Luxações da coluna cervical uni e bifacetárias

Propaganda
222
ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE
Luxações da coluna cervical uni e bifacetárias:
avaliação epidemiológica e tratamento
Uni and biarticular cervical spine dislocations:
epidemiological assessment and treatment
Renato Tadeu dos Santos1
Orley Fauth Tisot2
Luiz Fernando Medeiros de Oliveira3
Rodrigo Arnold Tisot4
Jiovani Fuzer5
RESUMO
ABSTRACT
Objetivo: averiguar a epidemiologia do trauma e os resultados
obtidos com diversas técnicas cirúrgicas utilizadas para o tratamento das luxações cervicais baixas (C3-C7). Métodos: foi
realizado um estudo retrospectivo de 45 pacientes que apresentavam luxação da coluna cervical uni e bifacetárias tratadas
pelo Serviço de Coluna do Pronto-socorro de Fraturas de Passo Fundo/CEOP. Estes casos foram internados no Hospital
São Vicente de Paulo, no período de junho de 1998 a junho de
2003. A idade dos pacientes variou de 16 a 64 anos. Dos 45
pacientes, apenas nove eram do sexo feminino. Resultados: a
etiologia da lesão foi: queda de altura (42%), acidente automobilístico (42%), mergulho em água rasa (9%) e trauma direto
(7%). O nível mais freqüente das lesões foi C5-C6 seguido,
respectivamente, dos níveis C6-C7 e C4-C5, C3-C4 e C7-T1.
Verificou-se alteração da função neurológica, no exame físico
inicial, em 27 pacientes. Em 19 destes casos, a cervicobraquialgia
era o único achado. Em oito pacientes, foi constatada lesão
medular. O método de tração em halo-craniano foi realizado em
29 pacientes, sendo obtida redução da luxação em 18 casos,
com uma média de três dias. Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico. Em 22 (48,9%) casos foi realizada
a via posterior, em 16 (35,5%) a via anterior e, em sete (15,6%),
a via anterior e posterior associadas. Conclusão: foram obtidos bons resultados empregando-se diferentes técnicas e abordagens cirúrgicas.
Objective: to assess the epidemiologic data and the results
obtained with the different operative techniques in the
treatment of the lower cervical spine dislocations (C3-C7).
Methods: a retrospective study carried out of 45 patients
with cervical spine dislocations uni-and biarticular treated
by the Spine Services at the PSF/CEOP in Passo Fundo was
performed. These patients were admitted at Hospital São
Vicente de Paulo from June, 1998 to June, 2003. The of the
patients ranged from 16 to 64 years old. From 45 patients
only nine were female. Results: the etiology of the lesion was
falls (42%), motor vehicle accidents (42%), diving (9%), and
direct trauma (7%). The most frequent level of injuries was
C5-C6, followed respectively by the level C6-C7, C4-C5, C3C4 and C7-T1. The alteration of neurological function was
observed in the initial examination in 27 patients. In 19 of
the patients, the nerve root pain was the only finding. In eight
patients cord injury was detected. Halo cranial traction
method was performed in 29 patients and the dislocation
reduction was obtained in 18 cases, with the average time of
three days. All patients were submitted to surgical treatment.
Twenty-two (48%) posterior approach, 16 (35,5%) anterior
approach and seven (15,6%) the anterior and posterior
approach associated was performed. Conclusion: good
results were found using different technics and surgical
approaches.
DESCRITORES: Traumatismos da coluna vertebral/
epidemiologia; Coluna vertebral/
cirurgia; Vértebras cervicais/ lesões
KEYWORDS: Spinal injuries/epidemiology; Spine/
surgery; Cervical vertebrae/injuries
Trabalho realizado no Pronto-socorro de Fraturas/ CEOP
1
Chefe da Residência em Ortopedia e Traumatologia do Pronto-socorro de Fraturas CEOP; Professor Adjunto da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo.
Professor Titular da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo; Preceptor da Residência Médica de
Ortopedia e Traumatologia do Pronto-socorro de Fraturas - CEOP.
3
Ortopedista e Traumatologista; Preceptor da Residência Médica de Ortopedia e Traumatologia do Pronto-socorro de Fraturas - CEOP.
4
Mestre em Ortopedia e Traumatologia; Preceptor da Residência Médica de Ortopedia e Traumatologia do Pronto-socorro de Fraturas - CEOP.
