TRANSTORNOS ALIMENTARES EM REDES SOCIAS

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TRANSTORNOS ALIMENTARES EM REDES SOCIAS: UMA PESQUISA COM
BASE NA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
Débora de Carvalho Figueiredo (UFSC)
[email protected]
Carolina Bithencourt Rubin (UNISUL)
[email protected]
Ligiane Bonifácio (UNISUL)
[email protected]
1 Introdução
A sociedade contemporânea vive o fenômeno do culto ao corpo e do padrão
hegemônico de beleza magra. Ser magro na contemporaneidade representa poder e status
(STICE; SCHUPAK; SHAW; STEIN, 1994). Parte do treinamento subjetivo para atender a
esse padrão de beleza ocorre através de nossa exposição a discursos que fazem a apologia do
culto ao corpo, como os discursos da mídia de massa. Um exemplo é a internet, onde
podemos encontrar blogs, sites e redes de relacionamento promovendo e legitimando o
modelo de corpo canônico.
O culto ao corpo e a pressão pelo enquadramento em um modelo hegemônico de
beleza magra, gera, para a maioria das mulheres, um alto grau de insatisfação com sua
aparência corporal que, somado a outros fatores de ordem individual, familiar e hereditária,
podem levar jovens mulheres a desenvolver, ou mesmo a reforçar, os transtornos alimentares
(doravante TAs) como forma de alcançar o modelo de corpo valorizado socialmente.
De acordo com a Revista Scientific American do Brasil (edição de 08 de junho de
2009), estimativas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH, na
sigla em inglês) indicam que 70 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de algum tipo
de transtorno alimentar. Segundo a pesquisa, estudos longitudinais mostram que o índice de
mortes provocado por esses transtornos é alto: entre 18% e 20%.
Destes 70 milhões, a maioria esmagadora das ocorrências dos transtornos
alimentares ocorre entre mulheres. Dados do Centro Nacional de Informações sobre
Transtornos Alimentares do Canadá (Nedic, na sigla em inglês) apontam que a incidência
mundial de mortes relacionadas à anorexia em mulheres entre 15 e 24 anos é 12 vezes maior
que qualquer outra causa nessa faixa etária (Revista Scientific American do Brasil, 2009). De
acordo com reportagem publicada nas revistas Isto é (25/10/2005) e Veja (11/02/2004),
estima-se que, no Brasil, os TA afetem 100.000 adolescentes, dos quais 90% são garotas
(BERGER, 2007, p.138).1
Cardoso (2000, p.3) aponta a valorização social da imagem magra como um dos
fatores sociais que mais contribui para o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Mais
especificamente, a autora aponta dois fatores que interferem na sociedade e que podem acabar
1
Entretanto, os dados também mostram que a incidência dos TA entre os homens está aumentando. Segundo
pesquisa publicada no American Journal of Psychiatry, entre 10% a 15% da população mundial com bulimia ou
anorexia é formada por homens jovens, sendo que 20% deles são homossexuais (Revista Scientific American do
Brasil, 2009).
acarretando os distúrbios alimentares: o primeiro seria a apologia à magreza, vista diariamente
nos meios de comunicação (em especial revistas, programas de TV, artigos em jornais e na
internet), e o segundo problema seria a forma como o corpo e a imagem pessoal são
construídos socialmente. Sobre esta construção, a autora escreve:
(...) mediante a assimilação de determinados conceitos e representações
culturais (...) o corpo passa a ser um objecto, capaz de ser manipulado e
moldado, tendo em vista a continuação dos mais variados objectivos nos
diversos domínios da esfera social, fator este que lhe confere uma
importância particular nas sociedades atuais. (CARDOSO, 2000, p.3)
Assim, a super valorização da aparência física, em detrimento de valores como o
caráter ou a inteligência de uma pessoa, destaca a importância e o poder que ser magro tem
para nossa sociedade, quer seja nas interações que os atores sociais estabelecem entre si, quer
seja nos processos de integração e aceitação social pelos quais passam, atuando enquanto
elemento de promoção da sua inclusão, ou exclusão, no tecido social (STICE et al, 1994).
Para Fairclough (2001), o mundo acontece na e pela linguagem. Segundo o autor, a
linguagem, enquanto prática social, também se molda e serve de ferramenta aos objetivos da
sociedade. Esse processo de mão dupla ocorre porque a linguagem faz parte da sociedade e
não lhe é externa. Acontece também porque a linguagem, como parte das estruturas sociais,
ajuda a construir a sociedade, e não apenas a refletí-la. Em resumo, a relação bidirecional
entre linguagem e sociedade ocorre porque a linguagem é um processo condicionado
socialmente, mas também socialmente condicionante
Os números de casos e as fatalidades a eles associadas deram aos TAs “contornos
alarmantes, o que [os] transformam em um fenômeno de relevante projeção social”
(CARDOSO, 2000, p.11). Tanto o aumento do número de casos quanto a sua expansão para
grupos sociais onde, até agora, estes distúrbios não pareciam estar presentes, lhes confere uma
dimensão social, transformando-os, indiscutivelmente, num fenômeno cujos aspectos
linguístico-discursivos merecem ser investigados.
