abordagem de grupo com pacientes asmáticos: relato de uma

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ABORDAGEM DE GRUPO COM PACIENTES ASMÁTICOS: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA DE REFERENCIAL COGNITIVO- COMPORTAMENTAL
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Autores: Leonardo Della Pasqua, Mariângela Feijó (orientadora).
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RESUMO
Este trabalho faz parte do módulo do estágio de Psicologia Clínica I, relatando a
experiência com um grupo de pacientes asmáticos, no posto ULBRA Saúde – unidade
Restinga em 1998. O referencial teórico que nos orientamos foi a abordagem cognitivocomportamental.
Trata-se de um grupo aberto, realizado semanalmente, na sala da Psicologia, com
indivíduos que frequentavam o posto em função da asma. O caráter informativo das sessões,
as clarificações das ansiedades que envolviam a doença, a relação entre os fatores
emocionais e as crises de falta de ar, a empatia e o acompanhamento sistemático dos
pacientes na emergência da unidade, exerciam um forte elemento terapêutico no grupo.
Desenvolvemos este trabalho trazendo relatos de sessões, com análise das
intervenções, demonstrando a estrutura do grupo e refletindo a respeito de seu término
inesperado e sentimentos contratransferenciais despertados em função de tal fato.
A revisão bibliográfica está dividida em três partes: a asma alérgica, questões
técnicas da abordagem de grupo e formulações psicodinâmicas a respeito da patologia
psicossomática, enfatizando a asma. Por fim a discussão dos elementos teóricos com a
prática, assim como as considerações finais e a conclusão encerram este trabalho.
Evidenciamos uma boa aderência do grupo ao modelo cognitivo-comportamental,
demonstrando a eficácia desta abordagem ao atendimento em saúde pública. O referencial
psicanalítico auxiliou-nos a compreender os fatores psíquicos relacionados a psicossomática
e a asma em particular, ampliando o entendimento desta patologia, completando o trabalho
desenvolvido através de outro referencial .
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo cumprir uma exigência do estágio de clínica I,
relatando a experiência com um grupo de pacientes asmáticos, no posto ULBRA Saúde –
unidade Restinga. O referencial teórico que nos orientamos foi a abordagem cognitivocomportamental.
Desenvolvemos este trabalho trazendo relatos de sessões, com análise das
intervenções, demonstrando a estrutura do grupo e refletindo a respeito de seu término
inesperado e sentimentos contratransferenciais despertados em função de tal fato.
A revisão bibliográfica está dividida em três partes: a asma alérgica, questões
técnicas da abordagem de grupo e formulações psicodinâmicas a respeito da patologia
psicossomática, enfatizando a asma. Por fim a discussão dos elementos teóricos com a
prática, assim como as considerações finais e a conclusão encerram este trabalho.
DESENVOLVIMENTO
RELATO DA PRÁTICA
O que segue é o relato de uma experiência com grupo de pacientes asmáticos, onde a
maioria dos indivíduos eram de terceira idade, de sexo masculino, com um encontro semanal,
de aproximadamente uma hora de duração. O grupo era coordenado por uma psicóloga
(supervisora local) e por mim, na condição de estagiário.
Quanto aos aspectos técnicos do grupo, a orientação fundamentava-se na abordagem
cognitivo-comportamental. O objetivo do grupo visava identificar pensamentos disfuncionais,
geralmente em torno das crises de falta de ar, incentivando a catarse das experiências
emocionais provocadoras de ansiedades, que contribuiam no desencadear das crises. A
verbalização das dificuldades no cotidiano – referentes aos problemas próprios da velhice e
dificuldades no ambiente familiar – era estimulada, buscando-se estratégias para a resolução
dos problemas verbalizados no grupo.
Apresentaremos fragmentos das sessões, buscando exemplificar os objetivos
expostos acima:
P1 - (Relatando sobre as dificuldades de dirigir-se ao posto para fazer nebulização) As
vezes, eu não consigo vir sozinho, tenho que chamar a brigada para vir me buscar. Eu tô
apavorado com a eficiência da brigada. Esses dias, eu estava tão mal que não conseguia nem
dirigir. Eu liguei para eles e em menos de um minuto eles já estavam lá em casa. Tô apavorado
com a eficiência deles.
T – (Buscando nomear corretamente a emoção do paciente) Tu viste o que disseste
agora? Que tu estavas apavorado com a eficiência da brigada, mas na verdade, não te sentias
apavorado.
P1 – É. Não. Eu estou impressionado com eles.
P2 – Eu precisei da brigada uma vez. Não costumo ter crises fortes. Ontem, tive um
sonho horrível, acordei apavorado, com falta de ar, muito ruim sabe?!
T – O que tu sonhaste?
P2 – Eu sonhei que estava tendo uma crise muito forte e que não tinha ninguém para
me ajudar a ir ao posto. Acordei apavorado.
T – (Assinalando os pensamentos catastróficos, visando corrigi-los) E geralmente a
gente costuma pensar coisas ruins nestas horas. Fica nervoso, pensa que o ar não vai voltar
mais, que pode morrer. O importante é que a gente comece a pensar em coisas boas também,
em coisas que vocês gostam de fazer.
Segue-se então explorando as atividades que os membros do grupo gostavam de
realizar, discutindo-se a possibilidade de mentalizar estas atividades nos momentos de crise.
Nesta mesma sessão, surge um assunto freqüente no grupo: a causa da asma.
P3 – O cigarro é uma das causas da falta de ar?
T – (Clarificando a respeito das causas e reforçando os aspectos emocionais
envolvidos) O cigarro ajuda bastante. Mas acreditamos que os pensamentos e sentimentos
também ajudam no surgimento das crises.
P3 – (Desconfiado) Será?
T – (Reforçando a catarse) Sim. A gente pensa que falando sobre esses pensamentos
e sentimentos, a falta de ar possa diminuir.
P3 – (Contrariado) Pode ser.
P6 – Eu acho que é hereditário. Meu pai morreu quando tinha setenta e um anos, de
um ataque de asma. Será que é hereditário este problema, ou é da mente?
T – (Clarificando) O que se sabe, é que a asma tem um componente físico, um
problema orgânico. Mas as emoções também ajudam nas crises, como o medo de sair de
casa, não conseguindo fazer as coisas, as brigas e aborrecimentos em casa, que auxiliam
para começar a crise.
P6 – A gente tem que se oxigenizar!
T – Oxigenizar a mente também.