5
Ortopedista e Traumatologista; Estagiário do Grupo de Coluna do Pronto-socorro de Fraturas - CEOP.
2
Recebido: 01/05/2005 - Aprovado: 12/03/2006
COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18
2006;5(4):222-228
Luxações da coluna cervical uni e bifacetárias: avaliação epidemiológica e tratamento
223
INTRODUÇÃO
As fraturas e fratura-luxações da coluna cervical são comuns e acarretam graves conseqüências para a saúde pública. Sua incidência é difícil de ser estabelecida, sendo estimada, nos EUA, em cerca de 50.000/ano1. Lesões neurológicas podem ocorrem em até 20% dos casos e, levando-se
em consideração que a lesão medular é geralmente
irreversível, altos custos são despendidos anualmente para
que estes pacientes possam receber um atendimento
multidisciplinar adequado2.
O padrão das lesões cervicais baixas (C3-C7) difere conforme a idade do paciente, alterações degenerativas prévias
e patologias diversas3-4. Critérios de estabilidade e instabilidade foram introduzidos por Holdsworth5 e White et al.,
em 19766, identificaram medidas radiográficas para uma melhor definição da instabilidade. Das classificações sugeridas
para as fraturas da coluna cervical, a que ofereceu maiores
elementos para agrupar as lesões de forma mais criteriosa
foi a proposta por Allen et al., em 19827. Porém, a rotação
não foi abordada como um mecanismo principal. Magerl et
al8. descreveram uma classificação para as fraturas da coluna toracolombar baseada nos conceitos das forças de compressão, distração e rotação. Em conseqüência de sua utilização crescente, foi adaptada por Nazarian9 para uso nas
lesões da coluna cervical.
As luxações isoladas da coluna cervical não são muito
freqüentes. Talvez, por isso, passam muitas vezes despercebidas no atendimento hospitalar inicial, podendo ocorrer
atraso de dias até meses para o correto diagnóstico3.
O método de redução das luxações cervicais varia de
acordo com diversos autores10-12. Pode ser realizado com
tração axial, através do halo craniano, manobras específicas
de tração manual ou, ainda, redução cirúrgica usando vias
de acesso posterior ou anterior.
Quando a redução da lesão é obtida, artrodese do segmento previamente luxado é realizada, tendo em vista a instabilidade acarretada pelas lesões discal e ligamentares.
Considerando-se o pequeno número de trabalhos que
avaliam este tipo específico de lesão na coluna cervical, este
estudo visa averiguar a epidemiologia do trauma e os resultados obtidos com diversas técnicas cirúrgicas utilizadas para
o tratamento das luxações cervicais baixas (C3-C7).
MÉTODOS
No período compreendido entre junho de 1998 e junho de
2003, foram internados no Hospital São Vicente de Paulo,
aos cuidados do Serviço de Coluna do Pronto Socorro de
Fraturas de Passo Fundo, 45 pacientes portadores de luxação
da coluna cervical, na região que abrange C3 a C7. Todos
estes casos foram revisados nos prontuários, nas radiografias e nos filmes de tomografia computadorizada dos arquivos do Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same) do
referido hospital. Além disso, para todos os pacientes, no
seguimento pós-operatório mínimo de 12 meses, foi realizado entrevista individual. Desta forma, objetivando catalogar todas as informações necessárias, foi utilizado um pro-
tocolo de pesquisa, sendo analisado através do programa
de informática Epi-Info 2000. Todos os casos estavam documentados com radiografias da coluna cervical nas incidências ântero-posterior e perfil, além de filmes de tomografia
computadorizada axial e sagital interessando tecido ósseo e
partes moles. Além disso, radiografias da coluna cervical
foram realizadas após o seguimento mínimo de 12 meses.
Os pacientes foram agrupados seguindo a classificação proposta por Frankel et al.13, com base nas alterações neurológicas.
Luxação da coluna cervical em osso patológico e lesão
neurológica prévia ou provocada por fratura vertebral localizada acima de C3 não foram selecionadas para o presente estudo.
As técnicas estatísticas empregadas incluíram estatística descritiva, teste de proporção, teste de associação do
Qui-quadrado e o teste exato de Fisher. Para todos os testes, o nível de significado estatístico adotado foi igual a 5%.