Este artigo está embasado nos pressupostos teóricos e metodológicos da análise
crítica do discurso (ACD) e da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), e tem por objetivo
descrever e interpretar o discurso das 10 participantes mais ativas no fórum “DESABAFOS AQUI” da comunidade virtual “Anorexia e Bulimia-Ajuda” da rede de relacionamento Orkut,
investigando como essas jovens mulheres representam suas identidades corporais, e como se
identificam e se relacionam entre si.
2. Transtornos alimentares: docilidade e normatização inscritas nos corpos femininos
O corpo, em seus aspectos vestimental, alimentar e de cuidados, é um agente da cultura, ou
até mesmo um texto cultural. Citando Mary Douglas, Susan Bordo afirma que o corpo “é uma
poderosa forma simbólica, uma superfície na qual as normas centrais, as hierarquias e até os
comprometimentos metafísicos de uma cultura são inscritos e assim reforçados através da
linguagem corporal concreta” (1997, p. 19).
Mas o corpo não é apenas um texto da cultura, ou uma metáfora dela. Como apontam
Bourdieu (1974) e Foucault (1997), o corpo é também um local prático direto de controle
social. Segundo Bourdieu, através de costumes a mesa, hábitos de higiene, rotinas, normas e
práticas aparentemente triviais, automatizadas e habituais, a cultura “se faz corpo, [é
colocada] além do alcance da consciência ... [inatingível] por transformação voluntária,
deliberada” (1997, p. 94). Foucault, em Vigiar e Punir e a História da Sexualidade, salienta a
primazia da prática sobre a crença no controle do corpo: “por meio da organização e
regulamentação do tempo, do espaço e dos movimentos de nossas vidas cotidianas, nossos
corpos são treinados, moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantes
de individualidade, desejo, masculinidade e feminidade” (BORDO, 1997, p. 20).
Do ponto de vista dos estudos feministas, a contemporaneidade, comparada com outros
momentos históricos, caracteriza-se como um perído em que nós, mulheres, gastamos muito
mais tempo com os cuidados e a disciplina de nossos corpos2, um regime considerado
“diversionista e desmobilizador” por analistas como Bordo (1997, p. 20):
Através da busca de um ideal de feminidade evanescente, homogeneizante,
sempre em mutação – uma busca sem fim e sem descanso, que exige das
mulheres que sigam constantemente mudanças insignificantes e muitas vezes
extravagantes da moda – os corpos femininos tornam-se o que Foucault
chama de “corpos dóceis”: aqueles cujas forças e energias estão habituadas
ao controle externo, à sujeição, à transformação e ao “aperfeiçoamento”. Por
meio de disciplinas rigorosas e reguladoras sobre a dieta, a maquiagem e o
vestuário – princípios organizadores centrais do tempo e do espaço nos dias
de muitas mulheres – somos convertidas em pessoas menos orientadas para o
social e mais centradas na autocomodificação. Induzidas por essas
disciplinas, continuamos a memorizar em nossos corpos o sentimento e a
convicção de carência e insuficiência, a achar que nunca fomos
suficientemente boas. Nos casos extremos, as práticas da feminidade podem
nos levar à absoluta desmoralização, à debilitação e à morte.
Nesse sentido político, a disciplina e a normatização dos corpos femininos - talvez as
únicas opressões de gênero auto-exercidas pelas mulheres – podem ser vistas como estratégias
extremamente duráveis e flexíveis de controle social. Essas estratégias são legitimadas e
disseminadas através da mídia que diariamente descreve, constrói e reconstrói um ideal
estético contemporâneo para as mulheres, cuja busca obessiva se tornou um motivo central na
vida de inúmeras de nós.
Diante da pressão exercida por esse ideal estético feminino descrito pelos discursos
midiáticos de massa, precisamos refletir e investigar como práticas corporais coercitivas,
escravizadoras, e até mesmo potencialmente letais3, são significadas como libertadoras,
transformadoras e vivificantes. Como a mídia de massa constrói e faz circular, através de
imagens padronizadas, um ideal normativo de feminidade (incluindo as formas de marcar a
feminidade no corpo), a própria feminidade tornou-se uma questão de interpretação e de
performance, ou seja “a representação exterior adequada do ser”. Aprendemos as regras que
regem nosso corpo através de discursos midiáticos e promocionais, cujas imagens nos dizem
que roupas, que configuração corporal, que expressão facial, que movimentos e
comportamentos são exigidos de nós.
Os corpos femininos são um local para a inscrição literal das normas que regem a
construção hegemônica da feminidade contemporânea. Segundo Bordo, trata-se de uma
construção baseada em um impasse que impõe diretrizes contraditórias: por um lado, nossa
cultura ainda apregoa e valoriza concepções domésticas de feminidade e a divisão de trabalho
doméstico baseada no gênero, colocando a mulher no papel da principal nutridora emocional
2
Vale lembrar que, embora os homens também sofram pressões no sentido de disciplinarem e controlarem seus
corpos, a preocupação contemporânea com a aparência e o embelezamento do corpo ainda afeta as mulheres de
forma muito mais acentuada do que os homens (BORDO, 1997).