P2 – (Resistente) Para mim, o meu pulmão é que precisa de oxigênio, a cabeça não.
P5 – Como assim?
P3 – Eu também não entendi.
T – Ele está dizendo que prefere tratar dos problemas do corpo do que falar das
emoções. (Dirigindo-se ao paciente) O senhor acha que não precisa falar das emoções.
P2 – Isto mesmo (sorri).
P1 – As vezes a gente é tratado mal e acaba piorando.
P2 – É. Já fui internado 14 vezes no hospital Parque Belém e um dr. tratava a gente
muito mal.
P1 – Teve um dia, que eu vim até aqui – eu tava muito mal e pedi para a moça me
fazer um favor e ela disse que não podia, que estava ocupada. Eu disse para ela que ela não
precisava fazer nada, só escutar... ver se minha ficha estava com a dra. Ela disse que não
podia. A gente acabou discutindo, ela disse que queria que eu morresse, me mandou longe e
eu mandei ela longe também.
T – (Estimulando a mudança de atitude) Que outra maneira tu poderias ter falado com
ela?
P1 – É, né. Eu sei que ela tava com outros problemas na cabeça, mas ela não
precisava falar assim. Mas eu acho que poderia ter falado com mais calma com ela.
P2 – (Chorando) No Parque Belém, o médico também tratava a gente mal, nem falava
com a gente. Mandava a gente fazer soro diurético e não dava a menor atenção para a gente.
P3 – É dose. A gente está ruim e ainda nos tratam mal.
P1 – É, a maioria não trata a gente direito.
No término das sessões, realizava-se um resumo, abordando os assuntos levantados
na sessão.
T – Bem. O nosso tempo está encerrando. (Resumindo os assuntos levantados na
sessão)A gente falou hoje um pouco sobre a doença, como são as crises; falamos da vida de
vocês e como os pensamentos e sentimentos ajudam na hora da falta de ar. (Reforçando a
catarse) A gente acredita que conforme formos falando sobre estas coisas, a falta de ar possa
diminuir.
Na maioria das vezes, o tema do grupo centrava-se nos aspectos físicos da doença,
discutindo-se a eficácia do soro e da nebulização com O2 e sobre as internações hospitalares
anteriores. Muitas vezes, o conteúdo tornava-se repetitivo, meramente descritivo, requerendo
uma conduta mais ativa por parte da coordenação do grupo, estimulando-se o
aprofundamento dos aspectos emocionais relacionados a doença. Para isso, o resumo dos
temas abordados era utilizado no meio da sessão de grupo.
T – Até agora, nós falamos das questões da doença, como é nas crises, dos remédios
que ajudam para aliviar a falta de ar, as vezes que tem que ir ao hospital... (sendo diretivo na
abordagem) o importante é que a gente fale sobre outras coisas também, sobre sentimentos
e pensamentos.
P4 – Eu tenho quatro filhas. Elas não me dão atenção.(Irritado) Moram comigo, mas
não querem fazer nada. É uma anarquia lá em casa. Todos os maridos delas não prestam. Elas
não escutam nada. O marido trocou uma das minhas filhas por outra mulher, e agora procura
ela para voltar. Se ela quiser, que vá se encontrar com ele em outro lugar. Na minha casa não.
Lá mando eu. O marido dela foi lá em casa e arrombou a porta. Eu expulsei ele de lá, bati nele
com um tijolo.
P5- É dose essas coisas. O problema dos filhos atacam a gente. Meus filhos mais
velhos são alcoólatras. Um deles até está internado, para ver se melhora. Esses problemas
fazem a gente se atacar dos nervos e aí vem a asma. Meu filho bebeu e quebrou toda a casa.
E tem os netos também. Hoje em dia as mães não querem mais saber, deixam os filhos todos
soltos. O maior problema é as drogas. Tenho alguns netos viciados. Também, os traficantes
são vizinhos... é muito difícil. Essas coisas atacam a gente.
Em outra sessão, um paciente relata a sua dificuldade de trabalhar, em função do
medo da falta de ar, apresentando um quadro de pânico associado à asma:
P1 – Eu não tive mais tosse. Tomo remédio todos os dias. Eu trabalho um pouco,
tocando de noite, mas tenho medo de me faltar o ar. Fui convidado para trabalhar numa
cidade do interior, mas tenho medo. E se me falta o ar lá, o que eu faço?
T – (Inserindo uma estratégia comportamental para aliviar a ansiedade do paciente)
Nós podemos deixar combinado de tu ligares para lá, procurando saber sobre os locais de
atendimento de emergência, o nome do local, o endereço, os horários que ficam abertos.
Deves relaxar e pensar que tu podes ir. Se te der falta de ar, é só procurar os locais que tu
investigaste.
A tarefa de casa também era utilizada, para organizar os pacientes a respeito das
situações em que as crises surgiam, o controle da medicação e das nebulizações:
T – Nós podemos então anotar, numa folha de papel ou caderno, o que a gente
conversou hoje. E vocês podem trazer no grupo, para a gente discutir aqui. Como um tema de
casa. Vocês escrevem as situações que antecedem as crises, as vezes em que tomam
medicação e quantas nebulizações e soros fizeram na semana. Escrevam e tragam no grupo,
para a gente conversar sobre isto.
TÉRMINO DO GRUPO
“Eu não vim só porque pensei que o posto fosse fechar, depois a gente se apega e não tem
mais. Mas eu vou vir a partir de agora” ( palavras de um dos membros do grupo).
Em função de questões políticas e administrativas, envolvendo uma parceria entre a
universidade e a prefeitura, a unidade em que trabalhávamos vive continuamente a ameaça
de encerramento das atividades. Infelizmente a parceria de instituições privadas com órgãos
públicos está longe de ser aquilo que possamos ter como ideal.
Além da distância entre o ideal e o real, os atritos de tais parcerias podem muitas
vezes ser prejudicial a todo um sistema assistencial às classes menos favorecidas da
periferia de Porto Alegre. Este é o caso da unidade ULBRA – Restinga. Esta foi a realidade que
enfrentamos no nosso grupo.
Estas manobras políticas, que visam o capital ou invés do sujeito, tornaram o trabalho
da Psicologia na unidade impraticável. Eram infinitas possibilidades de intervenção e
nenhuma segurança para o planejamento e implantação das atividades. A chefia de
coordenação do estágio de clínica do Complexo Hospitalar ULBRA não teve opção: tivemos
que encerrar nossos trabalhos.