RESULTADOS
Nesta série de 45 pacientes avaliados com o diagnóstico de
luxação da coluna cervical, apenas dois casos procederam da
cidade de Passo Fundo. Os outros 43 pacientes foram encaminhados de outros municípios da região. Trinta e seis pacientes eram do sexo masculino (80%) e nove do sexo feminino
(20%). O teste de comparação entre as proporções foi considerado estatisticamente significativo (p < 0,001). A idade destes pacientes variou de 16 a 65 anos, com uma média de 38,8
anos. O desvio padrão foi de 14,3 anos. Quanto à etiologia do
trauma, as causas mais freqüentes foram o acidente automobilístico e a queda de altura. O mergulho em água rasa e o
trauma direto sobre a região cervicocranial também ocorreram, porém, em menor proporção. Assim, das 45 lesões, 19
(42,2%) foram provocadas pelo acidente automobilístico, 19
(42,2%) por queda de altura, quatro (8,9%) por mergulho em
água rasa e três (6,7%) por trauma direto. Até os 35 anos de
idade, o fator causal mais freqüente de lesão foi o acidente
automobilístico. Após os 35 anos de idade, o fator causal
mais freqüente de lesão foi queda de altura. (Tabela 1).
Verificou-se que, dos nove pacientes do sexo feminino
com luxação da coluna cervical, oito lesões foram causadas
por acidente automobilístico (88,9%). Este valor é considerado estatisticamente significativo (p < 0,002). Já, no sexo
masculino, a queda de altura foi a lesão predominante, com
18 casos (50%), mas considerada estatisticamente significativa apenas quando comparada com o mergulho em água
rasa e o trauma direto (p < 0,001) (Tabela 2).
A luxação cervical unifacetária foi diagnosticada em 24
pacientes (53,3%) e a luxação cervical bifacetária em 21
pacientes (46,6%). Não houve diferença estatisticamente
significativa entre os tipos de luxação (p = 0,570). A luxação
cervical ocorreu, com maior freqüência, no nível C5-C6
(40%), sendo seguida do nível C6-C7 (26,7%) (Tabela 3). O
número de lesões, que ocorreram no nível C5-C6, foi considerado estatisticamente significativo, quando comparado com as lesões diagnosticadas respectivamente nos níveis C3-C4, C4-C5 e C7-T1 (p < 0,023).
COLUNA/COLUMNA.
COLUNA/COLUMNA.
2006;5(4):222-228
2006;5(1):13-18
Santos RT, Tisot OF, Oliveira LFM, Tisot RA, Fuzer J
224
TABELA 1- Número de pacientes conforme a faixa etária e etiologia do trauma
Idade
Queda de
altura
Mergulho
em água rasa
Acidente de
trânsito
Trauma direto
Total
Até 25
4
2
5
1
12
26 a 35
2
-
6
1
9
36 a 50
6
2
3
1
12
-
12
3(6,7%)
45(100%)
Acima de 51
TOTAL
7
19(42,2%)
4(8,9%)
5
19(42,2%)
Fonte: Same
TABELA 2 – Distribuição dos pacientes conforme o sexo e etiologia da lesão
Etiologia
Queda de altura
Mergulho em água rasa
Acidente de trânsito
Trauma direto
Total
Masculino
Casos
18
4
11
3
36
%
50
11,1
30,6
8,3
100
Feminino
Casos
1
8
9
%
11,1
88,9
100
Fonte: Same
Diagnóstico tardio foi realizado em apenas dois pacientes (4,4%). A lesão neurológica ocorreu em 27 (60%) pacientes. Não houve diferença estatisticamente significativa quando comparada aos pacientes sem lesão neurológica (p =
0,061). O diagnóstico da lesão variou de cervicobraquialgia,
encontrada em 19 (42,2%) casos, até lesão medular, encontrada em oito (17,8%) pacientes. A compressão radicular no
forame de conjugação da faceta luxada não ocorreu em uma
proporção estatisticamente superior à lesão medular (p =
0,059). A recuperação completa da braquialgia ocorreu em
18 pacientes, após o procedimento cirúrgico. Em apenas um
caso, houve persistência da sintomatologia. O procedimento cirúrgico adotado havia sido por via posterior. Neste paciente, foi realizada nova intervenção cirúrgica via anterior.