3
Referindo-se às “patologias da feminidade” (histeria e agorafobia até meados do século XX, bulimia e anorexia
na modernidade tardia), Bordo afirma que “encontramos o corpo de quem sofre profundamente marcado por
uma construção ideológica da feminidade típica dos períodos em questão. Naturalmente, essa construção está
sempre homogeneizando e normalizando, tentando suprimir as diferenças de raça, classe e outras, insistindo que
todas as mulheres aspirem a um ideal coercitivo, padronizado” (1997, p. 23).
e física da família. Isso faz com que as mulheres aprendam que devem alimentar os demais, as
mesmo tempo em que devem suprimir ou esconder a própria fome, gerando “uma economia
emocional [feminina] totalmente voltada para os outros” (BORDO, 1997, p. 25). Nas palavras
da autora:
A fome feminina [...] é retratada como algo que precisa ser refreado e
controlado e o comer feminino é visto como um ato furtivo, ilícito [...]
Obviamente, o alimento não é a questão em debate aqui; mais exatamente, o
controle do apetite feminino é meramente a expressão mais concreta da
norma geral que rege a construção da feminidade, de que a fome feminina –
por poder público, independência, gratificação sexual – deve ser contida e o
espaço público que se permite às mulheres dever ser cincunscrito, limitado.
(1997, 25).
Por outro lado, ao mesmo tempo em que são ensinadas às mulheres as virtudes
tradicionalmente “femininas”, na medida em que elas penetram na vida profissional e no
mundo público, as mulheres também precisam aprender a incorporar a linguagem e os valores
“masculinos” desse âmbito – autocontrole, determinação, calma, disciplina emocional, etc. Na
interpretação de feministas como Bordo, a sujeição do corpo a exercícios físicos constantes e
ao controle de nossos apetites e de nossa vontade de nos “mimar” indicam nossa adesão às
virtudes “masculinas” da disciplina e do autodomínio. A única pulsão feminina totalmente
liberada é a pulsão da compra, justificada pela promessa de que, através do consumo de bens
e serviços ligados ao controle e embelezamento corporais, poderemos atingir o ideal
dominante de femininade contemporânea: a mulher magra, bela, bem vestida, bem sucedida
profissionalmente, porém feminina, capaz de docilizar seu corpo para atingir a tríade magreza,
saúde e felicidade.
Como aponta Bordo, o ideal de esbeltez feminina, junto com as dietas, os exercícios
emagrecedores e os tratamentos estéticos que constituem parte integrante desse ideal, oferece
a ilusão de cumprir, através do corpo, as exigências contraditórias da ideologia
contemporânea da feminidade: alimente os demais e não a si mesma; tenha controle e
autodomínio sobre seu corpo, sua aparência, seu comportamento, de forma que seu corpo seja
dócil e produtivo para a organização social.
Para que o corpo se docilize, nos moldes foucaultianos, é preciso que ele seja investido de
significados de vários tipos, significados que são literalmente inscritos no corpo. Para
entendermos esse processo ‘produtivo’ realizado pelos sujeitos sociais, é preciso
problematizar e investigar os mecanismos de dominação nos processos através dos quais o
significado é produzido na vida cotidiana, por exemplo processos discursivo-semióticos
operacionalizados nos corpos femininos.
Conceber e tratar o corpo como um objeto capaz de ser submetido a projetos de
aperfeiçoamento tornou-se uma forma de comportamento feminino convencional na
contemporaneidade. As práticas da feminidade hegemônica, orientadas por um modelo ideal,
são apresentadas como o caminho mais importante de aceitação e sucesso para as mulheres
em nossas culturas.
Um conjunto de imagens e representações contemporâneos, disseminados e legitimados
pela mídia de massa, tem construído a superação do apetite feminino e a demonstração
pública do ideal de esbeltez em termos de valores como poder, vontade, domínio,
possibilidade de sucesso na vida profissional, etc. Como aponta Bordo, “essas associações são
conduzidas por supermulheres magras do horário nobre da televisão e dos filmes populares e
explicitamente promovidas em anúncios de propaganda e artigos que aparecem habitualmente
em revistas femininas, livros de dieta e publicações sobre o controle do peso” (1997, p. 34).
A progressiva incidência de desordens alimentares, a crescente insatisfação e ansiedade
entre meninas e mulheres com relação à sua aparência e os regimes compulsivos de
“aperfeiçoamento” corporal, nos quais tantas de nós se engajam, sugerem que uma batalha
política está sendo travada sobre a energia e os recursos dos corpos femininos, uma batalha na
qual pelo menos algumas metas feministas, previstas para dar poderes às mulheres, estão
sendo derrotadas.4 (BORDO, 1997, p. 36).
3. Análise Crítica do Discurso
A Análise Crítica do Discurso (ACD) é uma abordagem transdisciplinar que
estuda os processos discursivos de uma forma crítica, buscando compreender o uso social,
político e ideológico da linguagem. A ACD busca elucidar, através da análise linguísticodiscursiva, as ligações entre linguagem, poder e ideologia.De acordo com Resende e Ramalho
(2006), a ACD nos permite constituir modelos teórico-metodológicos abertos para o
tratamento de diversas práticas sociais, modelos capazes de mapear relações entre os recursos
linguísticos utilizados por atores sociais ou grupos de atores sociais e aspectos da rede de
práticas sociais em que a interação discursiva se insere.