Para tanto, tinhamos uma sessão para comunicar o encerramento do grupo, trabalhar
a questão da perda do espaço e encaminhar os pacientes. Tentávamos tornar o processo o
menos doloroso possível. Porém, dadas as condições, esta tarefa tornou-se muito difícil. Nos
era muito doloroso esta perda também. Junto a ela, suscediam-se muitas outras pequenas e
grandes perdas que envolviam a prática do estágio.
Iniciou-se o grupo com a comunicação da notícia e trabalhou-se em cima disso.
Infelizmente, as emoções despertadas no momento do grupo, impedem que se descreva com
fidedignidade o relato desta última sessão. Porém, as palavras de um paciente ficaram
gravadas na memória.
P5 – Minha separação com a minha mulher foi muito difícil. A gente fica acostumado a
viver com alguém do lado da gente né. Depois fica se sentindo muito sozinho, não tem mais
aquela companhia. Um ano depois, ela morreu e aí não teve volta mesmo. A gente fica triste
com essas coisas. Mas vamos em frente, a vida continua e vamos melhorar.
T – Eu acho que o senhor também esta falando da nossa separação aqui do grupo.
Como vocês estavam acostumados a vir até aqui, para serem ouvidos e poderem falar sobre
as coisas que incomodam lá fora e que agora não podem mais. Esta separação também
parece estar sendo difícil.
Foi a primeira interpretação de transferência que ocorreu neste grupo. Decodificar os
aspectos afetivos envolvidos em perda tão abrupta tornava-se primordial, causando alívio à
situação tão estressante. Também nos sentimos aliviados com esta intervenção, pois o
conteúdo do paciente era intensamente mobilizante e ansiogênico.
Os sentimentos contratransferenciais despertados foram: triteza, impotência,
dificuldade de aceitar a situação e irritação em função da perda. Na sessão, a vontade de
entregar-se às lágrimas e o sono constante – adicionado por uma noite mal dormida –
dificultaram a escuta e a função terapêutica. Um paciente começou a tossir forte durante a
sessão. Eu, sentia uma paralisia emocional, adicionado por um inconformismo muito grande.
A supervisora do local, teve que sair por alguns momentos por sentir falta de ar. Nos
identificávamos com a perda dos pacientes.
Esta sessão, foi o último dia que trabalhamos na unidade. Antes disso, passamos um
final de semana com diversas reações somáticas. Chorar a perda do grupo e do local de
estágio só foi possível na supervisão acadêmica, onde tínhamos que comunicar o ocorrido,
momentos após o término do grupo.
Esperamos poder aproveitar construtivamente esta experiência tão frustrante.
Sentimos muito pela impossibilidade de continuar o trabalho, sabendo que nenhum um outro
local irá proporcionar tanto entusiasmo em um estagiário como a comunidade da Restinga. O
prazer que proporcionava as possibilidades do local, despertaram o interesse e identificação
com o trabalho clínico social. Interesse que necessita ser adiado por um tempo, mas que não
foi esquecido.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
“Camus falava de angústia, terror, e da miserável condição humana, mas falava disso de uma
forma cômoda e floreada...a linguagem...aquele ali achava que nada afetava a ele ou a sua
literatura.(...)A humanidade podia ter andado sofrendo, mas ele não. Um sábio talvez, mas
Henry preferia alguém que gritasse quando se queimasse” (Charles Bukowski – Numa fria,
1983; p. 16).
Asma Alérgica:
Moreira e Mello Filho (1992) afirmam que a asma é uma doença multifatorial, tendo como
agentes desencadeantes: alérgenos, pêlos de animais, drogas, polens, pó doméstico, alimentos,
exercício e situações estressantes.
Os mesmos autores, nos trazem uma pesquisa de Jacobs e cols. com 41 pacientes alérgicos
em geral. Neste trabalho de 1966, testes cutâneos e investigação psicológica – com entrevistas e teste
de personalidade – foram realizados. Os resultados indicavam que 75% dos casos havia a presença de
fatores psicológicos e físicos (alérgico) para que a sintomatologia surgisse.
Lemle (1992) nos traz outra pesquisa de 1958, publicada por Wiliams, que encontrou - numa
amostra de 487 pacientes asmáticos - um fator psíquico em 64,1% dos casos, embora este fator fosse
único em apenas 3,3% dos pacientes. As crises asmáticas se iniciam por tensões emocionais, com
conteúdos de ansiedade, medo e ódio.
O mesmo autor nos traz outra pesquisa de Knapp e Mathé, de 1976, onde traços de oralidade,
dependência e ansiedade de separação estavam mais presentes em asmáticos do que no grupo
controle. O instrumento utilizado foi a bateria DPI (Dynamic Personality Inventory).
Os pacientes asmáticos, em função de seus fatores psicodinâmicos, podem apresentar
resistência ao tratamento (Lemle, 1992). Deve-se redirecionar a relação do paciente com a doença,
ajudando-o a identificar possíveis mecanismos que possam estar tornando a percepção do problema
mais ‘pessimista’. A pessoa com asma deve conscientizar-se que seu objetivo não é a cura, onde o uso
da medicação poderá proporcionar uma vida completa, embora com eventuais sintomas. O uso da
medicação supervisionada pelo médico, é garantia quase absoluta de ausência de risco de vida.
Lemle (1992) refere que a psicoterapia para estes pacientes se desenvolve em planos
artificiais ou profundos, dispensando enfoques interpretativos. Deve haver um redirecionamento da
relação médico – paciente, pois a não aderência à prescrição e o abandono são expressões da má
relação médico-paciente.
Giannotti (1998) afirma que a enfermidade psicossomática evolui a partir da dieta, da evolução
orgânica, dos condições sociais do indivíduo, do estresse, das distorções na comunicação e formas
iatrogênicas de interação, do comportamento do doente frente a doença, das atitudes da família, da
aceitação ou recusa do tratamento, da maneira como são elaboradas as fantasias destrutivas sobre
internação e cirurgia e das fantasias sobre o surgimento da doença. Os métodos utilizados geralmente
são clínicos ou cirúrgicos, visando a remoção dos sintomas, alcançando efeitos temporários. O autor
coloca a importância da interconsulta médico-psicólogo, viabilizando a penetração operacional das
concepções psicossomáticas na rotina do atendimento.
Abordagem de grupo: aspectos técnicos.
Para Maldonado (1990), no trabalho com grupos homogêneos – de enfoque preventivo – a
transmissão de informações relevantes é um aspecto básico. A extensão das informações oferecidas e
o modo com que são transmitidas, varia conforme a estrutura das sessões.