Obteve-se, então, remissão completa dos sintomas. A lesão
medular ocorreu apenas no sexo masculino. Em dois destes
casos, houve lesão incompleta (Frankel B) e, em seis pacientes, a lesão era completa (Frankel A). A melhora na graduação do escore neurológico foi observada, no seguimento,
em apenas dois pacientes. Um dos casos que apresentava
lesão incompleta evoluiu após 18 meses do procedimento
cirúrgico para Frankel C. Um outro paciente, com lesão completa, passou a apresentar síndrome medular anterior no
seguimento de seis meses após o procedimento cirúrgico.
O mecanismo etiológico que ocasionou a lesão medular foi
queda de altura (3), acidente automobilístico (3), mergulho
em água rasa (1) e trauma direto (1). A luxação cervical
unifacetária ocasionou cervicobraquialgia em sete (15,5%)
pacientes e a lesão medular foi constatada em três (6,7%)
casos. Na luxação cervical bifacetária, a cervicobraquialgia
esteva presente em 12 (26,7%) pacientes e a lesão medular
em cinco (11,1%) casos (Tabela 4).
COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18
2006;5(4):222-228
TABELA 3- Distribuição dos pacientes
conforme o nível da lesão
Nível da Lesão
C3-C4
C4-C5
C5-C6
C6-C7
C7-T1
Total
Número de pacientes
4
8
18
12
3
45
%
8,9
17,8
40
26,7
6,7
100
Fonte: Same
TABELA 4 – Número de pacientes com lesão
neurológica conforme a luxação diagnosticada
Braquialgia
Unifacetária
Lesão Medular
Total
7
3
10
Bifacetária
12
5
17
Total
19 (42,2%)
8 (17,8%)
27 (60%)
Fonte: Same
O tratamento inicial, através do halo craniano, foi realizado em 29 (65,9%) paciente. O halo foi colocado no centro
cirúrgico logo após o diagnóstico da lesão. A redução das
luxações facetárias foi obtida em 18 pacientes, com uma
média de três dias de tração. Os 16 (34,1%) casos nos quais
o halo craniano não foi colocado aguardaram o procedimento cirúrgico em um colar cervical. O tratamento cirúrgico foi realizado em um período médio de 2,7 dias após a
internação, sendo que variou das primeiras 24hs a oito dias
Luxações da coluna cervical uni e bifacetárias: avaliação epidemiológica e tratamento
de internação. Nos pacientes nos quais o halo craniano não
foi instalado o procedimento cirúrgico foi realizado precocemente, com uma média de 1,8 dias após a internação.
Diferentes vias de acesso cirúrgicas foram utilizadas
pelos cirurgiões deste serviço. Foram realizados 22
(48,8%) procedimentos cirúrgicos através da via posterior e 16 (35,6%) por via anterior. Em sete (15,5%) pacientes optou-se pela associação das vias de acesso cirúrgicas anterior e posterior.
225
No procedimento cirúrgico via posterior a amarria com fios
de Luque por meio da técnica interprocessos, espinhosos, foi
realizada em nove pacientes (Figura 1). A amarria sublaminar
com fios de Luque em “8”, foi realizada em 11 pacientes (Figura
2) e, a placa cervical posterior, no maciço lateral, pela técnica de
Roy-Camille, foi realizada em três pacientes (Figura 3). No procedimento cirúrgico via anterior, foi realizada ressecção discal,
com utilização de enxerto ósseo tricortical de ilíaco, além de
estabilização com placa e parafusos (Figura 4).
Figura 1
Luxação C4-C5 unifacetária
direita. Realizada artrodese
via posterior com amarria
interespinhosa
Figura 2
Luxação C4-C5 unifacetária
esquerda. Realizada
artrodese via posterior com
amarria sublaminar
Figura 3 – Luxação C6-C7
unifacetária direita. Realizada
artrodese via posterior com
placa e parafusos nos
maciços laterais
Figura 4
Luxação C5-C6 unifacetária
esquerda. Realizado
artrodese via anterior com
placa e parafusos
COLUNA/COLUMNA.
COLUNA/COLUMNA.
2006;5(4):222-228
2006;5(1):13-18
226
Nos pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico via
anterior e posterior, associados a abordagem posterior com
amarria sublaminar ou interespinhosa, foi realizada, primeiramente, em cinco pacientes. A seguir, foi efetuada abordagem
anterior, seguida de descompressão medular, quando necessária, além de artrodese com enxerto tricortical do osso ilíaco.
