ARTIGO /////////////////// por Castro-Costa E, Aguiar CCT e Blay SL A diferenciação entre os quadros depressivos com comprometimento cognitivo e demência nos idosos Resumo O transtorno depressivo no idoso apresenta uma alta taxa de prevalência e os critérios diagnósticos são similares ao transtorno depressivo nos adultos mais jovens. Entretanto, evidências epidemiológicas demonstram que a depressão nos idosos pode apresentar algumas características especificas como por exemplo sintomas cognitivos que persistem mesmo após a remissão dos sintomas depressivos. As principais alterações cognitivas observadas na depressão dos idosos são alterações das funções das sub-corticais enquanto que na demência as alterações são nas áreas corticais. Entretanto, as alterações de memória e os sintomas depressivos podem ser os sintomas iniciais da Alzheimer. A diferenciação entre os quadros depressivos com comprometimento cognitivo e a demência se faz necessária e é de grande importância para a instituição correta das medidas terapêuticas adequadas para cada condição. Palavras chave: comprometimento cognitivo, depressão, demência, idosos 1. Introdução O transtorno depressivo é um problema de saúde global. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (1999), a depressão será em 2020 a principal doença associada a um impacto negativo e a um alto custo para a sociedade moderna. Nos idosos, o transtorno depressivo desempenha um papel importante na saúde devido a sua alta prevalência (Charney e cols, 2003) e sua associação com a incapacidade funcional (Beekman e cols, 1997; Steffens e cols, 1997), a mortalidade (Beekman e cols, 199; Conwell e cols, 2002) e o maior utilização dos serviços de saúde (Steffens, 1997). Os critérios diagnósticos para o transtorno depressivo não diferem entre os idosos e os adultos mais jovens (Stage e cols, 2001) sendo caracterizados pela presença de no mínimo 5 sintomas da tabela 1, incluindo pelo menos 2 sintomas principais por um período de pelo menos 2 semanas. 18 revista debates em psiquiatria -Jul/Ago 2011 Tabela 1: Sintomas do Transtorno Depressivo Sintomas principais • Humor deprimido • Perda do interesse ou prazer nas atividades usuais • Redução da energia e aumento da fadiga Sintomas adicionais • Redução da confiança ou da auto-estima • Sentimento de culpa excessiva • Pensamentos recorrentes de morte, idéias ou comportamentos suicidas • Diminuição da concentração • Alterações na atividade psicomotora • Alterações no sono • Alteração do peso com modificações no peso Entretanto, evidências epidemiológicas demonstram que a depressão nos idosos pode apresentar algumas características especificas. Geralmente, a depressão nos idosos apresentam outros sintomas como queixas cognitivas e somáticas, hipocondria, sentimentos de inutilidade, irritabilidade, pensamentos auto-depreciativos/paranóides e recorrentes de suicídio (Alexopoulos, 2005; Fountoulakis et al, 2003). Estima-se que somente 15% a 20% dos idosos deprimidos apresentam sintomas depressivos enquanto que 45% dos sujeitos desse grupo apresentam sintomas cognitivos (Tannock & Katona, 1995). Com isso, são descritos nos idosos vários subtipos de depressão geriátrica que incluem a depressão maior, a distmia, a depressão sub-sindrômica, a depressão devido a condições médicas, a depressão de inicio tardio, a depressão induzida por uso de substâncias, o transtorno de ajustamento com resposta depressiva, a depressão menor e a pseudo-demência (Alexopoulos, 2005). O termo pseudo-demência foi introduzido em 1880 por Wernicke e tem sido usado para caracterizar os quadros depressivos nos Castro-Costa E Centro de Pesquisa René Rachou/Fiocruz (CPRR/Fiocruz), Belo Horizonte, MG Aguiar CCT Universidade De Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, Ceará idosos com queixas de memória de início recente (Pancrazi-Boyer e cols, 1997). Entretanto, essas alterações mnêmicas são decorrentes de uma redução somente da atenção e não apresenta alterações de outras funções superiores do córtex como afasia, agrafia e acalculia. Recentemente, outros termos como Demência da Depressão (Pearlson e col, 1989) e Síndrome da disfunção executiva da depressão (Alexopoulos, 2002) tem sido mais usados do que o termo pseudo-demência devido as criticas de sua natureza descritiva porém sem significado diagnóstico. O objetivo desse estudo é: 1) a descrição do comprometimento cognitivo na depressão do idoso; 2) a diferenciação do comprometimento cognitivo no transtorno depressivo e na demência. 2. Alterações cognitivas na depressão Tradicionalmente, o prejuízo cognitivo na depressão do idoso era considerado benigno, tendendo desaparecer com a melhora do quadro. No entanto, inúmeros idosos com depressão maior apresentam alterações cognitivas mesmo após o tratamento e a remissão dos sintomas depressivos (Alexopoulos, 1996; Baldwin & Tomenson, 1995). Evidências sugerem que isso ocorre devido ao efeito combinado da depressão maior com as alterações cerebrais decorrentes do envelhecimento como atrofia e doença vascular. As principais alterações cognitivas observadas são: a redução da velocidade de processamento da informação, déficits na evocação, na memória de reconhecimento, na memória a curto prazo e na linguagem(fluência verbal compreensão)(Baldwin, 2010). No entanto, uma parcela desses pacientes não apresenta evidência de comprometimento cognitivo nas avaliações objetivas das funções cognitivas, sendo, portanto considerados normais (Rapp, 2005). Estudos de imagem funcional demonstram que as áreas cerebrais envolvidas na demência de Alzheimer são diferentes das alterações cognitivas observadas na depressão (Dolan e col, 1992). Entretanto, as alterações de memória e os sintomas depressivos podem ser os sintomas iniciais da Alzheimer (Sachs-Ericsson e cols, 2005). 