O trabalho preventivo com tais grupos, pode ter três estruturas(Maldonado, 1990):
- estrutura de curso – o modelo mais tradicional – com um professor ou uma equipe
multidisciplinar, trabalhando em forma de aula, com freqüência pré-montada, usando
recursos didáticos, onde a informação ocupa quase todo o tempo do grupo;
- estrutura mista – freqüentemente utilizada em consultórios – com um médico, que
transmite as informações numa mini-aula e uma psicóloga (co-coordenadora do grupo),
que focaliza as vivências surgidas na sessão, chegando-se a uma divisão – em momentos
separados – entre o tempo dedicado as informações e ao exame das vivências dos
participantes;
-
estrutura vivencial, onde o coordenador deve facilitar a comunicação entre os participantes
do grupo – nas emoções comuns a todos – dentro do foco proposto, aberto a aprender com
o grupo, dando prioridade ao que nele emerge, inserindo as informações conforme a
necessidade.
Conforme Paes Campos (1992) os pacientes psicossomáticos podem apresentar-se de duas
maneiras distintas: os com Alexitimia, incapazes de expressar suas emoções em palavras, atuando
corporalmente suas emoções; e os que, embora com sintomas físicos, correlacionam suas crises à sua
vida emocional. O importante é qual a técnica grupal mais efetiva para tais pacientes. Quanto menos
houver motivação em relação a pessoa do psicólogo, mais ativa deve ser a postura deste, usando mais
recursos objetivos no trato com estes pacientes, reduzindo as interpretações e utilizando métodos que
envolvam ação, como psicodrama e técnicas de encontro.
“Na verdade, cabe ao paciente ‘dar o tom’ da estratégia a ser utilizada. Se ele reconhece o nexo
de seus sintomas com suas situações de vida e dispõe-se a investigá-lo, tal tarefa parece ser
melhor exercida através de técnicas interpretativas” ( Paes Campos, 1992; p. 384).
Zimerman (1993) nos traz a experiência de Júlio de Mello Filho com tais pacientes, que
ao contrário das psicoterapias individuais – onde ocorre a procura de apenas uma doença sintomática,
com resistência às mudanças, interrupções e freqüentes abandonos – o benefício em grupoterapia é
mais intenso. Isto se deve em função do grupo servir como holding - suporte, com um espaço para
trocas de vivências, servindo de estímulo para que os pacientes psicossomáticos possam falar dos
conflitos inconscientes e vividos como catastróficos, sujeitos a repressão ou negação – a lingüagem
corporal seria o único meio para simbolizar situações ou referi-las como um sofrimento nunca
compreendido.
Mello Filho (1997) afirma que todos os pacientes somáticos trazem uma marca
psicológica consigo, pois se queixam. Sentir-se doente é uma ferida narcísica, pois algo em seu corpo
não vai bem, sendo uma ameaça a integridade do indivíduo. Há pessoas que se sentem doentes sem
estar. Estes sujeitos apresentam manifestações hipocondríacas, histéricas ou somatizações (ver
também Santos Filho (1992) e Barros (1995).
.
Conforme o mesmo autor, no grupo com pacientes psicossomáticos, a catarse é sempre um
objetivo presente. “No grupo de enfermaria, há que abordar as ansiedades, preparar os pacientes
para exames e cirurgias (...) e enfrentar os sofrimentos que antecedem a morte. Portanto, tratase de informar, apoiar, ouvi-los nas queixas (geralmente justas) em relação à equipe e à
instituição, pois não vieram se internar para conviverem com baratas e médicos ou com médicos
mal-humorados.” (Mello Filho, 1997; p. 192)
Nos grupos, devem ser usadas as seguintes técnicas: clarificações - sobre o funcionamento,
conflitos e defesas dos pacientes; confrontações, em relação as suas contradições e ambigüidades;
assinalações das relações intragrupais, que nos indicam a forma de cada paciente se relacionar com o
grupo como um todo e com os demais (Mello Filho, 1997); a interpretação deve ser evitada, pois tais
pacientes se sentiriam profundamente humilhados com intervenções desta ordem; a postura do
terapeuta é a de ‘ambiente facilitador’ do desenvolvimento da terapia – discutindo (por exemplo) a
vulnerabilidade do ser humano às doenças e exaltando a força e a saúde de quem dependemos.
O autor também nos fala da importância de um co-terapeuta - especialista na enfermidade dos
participantes do grupo – realizando consulta clínica dentro do setting, onde após este momento é
realizada a dinâmica grupal.
Os pacientes utilizam o processo grupal para expressar ansiedades particulares, mudanças,
situações de perda, luto, microdepressões, vivências transferenciais em relação ao terapeuta ou a
outro paciente do grupo (Mello Filho, 1997). Muitas vezes, tais situações são repetitivas.
Mello Filho (1997) coloca suas experiências com grupos de asmáticos (com bons resultados
terapêuticos), utilizando técnicas corporais, dramatização - utilizadas na busca de novas percepções e
experiências emocionais corretivas - e o role – playing (troca de idéias), tendo bastante sucesso,
concluindo serem úteis para este tipo de grupos.
Vinogradov e Yalom (1992) indicam 11 fatores terapêuticos que operam na grupoterapia:
instalação de esperança, universalidade dos problemas, oferecimento de informações, altruísmo,
desenvolvimento de técnicas de socialização – dramatizações e feedback, comportamento imitativo –
aprendizagem por substituição, catarse, reedição corretiva do grupo familiar primário, fatores
existenciais, coesão do grupo e aprendizagem interpessoal.
Grupos de orientação cognitivo-comportamental são utilizados para reduzir o comportamento
mal-adaptado em pacientes com problemas médicos diversos (diabetes, asma, hipertensão, etc.). Os
objetivos destes grupos são, segundo Vinogradov e Yalom (1992): humanizar o ambiente do
tratamento, melhorar adesão ao tratamento médico, instalar esperança e oferecer informações sobre
os problemas de saúde e sobre alterações no estilo de vida.
“As interpretações do processo são evitadas pelo líder do grupo. Em vez disso, o líder reforça as
habilidades positivas de manejo, altruísmo e as interações úteis que ocorrem entre os membros
do grupo. Os terapeutas encorajam ativamente os pacientes a estarem disponíveis uns aos
outros, como fontes de informação, comportamento imitativo e apoio. A socialização externa ao
grupo é vigorosamente defendida” (Vinogradov e Yalom, 1992; p.189).