Em dois destes casos, foi utilizada placa anterior e parafusos
para melhor estabilização. A via anterior foi realizada, primeiramente, em dois casos, sendo efetivada descompressão medular e artrodese com placa e parafusos. A seguir, via posterior foi
efetuada com amarria interprocessos espinhosos em um dos
pacientes (Figura 5). No outro caso, foi efetuada a artrodese
com placa posterior e parafusos. O enxerto ósseo homólogo
Santos RT, Tisot OF, Oliveira LFM, Tisot RA, Fuzer J
de crista ilíaca foi utilizado em 39 pacientes (88,6%). Em quatro
casos (8,9%), foi utilizado enxerto homólogo de processos espinhosos e, em apenas um paciente (2,5%), foi utilizado osso
liofilizado. Após o procedimento cirúrgico, todos os pacientes
foram imobilizados em colar tipo Philadelphia por 12 semanas.
O tempo médio total de internação foi de 12,8 dias, sendo que
variou de quatro a 32 dias. O seguimento médio dos pacientes
foi de três anos, sendo que variou de 12 a 60 meses. As queixas
clínicas mais comuns, no seguimento, foram cervicalgia eventual, relatada por sete pacientes, e braquialgia persistente em
um paciente. Durante o seguimento ambulatorial, a incorporação do enxerto ósseo e conseqüente eficácia da artrodese foi
constatada em todos os pacientes.
Figura 5
Luxação C4-C5 bifacetária.
Realizada artrodese via
anterior e posterior
associadas
DISCUSSÃO
A lesão da coluna cervical baixa (C3-C7) ocorre, com maior
freqüência, no sexo masculino e o acidente automobilístico
é, geralmente, o fator causal mais freqüente12,14-19. Puertas &
Gomes20, em 1998, constataram que a queda de altura, seguida do mergulho em água rasa, era o fator etiológico mais
freqüente das lesões cervicais traumáticas que diagnosticavam. No presente estudo, o acidente automobilístico e a
queda de altura foram os principais fatores causais das
luxações cervicais facetarias. Chamou nossa atenção, o fato
de que a queda de altura esteve presente principalmente
nos indivíduos masculinos acima dos 35 anos de idade.
Abaixo desta idade, o acidente automobilístico prevaleceu.
Em nossa região, talvez em conseqüência das condições
climáticas, o mergulho em água rasa não está entre as causas mais freqüentes da luxação cervical.
O nível da lesão mais acometido foi C5-C6 (40%), o mesmo relatado por diversos autores12,17-18,20. Vital et al.12, em 1998,
constataram que as luxações bifacetárias eram mais freqüentes que as luxações unifacetárias. No presente estudo, entretanto, as luxações cervicais unifacetárias foram prevalentes,
embora a diferença não tenha sido significativa.
A lesão neurológica ocorreu em 60% dos pacientes, estando de acordo com a incidência verificada por outros autores1112,21
. Levando-se em consideração que a braquialgia ocasionada pelo trauma radicular ocorreu em 19 (42,2%) pacientes e a
lesão medular em apenas oito (17,8%) casos, verifica-se que,
na realidade, as lesões graves, que costumam deixar seqüelas
incapacitantes, não ocorrem com freqüência acentuada.
No presente estudo, das oito lesões medulares, cinco foram ocasionadas secundariamente à luxação bifacetária.
COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18
2006;5(4):222-228
A cervicobraquialgia também foi evidenciada com maior freqüência nestas lesões. Este achado pode ser explicado pela
constatação de que, na luxação cervical unifacetária, há uma
redução pequena do diâmetro do canal vertebral. Isto explica a baixa incidência de complicações neurológicas significativas. Ao contrário, os pacientes com luxação cervical
bifacetária, apresentam um comprometimento maior do canal vertebral e, portanto, maior é o risco da lesão medular.
Não podemos deixar de salientar ainda que a quantidade de
energia despendida para a ocorrência de lesão facetaria bilateral deve ser um fator agravante significativo.
Diagnóstico tardio de luxação cervical facetaria é
freqüentemente relatado por diversos autores5,22. Por isso,
todo paciente politraumatizado ou com história de trauma
de alto impacto, deve ser considerado portador de uma lesão cervical instável. Portanto, adequada investigação, por
meio de exame físico e radiográfico, deve ser realizado23-24.
Em nosso estudo, diagnóstico tardio foi evidenciado em
apenas dois pacientes. Ambos os casos foram encaminhados tardiamente de outros municípios da região, pois a lesão não havia sido diagnosticada.
