobres é entendido a partir das deficiências da pobreza ambiental em que vivem. De acordo com Francisco (2002), embora essa nova concepção faça uma crítica sobre as desigualdades sociais, permanece compatível com a ideologia liberal, pois alimenta a crença na necessidade de um desenvolvimento econômico que elimine essas diferenças. E, de igual modo, reforça a tese biologizante, já que entende que as crianças provenientes de um meio sociocultural empobrecido serão naturalmente inaptas para aprender. Mais uma vez o meio e, consequentemente, a família são utilizados para explicar e naturalizar o fracasso e desajustamento da criança. A criança de ensino especial na sua grande maioria é oriunda de classes sociais menos favorecidas. A relação entre pobreza e deficiência é um consenso histórico, entretanto, a inclusão da educação especial, particularmente das escolas especiais, em políticas públicas compromissadas com o caráter público de qualidade, infelizmente, não faz parte de nossa história. Esta realidade, certamente, em nada colaborou para que se descaracterizasse o ensino especial como assistencialista e filantrópico, ou seja, um problema a ser enfrentado pela família da criança deficiente. Contudo, além da constatação de que há um pensamento dominante de culpabilização e isolamento da família, de medicalização e de tecnificação da deficiência e do 1 Sobre a culpabilização da família na década de 50, as idéias lançadas por Cardoso, O. B. (1945) estão presentes no sentido de acreditar que a escola procura construir e a família destruir, pois introduz nos filhos formas amorais de reação bem como, comportamentos anti-sociais. 2697 fracasso escolar que atravessa décadas, há que se considerar que vários estudiosos brasileiros que contribuíram para o repensar desses paradigmas, dente eles é possível destacar: Jannuzzi (1985), Mello (1987), Smolka (1989), Moysés & Collares (1992), Abramowicz (1997), Patto (1990) e Bueno ( 1993). Segundo Francisco (2002) a partir de 1998 se instaura uma tendência, no âmbito dos programas de pós-graduação em Psicologia brasileiros, em aprofundar o estudo das variáveis concernentes ao contexto escolar na compreensão dos determinantes da problemática referente às Dificuldades de Aprendizagem. Neste sentido, há uma tendência de deslocar o foco de análise do fracasso da família e do aluno para a escola. Entretanto, o autor adverte que ainda é necessário avançar no sentido de uma explicação mais abrangente e efetiva das ocorrências que compõem esse contexto. [...] há vários estudos empenhados em demonstrar a implicação do contexto escolar, muitos outros continuam procurando as determinantes das queixas escolares exclusivamente na criança ou na família, ou seja, de acordo com as produções examinadas, ainda não foi superado o modelo tradicional. (Francisco, 2002, p.101) Entende-se que ao atribuir às deficiências - emocionais, cognitivas, motoras, perceptuais – ao aluno, transfere-se para o mesmo a responsabilidade pelo seu próprio desempenho escolar, retirando do Estado, da escola e do professor a responsabilidade pelo seu insucesso. Vale ressaltar, que a concepção de que a família deve ser culpabilizada pelo fracasso dos alunos na escola ainda é uma realidade vivenciada no cotidiano escolar. Os caminhos metodológicos percorridos Lüdke e André (1986, p.01 e 02) afirmam que: Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral, isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisar uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. Sendo assim, para a realização da presente pesquisa, primeiramente definiu-se a população a ser pesquisada. Neste caso, 20 professores do sexo feminino, concursados pela Prefeitura Municipal de Curitiba, atuantes na área de Educação Especial sem restrição de tempo de serviço, idade, escolaridade e nível social. Para a investigação, utilizou-se como instrumento um questionário composto de 12 questões abertas, incluindo uma questão que oferecia espaço para informações adicionais, se 2698 os professores desejassem preenchê-la com outros dados que considerassem relevantes. O questionário estava dividido em duas partes: Parte I – Formação e Atuação do Professor e Parte II – Concepções sobre a relação Escola Especial e Família. Optou-se por questões abertas justamente pela riqueza de informações que poderiam surgir da escrita livre dos professores. Além disso, elaborou-se um termo de consentimento esclarecido que explicava a finalidade da pesquisa e garantia o sigilo dos participantes. Todos os professores receberam uma breve explicação a respeito desse estudo e de seus objetivos, e foram convidados a participar voluntariamente da pesquisa. A seleção do grupo foi feito, por meio de sorteio dos nomes e, em seguida entrou-se em contato com mesmos. Ofereceu-se a todos o tempo de dois dias