Zimerman (1997) afirma que no grupo com idosos, existe uma tendência dos velhos – termo
escolhido pela autora – a fazerem relatos minuciosos dos sintomas orgânicos que estão sentindo,
impedindo um livre curso do grupo para as tarefas e um estado mental construtivo. “As vezes, essas
queixas podem servir de tema para uma discussão franca e livre para assuntos, desde o ‘aquiagora’, como o da proximidade com a morte, que uma vez ventilados e abordados com
naturalidade , acarretam um enorme alívio para todos” (p. 334).
Em seu trabalho como assistente social, a autora costuma utilizar estratégias para manter a
motivação, com atribuição de tarefas de casa, pesquisando sobre determinado assunto de interesse,
utilizando também exercícios de estimulação. O ‘tema de casa’ incentiva o exercício das atividades
físicas e mentais, redirecionando suas capacidades “para tarefas compatíveis com a realidade e
condições de cada um”(p. 335).
No período de aposentadoria, são comuns o surgimento de sintomas psiquiátricos, como
quadros depressivos graves, risco de suicídio e alcoolismo (Zimerman, 1997). É útil a instituição de
programas de reeducação para aposentados, utilizando-se recursos grupalísticos.
DeVries e Gallagher-Thompson (1995) nos trazem uma pesquisa de 1988, realizada por Leaf e
colaboradores, onde encontraram a predominância de depressão grave no final da meia-idade em
homens, que relatam mais queixas somáticas. Os autores consideram a avaliação muito importante no
processo terapêutico, onde deve-se investigar as situações estressantes – no processo de
envelhecimento - das reações catastróficas ou das crises. A angústia somática é predominante nesta
faixa etária.
Além da depressão, são comuns fatores estressantes como perdas e privações, perda da
renda, incapacidades físicas e sensoriais - acarretando em mudança na dinâmica familiar enfermidades crônicas, abuso de álcool ou de drogas, deficiência cognitiva e aposentadoria (DeVries e
Gallagher-Thompson, 1995). Estratégias cognitivas – registro de pensamentos disfuncionais,
aprendizagem da identificação de padrões de pensamentos inúteis, a geração de pontos de vistas
alternativos a uma situação particular e o questionamento socrático – e estratégias comportamentais –
monitoração cotidiana do humor, identificação de acontecimentos agradáveis no cotidiano e
relaxamento – são combinadas em seu modelo mais comum, com bons resultados nas intervenções
em crise.
O grupo com idosos possui os elementos terapêuticos de um novo espaço, para o contato com
as emoções, servindo como um canal de comunicação – entre o velho e os familiares (Zimerman,
1997). A técnica utilizada não consiste em interpretações de cunho psicanalítico, mas sim com
assinalamentos de natureza cognitiva. As amizades entre os membros do grupo são estimuladas,
servindo como ressocialização do velho, já que no grupo eles falam o mesmo idioma emocional.
Courchaine e Dowd (1995) relatam sua experiência em grupoterapia de pacientes em crise,
homogêneos, de referencial cognitivo-comportamental e com tempo limitado. Consideram que o grupo
deve ser aberto, proporcionando aos clientes uma intervenção mais imediata, já que um paciente novo
no grupo torna-se rapidamente envolvido na terapia em função de comprovarem os progressos que os
membros mais antigos realizaram.
Revelar os pensamentos disfuncionais e irracionais, testar o pensamento e o comportamento
em relação à realidade e construir técnicas mais adequadas e funcionais para reagir inter e
intrapessoalmente são objetivos da terapia cognitiva (Courchaine e Dowd, 1995). O processo de grupo
não é enfatizado, pois a terapia é orientada para o problema. “Os membros do grupo desafiam um ao
outro sobre o papel das cognições disfuncionais e se ajudam no reconhecimento dos processos
distorcidos do pensamento automático” (p.307).
Os autores sugerem um modelo que inclua entrevista de seleção, avaliação cognitiva e da
personalidade e uso da lição de casa para intervenções em crise. Na entrevista inicial são
determinados dez ítens para avaliação, mas os autores consideram que os quatro primeiros – acesso a
pensamentos disfuncionais, consciência e diferenciação das emoções, aceitação da responsabilidade
pessoal pela mudança e compatibilidade com os princípios básicos cognitivos – devem ser
encaminhados na sessão. O paciente deve ter consciência emocional, capacidade de estabelecer uma
aliança com o grupo e o terapeuta (Courchaine e Dowd,1995).
Hollon e Evans (apud Courchaine e Dowd, 1995), sugerem sessões com duração de duas
horas, uma vez por semana. As entrevistas são estruturadas, operando a partir de prioridades. A sessão
anterior é revista, onde os pacientes devem descrever seu estado e acontecimentos importantes que
ocorreram na semana. A lição de casa deve enfatizar no relacionamento com a terapia cognitiva. O
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento no grupo, atravéz de repetições cognitivas e
comportamentais, é utilizado.
Formulações psicodinâmicas:
A primeira hipótese do perfil psicodinâmico de pacientes asmáticos foi em 1941, publicada por
French e Alexander (apud Lemle, 1992). Para eles, o núcleo da conflitiva do asmático seria o choro,
inibido por temor e repúdio de uma mãe internalizada como sedutora e rejeitadora. Ao mesmo tempo, o
pai é percebido como fraco, podendo ser absorvido pela mãe, figura dominadora. Sendo assim, a crise
asmática seria uma crise de choro reprimido.
Em Além do princípio do prazer, Freud (1920) coloca que a consciência produz percepções de
excitação provindas do mundo externo e de sentimentos de prazer e desprazer que só podem surgir no
interior do aparelho psíquico – através do sistema Ics. Nos coloca a questão da intemporalidade do
inconsniente, apoiado pelo modelo kantiano de ‘formas necessárias de pensamento’.
Seguindo o modelo freudiano, o sistema Pcpt.-Cs fornece um ‘escudo contra os estímulos’. O
autor sustenta suas idéias a partir da embriologia do sistema nervoso central. Os processos
excitatórios, provindos de estímulos do mundo externo, carregado das mais poderosas energias,
seguiriam um caminho diferente na superfície da vesícula primitiva – na superfície cortical – do que
nas camadas mais profundas do córtex, nos organismos mais desenvolvidos. Sem o escudo contra
estímulos, a vesícula morreria pelas estimulações provindas do mundo externo. O córtex sensitivo
seguinte a este escudo protetor é um orgão para a recepção de estímulos do exterior, devendo tornarse no sistema Cs.