As fraturas-luxação da coluna cervical baixa são consideradas potencialmente instáveis no plano rotacional7,25. É
consenso que a mensuração do grau de translação sagital
maior que 3,5mm ou uma angulação vertebral maior que 11
graus é indicativa de lesão instável da coluna cervical6,26.
Estas lesões devem ser tratadas através da redução e estabilização6-7,27. O objetivo do procedimento cirúrgico é evitar
recidiva do deslocamento, dor tardia e aparecimento ou
agravamento de uma lesão neurológica21,28. A redução, por
Luxações da coluna cervical uni e bifacetárias: avaliação epidemiológica e tratamento
meios incruentos, de uma luxação uni ou bifacetária, geralmente é efetiva, embora algumas vezes ocorra piora da função neurológica, pois as manobras podem deslocar fragmentos de disco e/ou ósseos para o canal vertebral10,29. A
redução aberta, tanto por via anterior como posterior, também pode acarretar piora da função neurológica, uma vez
que o edema medular da manipulação pode ocasionar sua
deterioração30. A tração com halo craniano objetiva evitar o
deslocamento adicional, reduzir a luxação ou a fraturaluxação da coluna cervical e restabelecer, desta forma, a
congruência articular das facetas vertebrais e do corpo vertebral. Embora alguns autores preconizem a manutenção da
redução com halo-gesso28,31, a conduta atualmente indicada
é a estabilização cirúrgica, tanto por via anterior como posterior. Nesta casuística, foi realizada tração com halo craniano
em 29 pacientes, dos quais foi obtida redução em 18 casos.
O procedimento cirúrgico da luxação cervical era realizado
assim que as condições clínicas do paciente e a disposição
de sala e equipe cirúrgica eram obtidas, independentemente
se ter ou não conseguido a redução da luxação.
A técnica e a via de acesso cirúrgica variaram conforme
a preferência do cirurgião, levando-se em consideração a
presença ou ausência de hérnia discal traumática, a idade
do paciente, a energia do trauma e suas implicações.
As luxações facetárias unilaterais e bilaterais têm sido
tratadas, rotineiramente com sucesso, por meio da via de acesso cirúrgica posterior, com a utilização da técnica da amarria
sublaminar, amarria interespinhosa ou placas no maciço lateral20,25-27,32-33. Em nossa casuística, 22 (48,9%) pacientes foram
abordados cirurgicamente pela via posterior. A utilização mais
freqüente desta via de acesso cirúrgica ocorreu em conseqüência das facilidades técnicas para efetuar a estabilização das
lesões em situações nas quais não havia a associação com
hérnia discal traumática ou lesão medular.
A abordagem anterior com redução aberta e fixação com
placa, parafusos e enxerto ósseo vem sendo defendida, mais
recentemente, por vários autores 12,17-18,34. No presente
227
estudo, constatou-se que a via de acesso cirúrgica anterior
foi realizada em 14 (31,1%) pacientes, na maioria em luxações
facetarias bilaterais, nas quais a redução das luxações ocorreu através da tração com halo craniano. Por outro lado, em
alguns casos, esta via de acesso foi escolhida em conseqüência da constatação ou suspeita de hérnia discal traumática associada. Nestes pacientes, foi realizada ressecção discal
e artrodese com enxerto ósseo homólogo de ilíaco, além de
fixação com placa cervical e parafusos. Efetuou-se a revisão
do procedimento cirúrgico via anterior em dois casos. Em
um deles, havia sido constatada extrusão de parafusos, sendo o procedimento realizado oito meses após a cirurgia primária. Em outro paciente foi realizada nova abordagem
cirurgica após 16 meses do procedimento cirúrgico primário, devido à sintomatologia de dificuldade na deglutição
ocasionada pela constatação de extrusão de parafusos, além
de sinais de pseudartrose.
Alguns autores têm sugerido que a presença de luxação
facetária bilateral teria indicação de vias de acesso cirúrgicas combinadas, anterior e posterior, devido ao alto grau de
energia despendida na lesão35-36. As vias de acesso cirúrgicas combinadas são defendidas, também, nos casos de fraturas-luxações provocadas por alta energia cinética34. Em
nossa série de casos, optou-se pela associação das vias
anterior e posterior em apenas sete pacientes. A escolha
destes acessos combinados ocorreu pela prévia constatação
da gravidade das lesões.