A ACD baseia-se na percepção da linguagem como parte irredutível da vida
social, parte dialeticamente interconectada a outros elementos sociais. Neste sentido, os
conceitos centrais da disciplina são discurso e prática social.
Como aponta Iñiguez (2004), a análise do discurso explora três tópicos básicos:
estrutura social, prática social e discurso, seguindo noções da teoria da estruturação proposta
por Giddens (1984). Para Iñiguez, a estrutura é responsável pelas regras e conjuntos de
relações organizadas como propriedades dos sistemas sociais. Para o autor, “os sistemas se
referem às relações reproduzidas entre atores ou coletivos organizados como práticas sociais
regulares. Estruturação se refere às condições que regem a continuidade ou transmutação de
estruturas e a reprodução dos sistemas sociais” (IÑIGUEZ, 2004, p.149).
Para acrescentar o discurso e a prática social ao esquema descrito acima, Iñiguez
recorre à obra de Fairclough (2001), que analisa a conexão entre discurso e variáveis
macrossociais. Para Fairclough, o discurso é a linguagem enquanto prática social determinada
por estruturas sociais. Isto é, o termo discurso é utilizado pelo autor para descrever o uso da
linguagem como uma forma de prática social e não como atividade puramente individual ou
reflexo de variáveis institucionais (FAIRCLOUGH, 2001).
Ao aceitar tal premissa, estamos aceitando também que as estruturas sociais
determinam as condições de produção do discurso, assim como são impactadas pelo discurso.
Nesse sentido, a ACD contribui tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais dos
textos como para gerar potenciais mudanças sociais que superem as relações assimétricas de
poder, parcialmente sustentadas pelo discurso.
A linguagem é a matéria prima do discurso, e é compreendida por Foucault (2003)
como uma prática constitutiva que compõe o social, os objetos e os sujeitos. Para o autor,
examinar os discursos equivale a detalhar sociohistoricamente as formações discursivas
interdependentes, os sistemas de regras que demonstram a ocorrência de determinados
enunciados em certo tempo, lugar e instituição (FOUCAULT, 2003, p.10).
4
Bordo vê os corpos femininos como locais de luta nos quais “temos que trabalhar para manter nossas práticas
diárias a serviço da resistência à dominação de gênero, e não a serviço da ´docilidade´e da normatização” (1997,
p. 37). Nesse sentido, a autora propõe como projeto político feminista “uma atitude decididamente cética em
relação às pretensas vias de libertação e prazer oferecidas por nossa cultura”, como o consumo voltado para o
embelezamento e a disciplina corporal.
Portanto, se pensarmos os transtornos alimentares como parte de uma rede de
práticas sociais vigentes em nossa estrutura social, podemos argumentar que a ACD nos dá
bases para investigar tais práticas.
Quando analisamos o discurso criticamente, estamos investigando textos
específicos em práticas específicas (textuais) moldadas pela cultura que, por sua vez, também
está em mutação constante em sua interação com esses mesmos textos e práticas. Nesse
sentido, ao analisar textos, a ACD está interessada em questões sociais e não somente nos
textos em si, incluindo a construção de conhecimento e as maneiras de representar a realidade,
as manifestações/construções de identidades e as relações de poder no mundo contemporâneo
(FAIRCLOUGH, 2001).
Em resumo, como parte dos estudos linguísticos de vertente crítica, o foco de
interesse da ACD não é apenas a interioridade dos sistemas linguísticos, mas, sobretudo, as
investigações de como esses sistemas funcionam na representação de eventos, na construção
de relações sociais e na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias no discurso.
Segundo Resende e Ramalho (2006), deve haver equilíbrio entre forma e função
nos estudos da linguagem, isso porque é temerário reduzir a linguagem a seu papel de
ferramenta social, bem como reduzi-la ao caráter formal, imanente, do sistema linguístico,
pois a língua não é somente forma ou função, e sim atividade significante e constitutiva. Para
as autoras, a busca desse equilíbrio é uma das grandes contribuições da ACD para os estudos
do texto e do discurso, uma vez que se trata de uma abordagem social e linguisticamente
orientada.
Assim, no caso do presente artigo, a ACD servirá de base teórico-metodológica
para a análise de textos disponíveis na rede de relacionamento Orkut produzidos por garotas
com TAs, assim como das estruturas e práticas sociais que interferem e determinam a escolha
dos elementos linguísticos que compõe o texto destas garotas e dos efeitos dessas escolhas
sobre as estruturas e práticas sociais que originam, fomentam, disseminam e justificam o culto
ao corpo.
Apresentaremos, a seguir, de forma breve, alguns princípios sobre a Linguística
Sistêmico Funcional e sua adequação à abordagem crítica do discurso.
2.2 Linguística Sistêmico Funcional
A Linguística Sistêmico Funcional (LSF) é uma teoria linguística bastante
adequada ao tipo de análise proposto pela ACD, uma vez que trata a linguagem como um
sistema aberto para o social e considera os textos não simplesmente como estruturados no
sistema linguístico-discursivo, mas também potencialmente inovadores desse sistema. Para
Chouliaraki e Fairclough, “toda instância discursiva abre o sistema para novos estímulos de
seu meio social” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p.141).