Em seguida, Freud (1920) nos traz o conceito de projeção como mecanismo defensivo para
lidar com as sensações da série prazer-desprazer, provindas do interior do organismo. “O desprazer
específico do sofrimento físico provavelmente resulta de que o escudo protetor tenha sido
atravessado numa área limitada. Dá-se então um fluxo contínuo de excitações desde a parte da
periferia relacionada até o aparelho central da mente, tal como normalmente surgiria apenas
desde o interior do aparelho” (itálico no original; p. 45)
Silva e Caldeira (1992) aprofundam a questão da psicossomática, pensando sobre os
conceitos de pensamento operatório e Alexitimia – provindos de Marty e Múzan, e de Sífneos,
respectivamente. Os portadores de pensamento operatório são dependentes ou ‘hiperadaptados’, pois
investem intensamente na realidade externa. São afastadas da mente as percepções ou
representações carregadas de afeto e as tensões físicas permanecem no campo físico. “(...) os
resíduos diurnos não se articulam com os traços de memória, portanto, não se traduzem em
elaborações adequadas de sonhos, tornando pobre a vida fantasmática e não podendo ser
usado adequadamente como cenário da pulsão” (p. 113).
Em relação aos sonhos dos pacientes somáticos, Marty (1984) os caracterizou em quatro
categorias: ausência de sonhos, que corresponderia a um isolamento do inconsciente, onde as
excitações pulsionais investem em outras vias de representação e elaboração onírica; sonhos
operarórios, onde predominam a objetividade, realidade e ausência de deformações – já que as
excitações inconscientes não passariam pela via das representações elementares do trabalho onírico;
sonhos repetitivos, com uma falha na programação do sistema onírico, onde a excitação corporal é
constante – o aparelho mental permanece preso ao último vestígio traumático de um resto diurno
permanente; e os sonhos crus – cenas diretas de realização de fins pulsionais – representados de
maneira mais ou menos familiar, sem rodeios, podendo aparecer condensações, deslocamentos,
projeções e histórias associativas ligadas aos restos diurnos.
Marty (1984) considera que os sonhos possuem excelentes elementos diagnósticos do
funcionamento do sistema pré-consciente, nas diferentes disfunções psicológicas. Apresenta a
evolução do fenômeno da censura em cada nível do aparelho mental, relacionando este processo a
aquisição individual da linguagem. As somatizações corresponderiam à falhas mentais – insuficiência
do processo do pensamento – com descargas mentais do tipo regressivo, representadas nos sonhos
dos pacientes.
Em 1973, o termo Alexitimia foi introduzido por Sífneos (apud Silva e Caldeira, 1992) que pode
ser traduzido como ‘ausência de palavras para nomear as emoções’. Essas características são
encontradas também em outros quadros clínicos, mas predominam nos quadros psicossomáticos, que
possuem maior ‘vulnerabilidade psicossomática’.
Os autores também nos apresentam o trabalho de Chevinik, que estudou os aspectos
narcisistas e contratransferenciais em pacientes psicossomáticos. Sentimentos de inércia nas
consultas, paralisação interior, frustração, aborrecimento e tédio são comuns.
Segundo McDougall (1983), pode ocorrer uma surdez contratransferencial por parte do
analista, onde o soma inexplicável dos pacientes é sentido como uma afronta narcísica à onipotência
interpretativa do terapeuta.
Freud (1917) refere que tanto no luto como na melancolia, há um desânimo penoso, seguido
pela cessação do interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição a toda e
qualquer atividade. No luto, a perda real do objeto exige que a libido seja retirada de suas ligações com
o objeto perdido. Ocorre uma inibição melancólica, no qual o ego é absorvido. É um processo natural e
contra indica uma intervenção psicanalítica.
Na melancolia, o objeto pode não ter morrido, sendo perdido enquanto objeto de amor (Freud,
1917). O melancólico exibe uma intensa diminuição de sua auto-estima, sendo comuns autorecriminações, auto-envelhecimento e uma expectativa delirante de punição. As auto-recriminações
são feitas a um objeto amado, deslocadas para o ego do paciente, havendo uma identificação do ego
com o objeto amado e uma escolha objetal narcisista. A insônia atesta um fator somático no
melancólico, pela impossibilidade – da mente do paciente – de efetuar o retraimento das catexias
necessárias para o sono.
“Na melancolia (...) travam-se inúmeras lutas isoladas em torno do objeto, nas quais o
ódio e o amor se digladiam; um procura separar a libido do objeto, o outro, defender essa
posição da libido contra o assédio. A localização dessas lutas isoladas só pode ser atribuída ao
sistema Ics. , a região dos traços de memória de coisas (em contraste com as catexias da
palavra)” (itálicos no original; p.261)
McDougall (1983) refere que nas doenças psicossomáticas há uma resistência contra tudo
que abalar o psiquismo do sujeito, onde os atos-sintomas preenchem a carência na elaboração
psíquica, “(...)na somatização o corpo não fala mais – age” (p. 136)
A mãe é internalizada como perigosa e persecutória, responsável pelo sofrimento físico e
psíquico do paciente (McDougall, 1983). Nestes pacientes, haveria um bloqueamento na capacidade
de representar ou elaborar as demandas instintivas do corpo para o psíquico. A mãe exerce uma função
calmante, exigindo uma função libidinal inapropriada, impedindo a instauração do auto – erotismo
primário e a introjeção fantasmática da mãe-seio. “(...)Em casos extremos, a carência dessa
interiorização tem por conseqüência nefasta, ou mesmo mortífera, a exclusão da atividade
libidinal da cadeia simbólica” (p. 140; itálicos no original).
A criança leva tempo para realizar sua unidade psicossomática, ‘habitando’ o corpo, para depois
nomear emoções (McDougall, 1983). A impossibilidade de inserção no código lingüístico das
experiências afetivas e corporais, depende do contato íntimo entre a mãe e a criança.
“O afeto, ao contrário da idéia, é um conceito limítrofe entre corpo e psique;(...) Essa
ponte de comunicação vital estabelecida antes da aquisição da fala, oferece a primeira
demarcação de um estatuto simbólico para o eu - somático, futuro habitat do Eu no fantasma do
sujeito falante” (McDougall, 1983; p.157 )
A relação deslibidinizada, operatória e a pobreza na captação e comunicação das vivências
afetivas serve como defesa massiva contra a dor mental (McDougall, 1983). O ‘espaço vazio’, nestes
pacientes, revela o temor provocado pelas suas relações fusionais e pela luta contra a indiferenciação
em relação ao outro. A psique recusa-se a reconhecer o sofrimento e o soma prepara-se para combater
um perigo biológico. O corpo tentará ‘expulsar’ ou ‘reter’ as emoções.