CONCLUSÃO
Verifica-se, portanto, que as luxações da coluna cervical uni
e bifacetárias apresentam peculiaridades individuais que são
importantes na determinação do correto e precoce diagnóstico, além do apropriado tratamento. As diferentes técnicas
cirúrgicas apresentadas são de uso corrente na literatura,
sendo que bons resultados são obtidos tanto com a via de
acesso cirúrgica anterior, posterior ou anterior e posterior
associadas.
REFERÊNCIAS
1. Lifeso RM, Colucci MA. Anterior fusion
for rotationally unstable cervical spine
fractures. Spine. 2000; 25(16):2028-34.
2. Zmurko MG, Anderson DG. Timing of
surgical intervention after a cervical fracture,
dislocation, and central cord injuries. Curr
Opin Orthop. 2003; 14(3):165-9.
3. Bohlman HH. Acute fractures and
dislocations of the cervical spine. An
analysis of three hundred hospitalized
patients and review of the literature. J Bone
Joint Surg Am. 1979; 61(8):1119-42.
4. Hu R, Mustard CA, Burns C. Epidemiology
of incident spinal fracture in a complete
population. Spine. 1996; 21(4):492-9.
5. Holdsworth F. Fractures, dislocations and
fracture-dislocations of the spine. J Bone
Joint Surg Am. 1970; 52(8):1534-51.
6. White AA, Southwick WO, Panjabi
MM. Clinical instability in the lower
cervical spine. A review of past and
current concepts. Spine. 1976; 1:15-27.
7. Allen BL Jr, Ferguson RL, Lehmann
TR, O’Brien RP. A mechanistic
classification of closed, indirect
fractures and dislocations of the lower
cervical spine. Spine. 1982; 7(1):1-27.
8.Margerl F, Aebi M, Gertzbein SD, Harms
J, Nazarian S. A comprehensive
classification of thoracic and lumbar
injuries. Eur Spine J. 1994; 3(4):184-201.
9. Nazarian S. Aplication of the
comprehensive classification to the
cervical spine. Apresentado no 69th AO
Course, Advanced Spine Course.
Davos. 1998.
10. Sabiston CP, Wing PC, Schweigel JF, Van
Peteghem PK, Yu W. Closed reduction of
dislocations of the lower cervical spine. J
Trauma. 1988; 28(6):832-5.
11. Ostl OL, Fraser RD, Griffiths ER.
Reduction and stabilisation of cervical
dislocations. An analysis of 167 cases. J
Bone Joint Surg Br. 1989; 71(2):275-82.
12. Vital JM, Gille O, Senegas J,
COLUNA/COLUMNA.
COLUNA/COLUMNA.
2006;5(4):222-228
2006;5(1):13-18
Santos RT, Tisot OF, Oliveira LFM, Tisot RA, Fuzer J
228
Pointillart V. Reduction technique for uniand biarticular dislocations of the lower
cervical spine. Spine. 1998; 23(8):949-54;
discussion 955.
13. Frankel HC, Hancock DO, Hyslop G,
Melzak J, Michaelis LS, Ungar GH, et al.
The value of postural reduction in the
initial management of closed injuries of the
spine with paraplegia and tetraplegia. I.
Paraplegia. 1969; 7(3):179-92.
14. Aebi M, Mohler J, Zach GA, Morscher
E. Indication, surgical technique, and
results of 100 surgically-treated fractures
and fracture-dislocations of the cervical
spine. Clin Orthop Relat Res. 1986;
(203):244-57.
15. Borne G, Bedou G, Pinaudeau M, el
Omeiri S, Cristino G. Treatment of severe
lesions of the lower cervical spine (C3C7). A clinical study and technical
considerations in 102 cases.
Neurochirurgia (Stuttg). 1988; 31(1):1-13.
16. Dorr LD, Harvery JP Jr, Nickel VL.
Clinical review of the early stability of
spine injuries. Spine. 1982; 7(6):545-50.
17. Fisher CG, Dvorak MF, Leith J, Wing
PC. Comparison of outcomes for unstable
lower cervical flexion teardrop fractures
managed with halo thoracic vest versus
anterior corpectomy and plating. Spine.
2002; 27(2):160-6.