A LSF é composta por três níveis que estão sempre presentes na linguagem: o
nível contextual (campo, relações e modo); o nível semântico (funções ideacional,
interpessoal e acional) e o nível lexicogramatical (transitividade, modo/modalidade e temarema).
Como a linguagem é multifuncional, ela opera simultaneamente representando
nossas experiências de mundo, dando significado às coisas, permitindo nossas interações
sociais e ordenando e estruturando os textos. Para Resende e Ramalho:
As três macrofunções da linguagem são inter-relacionadas, e quaisquer textos podem
ser analisados sob cada um desses aspectos. Isso significa que todo enunciado é
multifuncional em sua totalidade, serve simultaneamente a diversas funções. Nesse
sentido, a linguagem é funcionalmente complexa. As estruturas linguísticas não
‘selecionam’ funções específicas isoladas para desempenhar; ao contrário,
expressam de forma integrada todos os componentes funcionais do significado.
(RESENDE; RAMALHO, 2006, p.60-61)
A função ideacional é responsável pela representação da experiência, é uma
maneira de dar forma à ‘realidade’ na língua. Os enunciados ideacionais estão ligados a
eventos, ações, estados ou outras atividades humanas que envolvam relações simbólicas. Para
Martin e White, “os recursos ideacionais estão relacionados à construção da experiência, ou
seja, o que está acontecendo, inclusive quem está fazendo o quê, para quem, onde, quando,
por que e como, assim como a relação entre um acontecimento e outro” (MARTIN; WHITE,
2005, p.7).
A segunda macro-função da Halliday é a interpessoal, responsável por dar sentido
às interações sociais da língua como ação. Essa função representa o uso da língua para
expressar relações sociais e pessoais, e está presente em todos os usos da linguagem, assim
como a função ideacional.
A última macro-função da linguagem, no nível semântico proposto por Halliday, é
a função textual. Essa função representa os aspectos semânticos, gramaticais e estruturais que
podem ser pesquisados no texto, já que a seleção das estruturas textuais está relacionada aos
contextos sociais de interação. Para Wilson (2008, p.67), o significado textual “refere-se à
maneira como os dois primeiros significados são encapsulados como mensagem, ou seja, a
organização textual da mensagem”.
O último nível estudado pela Linguística Sistêmico Funcional é o léxicogramatical, um dos mais importantes para a LSF, uma vez que os sistemas de Transitividade,
Modo-Modalidade e Tema-Rema são categorias fundamentais para a análise linguísticosistêmica.
3 Significados representacionais, identificacionais e acionais no discurso sobre bulimia e
anorexia
Neste artigo, fazemos uso da ACD e da LSF para pensarmos acerca dos efeitos
ideológicos que os eventos discursivos exercem sobre as formas de as garotas participantes do
fórum DESABAFOS-AQUI se relacionarem e agirem socialmente, as suas formas de ser,
suas identidades e seus sistemas de valores, crenças e atitudes. Utilizamos os três grupos
textuais identificados por Fairclough para analisarmos os relatos das 10 garotas que mais
participaram do fórum pesquisado.
Os três aspectos constitutivos que analisaremos nos discursos das participantes do
fórum são: identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e de crença. Com
a finalidade de investigarmos e analisarmos como os textos das participantes do fórum,
através de significados representacionais, identitários e acionais, constroem e/ou alteram o
social, selecionamos alguns relatos constantes no fórum que nos ofereceram evidências a
respeito das atitudes das participantes para atenderem ao padrão hegemônico da beleza magra.
O fórum DESABAFOS-AQUI faz parte da comunidade Anorexia, Bulimia – Ajuda
da rede de relacionamentos Orkut. Ao tentar acessar o site, o usuário visualiza o seguinte
enunciado:
Aviso
A comunidade que você quer acessar talvez tenha conteúdo que pode ser impróprio para alguns
usuários. Saiba mais »
Se quiser visualizar a comunidade mesmo assim, clique em "continuar" abaixo.
continuar cancelar
A mensagem de aviso que é visualizada antes de termos acesso à comunidade
Anorexia, Bulimia – Ajuda é resultado de um filtro de segurança do Orkut, que após examinar
perfis e as comunidades que tenham possíveis imagens ou textos impróprios, ativa o aviso de
alerta ao usuário quanto ao conteúdo da comunidade.
Após decidir continuar acessando a comunidade Anorexia, Bulimia – Ajuda, o
usuário se depara com a seguinte imagem e descrição:
Esta comunidade não apóia atitudes prejudiciais a saúde. O objetivo desta
comunidade é apoiar as pessoas que sofrem algum transtorno alimentar e querem sair
dessa e viver em paz com o espelho! ESSA COMUNIDADE NÃO APÓIA ANA e
nem MIA!!!
ATENÇÃO: ESTA COMUNIDADE ESTÁ CONSTANDO COMO IMPRÓPRIA,
POR ISSO IREMOS DELETAR OS TÓPICOS E FISCALIZAR MAIS OS
TÓPICOS POSTADOS.
Como elucidado na própria descrição da comunidade, ela foi criada, especificamente,
para as pessoas que sofrem ou julgam sofrer algum transtorno alimentar e que estão em busca
de algum tipo de ajuda. A comunidade conta com 4819 membros no momento.