para o preenchimento do questionário, a fim de garantir que o preenchimento fosse feito com calma em lugar adequado e de forma individual. Deste modo, seguiu-se a seguinte seqüência de procedimentos: 1) Definição do tema de pesquisa e público alvo; 2) Elaboração do termo de consentimento esclarecido e questionário de pesquisa; 3) Seleção dos professores, por meio do sorteio dos nomes dos professores presentes na escola na data de entrega do questionário; 4) Breve relato e esclarecimento sobre o estudo piloto; 5) Assinatura do termo de consentimento esclarecido e preenchimento do questionário; 6) Entrega do questionário respondido pelos professores após o período de dois dias. A análise dos dados baseou-se nos pressupostos da abordagem qualitativa o que pressupõe trabalhar com todo o material e as informações obtidas durante a empiria. Para tanto, sistematizou-se os dados a partir da fala dos professores e de indicadores quantitativos, que visaram auxiliar na análise e discussão dos resultados. Análise e discussão dos resultados A idéia inicial do estudo era utilizar os relatos de 20 professores, contudo apenas 17 entregaram o questionário respondido. É importante esclarecer, que devido ao fato das questões serem abertas, sempre que possível, agrupou-se as respostas em categorias. As primeiras questões buscaram obter um perfil profissional do grupo pesquisado. Constatou-se, então que apenas um dos 17 participantes da pesquisa não possui o nível superior completo. A formação de maior predominância é a Pedagogia. Quanto ao tempo de 2699 atuação na área de Educação Especial, observou-se que assim como há professores com cinco anos há também no grupo pesquisado profissionais que atuam a 30 anos na área de educação especial. No que se refere à formação em cursos de pós-graduação, há uma homogeneidade em relação ao interesse pela Educação Especial, já que mais de 85% dos professores pesquisados relatam estar realizando ou já realizaram cursos diretamente relacionados à área de Educação Especial. Quando indagados sobre as razões para atuar na Educação Especial foi possível extrair das respostas dos professores as categorias abaixo. Ressalta-se ainda que, para uma melhor compreensão alguns fragmentos das respostas foram selecionados e trazidos para reflexão no presente texto. Categoria A – Motivação Pessoal relacionada a uma identificação direta do professor com os alunos com necessidades especiais, ou seja, há uma empatia do professor com o aluno especial. Neste sentido, os professores destacam sua “identificação” e “interesse pelo trabalho diferenciado com o aluno”; “o desejo e o desafio de conhecer o diferente”; “a crença no potencial das crianças”; “a pureza das crianças especiais”; “o interesse em estar próximo e ajudar no desenvolvimento das crianças especiais”; “tenho várias pessoas na família com necessidades especiais e comecei a me interessar pelo trabalho que era realizado com eles” e “o interesse pela criança com aprendizagem diferente”. Categoria B - Interesse Profissional e posterior satisfação profissional. Nesta categoria, destacam-se as seguintes respostas: “recebi convite para trabalhar na área e depois me apaixonei”; “meu interesse inicial foi pelo salário e depois me encontrei profissionalmente”; “tinha curiosidade pela área e depois me apaixonei pelas crianças”. Categoria C – Não relatam uma razão especifica, sem uma motivação especifica. Dentre as respostas é possível elucidar: “Eu não sabia o que fazer na época que me formei”; “sem razão nenhuma”; “foi por acaso”; “não planejei”. Os dados revelam que há uma prevalência da Categoria A em 47%, demonstrando que há uma motivação pessoal dos professores pelo trabalho com o aluno especial, ou seja, há uma identificação marcante na escolha do exercício profissional em educação especial. Segundo Arroyo (2000, p. 127) Cada um de nós sabe o que nos identifica com o magistério e como foi se dando esse processo de identificação, a ponto de sermos professores (as). Podemos até pensar que é uma identificação necessária [...] entretanto sem o mínimo de identificação seria insuportável.Exatamente seria insuportável por ser uma das profissões mais envolventes, pelo fato de ser uma permanente relação com pessoas e não com coisas. 