O modelo de Bion sobre o perfil psicodinâmico de pacientes somáticos é o seguinte(apud
Zimerman, 1995): os elementos  (protopensamentos formados no psiquismo infantil de tais
pacientes) são imediatamente evacuados – pelo uso expulsivo da cisão e identificações projetivas
patológicas – via somatizações ou actings (Zimerman, 1995). Estas experiências sensoriais e
emocionais primitivas não se prestam a serem pensadas – como o nível de abstração ou conceituação
dos elementos  - precisando ser aliviados para fora do organismo.
Bion (apud Zimerman, 1995) também nos coloca uma outra possibilidade do aparelho de
pensar os pensamentos lidar com a dor psíquica – onde se enquadram as somatizações. Chama esta
formação de ‘reversão da função ’. A função simbólica (função ), exercida pela mãe com capacidade
de reverie – de acolher, significar e nomear as angústias do filho, para depois devolvê-las
adequadamente – enfrenta intensa dor psíquica e recua, produzindo elementos , manifestando-se
através de delírios, alucinações e fenômenos psicossomáticos, descarregando dentro do corpo suas
angústias primitivas, não havendo possibilidade de ‘aprender com a experiência’.
As idéias bionianas também são defendidas por Lages (1995), que aprofunda um pouco mais a
questão. Sugere a troca de nomenclatura para ‘somatopsicose’, já que pensa que o termo
psicossomático esteja muito ligado a idéia de histeria.
Segundo a autora, nos casos de alergia e asma alérgica: “(...)o objeto identificado com a
função materna mostra-se narcisista, onipotente e dominador. Como o ego do somatopsicótico
não pode reconhecer os não-egos,(...) não consegue conter e decodificar os impulsos agressivos
jogados sadicamente para o interior do mesmo” (Lages, 1995; p.67).
A função psicanalítica da personalidade deve mostrar-se sem memória, sem desejo, sem
compreensão, para poder tolerar e ultrapassar um não-seio, em um pensamento a procura de um
pensador (Lages, 1995).
DISCUSSÃO
Apesar das teorias a respeito do perfis psicossomáticos serem muitas, podemos encontrar
elementos comuns a todas elas. As hipóteses de Freud do desprazer do sofrimento físico e da
hipercatexização do órgão enfermo; Alexander e a crise do choro reprimido; Marty e Sífneos, com os
conceitos de pensamento operatório e Alexitimia; McDougall com a questão dos atos sintomas e a
exclusão da atividade libidinal da cadeia simbólica, por uma mãe que exerce a função calmante; e Bion,
pelo evacuamento dos elementos  - através da cisão e identificação projetiva – via somatizações.
Partem de um mesmo vértice: a incapacidade de nomear emoções, por uma falha do aparelho de
pensar os pensamentos em abstrair e simbolizar as experiências emocionais primitivas, não
alcançando as catexias de palavra, descarregando no corpo estas angústias primitivas de
indiferenciação, através da primeira via que o bebê encontra para comunicar-se: o corpo.
A função materna, é internalizada como narcisista, onipotente, perigosa e persecutória,
exercendo uma função calmante a capacidade de pensar. O corpo expulsa ou retém emoções, por uma
mãe que não tem capacidade de reverie, não nomeando as angústias do filho. A linguagem não serve
para elaboração psíquica e sim como adaptação ao mundo externo. Estamos de acordo com McDougall
(1983) e Lages (1995).
No grupo de asmáticos, esta hipótese parece se confirmar, pois a maioria dos membros do
grupo referem-se a infância como sendo muito difícil. O trabalho desde cedo e as freqüentes punições
são relatados com intenso sofrimento não elaborado, onde as somatizações exercem uma função de
descarga emocional.
P2 – Eu fiquei pensando sobre essas coisas que a gente passou. Meu pai também me
maltratou muito. Fez eu trabalhar desde cedo. Comecei a trabalhar com ele quando eu tinha oito anos,
na granja que ele tinha. A gente tinha que trabalhar desde cedo, senão apanhava.
P5 – Eu também trabalho desde os oito anos. Sou o mais velho de dezesseis irmãos. A gente
tinha que trabalhar cedo, senão não dava, não tinha dinheiro. Mas as coisas hoje em dia estão
mudadas. A gente se incomoda e acaba se sentindo engasgado, com falta de ar.
Freqüentemente, as crise de asma estavam associadas a problemas de ordem familiar. Os
pacientes costumavam verbalizar a dificuldade de perceber e nomear o que sentiam, retendo a emoção
e, principalmente, a agressividade. Era comum se sentirem um incômodo para a família.
P5 – Briguei com o meu filho mais novo. Aí já me ataquei dos nervos e começou a falta de ar. Eu
não disse nada para ele e acabei ficando engasgado.
T – O senhor não disse o que queria a ele e acabou ficando com falta de ar?
P5 – É. Aí o pulmão fica cheio e eu não consigo respirar. Eu me sinto prisioneiro de mim mesmo.
A gente não tem mais aquela voz de comando.
P2 – É melhor viver sozinho mesmo. Não tem como falar com eles, não adianta. A gente tá
sempre errado e eles certos. Os filhos não ajudam em nada. Eu ganho R$ 130,00. Cem reais eu tenho
que dar pros meus filhos, para ajudar nas despesa. Me sobram trinta reais.
P5 – Tem que ter mais respeito. Amanhã eu vou partir... não precisa reeleição.
A agressividade retida aparecia constantemente no grupo, onde algumas crises poderiam ser
denominadas ‘crises da agressividade reprimida’. Alguns pacientes referiram vontade de brigar nas
sessões do grupo. O choro e a tristeza não são permitidos por fortes imposições morais, que
impossibilitam ao ego dos sujeitos, ligarem a idéia ao afeto. O corpo torna-se o ‘lugar’ da conflitiva
emocional, pois seu ego não exerce a função de decodificar as sensações e emoções.
Traços orais, como tabagismo e dependência também estão presentes. A dependência gira em
torno da doença. A faixa de idade em que os pacientes começaram a fumar variava dos 8 aos 13 anos. A
sensação de sentir-se sozinho estava intensamente relacionada a crises de ansiedade e de falta de ar.