A imagem que aparece no perfil da comunidade demonstra como age um portador de
bulimia e como se enxerga um portador de anorexia; é o título da comunidade personificado.
Na comunidade, há vários tópicos relacionados à questão do corpo e aos transtornos
alimentares, tais como DESABAFO E TROCA DE EXPERIÊNCIAS PARA OS MENINOS,
[EMAGRECIMENO RAPIDO], Vc quer se recuperar da Ana e da Mia?5
A fim de preservarmos a identidade das participantes que compõem o corpus de
nossa pesquisa, nós atribuímos a elas um código com uma letra alfabética aleatória, a saber:
Miss I; Miss L; Miss M, Miss B; Miss A; Miss N; Miss C; Miss P; Miss E e Miss V.
Os relatos das participantes analisados por nós nos dão fortes indícios para
afirmarmos que elas são vítimas do ideal de beleza magra imposto atualmente. As garotas
relatam que gostariam de ser mais magras do que realmente são e atribuem um valor
depreciativo à gordura. Veja abaixo trechos de um relato da Miss M:
... to com 58.6kg de novo!!!!!!!!!!!
Eu to malhando a 2 semanas e engordei tudo de novo?? Sei lá
flor... tah difícil para mim continuar gorda e estar me acabando na
academia!! ...
Eu tentei fazer de tudo... mascar chiclete,tomar suco
emagrecedor,malhar,dormir,me dopar,jogar video game... e eu
5
Ana e Mia se referem, respectivamente, à Anorexia e à Bulimia.
ainda to gorda!!!!!
to triste
Por meio do relato da MISS M e de tantos outros relatos analisados, podemos
constatar que, para atenderem ao padrão hegemônico imposto atualmente, da beleza magra, as
participantes do fórum mudam seus hábitos alimentares, criam válvulas de escape para inibir
a fome; a relação delas com a comida é de repulsa, uma vez que a comida, para elas, está
associada à gordura e ao excesso de peso, ou seja, a tudo que elas temem por não se aceitarem
e com medo de não serem aceitas, uma vez que também ocorre a exclusão social por meio da
gordura. Veja os relatos abaixo que exemplificam o que afirmamos anteriormente:
INFERNOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
NÃO CONSIGO PARAR DE COMER CHOCOLATE A 4 DIAASSSS
ESTOU UMA BOLA GORDURENTA!
AI COMO EU ME ODEIO E ODEIO A MERDA DA MINHA VIDA GORDA!
(Relato da MISS A)
hoje eu prometi pra mim mesma que não ia comer, mas acabei tendo
uma compulsão
eu quero sair desse pesadelo
(Relato da MISS L)
Tô me sentindo péssima... minha vida ta desmoronando
fiquei 3 dias sem tomar anfetaminas me senti um lixo hoje tomei 3
capsulas e a dosagem é 2 por dia
me sinto tão vazia, acho que meu transtorno alimentar é pelo fato de ser
podre por dentro e querer parecer bonita por fora... queria acordar e ter
minha vida denovo mesmo gordinha mas era feliz, tinha alegria em viver
as anfetaminas me fizeram perder 2 empregos, estou com depressão alias
instabilidade emocional vou do ceu ao inferno em minutos... e o pior é
que quando tento não tomar sinto fraqueza dor de cabeça
estou com 49kgs e me sinto uma monstra... sabe as vezes eu sinto nojo
de mim
raiva, vontade de gritar
ontem eu comi sorvete a noite e miei depois senti vontade de chorar,
gritar
abandonei o emprego nem fui la pegar a recisão... eu fico vegetando o dia
todo em casa a noite eu me arrumo e saio com minha prima... ai bebo, e
me sinto viva mas não era isso que eu queria
só queria ser feliz... parar de ficar sem comer, só comer porcaria e
vomitar, parar de contar minhas costelas, parar de querer ser nem sei
mais o que
queria ter forças pra trabalhar denovo mas simplesmente não tenho :/
(Relato da MISS P)
Nos relatos, encontramos epítetos e qualificadores que demonstram como as garotas
se veem, como veem os seus amigos, seus familiares, seus corpos, seus transtornos
alimentares etc. Os epítetos classificam as expressões usadas nos textos (na análise em
questão, os corpos das participantes) por meio de adjetivos (gordurenta, gorda, obesa); já os
qualificadores dizem respeito à categoria a qual aquilo que as garotas mencioanm pertence,
como adjetivos (me sinto tão vazia) ou substantivos (eu passo ali a dificuldade para sair
disso).