2700 Na questão que trata mais especificamente sobre a participação dos pais na escola de educação especial, é possível destacar que para 29% dos pesquisados os pais têm uma participação satisfatória. Um dos professores relata: “os pais são bem participativos, preocupados com o desenvolvimento dos seus filhos”. Já 24 % relatam que a participação dos pais é satisfatória, mas há algum tipo de restrição. Neste contexto, destacam-se algumas das respostas obtidas: “os pais são bastante participativos, só não há melhor participação, devido ao trabalho da família”; ”notei que quando os pais confiam no professor e na escola alguns procuram orientação”; “provavelmente por ter sido inaugurada há pouco tempo [a escola pesquisada tem apenas um ano de funcionamento] os pais tem se mostrado interessados, participativos e satisfeitos”; “os pais pouco participam, a maioria só vem na escola quando chamados por alguma razão ou para reclamar”; “quando a professora consegue encantar e falar aos pais como é importante sua participação e os pais estão sensíveis e sensibilizados neste momento os pais participam”. Por fim, 47% dos professores relatam que a participação dos pais na escola dos filhos com necessidades especiais é insatisfatória. Os seguintes relatos expressam essa realidade: “os pais são muito distantes e ausentes”; “sua participação é precária”; “os pais são alheios e até displicentes”; “os pais não participam como deveriam”; “não há retorno da família”. Os dados acima são preocupantes e demonstram o quanto família e escola estão distantes de um trabalho inclusivo e cooperativo. Realidade está que, sem dúvida, interfere na prática pedagógica do professor e no processo de ensino e aprendizagem do aluno. Para Lopes e Marquezan (2000) a participação da família da criança com necessidades especiais é decisiva no seu processo de integração/inclusão escolar e indispensável para sua construção pessoal e participativa na sociedade. Portanto, a escola em conjunto com a família, deve implementar estratégias de ensino e aprendizagem para que o aluno com necessidades educacionais especiais dela se beneficie e nela permaneça. O grupo pesquisado ao ser indagado sobre como entendem que deveria ser a participação dos pais na educação especial se posicionam da seguinte forma: 41% acreditam que os pais deveriam ser mais participativos e integrados à escola, contudo não relatam como deveria ser esta participação; 13% afirmam que o trabalho entre escola e família deveria ser cooperado e que a escola e a família deveriam possuir planos de ação em comum; 25% relatam que a participação dos pais deveria ser no sentido de atender as solicitações e encaminhamentos da escola e, 21% afirmam que os pais deveriam participar modificando sua 2701 maneira de agir com os filhos, auxiliando no desenvolvimento de seus filhos ou estimulandoos melhor. Cumpre salientar que, sobretudo, a família do aluno com necessidades educacionais especiais requer apoio e orientações de ordem psicopedagógica, para tanto é de suma importância que a escola e família trabalhem de forma integrada e cooperativa. Para Wood (1998) os modelos de colaboração entre professores, pais e outros profissionais da escola são fundamentais para atender a diversidade, já estão devidamente reconhecidos como estratégias poderosas para uma mudança bem sucedida. Para tanto, se faz necessário à adoção de novos conceitos e estratégias educacionais que perpassem por mudanças nos sistema educacionais e, consequentemente, nas escolas, sejam elas especiais ou regulares. No que se refere às formas de contatos que o grupo pesquisado possui com a família evidenciou-se os seguintes resultados: 40% relatam que seu contato com a família restringe-se a bilhetes pela agenda escolar; 25% afirmam não ter contato com a família; 15% afirmam ter contato pessoal e direto com os pais na entrada e saída dos alunos; 10% afirmam ter contatos apenas nas reuniões semestrais e 10% afirmam ter contatos freqüentes, contudo não especificam o tipo de contato. As dificuldades com relação ao contato entre professor e família podem ser compreendidas sobre diversos aspectos, dentre eles: as dificuldades impostas pelas próprias condições de trabalho adversas a que são submetidos os professores, as condições sociais das famílias, e os sentimentos e percepções que os pais têm a respeito do ambiente bastante vinculados a uma posição de submissão e constrangimento frente à escola. Esses sentimentos podem ser potencializados quando se trata de uma “criança especial”, pois muitas vezes a família está influenciada por sentimentos de desesperança e falta de perspectiva positiva com relação ao desenvolvimento futuro de seu filho. Para que esses sentimentos não se perpetuem Glat e Pletsch (2004) chamam atenção para a necessidade de a família receber, desde o início, orientação e esclarecimento profissional sobre as possibilidades de desenvolvimento de seu filho. Este tipo de encaminhamento por parte da escola será um facilitador no sentido dos pais adquirirem um olhar que vai além da “anormalidade”, carência ou deficiência do filho, isto possibilitará uma melhor aceitação dele entre os demais membros da família, bem como “transformará o olhar desses pais sobre si mesmos, despido do véu da impotência, recuperando sua auto-estima e o reconhecimento de seus valores e competências para lidar com a situação”. Glat e Pletsch, 