“Peço a Deus para me dar ar” – referia um paciente.
Os pesadelos dos pacientes podem ser classificados como ‘sonhos crus’, segundo Marty
(1984), onde o conteúdo dos sonhos enfocavam as crises, sem deformações ou deslocamentos.
As situações de perdas eram predominantes. O medo de morrer nas crises estava presente em
praticamente todos os pacientes. “Eu não tenho medo de morrer. Tenho medo é de sofrer” – dizia um
paciente. Quadros depressivos e de ansiedade estavam relacionados a asma e as crises.
Uma conceituação cognitiva-comportamental das dificuldades dos pacientes, nos auxilia para
planejar o tratamento. Pode ser estruturada da seguinte forma:
Estratégias comportamentais de enfrentamento para as situações de crise :
esquivamento, retraimento, preferindo não se deslocarem para lugares onde não conheciam o sistema
de saúde, não se afastando muito do posto de atendimento. A falta de ar ocorria em função das
ansiedades em situações estressantes, pesadelos com narrativa em torno das crises, insônia.
Pensamentos automáticos nas crises : penso que vou morrer, que não vou conseguir repirar
de novo.
Suposições: não posso ficar sozinho, pois se eu tiver uma crise, não vai ter ninguém para me
ajudar; não posso sair a rua, pois se eu sentir falta de ar estarei sozinho, sem auxílio.
Crenças: preciso de alguém que cuide de mim quando ocorrer as crises de asma; não posso
fazer minhas atividades em função da minha doença.
A postura da coordenação do grupo era ativa, pois os assuntos tornavam-se repetitivos e os
pacientes mostravam-se sem muita motivação para o trabalho grupal. A interpretação não foi utilizada.
Privilegiou-se as seguintes técnicas: clarificações, confrontações, assinalamentos, troca de idéias,
resumo no meio e no final da sessão – visando a estimulação do processo de pensar.
O registro de pensamentos disfuncionais envolvendo a doença, também foi utilizado como
tarefa de casa, onde estimulava-se a aprendizagem por padrões de pensamentos inúteis, que
dificultavam o enfrentamento das crises; e a geração de pontos de vista alternativos para as situações.
Estratégias comportamentais foram utilizadas para suprimir comportamentos indesejáveis e na
aquisição de novos comportamentos mais adaptados.
As amizades eram estimuladas, servindo de elemento ressocializador do grupo, estimulandose o altruísmo e as interações úteis por parte dos membros. O processo grupal não foi enfatizado. O
objetivo destas técnicas foi humanizar o ambiente do tratamento, estimulando-se a adesão ao
tratamento médico, instaurando esperança (Vinogradov e Yalom, 1992).
Quanto aos aspectos contratransferenciais, despertados pelo grupo, concordamos com
McDougall (1983) a respeito da possibilidade de ocorrer uma surdez contratransferencial, ocasionada
por sentimentos de inércia, aborrecimentos, tédio e frustração. Em certos momentos a paralisação
interior era intensa, deixando a impressão de não não estar exercendo a função terapêutica no grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos dividir o aprendizado com o grupo em dois momentos distintos: antes e depois da
elaboração deste trabalho. No início do grupo, as reações contratransferenciais apontadas por
McDougall e Chevinik estavam presentes com freqüência. Sem o aprofundamento teórico necessário,
não era possível visualizar as reais condições afetivas e cognitivas dos membros do grupo. Muitas
sessões a irritação e a sensação de inércia tornavam-se fortes, impossibilitando o aproveitamento das
capacidades dos pacientes.
A pouca experiência com a abordagem cognitivo-comportamental também dificultou o
processo. As intervenções eram pensadas de maneira psicanalítica, causando ansiedade e estranheza
com esta abordagem. Com o tempo e a leitura, estes incômodos foram diminuindo de intensidade.
A necessidade de um trabalho com enfoque social e suas possibilidades de intervenção são
muitas, onde o trabalho grupal apresenta bons resultados. Isto pode ser evidenciado pelo número
extenso de atividades grupais, que são realizados nos postos de saúde da comunidade Restinga, com a
participação da comunidade.
O grupo de referencial cognitivo-comportamental parece indicado no trabalho social de
intervenção psicossomática. Pensamos que entrevistas de seleção poderiam ser realizadas para a
avaliação cognitiva e da personalidade, assim como na estimulação da coesão do processo grupal e
seleção dos pacientes indicados para tal estrutura de grupo. Acreditamos que tais entrevistas
diminuiriam as resistências em relação ao tratamento e vincularia os pacientes ao processo com mais
facilidade. A interconsulta não foi possível, porém acreditamos que um especialista na enfermidade
seria produtivo na estrutura do grupo.
Lamentamos o término repentino do grupo, principalmente em função dos pacientes, que
começavam a vincular-se a nós e tiveram que sofrer mais uma perda com proporções emocionais
traumáticas.
CONCLUSÃO
Finalizando o trabalho, gostaríamos de refletir a respeito de uma frase que aparecia com certa
regularidade no grupo: “Hoje eu gostei do grupo, aprendi bastante” – diziam alguns pacientes em
determinadas sessões. Parece que o caráter informativo das sessões, assim como as clarificações a
respeito das ansiedades que envolviam a doença, exerciam um forte elemento terapêutico. Os
pacientes sentiam-se aliviados de saber que a doença respiratória não os mataria, que era
administrável com medicação.
Relacionar fatores emocionais às crises de falta de ar também causava alívio, apesar de
enfrentarmos resistência ao introduzirmos tal conexão. A empatia foi primordial para o estabelecimento
da aliança terapêutica. Outro momento que foi fundamental para o vínculo e para trabalharmos a
resistência do grupo, foi o acompanhamento sistemático dos pacientes na emergência da unidade,
onde nos colocávamos a disposição para ouví-los e aceitá-los.
A abordagem cognitivo-comportamental adapta-se muito bem a grupos de referencial
psicossomático, pois trabalha no aqui-e-agora, focando sua escuta para os problemas e dificuldades
dos sujeitos. Não se prioriza a subjetividade, onde o pensamento operatório e alexitímico dificultam a
imersão no mundo inconsciente do paciente. Elabora-se técnicas e estratégias para trabalhar no
ambiente e sobre os pensamentos disfuncionais dos sujeitos, que dificultam o seu convívio normal
com a doença, causando-lhe sofrimento e ansiedade.
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