Vi o programa profissao reporter no meu quarto chorei muitoo muito
mesmo vendo tudo que eu passo ali a dificildade das pessoas pra sair
dissu é tão triste minha mae vendo no outro quarto depois veio
comentar se eu tinha visto que eu ia fika que nem a obesa la que eu ja
to quase la e tals nossa se minha mae soubese tudo que eu passo ela
mediria as palavras dela eu axo;Nao posso comer mais açucar fui na
medica ela disse que minha glicose ta alta minha mae ta me tratando
como diabetica agora to sentindo muita falta nem que seja uma
balinha ela me manda faze mais um monte de exame diz que to muito
palida fraca.Vo no psicologo amanha aff to com medo ainda mesua
pais vao junto que nervo;To ainda muito cansada a medica disse que
issu pode ser sintoma de depressão mais ela nao aliviou nada pro
meu lado meu pais me criticando e tals e ela nem me defendeu disse
que eu tenho que ter maturidade pra entender pra controlar o pesso e
sei la oq aff vei que saco como que controlo o pesso se nao consigo se
quando começo eu tenho compussao se quando como me corto como
aff;
(Relato da MISS L)
Associar magreza a sucesso e à felicidade leva a uma rede de práticas sociais que
podemos chamar de culto ao corpo. De acordo com Berger (2007), isso acontece porque as
pessoas colocam suas imagens acima de qualquer coisa. Assim, a imagem se torna a questão
central do culto ao corpo, primeiro porque toda cultura do corpo passa por imagens reais do
corpo, projetadas como espetáculos, e segundo porque as imagens veiculadas pelos meios de
comunicação são indissociáveis do processo de desejar construir um corpo ideal.
O discurso propagado diariamente pela mídia, por exemplo, em revistas femininas,
programas de TV, novelas, filmes, matérias de jornal e da internet, reforça a ideia que ser
gordo é uma escolha individual de cada sujeito. Um dos grandes problemas enfrentados pelos
obesos é a discriminação gerada pela valorização do corpo magro. A moda, a mídia e tudo o
mais é voltado ao culto do corpo magro. Como isso, o obeso acaba sendo visto como um
preguiçoso que não faz exercícios e está acima do peso porque assim o deseja. O obeso, então,
acaba tornando-se vítima deste imaginário social que o condena ao preconceito por não o
julgar capaz de controlar e docilizar seu próprio corpo.
TO MUUITO GORRDDA , sabe eu tenho força de vontade de fazer uma dieta
certinha e e tudo , mais me da sei la ,'amanhã eu comço direito' e nunca começo , to
cansada sabe , quero ser mais forte uma pessoa com mais atitude , preciso
emagrecer , estou goorda.
quero chega na escola e dizerem nossa aquela gordinha , como emagreceu. meu
soonho *-*
devo estar pesando 62 kg , 62 imensos kilos , minha mãe tem 33 anos três filho e é
mais magra que eu meu , tenho 16 anos e sem filho , isso que me frustra maiss ;@
ja estou me sentindo mal om toda essa gordura rulez meeu
(Relato da MISS B)
tento sair tambem, mas ando meio fraca. alias, ja passei dois anos
sem nada serio de ana. tipo, tive umas recaidas mas eu tava comendo
normal e tal. mas ai ano passado tudo voltou e eu nao sei como nem
porque. as vezes quando eu me dou conta de que estou comendo
normalmente eu fico feliz, pq eu nao sei quando vai ser a proxima vez
q eu vou sentir aquela voz me puxando pro abismo e me mandando
ficar mais tempo sem comer.
Entao, eu desejo toda a sorte do mundoo pra vc, e fala sim! ai vc
inspira agente a mudar tambem!
(Relato da Miss V)
Del Priore (2000, p.90) critica o modelo corporal da magreza que, extenuado ao
máximo, pode desencadear os transtornos alimentares. A autora argumenta que, segundo a
estética da magreza, transformar-se em um saco de ossos parece ser o ideal da mulher
contemporânea. Para Del Priore, é uma lástima que metade do mundo deseje ser magra, e a
outra metade dele morra de fome por não ter o que comer.
Cara , to cansada de escola, de gente , do mundo ... quero me trancar
no meu quarto e nao sair NUNCA mais :S [2]
Hj comi no Giraffas fiquei tão mal que vi que tinha engordado 1kg
que acabei indo para compulsão
Oh vidinha de merda viu?!
(Relato da MISS M)
De acordo com Fowler et al. (1979, p. 186), se o significado linguístico é
indissociável da ideologia, sendo os dois elementos dependentes da estrutura social, então a
análise linguística pode ser um instrumento valioso para o estudo dos processos ideológicos
que circundam as relações sociais de poder e de controle.
Para Resende e Ramalho:
Toda sentença é vista como mensagem (função textual), como processo que constrói
o mundo (função ideacional) e ao mesmo tempo como ato de fala que estabelece
relações sociais entre seus produtores e outros atores que ocupam este mundo
(função interpessoal). (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 319)
Por meio dos textos construídos pelas participantes do fórum, podemos constatar
como gira o mundo para elas, quão vítima elas são das ideologias impostas pela mídia, pelos
amigos, pelos familiares, o que a comida e o corpo representam para elas.
Fairclough (2003) argumenta que ideologias são originariamente representações,
mas podem ser reconhecidas em maneiras de ação social e implicadas nas identidades de
agentes sociais. As ideologias presentes nos eventos sociais (ou textos, numa veia linguística)
através de pressuposições implícitas e geralmente naturalizadas, materializa-se na linguagem.