18. Johnson MG, Fisher CG, Boyd M,
Pitzen T, Oxland TR, Dvorak MF. The
radiographic failure of single segment
anterior cervical plate fixation in traumatic
cervical flexion distraction injuries. Spine.
2004; 29(24):2815-20.
19. Oliveira AR, Avanzi O. Estudo sobre a
mortalidade de pacientes com fratura da
coluna cervical durante o período de
hospitalização. Rev Bras Ortop. 2002;
37(3):89-96.
20. Puertas ED, Gomes MGF. Estudo
comparativo do tratamento dos
traumatismos cervicais pelas técnicas de
Rogers e Roy-Camille. Acta Ortop Bras.
1998; 6(2):81-6.
21. Hadley MN, Fitzpatrick BC, Sonntag
VK, Browner CM. Facet fracturedislocation injuries of the cervical spine.
Neurosurgery 1992; 30(5):661-6.
22. Schenarts PJ, Diaz J, Kaiser C, Carrillo Y,
Eddy V, Morris JA Jr. Prospective
comparison of admission computed
tomographic scan and plain films of the
upper cervical spine in trauma patients
with altered mental status. J Trauma.
2001; 51(4):663-8; discussion 668-9.
23. Grossman MD, Reilly PM, Gillett T,
Gillett D. National survey of the incidence
of cervical spine injury and approach to
cervical spine clearance in U.S. trauma
centers. J Trauma. 1999; 47(4):684-90.
24. Cohn SM, Lyle WG, Linden CH, Lancey
RA. Exclusion of cervical spine injury: a
prospective study. J Trauma. 1991;
31(4):570-4.
25. Couto P, Schettino LC, Franco JS,
Chambriard C, Osório L, Couto Neto B.
Luxação cervical unifacetária. Tratamento
através da abordagem por via posterior da
coluna cervical e osteossíntese com placas
e parafusos: técnica de Roy-Camille. Rev
Bras Ortop. 2001; 36(3):61-70.
26. Franco JS. Tratamento da fratura-luxação
da coluna cervical (C3-C7). Rev Bras
Ortop. 1992; 27(3):131-7.
27. Azevedo GC, Murade ECM. Estabilização da coluna cervical com placa de RoyCamille. Rev Bras Ortop. 1993; 28(11/
12):833-6.
28. Whitehill R, Richman JA, Glaser JA.
Failure of immobilization of the cervical
spine by the halo vest. A report of five
cases. J Bone Joint Surg Am. 1986;
68(3):326-32.
29. Rizzolo SJ, Piazza MR, Cotler JM,
Balderston RA, Schaefer D, Flanders A.
Intervertebral disc injury complicating
cervical spine trauma. Spine. 1991; 16(6
Suppl):S187-9.
30. Robertson PA, Ryan MD. Neurological
deterioration after reduction of cervical
subluxation. Mechanical compression by
disc tissue. J Bone Joint Surg Br. 1992;
74(2):224-7.
31. Rockswold GL, Bergman TA, Ford SE.
Halo immobilization and surgical fusion:
relative indications and effectiveness in the
treatment of 140 cervical spine injuries. J
Trauma. 1990; 30(7):893-8.
32. Puertas EB, Laredo Filho J, Köberle G.
Tratamento cirúrgico das instabilidades
cervicais através da aramagem e artrodese
posterior. Rev Bras Ortop. 1987;
22(9):253-62.
33. Rossi JDMBA, Barros Filho TEP,
Bolliger Neto R, Leivas TP, Luzo
CAM, Novo JRT. Amarria
interespinhosa versus amarria
sublaminar: estudo experimental
comparativo . Rev Bras Ortop. 1987;
22(3):79-83.
34. An HS. Cervical spine trauma. Spine.
1998; 23(24):2713-29. Review.
35. Cybulski GR, Douglas RA, Meyer
PR Jr, Rovin RA. Complications in
three-column cervical spine injuries
requiring anterior-posterior
stabilization. Spine. 1992;
17(3):253-6.
36. McNamara MJ, Devito DP, Spengler
DM. Circumferential fusion for the
management of acute cervical spine
trauma. J Spinal Disord. 1991;
4(4):467-71.
COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18
2006;5(4):222-228
Correspondência
Renato Tadeu dos Santos
Rua Paissandú, 928
Passo Fundo - Rio G. do Sul (RS), Brasil
CEP 99010-100
(55) 54 3134333
E-mail: [email protected]
Download