3. Depressão nos quadros de demência A associação entre depressão e quadros demenciais é muito freqüente, com incidência de 10 a 80% nos pacientes com doença de Alzheimer (Burns, 1991). O quadro depressivo pode ser secundário a reações psicológicas aos déficits determinados pelo quadro demencial ou ser conseqüências de lesões cerebrais associadas a ela. Nesses pacientes, as alterações cerebrais inerentes ao processo demencial determinam modificações na apresentação clínica, no curso, no prognóstico e, também, na abordagem medicamentosa desses pacientes. Com isso, Olin e cols (2002) propuseram critérios diagnósticos diferenciados para os quadros depressivos (tabela 2). Tabela 2: Critérios provisórios para diagnóstico da depressão na doença de Alzheimer 1. Satisfazer os critérios para demência de Alzheimer (DSM-IV) 2. Os critérios provisórios requerem 3 ou mais sintomas de depressão, em vez dos 5 necessários para a depressão maior. Os sintomas são os seguintes: humor deprimido, diminuição do afeto positivo e do prazer em resposta a contato social ou atividades habituais, isolamento social, alteração de apetite e sono, alterações psicomotoras, irritabilidade, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade, falta de esperança ou culpa excessiva e pensamentos recorrentes de morte e ideação suicida, com planejamento ou tentativa 3. Os critérios de irritabilidade e isolamento social ou esquiva foram adicionados 4. Os critérios de perda de interesse ou prazer foram revisados para refletir a diminuição de afeto positivo ou prazer em resposta ao impacto social e a atividades habituais. 5. Os critérios não requerem a presença dos sintomas quase todos os dias, como no caso de episódios depressivos maior, entretanto, é necessária a presença dos sintomas por um período de 2 semanas 4. Diferenciação da depressão e demência nos idosos A diferenciação desses diagnósticos inicia-se com a história e incluem várias outras distinções clinicas (tabela 3). Geralmente, a demência inicia e evolui lentamente quando comparada com a depressão maior. Diferente dos pacientes deprimidos, os pacientes com demência não percebem o comprometimento cognitivo, sendo geralmente observado e relatado pelos familiares e cuidadores. Nas avaliações clinicas objetivas, os pacientes com demência tentam responder as questões enquanto que os pacientes deJul/Ago 2011 - revista debates em psiquiatria 19 ARTIGO /////////////////// por Castro-Costa E, Aguiar CCT e Blay SL primidos abandonam as avaliações ou informam que não sabem responder ao entrevistador. Por último, a demência compromete as funções corticais superiores como memória, enquanto que a depressão afeta as funções sub-corticais como concentração e velocidade no processamento de informação. Tabela 3: Diferenciação clínica entre demência e depressão Demência 1. 2. Depressão Inicio dos sintomas insidioso Rápido Duração dos sintomas Longa duração Curta duração Humor e comportamento Flutuantes Constantemente deprimido Resposta do tipo “não sei” Pouco comuns Comuns Queixas cognitivas Minimizada Enfatizada Esforço para executar Grande tarefas Pequeno Déficit lacunar de memória Pouco comum Comum Desempenho em tarefas com grau de dificuldade semelhante Consistente Variável Incapacidade Ocultada nas fases iniciais 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Enfatizada 5. Conclusão As alterações cognitivas associadas aos quadros depressivos são muito variadas e podem se manifestar de diversas formas: depressão com comprometimento cognitivo, depressão na demência e demência na depressão. Assim sendo, a depressão do idoso está fortemente associada com os transtornos demenciais, podendo ser um preditor ou fator causal para demência subseqüente. A diferenciação entre os quadros depressivos com comprometimento cognitivo e a demência se faz necessária e é de grande importância para a instituição correta das medidas terapêuticas adequadas para cada condição. 20 Referências revista debates em psiquiatria -Jul/Ago 2011 10. 11. 12. 13. 14. Alexopoulos GS, Vrontou C, Kakuma T et al. Disability in geriatric depression. AM J Psychiatry 1996; 153(7):877-85. Alexopulos GS, Kiosses DN, Klimstra S, Kalayam B, and Bruce ML. Clinical presentation of the “Depression-Executive Dysfunction Syndrome” of late life. Am J Geriat Psychiatry, 2002; 10,: 98-106. Alexopoulos GS. Depression in the elderly. The Lancet, 365(9475), 1961-70, 2005. Baldwin RC E Tomenson B. Depression in laterlife – A comparison of symptoms and risk factors in early and late onset cases. Brit J Psychiatry, 1995; 167:649-52. Baldwin RC. Depression in later life. Oxford University Press. Oxford, UK, 2010. Beekman AT, Deeg DJ, Braam AW, Smith JH, Van Tilburg W. 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