Fairclough (2003), inspirado no funcionalismo de Halliday (2004), distingue entre
três tipos de significados presentes nos textos e no discurso: significados acionais,
representacionais e identificacionais. A fim de evidenciarmos, sumariamente, as conclusões a
que chegamos, acerca dos discursos das participantes do fórum DESABAFOS-AQUI, tendo
como base os significados postulados por Fairclough e Halliday, apresentamos a tabela
abaixo:
SIGNIFICADOS
REPRESENTACIONAIS
AÇÃO
EXEMPLOS
(Por meio dos textos, as
participantes representam
aspectos do mundo, de
modo histórico, social e
culturalmente situado, seus
sistemas de conhecimento e
crença)
O padrão de beleza
O que é valorizado
pelas participantes?
IDENTIFICACIONAIS
(Estado emocional, estado
físico e formas de ser)
Como
participantes
percebem?
as
se
Como
elas
sentem?
se
cara tipaçin,ontem eu me controlei pa
naocomer tanto . hoje eu to tentando fazer o
mesmo e ate agora comi um omelete apenas
porque eu tava morrendo de fome e nao podia
chupar mais gelo por causa da minha garganta
. enfim.. hoje eu fui pa igreja pra crisma aii la
foi dia de debater sobre as drogas e teve um
testemunho la e bla bla bla . teve uma hora que
o cara la disse que quando ele era viciado e
tava em tratamento viu 4 cigarrinhos la
emrolado e tal e perguntou pa terapeuta dele o
que ele devia fazer. ela disse pra ele pegar nele
e jogar no lixo . isso seria complicado pra ele
mais ele conseguiu . daí eu tirei uma liçao pra
todas nois [pelo menos pra mim sim] . tipo sou
VICIADA EM COMER e presizo me libertar
disso fazer tratamentos entendem? presizo
emagreser pra me sentir bem como o carinha la
se sente hoje livre das drogas e dos
preconceitos . quando eu ver uma comida agora
vou fazer de tudo para não comer . nao jogando
fora como ele fez mais sim deixando para que
alguem coma . não aguento mais meu corpo e
tudo que queria era emagreser . e se hoje eu fui
na igreja e ela me fez pensar nisso, vou fazer
disso um estímulo para que um dia eu tenha O
CORPO PERFEITO .
(Relato da Miss E)
...pratico a bulimia ás vezes, não é todo dia,mas
isso acontece desde os meus 13 anos
tive depressão tomei uns remédio que me
emagreceu mt,parei com a medicação e o
acompanhamento psicológico,engordei 3 vzs
mais doq antes,me senti mal de novo..minha
depressão não era por causa disso,mas porq eu
tive uma merda de infância e uma adolescencia
que não foi boa pra mim.
Ontém em mais miada,vomitei sangue...me
aapavorei
não dormi pq achei que iria sangrar mt e eu
iria morrer...
eu to na merda,gostaria mt de ajuda! eu quero
parar com isso,isso é um caminho para a
morte,eu não quero morrer.
(Relato da Miss C)
Olha... Quando eu ainda tava ficando com
aquele menino que eu namorei quase 4 anos, eu
tive que ouvir o amigo dele comentar "cara não
acredito que tais ficando com ela, ela é
GORDA".
ACIONAIS
(Relações sociais
estabelecidas via texto)
Como
as
participantes
se
relacionam
entre Entre várias outras pessoas que me chamavam
de gorda. Eu acho que foi por isso que resolvi
si?
Relações
sociais
entre as pessoas
começar a fazer dietas, e emagreci. E TODO
mundo que me chamou de gorda tinha
engordado um monte, inclusive esse rapaz que
era magro e hoje tá gordo pra caralho. Dai eu
engordei denovo e voltaram as piadinhas. E
essa coisa de sair é foda mesmo. Eu saio de
casa e não consigo não ficar me comparando
aos outros, vendo se sou a mais gorda do local,
da roda, etc...
Comparo muito na faculdade, que minha saça
90% são mulheres. Quando entrei eu era uma
das mais magras, hoje sou uma das mais
gordas.
Não tem como não comparar, meu cérebro faz
isso automaticamente. E isso só piora porque
parece que quanto mais gorda mais ansiosa a
gente fica. Mas um dia eu sei que me livro
disso... Só questão de tempo.
(Relato da Miss A)
A ideologia da magreza (que sustenta o culto ao corpo) oportuniza a reflexão
sobre o quanto estas questões podem afetar e até contribuir para o surgimento e
desenvolvimento de distúrbios alimentares em jovens que, não refletindo sobre a existência
destas ideologias embutidas nos discursos midiáticos, acabam se tornando reféns do modelo
canônico de corpo magro.
Considerações finais
Os transtornos alimentares são distúrbios multifatoriais originados por variáveis
individuais, familiares, hereditárias e socioculturais que têm sua gênese também na apologia à
magreza propagada pelos meios de comunicação, além da maneira como nossa sociedade
vive, consome e valoriza a aparência física em oposição aos valores não-físicos dos
indivíduos, e à valorização das formas múltiplas que os corpos femininos podem apresentar.
Em seus relatos, as garotas com TAs declaram que seu ideal de vida é ter/ser dona
de um corpo magro ao extremo. Segundo elas, esse corpo emaciado lhes permitiria consumir
os produtos que dão status, prazer e saciedade, e que indicam pertença a um grupo
socialmente valorizado, o das mulheres muito magras que podem usar calças de grifes
famosas no tamanho 36, vestidos tamanho “P”, etc, ainda que para isso seja preciso
desenvolver um transtorno alimentar.
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