2004, p.35) Quando indagados se enfrentavam dificuldades com a família e se enfrentavam quais eram as mais freqüentes verificou que 29% dos professores afirmam que não possuem 2702 nenhuma dificuldade com relação à família da criança. Já 60% indicam que as maiores dificuldades estão relacionadas aos que não respondem as solicitações da escola, sobretudo as enviadas via agenda escolar e 11% dos pais demonstram descaso pelos filhos e não colaboram com as atividades sugeridas pelos professores. Sobre essas queixas, é interessante lembrar Poppovic (1976) apud Patto (1999) ao afirmar na década de 1970 ser freqüente a ausência dos pais nas reuniões convocadas pela escola, assim como o desinteresse dos pais frente às tarefas escolares de seus filhos. Como se pode observar, essa afirmação sobre a ausência da família é uma queixa constante na educação e cabe a nós profissionais da educação pensar até que ponto a culpabilização da família não está relacionada ao modelo de Estado, sociedade e escola que possuímos. Na pesquisa realizada, foi possível constatar que 53% dos professores pesquisados manifestam grande preocupação com os atendimentos clínicos de seus alunos. É bastante presente a crença de que os serviços médicos e a medicalização é condição real para o sucesso do aluno especial. Esta concepção chama atenção, pois retira o empenho da família, da escola e, consequentemente do professor, no que se refere aos avanços e progressos alcançados pelo aluno da escola especial. Esse fenômeno de patologização pode ser explicado pelo ainda vigente modelo biomédico de pensamento que tanto influenciou o pensamento educacional nas últimas décadas. A força desse modelo é muito mais forte na educação especial, pois ainda é marcante a concepção da patologia como algo confirmado e imutável, realidade esta que necessita ser resignificada. Considerações Finais Os dados obtidos demonstram que não há trabalho cooperativo e de apoio entre a escola e família e que este modelo pode colaborar com a valorização da cultura familiar da criança e com os conhecimentos que a família pode trazer para dentro da escola. Erwin & Schreiber (1999) apud Mendes (2006) sugerem que na definição dos apoios sejam seguidos os seguintes princípios: a) O apoio deve ser o mais comum, não-estigmatizante, e cuidadoso possível. b) É preferível o apoio fornecido preferencialmente pelos colegas. c) As famílias devem estar envolvidas na identificação dos apoios. d) Deve existir um clima que promova a pertinência e o espírito de comunidade, sem que nenhuma criança fique isolada ou estigmatizada. e) A fonte mais importante de avaliação deve ser a própria criança especial que deverá manifestar suas prioridades, preferências, aversões e interesses. 2703 f) O apoio deve refletir o direito das crianças de exercer controle além do ambiente e de suas próprias vidas. Outro aspecto importante que pode ser considerado no processo colaborativo é a orientação profissional que uma família que possui um filho com necessidades educacionais especiais deve receber. De acordo com Glat e Pletsch (2004, p. 38) O objetivo primordial da orientação profissional é ajudar as famílias a encontrar o equilíbrio entre a aceitação das limitações e dificuldades que seu filho terá em conseqüência de sua necessidade especial por um lado, e a crença em suas possibilidades de amadurecimento, aprendizagem e inclusão social, por outro. Muito importante, também, é abrir o caminho para que as famílias a encontrem o prazer e a realização na relação com esse filho especial. Por outro lado, as concepções dos professores pesquisados com relação à família ainda denotam um pensamento educacional voltado para a culpabilização da mesma no que diz respeito às dificuldades para a realização de um trabalho inclusivo entre aluno-familaescola. Em contraponto, a essas análises, percebe-se também por parte dos professores um grande desejo de mudança em relação a este contexto, apesar de ainda não saberem claramente como poderia ocorrer está mudança de paradigma e como seria esse novo modelo de relação. As respostas dos professores demonstram a necessidade de um modelo que valorize a presença da família na escola promovendo assim, uma cooperação conjunto para o desenvolvimento não apenas educacional, mas também social da criança com necessidades especiais. Esta concepção é vital para que ocorra uma ruptura no paradigma segregacionista entre escola-família-aluno bem como, para se buscar a inclusão do alunado da escola especial no âmbito escolar, familiar e social. REFERÊNCIAS ABRAMOWICZ, A. Quem são as crianças multirepetentes? In: Abramowicz, A. & Moll, J. Coleção Magistério: Para além do fracasso escolar. Campinas: Papirus, 1997. ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. BUENO, J. G. 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